Marte e Júpiter R. E. 1860
Marte
Outubro/1860 (Médium, senhora Costel.)
Marte é um planeta inferior à Terra da qual é um esboço grosseiro; não é necessário habitá-lo. Marte é a primeira encarnação dos demônios mais grosseiros; os seres que o habitam são rudimentares; têm a forma humana, mas sem nenhuma beleza; têm todos os instintos do homem sem o enobrecimento da bondade.
Entregues às necessidades materiais, eles bebem, comem, lutam, se unem carnalmente. Mas como Deus não abandona nenhuma de suas criaturas, no fundo das trevas de sua inteligência jaz, latente, o vago conhecimento de si mesmo, mais ou menos desenvolvido. Esse instinto basta para torná-los superiores uns aos outros, e preparar a sua eclosão para uma vida mais completa. A sua é curta, como a dos efêmeros. Os homens, que não são senão matéria, desaparecem depois de uma curta duração. Deus tem horror ao mal, e não o tolera senão como servindo de princípio ao bem; abrevia o seu reino e a ressurreição triunfa dele.
Neste planeta a terra é árida; pouca verdura; uma folhagem sombria que a primavera não rejuvenesce; um dia igual e cinza; o sol, apenas aparente, nunca prodigaliza as suas festas; o tempo escoa monótono, sem as alternativas e as esperanças das estações novas; não há inverno, não há verão. O dia, mais curto, não se mede do mesmo modo; a noite reina mais longa. Sem indústrias, sem invenções, os habitantes de Marte gastam sua vida para conquista de seu alimento. Suas moradias grosseiras, baixas como covil de feras, são repelentes pela incúria e pela desordem que aí reinam. As mulheres lançam-se sobre os homens; mais abandonadas, mais famélicas, não são senão suas mulheres. Elas têm apenas o sentimento maternal; colocam no mundo com facilidade, sem nenhuma angústia; alimentam e guardam suas crianças junto delas até o completo desenvolvimento de suas forças, e as repelem sem remorso, sem uma lembrança.
Eles não são canibais; suas contínuas batalhas não têm por objetivo senão a posse de um terreno mais ou menos abundante em caça. Caçam em planícies intermináveis. Inquietos e móveis como os seres desprovidos de inteligência, se deslocam sem cessar. A igualdade de sua estação, por toda a parte a mesma, comporta por conseqüência as mesmas necessidades e as mesmas ocupações; há pouca diferença entre os habitantes de um hemisfério a outro.
A morte não tem para eles nem terror nem mistério; consideram somente como a podridão do corpo que queimam imediatamente. Quando um desses homens vai morrer, ele é logo abandonado e sozinho, estendido, pensa pela primeira vez; um vago instinto se apodera dele; como a andorinha advertida de sua próxima migração, ele sente que tudo não está acabado, que vai recomeçar alguma coisa desconhecida. Ele não é bastante inteligente para supor, temer ou esperar, mais calcula às pressas suas vitórias ou seus defeitos; pensa num número de animais que abateu, e se regozija ou se aflige segundo os resultados obtidos. Sua mulher (eles não têm mais que uma cada vez, mas podem mudar tanto quanto lhes sejam conveniente) agacha-se sobre o limiar da porta, lança pedras no ar; quando formam um pequeno montículo, ela julga que o tempo decorreu e se arrisca a olhar no interior; se suas previsões estão realizadas, se o homem está morto, ela entra sem um grito, sem uma lágrima, despoja-o das peles de animais que o envolve, e vai friamente advertir seus vizinhos que carreguem o corpo e o queimem, apenas resfriado.
Os animais, que suportam por toda parte o reflexo humano, são mais selvagens, mais cruéis que por toda parte alhures. O cão e o lobo não são senão uma mesma espécie, e sem cessarem em luta com o homem, se entregam a combates obstinados. Aliás, menos numerosos, menos variados sobre a Terra, os animais são o resumo de si mesmos.
Os elementos têm a cólera cega do caos; o mar furioso separa os continentes sem navegação possível; o vento ruge e curva as árvores até o solo. As águas submergem as terras ingratas que elas não fecundam. O terreno não oferece as mesmas condições geológicas da Terra; o fogo não esquenta; os vulcões são ali desconhecidos; as montanhas, apenas elevadas, não oferecem nenhuma beleza; elas cansam o olhar e desencorajam a exploração; por toda aparte, enfim, monotonia e violência; por toda a parte, a flor sem a cor e o perfume, por toda a parte homens sem previdência, matando para viver.
