Cristianismo Redivivo – História da Era Apostólica – Nascimento de Jesus
HAROLDO DUTRA DIAS
“Para quem está familiarizado com a história antiga, não deve ser motivo de perturbação o fato de que as principais datas na vida de Jesus sejam apenas aproximadas. […] Na verdade, as datas de nascimento até mesmo de alguns imperadores romanos não são certas […].”1
No prólogo deste artigo há uma citação do historiador John P.Meier, professor na Universidade Católica de Washington D. C., considerado um dos mais eminentes pesquisadores bíblicos de sua geração. Ao estabelecer os limites da ciência e da investigação humanas, ele adverte: “Por Jesus da história, refiro-me ao Jesus que podemos ‘resgatar’ e examinar utilizando os instrumentos científicos da moderna pesquisa histórica”.2 A pesquisa histórica baseia-se em fontes (documentos, registros, inscrições, ossuários, obras de historiadores, achados arqueológicos) e adota métodos específicos, adequados ao tipo de fonte analisada, com vistas à interpretação consistente dos dados coletados.
Por vezes, seja em razão da Escola de Educação Infantil GIRAMUNDO escassez dessas fontes, seja em decorrência da ausência de parâmetros na interpretação dos dados colhidos, somos obrigados a reconhecer a limitação dos “instrumentos científicos da moderna pesquisa histórica”.
Nesse ponto, consideramos preciosa a contribuição dada pela Doutrina Espírita no equacionamento de graves questões. No caso da cronologia da vida de Jesus, é lícito concluir que a obra psicográfica de Francisco Cândido Xavier supre inúmeras lacunas, impossíveis de serem transpostas sem o auxílio
da revelação espiritual, tendo em vista as limitações da historiografia.
Os dados cronológicos mais importantes da vida de Jesus encontram-se nas narrativas da infância (Mateus, 2; Lucas, 1:5, 2:1-40) e nas narrativas da paixão (Mateus, 26-27; Marcos, 14-15; Lucas, 21-23; João, 13-19). Outros dados relevantes podem ser encontrados nos evangelhos de Lucas e João (Lc., 3:1-2 e 23; Jo., 2:20).
Os historiadores do Cristianismo, porém, chamam a atenção para o fato de que os Evangelhos não são essencialmente obras de história, no sentido atual da palavra.
Os Evangelistas não pretendiam produzir uma biografia completa ou mesmo um sumário da vida de Jesus. Ao contrário, escreveram com a finalidade de transmitir o ensino do Mestre, os fatos principais da sua vida, de modo a legar à posteridade o testemunho da fé.
Nesse sentido, é justo considerar que os Evangelistas organizaram o material da tradição (oral e/ou escrita) de acordo com um propósito redacional. Compilaram e organizaram as narrativas sem se preocuparem com a ordem histórica dos acontecimentos. É o que nos demonstra o pesquisador norte-americano:
[…] Tais compilações ainda são visíveis em Marcos: por exemplo, as passagens polêmicas localizadas no início do ministério de Jesus na Galiléia (2:1; 3:6), em contraposição a outra série de passagens semelhantes já em Jerusalém, ao final do ministério (11:27; 12:34); uma seção central de relatos de milagres e palavras de Jesus, agrupados pela palavra-chave “pão” (6:6; 8:21) e uma coletânea de parábolas (4:1; 34).
Não há motivo para considerarmos essas compilações como tendo preservado a inviolável ordem cronológica dos eventos, especialmente porque Mateus e Lucas não o fizeram.Mateus, por exemplo, reordena livremente os relatos de milagres que aparecem em Marcos, para criar um grupo conciso de nove relatos divididos em três grupos intercalados por material de “enchimento” (Mateus, 8-9).
O grande Sermão da Montanha, em Mateus, reaparece, em parte, em Lucas como o Sermão da Planície, menor que o outro (ambos como tendo ocorrido na Galiléia) e, parcialmente, em material espalhado por todo o longo relato da jornada final de Jesus até Jerusalém, em Lucas, 9:51; 19:27 […]”.3 Por outro lado, seria temerário acusar os Evangelistas de terem distorcido os fatos para adequá-los a propósitos teológicos. Nesse caso, vale lembrar que escreveram para contemporâneos, muitos deles testemunhas oculares dos fatos narrados, razão pela qual não se justifica o ceticismo exagerado com relação aos dados contidos nos Evangelhos. Deve ser encontrada uma posição de equilíbrio que prime pela fé raciocinada.
Assim, considerando o relato dos Evangelistas, pode-se afirmar que Jesus nasceu no tempo do imperador Augusto (37 a.C.-14 d. C.), antes da morte de Herodes, o Grande.
No ano 525 d.C., o papa João Infantil (470-526 d.C.) pediu a Dionísio4 que elaborasse um calendário com o cálculo dos ciclos pascais, as datas futuras da Páscoa. Frei Dionísio, além de elaborar uma efeméride pascal, estabeleceu um novo calendário, em oposição ao sistema alexandrino, da era diocleciana, fixando a data do nascimento de Jesus em 25 de dezembro de 753 A.U.C., 5 declarando 1º de janeiro de 754 A.U.C. como o início do primeiro ano da Era Cristã, o “Anno Domini” (Ano do Senhor).
