Entrevista Divaldo – Mediunidade
Entrevista de Divaldo Franco publicada no Jornal O Paraná no ano de 2000.
O PARANÁ: O Papa é intitulado e se auto-intitula o representante de Deus na Terra. Como o Espiritismo vê isso?
DIVALDO: Como uma presunção, com todo o respeito que ele nos merece, principalmente um homem nobre, como o Papa João Paulo II, dentre outros igualmente nobres. Jesus disse que a única característica que nos podia tornar conhecidos é de que nos amássemos uns aos outros, e Ele próprio teve ocasião de dizer, ipsis verbis:
“O filho do homem não tem uma pedra para reclinar a cabeça, embora as aves do céu tenham seus ninhos e os lobos tenham os seus covis”. Ele nasceu em uma manjedoura, num lugar muito modesto, numa gruta.
Morreu numa cruz e toda a sua trajetória foi muito simples. Sem nenhuma mística em torno do vulto do homem Jesus, vemos Nele um exemplo de auto-imolação. Então, alguém auto-eleger-se como representante de Deus, estando na sua condição de humanidade, sujeito às vicissitudes da arteriosclerose, das disfunções de natureza enzimática do cérebro – porque os neurônios cerebrais passam por várias transformações, por estados emocionais -, não deixa de ser um salto muito audacioso, porque ao representar Deus, de alguma forma, assume-Lhe a postura. Nós o consideramos o chefe da Igreja, o chefe político, o chefe ideológico, o chefe social, mas um cidadão, embora nobre, igual a qualquer um de nós.
O PARANÁ: Existia ou ainda existe a chamada “mesa branca” no Espiritismo? Se existe, o Sr. Poderia nos explicar o que significa?
DIVALDO: Todas as idéias novas sofrem as interferências das superstições e das colocações ópticas de todos aqueles que aderem. A colocação da palavra, do conceito “mesa branca”, tem o atavismo afro-animista, em que os nossos irmãos, quando chegaram ao Brasil, trazendo as suas doutrinas africanistas, viram-se constrangidos a submetê-las ao talante da religião oficial e dominante. Como normalmente os altares eram forrados com toalhas muito brancas, artisticamente trabalhadas, eles procuraram diferenciar as suas realizações de culto em que se encontravam na intimidade das senzalas para adorar a Deus, daquela outra que tinha o altar coberto de toalhas alvas. Quando mais tarde se deram conta da Doutrina Espírita, eles passaram a diferençar entre o culto afro – as reuniões chamadas de roda ou de giro -, e aquelas que seriam mais elevadas, as mesas brancas. No Espiritismo, as nossas mesas são normalmente marrons, porque são envernizadas. Não existem toalhas; não existem adornos;
não tem nada que caracterize e também não temos a presunção de que as nossas atividades sejam superiores àquelas que outros realizam em denominações variadas das suas crenças na Umbanda, na Quimbanda. Nós não temos senão o interesse de demonstrar que o Espiritismo está isento de qualquer expressão de culto e de qualquer colocação de natureza seitista. Daí, não existe nenhum ponto de contato entre a mesa branca ou não, não existe este conceito. É nada mais do que uma colocação atávica, de natureza supersticiosa.
O PARANÁ: O que é médium ou mediunidade?
DIVALDO: Allan Kardec, em “O Livro dos Médiuns”, capítulo XIV, diz, ipsis verbis: “Todo aquele que sente a presença dos Espíritos em determinado grau, é, por isso mesmo, médium”. A palavra médium foi criada por Allan Kardec, utilizando-se do verbete latino, para tipificar aqueles que serão instrumentos dos recursos que facultam a comunicação entre o chamado mundo espiritual e o chamado mundo material. A mediunidade é a faculdade da alma. A alma tem uma disposição que o organismo veste de células, para poder proporcionar um intercâmbio. Médiuns, por extensão, somos todos nós, porque estamos sempre no meio de energias diferentes, que estão em faixas vibratórias as mais distintas. No entanto, existem aqueles que são mais ricos, os chamados médiuns ostensivos, por intermédio de quem os fenômenos são muito mais imperiosos do que os convencionalmente mais sutis. Allan Kardec, então, dividiu esses médiuns em duas classes: aqueles que são os médiuns naturais, e aqueles que são os médiuns de prova; aqueles que são portadores de distúrbios, provocados pelos Espíritos, e aqueles que são dotados de uma faculdade límpida, cristalina. Isso é fácil de entender, porque, genericamente, todos somos seres inteligentes, pelo fato de sermos criaturas humanas. No entanto, existem os super dotados, como Goethe, Einstein, Machado de Assis, e existem aqueloutros, que temos o discernimento, porém muito limitado, embora todos estejamos tecnicamente como pessoas inteligentes. Daí, a mediunidade é a faculdade da alma que o corpo veste de células para o fenômeno, e ser médium é ter a capacidade de captar ondas, vibrações transpessoais que sejam transmitidas pelos Espíritos encarnados oudesencarnados.
O PARANÁ: E a mediunidade só pode ser lapidada através do Espiritismo?
