Os sóis e os Planetas – A Gênese 1868
Livro A Gênese
Capítulo VI URANOGRAFIA GERAL
OS SÓIS E OS PLANETAS
20. – Ora, ocorre que, num ponto do Universo, perdida entre as miríades de mundos, a matéria cósmica se condensa sob a forma de uma imensa nebulosa. Essa nebulosa está animada por leis universais que regem a matéria; em virtude dessas leis, e notadamente da força molecular de atração, ela toma a figura de um esferóide, a única que pode revestir, primitivamente, uma massa de matéria isolada no espaço.
O movimento circular produzido pela gravitação, rigorosamente igual, de todas as zonas moleculares para o centro, logo modifica a esfera primitiva para conduzi-la, de movimento em movimento, para a forma lenticular. – Falamos do conjunto de nebulosa.
21. – Novas forças surgem em consequência desse movimento de rotação: a força centrípeta e a força centrífuga; a primeira tendendo a reunir todas as partes ao centro, a segunda tendendo a distanciá-las dele. Ora, o movimento se acelerando à medida que a nebulosa se condensa, e seu raio aumentando à medida que ela se aproxima da forma lenticular, a força centrífuga, incessantemente desenvolvida pelas suas duas causas, logo predomina sobre a atração central.
Do mesmo modo que um movimento muito rápido da funda parte a corda e deixa escapar, para longe, o projétil, assim a predominância da força centrífuga destaca o centro equatorial da nebulosa, e, desse anel, forma uma nova massa, isolada da primeira, mas, não obstante, submissa ao seu império. Essa massa conservou o seu movimento equatorial que, modificado, torna-se seu movimento de translação ao redor do astro solar. Além do mais, o seu novo estado lhe dá um movimento de rotação ao redor do seu próprio centro.
22. – A nebulosa geratriz, que dá nascimento a esse novo mundo, condensou-se e retoma a forma esférica; mas o calor primitivo, desenvolvido pelos seus movimentos diversos, não se enfraquecendo senão com uma extrema lentidão, o fenômeno que acabamos de descrever se reproduzirá com frequência e durante um longo período, enquanto essa nebulosa não se tornar muito densa, bastante sólida, para opor uma resistência eficaz às modificações de forma, que lhe imprime sucessivamente o seu movimento de rotação.
Ela não terá, pois, dado nascimento a um único astro, mas a centenas de mundos destacados do foco central, resultantes dela pelo modo de formação mencionados mais acima. Ora, cada um desses mundos, revestidos, como o mundo primitivo, de forças naturais que presidem à criação de universos, engendrará, em seguida, novos globos gravitando, doravante, ao redor dele, como ele gravita, concorrentemente com os seus irmãos, ao redor do foco de sua existência e de sua vida. Cada um desses mundos será um sol, centro de um turbilhão de planetas, sucessivamente saídos do seu equador. Esses planetas receberão uma vida especial, particular, embora dependente de seu astro gerador.
23. – Os planetas são, assim, formados de massas de matéria condensada, mas não ainda solidificada, destacadas da massa central pela ação da força centrífuga, e tomando, em virtude das leis do movimento, a forma esferoidal mais ou menos elíptica, segundo o grau de fluidez que conservaram. Um desses planetas será a Terra que, antes de estar resfriada e revestida de uma crosta sólida, dará nascimento à Lua, pelo mesmo modo de formação astral ao qual deve a sua própria existência; a Terra, doravante inscrita no livro da vida, berço de criaturas cuja fraqueza está protegida sob a asa da divina Providência, corda nova na harpa infinita, que deve vibrar, em seu lugar, no concerto universal dos mundos.
OS SATÉLITES
24. – Antes que as massas planetárias houvessem atingido um grau de resfriamento suficiente para nelas operar a solidificação, massas menores, verdadeiros glóbulos líquidos, se destacaram de algumas no plano equatorial, plano no qual a força centrífuga é maior, e, em virtude das mesmas leis, adquiriram um movimento de translação ao redor do seu planeta gerador, como ocorreu com estes ao redor de seu astro central gerador.
Foi assim que a Terra deu nascimento à Lua, cuja massa, menos considerável, deve ter sofrido um resfriamento mais rápido. Ora, as leis e as forças que presidiram ao seu desligamento do equador terrestre, e seu movimento de translação nesse mesmo plano, agiram de tal forma que esse mundo, em lugar de revestir a forma esferóide, tomou a de um globo ovóide, quer dizer, tendo a forma alongada de um ovo, cujo centro de gravidade estaria fixado na parte inferior.
25. – As condições em que se efetuaram a desagregação da Lua lhe permitiriam, com dificuldade, distanciar-se da Terra, e a constrangeram a permanecer perpetuamente suspensa em seu céu, como uma figura ovóide cujas partes, as mais pesadas, formaram a face inferior, voltada para a Terra, e cujas partes menos densas ocuparam o topo, se se designa por esse nome o lado virado à Terra, e se elevando para o céu. É o que faz com que esse astro se nos apresente, continuamente, a mesma face. Pode ser comparado, para melhor fazer compreender o seu estado geológico, a um globo de cortiça cuja base, voltada para Terra, seria formada de chumbo.
Daí, duas naturezas essencialmente distintas na superfície do mundo lunar; uma sem nenhuma analogia possível com o nosso, porque os corpos fluidos e etéreos lhe são desconhecidos; a outra, ligeiramente relativa à Terra, uma vez que todas as substâncias, as menos densas, se assentaram sobre esse hemisfério. A primeira, perpetuamente voltada para a Terra, sem água e sem atmosfera, se isso, algumas vezes, não está nos limites desse hemisfério sub-terrestre: a outra, rica em fluidos, perpetuamente oposta ao nosso mundo (6).
