Fluídicos – Revista Espírita junho 1869
Revista Espírita junho 1869
Extrato dos Manuscritos de um Jovem Médium Bretão
ALUCINADOS, INSPIRADOS, FLUÍDICOS E SONÂMBULOS
(Segundo artigo – Vide a Revista de fevereiro de 1868)
Por certo os nossos leitores se lembram de haver lido, no número da Revista de fevereiro de 1868, a primeira parte deste estudo, interessante sob mais de um ponto de vista. Hoje publicamos a sua continuação, deixando ao Espírito que o inspirou toda a responsabilidade de suas opiniões e reservando-nos para analisá-las um pouco mais tarde.
Entregamos estes documentos ao exame de todos os espíritas sérios e ficaremos reconhecidos aos que houverem por bem nos transmitir a sua apreciação, ou as instruções de que poderão ser objeto, da parte dos Espíritos. A Revista Espírita é, antes de tudo, um jornal de estudo e, nessa condição, apressa-se em acolher todos os elementos capazes de esclarecer a marcha de nossos trabalhos, deixando ao controle universal, apoiado pelos conhecimentos adquiridos, o cuidado de julgar em última instância.
III
OS FLUÍDICOS
Chama-se Fluido a esse nada e a esse tudo não analisável, por meio do qual o mundo espiritual se põe em comunicação com o mundo material, e que mantém o nosso físico em harmonia, quer consigo mesmo, quer com o que está fora dele.
Embora nos envolva e nos cerque, e vivamos nele e por ele, é na alma que se une e se condensa. É não só esta porção de nossa alma que nos põe em ação, nos dirige e nos guia, mas, ainda, por assim dizer, a alma geral que plana sobre todos nós; é o laço misterioso e indispensável que estabelece a unidade em nós mesmos e fora de nós; e se vier a partir-se momentaneamente, é então que se manifesta essa modificação imensa a que chamamos morte.
O fluido é, pois, a própria vida: é o movimento, a energia, a coragem, o progresso; é o bem e o mal. É esta força que, por sua vez, parece animar, pelo sopro de sua vontade, quer a charrua benfeitora que fertiliza a terra e faz de nós os alimentadores do gênero humano, quer o fuzil maldito que a despovoa e nos transforma em assassinos de nossos irmãos.
O fluido facilita, entre o Espírito do inspirador e o inspirado, relações que, sem ele, seriam impossíveis.
Os alucinados são nervosos, mas não fluídicos, no sentido de que deles nada se desprende. É esta falta de desprendimento, este excesso ou esta falta de fluido, esta ruptura violenta do seu equilíbrio que os exalta até a loucura, ou, pelo menos, até a divagação momentânea, e faz desfilar à sua frente fantasmas imaginários, ou que se ligam mais ou menos ao pensamento dominante, que, excitando as fibras cerebrais, faz entrar em revolta a quintessência do fluido circulante, muito cheio dessa noção impressionável que incessantemente tende a se desprender.
Se morrer um louco ou um alucinado, e se fizermos a autópsia do seu cadáver, tudo parecerá são na sua natureza física; nada será descoberto de particular em seu cérebro. Entretanto, será possível observar mais comumente uma ligeira lesão do coração, pois a parte moral atingida exerce poderosa influencia material sobre este órgão.
Pois bem! essas desordens que o escalpelo não descobre, que o dedo não toca, que o olho não vê, existem no
fluido, que a Ciência, sempre muito materialista, nega para não ter que o estudar.
Para ser uma força, o vapor não necessitava que Salomon de Caus ou Papin adivinhassem o seu emprego, assim como, para existir, a eletricidade não tinha esperado que Galvani viesse conceder-lhe foros de cidadania no meio dos sábios oficiais.
O fluido não se mostra mais cerimonioso para com as suas doutas sentenças. A eletricidade e o vapor, que são apenas de ontem, já revolucionaram o mundo material. Afirmando a realidade do fluido, o Espiritismo modificará ainda muito mais profundamente o mundo intelectual e moral.
Não só o fluido existe, mas é duplo; apresenta-se sob dois aspectos diversos, ou, pelo menos, suas manifestações são de duas ordens muito diferentes.
Há o fluido latente, que cada um possui e que, mau grado nosso, põe em movimento toda a máquina. Ele está em nós, sem que disso tenhamos consciência, porque não o sentimos, e as naturezas linfáticas vivem sem suspeitar que ele existe.
