Transformar pão em Pedras
Frei Bartolomeu do Mártires, o santo arcebispo de Braga, certa vez foi visitado por um fidalgo que lhe pediu a aplicação dos dinheiros da Igreja, na construção de uma nova e suntuosa basílica destinada à aristocracia da velha cidade portuguesa.
Teria capitéis dourados, luxuosos altares, torres maravilhosas e naves resplandecentes.
O generoso frei ouviu, em silêncio, recordou as fileiras de necessitados que lhe batiam diariamente às portas, castigados pela nudez e pela fome, e pediu tempo a fim de estudar o assunto.
Continuava a distribuir os bens que lhe vinham às mãos, em obras de socorro, ante as necessidades prementes da pobreza que lhe buscava o coração e, mensalmente, lá vinha o amigo, renovando o petitório.
Braga necessitava de um templo novo e amplo, cheio de arte, beleza e pedrarias.
O frei rogava sempre mais tempo para decidir, até que, um dia, resolveu ser mais claro e, depois de ouvir pacientemente a ovelha atacada pela mania de grandezas, respondeu com serenidade cristã:
– Não sei como atender as exigências de vossa senhoria.
Quando o diabo tentou Nosso Senhor Jesus Cristo, pediu-lhe transformasse as pedras em pães. Veja lá que era uma obra meritória que Satanás esperava do divino poder, mas Vossa Senhoria faz muito pior que o demônio, pois vem reclamar sempre para que os pães dos pobres se convertam em pedras.
Como o fidalgo de Braga,há muita gente sedenta de dominação que não realiza senão obras exclusivistas do Eu, ao invés de serviços da benemerência legítima.
Fora da caridade não existe, efetivamente, salvação para os que perderam a luz. O manto dessa virtude sublime cobre a multidão dos pecados, conforme o ensinamento evangélico. Entretanto, em todas as ocasiões, é preciso muito discernimento para que o nosso coração não transforme os pães da possibilidade divina em pedras da vaidade humana.
(Livro Lázaro Redivivo – Humberto de Campos)