26. – O número e o estado dos satélites de cada planeta variaram segundo as condições especiais nas quais se formaram. Uns não deram nascimento a nenhum astro secundário, tais como Mercúrio, Vênus e Marte, ao passo que outros formaram um ou vários deles, como a Terra, Júpiter, Saturno, etc.
27. – Além dos seus satélites ou luas, o planeta Saturno apresenta o fenômeno especial do anel que, visto de longe, parece rodeá-lo como uma branca auréola. Essa formação é, para nós, uma nova prova da universalidade das leis da Natureza. Esse anel é, com efeito, o resultado de uma separação que se operou nos tempos primitivos no equador de Saturno, do mesmo modo que uma zona equatorial escapou da Terra para formar o seu satélite. A diferença consiste em que o anel de Saturno se encontra formado, em todas as suas partes, de moléculas homogêneas, provavelmente já num certo grau de condensação, e pôde, desse modo, continuar o seu movimento de rotação no mesmo sentido e num tempo quase igual ao que anima o planeta. Se um dos pontos desse anel tivesse sido mais denso do que um outro, uma ou várias aglomerações de substâncias ter-se-iam subitamente operado, e Saturno teria contado vários satélites a mais. Desde o tempo da sua formação, esse anel é solidificado assim como os outros corpos planetários.
OS COMETAS
28. – Astros errantes, mais ainda do que os planetas que conservaram a denominação etimológica, os cometas serão os guias que nos ajudarão a transpor os limites do sistema ao qual pertence a Terra, para nos transportar às regiões longínquas da extensão sideral.
Mas antes de explorar, com a ajuda desses viajores do Universo, os domínios celestes, seria bom fazer conhecer, tanto quanto seja possível, a sua natureza intrínseca e o seu papel na economia planetária.
29. – Foram vistos, freqüentemente, nesses astros, cabelames de mundos nascentes, elaborando em seu caos primitivo as condições de vida e de existência que são dadas como herança às terras habitadas; outros imaginaram que esses corpos extraordinários eram mundos em estado de destruição, e a sua aparência singular foi, para muitos, o assunto de apreciações errôneas sobre a sua natureza: de tal sorte que não houve, até na astrologia judiciária, quem neles não haja feito presságios de infelicidades enviadas, pelos decretos providenciais, à Terra espantada e tremente.
30. – A lei de variedade é aplicada com tão grande profusão nos trabalhos da Natureza, que se pergunta como os naturalistas, astrônomos ou filósofos, ergueram tantos sistemas para assimilar os cometas aos astros planetários, e por não verem, neles, senão astros em grau mais ou menos grande de desenvolvimento ou de caducidade. Os quadros da Natureza deveriam amplamente bastar, no entanto, para distanciar do observador o cuidado de procurar relações que não existem, e deixarem aos cometas o papel modesto, mas útil, de astros errantes servindo de exploradores para os impérios solares. Porque os corpos celestes, de que tratamos, são diferentes dos corpos planetários; não têm, como eles, a destinação de servirem de morada às humanidades? Vão, sucessivamente, de sóis a sóis, se enriquecendo por vezes, no caminho, de fragmentos planetários reduzidos ao estado de vapor, tomar aos seus focos os princípios vivificantes e renovadores que despejam sobre os mundos terrestres (cap. IX, nº 12.)
31. – Se, quando um desses astros se aproxima de nosso pequeno globo, para atravessar-lhe a órbita e retornar ao seu apogeu, situado a uma distância incomensurável do Sol, se nós o seguíssemos, pelo pensamento, para visitar, com ele, os continentes siderais, transporíamos essa extensão prodigiosa de matéria etérea que separa o Sol das estrelas, as mais vizinhas, e, observando os movimentos combinados desse astro, que se crê perdido no deserto do infinito, encontraríamos, ainda aí, uma prova eloqüente da universalidade das leis da Natureza, que se exercem a distâncias que a mais ativa imaginação dificilmente pode conceber.
Ali, a forma elíptica toma a forma parabólica e a marcha se modera, ao ponto de não percorrer senão alguns metros no mesmo tempo que, no seu perigeu, percorria vários milhares de léguas. Talvez um sol mais poderoso, mais importante do que aquele que acaba de deixar, usará, para com esse cometa, uma atração preponderante, e o receberá na fileira do seus próprios sujeitos, e, então, as crianças espantadas de vossa pequena Terra lhe esperarão, em vão, o retorno que tinham prognosticado por observações incompletas. Nesse caso, nós, cujo pensamento seguiu o cometa errante a essas regiões desconhecidas, reencontraremos, então, uma nova nação, impossível de encontrar para os olhares terrestres, inimaginável para os Espíritos que habitam a Terra, inconcebível mesmo para o seu pensamento, porque será o teatro de maravilhas inexploradas.
Chegamos ao mundo astral, nesse mundo ofuscante de vastos sóis que irradiam no espaço infinito, e que são as flores brilhantes do canteiro magnífico da criação. Somente ali chegados é que saberemos o que é a Terra.
32. – Durante as belas noites estreladas e sem lua, cada um pode notar esse clarão esbranquiçado que atravessa o céu, de uma extremidade a outra, e que os Antigos haviam denominado via-láctea, por causa de sua aparência leitosa.