Depois, há os fluidos circulantes que estão em perpétua ação e em constante ebulição nas organizações nervosas e impressionáveis. Quando não servem senão para nos pôr em intensa atividade, deixamo-los agir ao acaso, e eles só excitam a nossa preocupação quando, por falta de equilíbrio ou por uma causa qualquer, sua ação se traduz por ataques de nervos ou outras desordens aparentes, cuja causa devemos procurar.
Acontece muito freqüentemente que, quando a crise nervosa é acalmada, e depois do abatimento que se segue, um fluido se desprende de certos sensitivos e lhes permite exercer uma ação curativa sobre outros seres mais fracos e atingidos por um mal contrário ao seu. Basta um simples toque na parte sofredora para os aliviar. É uma espécie de magnetismo circulante, momentâneo, inconsciente, porque a ação fluídica se produz imediatamente ou não se produz absolutamente.
Quando os inspirados são fluídicos de nascimento, gozam no mais alto grau desta faculdade curativa. Mas é uma rara exceção.
Ordinariamente o estado fluídico se desenvolve durante a puberdade, nesse momento transitório em que ainda não se é forte, mas que se o será para suportar a luta da vida.
Viram-se certos seres tornar-se fluídicos durante alguns anos, mesmo alguns meses, e deixar de o ser quando retomaram sua situação normal e regular.
Por vezes mesmo, e notadamente nas mulheres, esse estado se manifesta na hora crítica em que a fraqueza começa a se fazer sentir.
Algumas vezes acontece que crianças são dotadas desse estado em idade ainda bem tenra. Um secreto instinto nos atrai para elas. Dir-se-ia que uma auréola de pureza se irradia em torno dessas cabeças louras de querubins. Ainda tão próximas de Deus, estão sãs de corpo, de coração e de alma; irradiam saúde e sua vista, sua presença, seu contato serenam inteiramente o nosso corpo.
Senti-vos bem em beijá-las e sois felizes embalando-as em vossos braços. Há nelas algo mais que o encanto que se prende às doces carícias da criança, há um eflúvio que acalma as vossas agitações, vos rejuvenesce e vos restabelece a harmonia momentaneamente comprometida. Senti-vos atraído para esta e não para aquela. Não sabeis o porquê: é que a primeira vos proporciona um bem-estar que não sentiríeis junto de qualquer outra.
Qual de nós não procurou, muitas vezes durante muito tempo e sem o encontrar, ai! o ser que nos deve aliviar! Entretanto ele existe, assim como o remédio que nos deve curar.
Procuremos sem desanimar e o descobriremos.
Batamos e abrir-nos-ão. Por mais doentes que estejamos, há, no entanto, em algum lugar, uma alma que responderá à nossa alma.
Fracos, ela soerguerá a nossa força; fortes, abrandará as nossas asperezas. Com ela nos completaremos, e ambos esperam por ela para fazer o bem.
As naturezas fortemente constituídas exercem uma ação magnética sobre os caracteres mais fracos. Para magnetizar proveitosamente é necessário um grande esforço de vontade concentrada, conseqüentemente um desprendimento de nós mesmos; e esse desprendimento não pode ter uma ação curativa enquanto não juntar uma força poderosa à fraqueza que combatemos, e que faz sofrer aquele que magnetizamos.
Só raramente os magnetizadores podem ser magnetizados por outros. Parece que esse esforço da vontade que eles têm de realizar cava uma espécie de reservatório, no qual se acumula o fluido, em estado latente, que derrama seu excesso sobre os demais; mas não sobra mais lugar para receber algo dos outros.
A intuição é a radiação do fluido que, desprendendo-se daquele sobre o qual queremos agir, vem despertar o nosso e o faz derramar-se sobre o ser que queremos aliviar. Desse choque de dois agentes contrários sai uma centelha; ela esclarece o nosso Espírito e nos mostra o que convém fazer para atingir o objetivo. É a caridade posta em ação. Agindo esse fluido, sempre pronto a despertar ao primeiro apelo do sofrimento, é encontrado sobretudo nas almas sensíveis e ternas, mais preocupadas com o bem alheio do que com o seu próprio bem.
Existem certos médicos nos quais esse desprendimento fluídico se opera mesmo sem que eles o percebam, e que receberam de Deus o dom de curar com mais segurança os que sofrem.