Georges.
Nota. Por servir de transição entre o quadro de Marte e de Júpiter, seria necessário o de um mundo intermediário, da Terra, por exemplo, mas que conhecemos suficientemente. Em observando-a, é fácil reconhecer que mais se aproxima de Marte do que de Júpiter, pois que no seio mesmo da civilização se encontram ainda seres tão abjetos e tão desprovidos de sentimentos de humanidade, que vivem no mais absoluto embrutecimento, não pensam senão nas necessidades materiais, sem nunca terem voltado seus olhos para o céu, e que parecem virem de Marte em linha direta.
Júpiter
(Médium, senhora Costel.)
O planeta Júpiter, infinitamente maior do que a Terra, não apresenta o mesmo aspecto. Ele está inundado de uma luz pura e brilhante, que ilumina sem ofuscar. As árvores, as flores, os insetos, os animais dos quais os vossos são o ponto de partida, ali são enobrecidos e aperfeiçoados; ali a natureza é mais grandiosa e mais variada, a temperatura é igual e deliciosa; a harmonia das esferas encanta os olhos e os ouvidos. A forma dos seres que o habitam a mesma que a vossa, mas embelezada, aperfeiçoada, e sobretudo purificada. Não estamos submetidos às condições materiais de vossa natureza: não temos nem as necessidades, nem as enfermidades que lhes são as conseqüências. Somos almas revestidas de um envoltório diáfano que conserva as marcas das nossas migrações passadas: aparecemos aos nossos amigos tais como nos conheceram, mas iluminados por uma luz divina, transfigurados pelas nossas impressões interiores que sempre são elevadas.
Júpiter é dividido, como a Terra, em um grande número de regiões variadas de aspecto, mas não de clima. As diferenças de condições ali são estabelecidas unicamente pela superioridade moral e inteligente; não há nem senhores nem escravos; os graus mais elevados não são marcados senão pelas comunicações mais diretas e mais freqüentes com os Espíritos puros, e pelas funções mais importantes que nos são confiadas. Vossas habitações não podem vos dar nenhuma idéias das nossas, uma vez que não temos as mesmas necessidades. Cultivamos artes chegadas a um grau de perfeição desconhecido entre vós. Gozamos de espetáculos sublimes, entre os quais o que admiramos mais à medida que o compreendemos melhor, é a inesgotável variedade de criações, variedades harmoniosas que têm seu ponto de partida e se aperfeiçoam no mesmo sentido. Todos os sentimentos ternos e elevados da natureza humana, nós os encontramos aumentados e purificados, o desejo incessante que temos de chegar à classe dos puros Espíritos não é um tormento, mas uma nobre ambição que nos impele a nos aperfeiçoarmos. Estudamos incessantemente com amor para sermos elevados até eles, o que fazem também os seres inferiores para chegarem a nos igualar. Os vossos pequenos ódios, os vossos mesquinhos ciúmes nos são desconhecidos; um laço de amor e fraternidade nos une: os mais fortes ajudam os mais fracos. No vosso mundo tendes necessidade da sombra do mal para sentir o bem, da noite para admirar a luz, da enfermidade para apreciar a saúde. Aqui, esses contrastes não são necessários; a eterna luz, a eterna bondade, a eterna calma da alma nos enche de uma eterna alegria. Eis o que o espírito humano tem mais dificuldade de compreender; foi engenhoso para pintar os tormentos do inferno, mas nunca pôde representar as alegrias do céu, e por que isto? Porque sendo inferior, não suportou senão penas e misérias, e não entreviu as celestes dar idades; não pode vos falar daquilo que não conhece, como o viajante descreve os países que percorreu; mas, a medida que se eleva e se depura, o horizonte se ilumina e ele confunde o bem que tem diante de si, como compreendeu o mal que ficou atrás dele. Outros Espíritos já procuraram vos fazer compreender, tanto quanto a vossa natureza o permite, o estado de mundos felizes, a fim de vos excitar a seguir um único caminho que pode a eles conduzir; mas há entre vós os que são de tal modo agarrados à matéria que preferem ainda as alegrias materiais da Terra, às alegrias puras que esperam o homem que sabe delas desligar-se. Que aí gozem, pois, enquanto aí estão! Porque um triste retorno os espera, talvez mesmo desde esta vida. Aqueles que escolhemos por nossos intérpretes são os primeiros a receber a luz; infelizes deles, sobretudo, se não aproveitam o favor que Deus lhes concede, porque a sua justiça pesará sobre eles!
GEORGES.