Esse clarão difuso foi longamente explorado pelo olhar do telescópio nos tempos modernos, e esse caminho de pó de ouro, ou esse regato de leite da antiga mitologia, se transformou num vasto campo de maravilhas desconhecidas. As pesquisas dos observadores conduziram ao conhecimento da sua natureza, e mostraram, lá onde o olhar perdido não encontraria senão uma fraca claridade, milhões de sóis, mais luminosos e mais importantes do que aquele que nos ilumina.
33. – A Via-Láctea, com efeito, é um campo semeado de flores solares ou planetárias, que brilham em sua vasta extensão. O nosso Sol e todos os corpos que o acompanham, fazem parte desses globos resplandecentes dos quais se compõe a Via-Láctea; mas, apesar das suas dimensões gigantescas, relativamente à Terra, e à grandeza do seu império, não ocupam, no entanto, senão um lugar inapreciável nessa vasta criação. Pode-se contar uma trintena de milhões de sóis, semelhantes a ele, que gravitam nessa imensa região, distanciados, uns dos outros, em mais de cem mil vezes o raio da órbita terrestre (7).
34. – Pode-se julgar, por essa aproximação, da extensão dessa região sideral, e da relação que une o nosso sistema à universalidade dos sistemas que a ocupam. Pode-se julgar, igualmente, da exigüidade do domínio solar e, a fortiori, do nada da nossa pequena Terra. Que seria isso, pois, se se considerassem os seres que a povoam!
Digo do nada porque as nossas determinações se aplicam não somente à extensão material, física, dos corpos que estudamos – isso seria pouco – mas ainda, e sobretudo, ao seu estado moral de habitação, ao grau que ocupam na eterna hierarquia dos seres. A criação aí se mostra em toda a sua majestade, criando e propagando tudo ao redor do mundo solar, e em cada um dos sistemas que o rodeiam por todas as partes, as manifestações da vida e da inteligência.
35. – Conhece-se, dessa maneira, a posição ocupada pelo nosso Sol ou pela Terra, no mundo das estrelas; essas considerações adquirirão, ainda, um maior peso, se se refletir no próprio estado da Via-Láctea que, na imensidão das criações siderais, não representa, ela mesma, senão um ponto insensível e inapreciável, visto de longe; porque ela não é outra coisa do que uma nebulosa estelar, como existem milhares delas no espaço. Se nos parece mais vasta e mais rica do que outras, é pela única razão de que nos rodeia e se desenvolve, em toda a sua extensão, sob os nossos olhos; ao passo que as outras, perdidas nas profundezas insondáveis, se deixam entrever com dificuldade.
36. – Ora, se se sabe que a Terra não é nada, ou quase nada, no sistema solar; este nada, ou quase nada, na Via-Láctea; este nada, ou quase nada, na universalidade das nebulosas, e esta universalidade, ela mesma, muito pouca coisa no meio do imenso Infinito, começar-se-á a compreender o que é o globo terrestre.
AS ESTRELAS FIXAS
37. – As estrelas que se chamam fixas, e que constelam os dois hemisférios do firmamento, não estão isoladas de toda atração exterior, como se supõe geralmente; longe disso, elas pertencem, todas, a uma mesma aglomeração de astros estelares. Essa aglomeração não é outra senão a grande nebulosa da qual fazemos parte, e cujo plano equatorial, que se projeta no céu, recebeu o nome de Via-Láctea. Todos os sóis que a compõem são solidários; suas múltiplas influências reagem, perpetuamente, uma sobre a outra, e a gravidade universal as reúne todas numa mesma família.
38. – Entre esses diversos sóis, a maioria é, como o nosso, cercada de mundos secundários, que iluminam e fecundam pelas mesmas leis que presidem à vida do nosso sistema planetário. Uns, como Sírius, são milhares de vezes mais magníficos, em dimensão e riquezas, do que o nosso, e o seu papel mais importante no Universo, do mesmo modo os planetas, em maior número e muito superiores aos nossos, que os rodeiam. Outros são muito dessemelhantes pelas suas funções astrais. É assim que um certo número desses sóis, verdadeiros gêmeos da ordem sideral, são acompanhados de seus irmãos da mesma idade, e formam, no espaço, sistemas binários aos quais a Natureza deu funções diferentes às que dizem respeito ao nosso Sol (8). Ali, os anos não se medem mais pelos mesmos períodos, nem os dias pelos mesmos sóis, e esses mundos, iluminados por uma dupla luz, receberam por herança condições de existência inimagináveis para aqueles que não saíram nunca desse pequeno mundo terrestre.
Outros astros, sem cortejo, privados de planetas, receberam os melhores elementos de habitabilidade que não foram dados a nenhum. As leis da Natureza são diversificadas em sua imensidão, e se a unidade é a grande palavra do Universo, a variedade infinita não lhe é menos o eterno atributo.
39. – Apesar do número prodigioso dessas estrelas, e de seus sistemas, malgrado as distâncias incomensuráveis que as separam, todas elas não pertencem menos à mesma nebulosa estelar, que os olhares dos mais possantes telescópios podem, com dificuldade, atravessar, e que as concepções, as mais ousadas, da imaginação podem, com dificuldade, transpor; nebulosa que, não obstante, não é senão uma unidade na ordem das nebulosas que compõem o mundo astral.