Enfim, há naturezas realmente fluídicas, cujo excesso exige um desprendimento contínuo, sob pena de reagirem contra elas próprias. A ação que exercem sobre os que lhes são simpáticos é sempre salutar, mas pode tornar-se funesta para os que lhes são antipáticos.
É entre estas que se encontram os sensitivos que, na obscuridade, percebem clarões ódicos que se desprendem de certos corpos, enquanto outros nada vêem.
Os fluídicos e os sensitivos são os mais sujeitos aos sentimentos instintivos de simpatia ou de antipatia, em presença daqueles cujo contato ou simples vista lhes faz experimentar o bem ou o mal.
Certas crianças exercem uma pressão física ou moral sobre seus irmãos ou seus camaradas. É o fluido em desprendimento que envolve estes últimos e os domina.
Cada um de nós exerce sobre outrem um poder atrativo ou repulsivo, mas em graus diversos, porque a Natureza é múltipla e infinita em suas combinações.
Quem não sentiu o efeito de um simples aperto de mão, que restabelece o equilíbrio do ser ou nele destrói esse equilíbrio? que nos une à pessoa que nos cumprimenta ou dela nos afasta? Que nós dá uma sensação de bem-estar ou de sofrimento? Quem não sentiu o frio ou o calor de um beijo? Quem não sentiu esse frêmito interior que abala todo o nosso ser, no momento em que somos postos em contato com outro, e que nos leva a dizer: É um amigo!… ou, então: É um inimigo?
As pessoas cujas mãos são frias e úmidas são de compleição fraca; de sensibilidade pouco desenvolvida, não dão fluido e necessitam que se lhos prodigalize.
Habitualmente os inspirados gozam do privilégio de poder socorrer, por um fluido que deles se desprende, aqueles que necessitam. Mas, raramente desfrutam de boa saúde e neles o equilíbrio e a harmonia reinam raramente.
Têm muito fluido ou não o têm suficiente, e quase só no momento da inspiração se acham em completa harmonia. Mas, então, não sentem os benefícios, porque outra individualidade está unida à sua e os abandona momentaneamente, depois que deram o que tinham como reserva.
Os curadores do campo, os feiticeiros, os que fazem desaparecer as entorses, geralmente são fluídicos. Seu poder é real; eles o exercem sem saber como. Mas seria engano crer que possam agir igualmente sobre todo o mundo. É preciso que o fluido que deles se desprende esteja em harmonia com o da pessoa que o deve absorver, senão se produz um efeito contrário. Daí vem o mal muito real que por vezes se sente após uma visita a um desses pretensos feiticeiros.
Não há remédios nem fluidos cuja ação seja universal.
Toda ação é modificada pela natureza daquele que a recebe. É preciso que a centelha fira com precisão, sem o que haverá choque e agravação do mal que se pretende aliviar.
O magnetismo sofre a mesma lei e não pode ser mais eficaz em todos os casos.
Os sensitivos e os fluídicos são as naturezas mais generosas, as que melhor sentem todas essas mil ninharias que compõem o ser humano em sua parte moral, física e intelectual.
Mas são também os mais infelizes, porque se dão mais aos outros do que recebem.
Os maiores fluídicos geralmente têm mais desgosto de sua personalidade. Pensam nos outros e jamais em si mesmos. Isto também se deve, talvez, a uma espécie de intuição secreta; sentem que sem essa liberação de seu excesso, que derramam sobre os outros, não poderiam ter repouso.
Lamentemos os fluídicos e os sensitivos. A vida para eles tem mais dores que alegrias; não passa de um contínuo sofrimento.
Mas, ao mesmo tempo, admiremo-los, porque são bons, generosos e dotados de caridade humanitária. Deles se desprende uma força para aliviar os seus irmãos, e é por serem mais completamente tudo para todos, que são tão pouco para si mesmos.
E talvez o seu adiantamento seja mais rápido e maior num outro mundo, porque passaram por este aplicando-se apenas em fazer o bem aos outros.
Por vezes, depois de um grande desprendimento, o fluídico sofre e chega a um extremo grau de fraqueza, até o
momento em que entra de novo na posse de sua força. Quando uma pessoa sofre, ele não calcula e vai até ela. O coração o arrasta vitoriosamente, adivinha quem puder! Não é mais um homem detido por frias conveniências; é uma alma que desperta ao primeiro grito de sofrimento, e que não se lembra mais senão depois que o alívio chegou!