DIVALDO: Seria, de certo modo, uma presunção de nossa parte achar que é só através. A metodologia, hoje, mais eficaz, é dada pelo Espiritismo, que se especializou. Não obstante, uma pessoa que se moralize, em qualquer lugar; uma pessoa que se autodescubra; uma pessoa que faça uma viagem psicológica interior, forrada de bons propósitos, pode muito bem apurar as suas faculdades psíquicas; entrar em contato com o mundo espiritual com muita facilidade. Por exemplo, Francisco de Assis. Ele era médium, porque ele era interexistente. Ele estava entre os dois mundos, o material e o espiritual, e o seu caráter cristalino fez com que ele se tornasse o maior êmulo de Jesus, o seu verdadeiro copilador. Emet Fox, um dos homens notáveis deste século, que é um livre pensador evangélico admirável, entre as suas muitas obras escreveu “O Sermão da Montanha”, atualizando o pensamento de Jesus. Ele era um caráter diamantino que sintonizava com o psiquismo divino. E as suas obras, embora sejam de sua lavra cultural, são portadoras de uma mensagem transcendental extraordinária – de alguma forma, portanto,médium direto. Não obstante, quando se tem distúrbios psíquicos acentuados, na mediunidade de prova atormentada, o Espiritismo possui a melhor metodologia, porque oferece o estudo do sistema nervoso; os riscos da mediunidade; as técnicas de identificação daqueles que por ele se comunicam, e, ademais, demonstra a imensa gama de fenômenos de que ele é objeto, convidando-o a especializar-se nesta ou naquela modulação.
O PARANÁ: Qual a mensagem que o Sr. deixa aos leitores de O Paraná?
DIVALDO: “O ser humano vem conquistando espaço. Amplia-se o horizonte cósmico. A cada dia ele descobre a grandiosidade do infinito.
As sondas espaciais trouxeram informações dantes jamais sonhadas. Os microscópios eletrônicos adentraram-se nas micropartículas, e quando o ser humano acreditou que estava com todas as respostas, ele desperta para constatar que está cheio de dúvidas. A ciência trouxe-lhe um número enorme de equações, aparentemente solucionadas. Mas, neste momento, existem mais de duzentas interrogações intrigantes para a ciência: Por que existe o Universo? Como o Universo auto fez-se? Fala-se do “Big-Bang”, de que as partículas estavam condensadas e explodiram, mas isto já é um efeito. Como surgiram as partículas? Do nada. Qual é a força do nada? No campo da biologia as interrogações são ainda mais perturbadoras: como é que a célula inicial, o neuroblasto, ao dividir-se, pode apresentar células específicas para as cartilagens ou para o nervo ótico; para o neurônio cerebral ou para os cabelos; para a pele ou para a elasticidade cardíaca? Por que em um determinado momento a célula do dedo pára de crescer, ao invés de prosseguir ininterruptamente, como caberia à unha? A ciência dá-se conta, através dos seus mais eminentes investigadores, que este é um momento de perguntas: Por que existe a noite? Qualquer um de nós dirá: porque o Sol está ;do outro lado. Muito bem! E os bilhões de estrelas muito mais poderosas do que o Sol? Por que não iluminam a noite? Será que estão tão distantes que a sua luz ainda não chegou à Terra? Então, a engenharia genética, tentando copiar a natureza através dos clones e de outros inventos, ameaça o homem de respostas aberrantes.
Mas, qual a solução? A viagem para dento. A criatura humana ainda não teve a coragem de autopenetrar-se. Faz uma viagem numa bólide espacial, mas tem medo de se autodescobrir. Quando o indivíduo fizer a viagem para dentro e perguntar-se “quem sou eu?” “por que estou aqui?”, “qual é o objetivo essencial da minha vida?”, a ciência lhe dará o contributo intelectual, mas ele descobrirá os valores morais, que servirão de ponte para endossar bem a ciência e encontrar-se consigo mesmo, o que equivale dizer com seu deus interno. Então, nossa mensagem de paz seria esta: Em qualquer conjuntura, seja você, caro amigo leitor, quem ame. Se não o amarem, se o martirizarem, se o afligirem, sem nenhum masoquismo, continue amando. Aquele que nos não compreende está de mal consigo mesmo. Nós, que já descobrimos a vida, somos como o Sol guardado numa lâmpada. E é necessário fazer com que a lâmpada que nos envolve seja transparente, para que a nossa luz, saia, não devendo permitir que o envoltório seja fosco e deixe nossa luz retira.
Então, que sejamos nós aqueles que amamos e que não desistamos nunca. É verdade que aparentemente há prevalência do mal e dos maus. Há a dominação dos arbitrários, mas é transitória. A futura árvore tem que vencer a casca da semente, o sol a lustro, as pragas, as intempéries para poder perpetuar a espécie. Então, vale a pena amar porque quando nós amamos nós saímos da
amargura que nos deram para participar da alegria que nós vamos dar”.
http://www.mundoespirita.com.br/jornal/set6-1.htm