40. – As estrelas que se chamam fixas não estão imóveis na extensão. As constelações que se figuram na abóbada do firmamento, não são criações simbólicas reais. A distância da Terra e a perspectiva sob a qual se mede o Universo desde essa posição de pé, são as duas causas dessa dupla ilusão de óptica (cap. V, nº 12).
41. – Vimos que a totalidade dos astros que cintilam na cúpula azulada está encerrada na mesma aglomeração cósmica, em uma mesma nebulosa que nomeais por Via-Láctea; mas, por pertencerem todos a um mesmo grupo, esses astros nele não são, cada um, menos animados por um movimento próprio de translação no espaço; o repouso absoluto não existe em nenhuma parte. São regidos pelas leis universais da gravitação, e rolam, na extensão, sob o impulso incessante dessa força imensa; rolam não segundo rotas traçadas pelo acaso, mas segundo órbitas fechadas, cujo centro é ocupado por um astro superior. Para tornar as minhas palavras mais compreensíveis, por exemplo, falarei especialmente de vosso Sol.
42. – Sabe-se, pelas observações modernas, que ele não tem ponto fixo nem central, como se acreditava nos primeiros dias da astronomia nova, mas que avança no espaço, arrastando
consigo o seu vasto sistema de planetas, de satélites e de cometas.
Ora, essa caminhada não é fortuita e não vai errante nos vácuos infinitos, perder-se longe das regiões que lhe estão assinadas seus produtos e seus sujeitos. Não, a sua órbita é medida, e, concorrentemente com outros astros, da mesma ordem dele, e cercados como ele de um certo número de terras habitadas, gravita em torno de um sol central. Seu movimento de gravitação, do mesmo modo daqueles sóis seus irmãos, é inapreciável a observações anuais, porque períodos seculares, em grande número, bastariam com dificuldade para marcar o tempo de um desses anos astrais.
43. – O sol central, de que acabamos de falar, ele mesmo é um globo secundário, relativamente a um outro mais importante ainda, ao redor do qual perpetua uma marcha lenta e medida, em companhia de outros sóis da mesma ordem.
Poderíamos constatar essa subordinação sucessiva de sóis a sóis, até que a nossa imaginação esteja fatigada de subir numa tal hierarquia; porque, não esqueçamos, pode-se contar, em números redondos, uma trintena de milhões de sóis na Via-Láctea, subordinados uns aos outros, como maquinismos gigantescos de um imenso sistema.
44. – E esses astros, em números incontáveis, vivem, cada qual, uma vida solidária; do mesmo modo que nada está isolado na economia do vosso pequeno mundo terrestre, assim também nada está isolado no incomensurável Universo.
Esses sistemas de sistemas pareceriam de longe, ao olhar investigador do filósofo, que soubesse abarcar o quadro desenvolvido pelo espaço e pelo tempo, uma poeira de pérolas de ouro, levantada em turbilhões sob o sopro divino, que faz voar os mundos siderais nos céus, como os grãos de areia sobre os cantos do deserto.
Não mais de imobilidade, não mais de silêncio, não mais de noite! O grande espetáculo que se desenrolasse deste modo, sob os nossos olhares, seria a criação real, imensa e cheia de vida etérea que abarca, no conjunto imenso, o olhar infinito do Criador.
Mas, até aqui, não falamos senão de uma nebulosa; os seus milhões de sóis, os seus milhões de terras habitadas, não formando, como dissemos, senão uma ilha no arquipélago infinito.
OS DESERTOS DO ESPAÇO
45. – Um deserto imenso, sem limites, se estende além da aglomeração de estrelas que acabamos de falar, e a envolve. As solidões sucedem-se às solidões, e os planos incomensuráveis do vazio se estendem ao longe. As acumulações de matéria cósmica se encontram isoladas no espaço como as ilhas flutuantes de um imenso arquipélago; se se quer apreciar, de algum modo, a idéia da enorme distância que separa a acumulação de estrelas, da qual fazemos parte, das mais próximas aglomerações, é preciso saber que essas ilhas estelares são disseminadas e raras no vasto oceano dos céus, e que a extensão que as separa, uma das outras, é incomparavelmente maior do que a que medem as suas dimensões respectivas.
Ora, se se lembra que a nebulosa estelar mede, em número redondo, mil vezes a distância da mais próxima estrela tomada por unidade, quer dizer, alguns cem mil trilhões de léguas, a distância que se estende entre elas, sendo sempre mais vastas, não poderia ser expressa por números acessíveis à compreensão de nosso espírito; só a imaginação, em suas mais altas concepções, é capaz de transpor essa imensidão prodigiosa, essas solidões mudas e privadas de toda aparência de vida, e de encarar, de alguma forma, a idéia dessa infinidade relativa.
46. – Esse deserto celeste, entretanto, que envolve o nosso universo sideral, e que parece se estender como os confins de nosso mundo astral, é abarcado pela visão e pelo poder infinito do Mais Alto, que, para além desses céus de nossos céus, desenvolveu a trama da sua criação ilimitada.