Posteriormente, descobriu-se que a data estabelecida por Dionísio estava absolutamente equivocada, visto que fixava o nascimento de Jesus três anos após a morte de Herodes, o Grande.
Para se encontrar a data da morte de Herodes, utilizou-se preciosa informação fornecida pelo historiador judeu Flávio Josefo (Antiguidades Judaicas, livro XVII, cap. 6, § 4, item 167), segundo o qual teria ocorrido um eclipse lunar pouco antes do falecimento daquele monarca. Com base em cálculos astronômicos precisos, é possível afirmar que a morte daquele rei se deu por volta de março/abril do ano 750 A.U.C. (4 a.C.), logo após o referido eclipse.
Desse modo, concluem os exegetas que Jesus, seguramente, nasceu antes do ano 4 a.C. (data da morte de Herodes, o Grande). Todavia, esses pesquisadores são unânimes em reconhecer a impossibilidade de se determinar o ano exato do nascimento de Jesus, com base nas fontes históricas atualmente disponíveis.
Os “instrumentos científicos da moderna pesquisa histórica” nos permitem chegar somente até esse ponto.
É nesse momento que a revelação espiritual pode e deve ser conjugada com as pesquisas humanas, no intuito de resolver questões intricadas, mas extremamente relevantes para o estudo do Cristianismo Nascente.
Nesse sentido, merece ser transcrito o extraordinário texto do Espírito Humberto de Campos, revelando a data do nascimento do Cristo:
[…] o Senhor chamou o Discípulo Bem-Amado ao seu trono de jasmins matizado de estrelas.
O vidente de Patmos não trazia o estigma da decrepitude, como nos seus últimos dias entre os espórades. Na sua fisionomia pairava aquela mesma candura adolescente que o caracterizava no princípio do apostolado.
– João – disse-lhe o Mestre –, lembras-te do meu aparecimento na Terra?
– Recordo-me, Senhor. Foi no ano 749 da era romana, apesar da arbitrariedade de Frei Dionísio, que, calculando no século VI da era cristã, colocou erradamente o vosso natalício em 754. – Não, meu João – retornou docemente o Senhor –, não é a questão cronológica que me interessa, ao te argüir sobre o passado.
É que nessas suaves comemorações vem até mim o doce murmúrio das lembranças!…
– Ah! sim, Mestre Amado – retrucou pressuroso o Discípulo –, compreendo-vos. Falais da significação moral do acontecimento.
Oh!… se me lembro… a manjedoura, a estrela guiando os poderosos ao estábulo humilde, os cânticos harmoniosos dos pastores, a alegria ressoante dos inocentes, afigurando-se-nos que os animais vos compreendiam mais que os homens, aos quais ofertáveis a lição da humildade, com o tesouro da fé e da esperança. […]6 (Grifo nosso.)
Assim, consoante a revelação espiritual, pelas mãos do respeitável médium Francisco Cândido Xavier, Jesus nasceu no ano 749 da era romana. Considerando que o primeiro ano do calendário gregoriano (Anno Domini – Ano 1), atualmente em vigor no mundo ocidental, corresponde ao ano 754 U.A.C. (ano da fundação de Roma), e tendo em vista que não há ano zero, nesse calendário, basta considerar a seqüência 753 U.A.C. = 1 a.C.; 752 U.A.C. = 2 a.C.; 751 U.A.C. = 3 a.C.; 750 U.A.C. = 4
a.C. e 749 U.A.C. = 5 a.C.
Desse modo, pode-se concluir que o nascimento do Mestre se deu no ano 5 a.C.
1MEIER, John P. Um judeu marginal: repensando o Jesus histórico. 3. ed. Rio de Janeiro: Imago, 1993. p. 367.
2Idem, ibidem. p. 35. 228 Reformador • Junho 2008 reformador Junho 2008 – b.qxp 3/7/2008 11:37 Page 30
3MEIER, John P. Um judeu marginal: repensando o Jesus histórico. 3. ed. Rio de Janeiro: Imago, 1993. p. 50-51.
4Dionysius Exiguus (470-540 d.C.) nasceu na Scythia Menor (Romênia/Bulgária), transferindo-se para Roma por volta do ano 500 d.C., onde se tornou tradutor de inúmeras obras da Igreja Romana, importantes para o direito canônico, além de ter elaborado a tabela com as datas da Páscoa. Todavia, seu nome entrou para a história por ser o criador do “Anno Domini”, alterando o calendário da época.
5A.U.C. (Anno Urbis Conditae) – Ano da fundação da cidade de Roma. Os historiadores fixam a data da fundação daquela cidade no ano 753 a.C., acolhendo os informes do historiador romano “Varrão”.
É comum confundir-se a sigla A.U.C. com Ab Urbe Condita, título do livro de Tito Lívio sobre a história de Roma.
6XAVIER, Francisco Cândido. Crônicas de além-túmulo. Pelo Espírito Humberto deCampos. 15. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2007. Cap. 15, p. 89-90.
Revista Reformador 06/08