47. – Além dessas vastas solidões, com efeito, mundos irradiam em sua magnificência tão bem quanto nas regiões acessíveis às investigações humanas; além desses desertos, esplêndidos oásis vagam no límpido éter, e renovam, incessantemente, as cenas admiráveis da existência e da vida. Ali se desenvolvem os agregados longínquos de substância cósmica, que o olhar profundo do telescópio entrevê através de regiões transparentes de nosso céu, essas nebulosas que chamais irresolúveis, e que vos aparecem como leves nuvens de poeira branca perdida em ponto desconhecido do espaço etéreo. Ali se revelam, e se desenvolvem os mundos novos, cujas condições variadas e estranhas àquelas que são inerentes ao vosso globo, lhes dão uma vida que as vossas concepções não podem imaginar, nem os vossos estudos constatar. É ali que resplende, em toda a sua plenitude, o poder criador; para aquele que vem de regiões ocupadas por vosso sistema, outras leis estão em ação, cujas forças regem as manifestações da vida, e as rotas novas que observamos nessas regiões estranhas nos abrem perspectivas desconhecidas (9)
SUCESSÃO ETERNA DOS MUNDOS
48. – Vimos que uma única lei, primordial e geral, foi dada ao Universo para assegurar-lhe a estabilidade eterna, e que essa lei geral é perceptível pelos nossos sentidos por várias ações particulares, que chamamos forças diretrizes da Natureza. Vamos mostrar, hoje, que a harmonia do mundo inteiro, considerada sob o duplo aspecto de eternidade e de espaço, está assegurada por essa lei suprema.
49. – Com efeito, se remontarmos à origem primeira das primitivas aglomerações de substância cósmica, já notaremos que, sob o império dessa lei, a matéria sofre as transformações necessárias que a levam do germe ao fruto maduro, e que sob o impulso de forças diversas, nascidas dessa lei, ela percorre a escala das sua revoluções periódicas; primeiro, centro fluídico de movimentos, em seguida, geradora de mundos, mais tarde, núcleo central e atraente de esferas que nasceram em seu seio.
Já sabemos que essas leis presidem à história do Cosmo; o que importa saber, agora, é que elas presidem, igualmente, à destruição dos astros, porque a morte não é uma metamorfose unicamente do ser vivo, mas, ainda, uma transformação da matéria inanimada; se é verdadeiro dizer, em seu sentido literal, que a vida só é acessível à falsidade da morte, é também justo acrescentar que a substância, necessariamente, deve sofrer as transformações inerentes à sua constituição.
50. – Eis um mundo que, desde o seu berço primitivo, percorreu toda a extensão dos anos que a sua organização especial lhe permitia percorrer; o foco interior da sua existência está extinto, os seus elementos próprios perderam as suas virtudes primeiras; os fenômenos da Natureza, que reclamavam, para a sua produção, a presença da ação de forças reservadas a esse mundo, não podem se apresentar doravante, porque a alavanca de sua atividade não tem mais o ponto de apoio que lhe dava toda a sua força.
Ora, pensar-se-á que essa terra extinta e sem vida vai continuar a gravitar nos espaços celestes, sem finalidade, e passar como despojos inúteis no turbilhão dos céus? Pensar-se-á que ela permanece inscrita no livro da vida universal, quando não é mais do que uma letra morta desprovida de sentido? Não; as mesmas leis que a elevaram acima do caos tenebroso e que a gratificaram com os esplendores da vida, as mesmas forças que a governaram durante os séculos da sua adolescência, que consolidaram os seus primeiros passos na existência e que a conduziram à idade madura e à velhice, vão presidir à desagregação dos seus elementos constitutivos, para entregá-los ao laboratório onde o poder criador extrai, sem cessar, as condições de estabilidade geral. Esses elementos vão retornar a essa massa comum do éter, para se assimilarem a outros corpos, ou para regenerar outros sóis; e essa morte não será um acontecimento inútil a essa terra e nem à suas irmãs: ela renovará, em outras regiões, outras criações de uma natureza diferente, e lá, onde os sistemas de mundos se desvanecem, logo renascerá um novo canteiro de flores mais brilhantes e mais perfumadas.
51. – Assim, a eternidade real e efetiva do Universo está assegurada pelas mesmas leis que dirigem as operações do tempo; assim, os mundos sucedem aos mundos, os sóis aos sóis, sem que o imenso mecanismo dos vastos céus seja jamais atingido em suas gigantescas atividades.
Lá onde os vossos olhos admiram esplêndidas estrelas sob a abóbada das noites; lá onde o vosso espírito contempla as irradiações magníficas que resplandecem sob longínquos espaços, desde há muito tempo, o dedo da morte tem extinguido esses esplendores, há longo tempo, o vazio sucedeu a esses deslumbramentos e recebeu, mesmo, novas criações ainda desconhecidas. A imensa distância desses astros, pela qual a luz que nos enviam gasta milhares de anos para nos alcançar, faz com que recebamos somente hoje os raios que nos enviaram muito tempo antes da criação da Terra, e que admiraremos ainda, durante milhares de anos depois da sua desaparição real (10).
Que são os seis mil anos da Humanidade histórica diante dos períodos seculares? Segundos em vossos séculos? Que são as vossas observações astronômicas diante do estado absoluto do mundo? A sombra eclipsada pelo Sol.
52. – Portanto, aqui como em nossos outros estudos, reconhecemos que a Terra e o homem não são senão nada em comparação com o que existe, e que as mais colossais operações do nosso pensamento não se estendem, ainda, senão sobre um campo imperceptível perto da imensidade e da eternidade do Universo, que não acabará.
E quando esses períodos da nossa imortalidade tiverem passado sobre as nossas cabeças, quando a história atual da Terra nos apareça como uma sombra vaporosa nos fundos das nossas recordações; que tivemos habitado durante séculos inominados esses diversos graus de nossa hierarquia cosmológica; que os domínios, os mais distantes, das idades futuras tiverem sido percorridos por inumeráveis peregrinações, teremos diante de nós a sucessão ilimitada dos mundos e a imóvel eternidade por perspectiva.
A VIDA UNIVERSAL
53. – Essa imortalidade das almas, da qual o sistema do mundo físico é a base, pareceu imaginária aos pensadores prevenidos; ironicamente classificam-na de imortalidade viajora, e não compreenderam que ela só é verdadeira diante do espetáculo da criação. No entanto, é possível fazer compreender-lhe toda a grandeza, diria, quase toda a perfeição.
54. – Que as obras de Deus estejam criadas para o pensamento e a inteligência; que os mundos sejam a morada de seres que os contemplam e descobrem sob o seu véu o poder e a sabedoria daquele que os forma, essa questão não é mais duvidosa para nós; mas que as almas que os povoam sejam solidárias, isso é o que importa conhecer.
55. – A inteligência humana, com efeito, tem dificuldade para considerar esses globos radiosos que cintilam na extensão, como simples massas de matéria inerte e sem vida; tem dificuldade para pensar que, nessas regiões longínquas, de magníficos crepúsculos e noites esplêndidas, de sóis fecundos e de dias cheios de luz, de vales e de montanhas onde as produções múltiplas da Natureza desenvolveram toda a sua pompa luxuriante; tem dificuldade para imaginar, digo eu, que o espetáculo divino onde a alma pode se retemperar como em sua própria vida, esteja despojado da existência e privado de todo ser pensante que possa conhecê-lo.
56. – Mas a essa idéia eminentemente justa da criação, é preciso acrescentar a da humanidade solidária, e é nisso que consiste o mistério da eternidade futura.
Uma mesma família humana foi criada na universalidade dos mundos, e os laços de uma fraternidade, ainda inapreciável de vossa parte, foram dados a esses mundos. Se esses astros, que se harmonizam em seus vastos sistemas, são habitados por inteligências, não são por seres desconhecidos uns dos outros, mas sim por seres marcados na fronte pelo mesmo destino, que devem se reencontrar momentaneamente segundo as suas funções de vida, e se procurarem segundo as suas simpatias mútuas; é a grande família de Espíritos que povoam as terras celestes; é a grande irradiação do Espírito divino que abarca a extensão dos céus, e que permanece como tipo primitivo e final da perfeição espiritual.
57. – Por que estranha aberração deveu-se recusar, à imortalidade, as vastas regiões do éter, quando se a encerrava em um limite inadmissível e em uma dualidade absoluta? O verdadeiro sistema do mundo deveria, pois, preceder a verdadeira doutrina dogmática, e a ciência da teologia? Esta se desviará tanto que a sua base se assentará sobre a metafísica? A resposta é fácil e nos mostra que a nova filosofia se assentará triunfante sobre as ruínas da antiga, porque a sua base será elevada vitoriosa sobre os antigos erros.
DIVERSIDADE DE MUNDOS
58. – Seguistes-nos em nossas excursões celestes, e visitastes, conosco, as regiões imensas do espaço. Sob os nossos olhares, os sóis sucederam aos sóis, os sistemas aos sistemas, as nebulosas às nebulosas; o panorama esplêndido da harmonia do Cosmos se descortinou diante de nossos passos, e recebemos um antegozo da idéia do Infinito, que não podemos compreender em toda a sua extensão senão segundo a nossa perfectibiliade. Os mistérios do éter descerraram os seus enigmas, até agora indecifráveis, e concebemos, pelo menos, a idéia da universalidade das coisas. Importa, agora, determo-nos e refletirmos.
59. – É belo, sem dúvida, ter reconhecido a pequenez da Terra, e a sua medíocre importância na hierarquia dos mundos; é belo haver rebaixado a presunção humana, que nos é cara, e nos havermos humilhado diante de grandeza absoluta; mas será mais belo ainda interpretar, sob o sentido moral, o espetáculo do qual fomos testemunhas. Quero falar do poder infinito da Natureza, e da idéia que devemos nos fazer do seu modo de ação nas diversas partes do vasto Universo.
60. – Habituados, como estamos, a julgar as coisas pela nossa pobre pequena morada, imaginamos que a Natureza não pôde, ou não deveu agir sobre os outros mundos senão depois das regras que reconhecemos neste mundo. Ora, é precisamente nisso que importa reformar o nosso julgamento.
Lançai, por um instante, os olhos sobre uma região qualquer de vosso globo e sobre uma das produções de vossa Natureza: não reconheceis nela a marca de uma variedade infinita e a prova de uma atividade sem igual? Não vedes sobre a asa de um pequeno pássaro das Canárias, sobre a pétala de um botão de rosa entreaberto, a prestigiosa fecundidade dessa bela Natureza?
Que os vossos estudos se apliquem aos seres que planam nos ares, que desçam até a violeta dos bosques, que se afundem nas profundezas do Oceano, em tudo e por toda a parte, ledes esta verdade universal: A Natureza onipotente age segundo os lugares, os tempos e as circunstâncias; ela é una em sua harmonia geral, mas múltipla em suas produções; diverte-se com um sol como com uma gota d’água; povoa de seres vivos um mundo imenso com a mesma facilidade com que faz eclodir o ovo depositado pela borboleta de outono.
61. – Ora, se tal é a variedade que a Natureza pôde nos descrever, em todos os lugares, sobre esse pequeno mundo tão acanhado, tão limitado, quanto mais devereis estender esse modo de ação pensando nas perspectivas de vastos mundos! Quanto mais devereis desenvolvê-la e nela reconhecer o poder extenso aplicando-a a esses mundos maravilhosos que, bem mais do que a Terra, atestam a sua desconhecida perfeição!
Não vedes, pois, ao redor de cada um dos sóis do espaço, sistemas semelhantes ao vosso sistema planetário; não vedes, sobre esses planetas desconhecidos, os três reinos da Natureza que brilham ao vosso redor; mas pensais que, do mesmo modo que um rosto de homem não se parece com nenhum outro rosto em todo o gênero humano, assim também uma diversidade prodigiosa, inimaginável, manifestou-se nas moradas etéreas que vagam no seio dos espaços.
Do fato de que a vossa natureza animada começou no zoófito para terminar no homem, de que a atmosfera alimenta a vida terrestre, de que o elemento líquido a renova sem cessar, de que as vossas estações fazem ocorrer, nessa vida, os fenômenos que a dividem, disso não concluais que os milhões e milhões de terras que vagam na amplidão, sejam semelhantes a esta; longe disso, elas diferem segundo as condições diversas que lhes foram reservadas, e segundo o seu papel respectivo no cenário do mundo; são as pedrarias variadas de um imenso mosaico, as flores diversificadas de um admirável canteiro.
(1) Este capítulo foi extraído, textualmente, de uma série de comunicações ditadas à Sociedade Espírita de Paris, em 1862 e 1863, sob o título de Estudos uranográficos, e assinados por Galileu, médium Sr.C.F… (2) Os principais corpos simples são: entre os corpos não metálicos, o oxigênio, o hidrogênio, o azoto, o carbono, o fósforo, o enxofre, o iodo; entre os corpos metálicos: o ouro, a prata, a platina, o mercúrio, o chumbo, o estanho, o zinco, o ferro, o cobre, o arsênico, o sódio, o potássio, o cálcio, o alumínio, etc.
(3) Tal é, também, a situação dos negadores do mundo dos Espíritos, quando, depois de se despojarem do seu envoltório carnal, os horizontes desse mundo se expõem aos seus olhos. Compreendem, então, o vazio das teorias pelas quais pretendiam tudo explicar unicamente com a matéria. Entretanto, esses horizontes têm, para eles, mistérios que não se revelam senão sucessivamente, à medida que se elevam pela depuração. Mas, desde os seus primeiros passos, nesse mundo novo, são forçados a reconhecerem a sua cegueira e o quanto estavam longe da verdade.
(4) Tudo reportamos ao que conhecemos, e não compreendemos o que escapa à percepção dos nossos sentidos, mais do que o cego de nascença não compreende os efeitos da luz e a utilidade dos olhos. Pode ocorrer, pois, que, em outros meios, o fluido cósmico tenha propriedades, combinações das quais não temos nenhuma idéia, efeitos apropriados a necessidades que nos são desconhecidas, dando lugar a percepções novas ou a outros modos de percepção. Não compreendemos, por exemplo, que se possa ver sem os olhos do corpo e sem a luz; mas quem nos diz que não existem outros agentes, além da luz, aos quais estão destinados organismos especiais? A visão sonambúlica, que não se detém nem pela distância, nem pelos obstáculos materiais, nem pela obscuridade, disso nos oferece um exemplo. Suponhamos que, em um mundo qualquer, os seres sejam normalmente o que os nossos sonâmbulos não são senão excepcionalmente, não terão necessidade nem da nossa luz, nem dos nossos olhos, e, entretanto, verão o que não podemos ver. Ocorre o mesmo com todas as outras sensações. As condições de vitalidade e de perceptibilidade, as sensações e as necessidades, variam segundo os meios.
(5) Se se perguntasse qual é o princípio dessas forças, e como pode estar na própria substância que o produz, responderíamos que a mecânica disso nos oferece numerosos exemplos. A elasticidade que faz distender uma mola não está na própria mola, e não depende do modo de agregação das moléculas? Os corpos que obedecem à força centrífuga recebem a sua impulsão do movimento primitivo que lhes foi dado.
(6) Esta teoria da Lua, inteiramente nova, explica, pela lei da gravitação, a razão pela qual esse astro apresenta, sempre, a mesma face à Terra. Seu centro de gravidade, no lugar de ser no centro da esfera, encontrando-se num dos ponto da sua superfície, e, por conseguinte, atraída para a Terra por uma força maior do que as partes mais leves, a Lua produziria o efeito das figuras chamadas teimosas, que retornam constantemente sobre a sua base, ao passo que os planetas, cujo centro de gravidade está a igual distância da superfície, giram regularmente sobre o seu eixo. Os fluidos vivificantes, gasosos ou líquidos, em conseqüência de sua leveza específica, encontrar-se-iam acumulados no hemisfério superior, constantemente oposto à Terra; o hemisfério inferior, o único que vemos, deles estaria desprovido, e, por conseguinte, impróprio à vida, ao passo que ela reinaria sobre o outro. Se, pois, o hemisfério superior for habitado, seus habitantes jamais viram a Terra, a menos de excursões noutro hemisfério, o que lhes seria impossível, se não há condições necessárias de vitalidade.
Por racional e científica que seja essa teoria, como não pôde ainda ser confirmada por nenhuma observação direta, não pode ser aceita senão a título de hipótese, e como uma idéia podendo servir de referência à ciência; não se pode deixar de convir que essa seja a única, até o presente, que dá uma explicação satisfatória de particularidade que apresenta esse globo.
(7) Mais de 3 trilhões e 400 bilhões de léguas.
(8) É a que se chama, em astronomia, estrelas duplas. São dois sóis, dos quais um gira ao redor do outro, como um planeta ao redor do seu sol. De que estranho e magnifico espetáculo devem gozar os habitantes desses mundos que compõem os seus sistemas, iluminados por um duplo sol! Mas, também, quanto devem ser ali diferentes as condições de vitalidade.
Numa comunicação dada ulteriormente, o Espírito de Galileu acrescenta: “Existem mesmo sistemas mais complicados, nos quais diferentes sóis desempenham, face a face um do outro, o papel de satélites. Produzem-se, então, efeitos de luz maravilhosos para os habitantes dos globos que iluminam; tanto mais que, apesar da sua proximidade aparente, os mundos habitados podem circular entre eles, e receberem, alternadamente, ondas de luz diversamente coloridas, cuja reunião recompõe a luz branca.”
(9) Dá-se, em astronomia, o nome de nebulosas irresolúveis àquelas das quais não se pôde, ainda, distinguir as estrelas que as compõem. Haviam sido consideradas primeiro como acumulações de matéria cósmica, em vias de condensação, para formar os mundos, mas pensa-se, geralmente, hoje, que essa aparência se deve à distância, e que com instrumentos bastante potentes, todas seriam resolúveis.
Uma comparação familiar pode dar uma idéia, embora muito imperfeita das nebulosas resolúveis: são os grupos de centelhas projetadas pelas bombas de artíficio no momento da sua explosão. Cada uma dessas centelhas nos representará uma estrela, e o conjunto será a nebulosa, ou grupo de estrelas reunidas num ponto do espaço, e submetidas a uma lei comum de atração e de movimento. Vistas a uma certa distância, essas centelhas se distinguem com dificuldade, e o seu grupo tem a aparência de uma pequena nuvem de fumaça. Essa comparação não seria exata se se tratasse de massas de matéria cósmica condensada.
A nossa Via-Láctea é uma dessas nebulosas; ela conta perto de trinta milhões de estrelas ou sóis, que ocupam menos de algumas centenas de trilhões de léguas de extensão, e, no entanto, não é a maior. Suponhamos somente uma média de 20 planetas circulando ao redor de cada sol, isso faria ao redor de 600 milhões de mundos para o nosso único grupo.
Se pudéssemos nos transportar de nossa nebulosa para uma outra, ali estaríamos como no meio da nossa Via-Láctea, mas com um céu de estrelas dum aspecto diferente; e este, apesar das suas dimensões colossais, em relação a nós, nos apareceria, ao longe, como um pequeno floco lenticular perdido no Infinito. Mas, antes de alcançar a nova nebulosa, seríamos como o viajor que deixa uma cidade e percorre um vasto país desabitado antes de chegar a uma outra cidade; teríamos transposto espaços incomensuráveis, desprovidos de estrelas e de mundos, o que Galileu chama os desertos do espaço. À medida que avançássemos, veríamos a nossa nebulosa fugir atrás de nós, diminuindo de extensão aos nossos olhos, ao mesmo tempo que, diante de nós, se apresentaria aquela para qual nos dirigíssemos, mais e mais distinta, semelhantes à massa de centelhas da bomba de artifício.
Em nos transportando, pelo pensamento, para as regiões do espaço, para além do arquipélago de nossa nebulosa, veríamos todos, ao redor de nós, milhões de arquipélagos semelhantes e de formas diversas, encerrando, cada um milhões de sóis e centenas de milhões de mundos habitados.
Tudo o que possa nos identificar com a imensidade da extensão e a estrutura do Universo, é útil para ampliação de idéias, tão retraídas pelas crenças vulgares. Deus cresce aos nossos olhos à medida que melhor compreendemos a grandeza das suas obras e a nossa inferioridade. Estamos longe, como se vê, dessa crença implantada pela Gênese mosaica, que faz, da nossa pequenina Terra imperceptível, a criação principal de Deus, e de seus habitantes os únicos objetos da sua solicitude. Compreendamos a vaidade de homens que crêem que tudo foi feito para eles no Universo, e daqueles que ousam discutir a existência do Ser supremo. Em alguns séculos, espantar-se-á que uma religião feita para glorificar a Deus, o haja rebaixado a tão mesquinhas proporções, e que haja repelido, como sendo a concepção do Espírito do mal, as descobertas que não poderiam senão aumentar a nossa admiração pela sua onipotência, em nos iniciando nos mistérios grandiosos da criação; espantar-se-á, mais ainda, quando se souber que foram repelidas porque deveriam emancipar o espírito dos homens, e tirar a preponderância àqueles que se diziam os representantes de Deus sobre a Terra.
(10) Aí está um efeito do tempo que a luz gasta para atravessar o espaço. Sendo a sua velocidade de 70.000 léguas por segundo, ela nos chega do Sol em 8 minutos e 13 segundos. Disso resulta que, se um fenômeno se passa na superfície do Sol, não o perceberemos senão 8 minutos mais tarde, e, pela mesma razão, nós o veremos ainda 8 segundos depois da sua desaparição. Se, em razão de seu afastamento, a luz de uma estrela gasta mil anos para nos alcançar, não veremos essa estrela senão mil anos depois da sua formação. (Ver, para a explicação e a descrição completa desse fenômeno, a Revista Espírita de março e maio de 1867, págs. 93 e 151; resumo de Lumen, pelo Sr. C. Flammarion.)