O profeta Jonas
Jonas, o profeta, descansava, enfim. Levantara cabana tosca, a oeste de Nínive, e ali, diante do céu e da natureza, preferia o silêncio ao barulho dos homens. Sentia-se triste, desenganado, e ruminava impropérios contra o próprio Senhor. Contemplando o casario distante, recordava o início do ministério em que se presumia fracassado. Vivia calmo – pensava -, vivia calmo e sem atrito. Adorava as oliveiras do velho sítio, tangia, feliz, seu rebanho de cabras. O anonimato garantia-lhe o sossego do prato sem problemas. O Senhor, porém, surgira-lhe à visão e tudo se alterara. A palavra Dele chegava-lhe nos ouvidos, em qualquer lugar e a qualquer hora. Se fosse apenas o prazer de ouvi-lo. . . Mas o Senhor queixava-se de Nínive e o incumbia de severa advertência. Cabia-lhe a obrigação de avisar o povo de que lhes destruiria a cidade como se ateia fogo num campo invadido de pragas. Que Jonas falasse, gritasse, anunciasse, predissesse. A medida poderia afastar os moradores que desejassem purificar o coração e melhorar a vida. Entretanto, ele, Jonas, não ignorava que o Senhor sempre fora muito compassivo. Conquanto lhe respeitasse as determinações, temia interferir em assunto assim tão grave. E se houvesse contra ordem? E se alguma deliberação nova poupasse os condenados? Melhor a indicação de outra pessoa. Alguém de caráter maleável, que não sofreria se houvesse retrocesso.
Com medo de ficar desmoralizado, fugiu, resoluto. Desceu para Jope e tomou embarcação para Társia, mas, em viagem, veio a tempestade. No auge da tormenta, declarou aos tripulantes que, decerto, estaria na presença dele a causa do temporal que parecia interminável. Desobedecera à voz do Alto. Fizera-se merecedor de punição. Amedrontados, os remadores atiraram-no às ondas. Debatendo-se no abismo, arrependera-se da deserção e prometeu cumprir o mandato com rigor. Veneraria a bondade de Deus e transmitiria a mensagem fielmente. O Senhor escutou-lhe a petição e despachou recursos que o salvassem. Vira-se arrebatado e conduzido à praia com segurança. Renovado e confiante, efetuara três dias de marcha laboriosa e, alcançando Nínive, entregou-se ao trabalho. Mais quarenta dias e a cidade seria aniquilada. O povo ninivita acreditou nele e, a partir dos maiorais, penitenciou-se em pranto de sincera compunção, suplicando à bondade Celestial.
Preces coletivas e piedosas realizações foram feitas. O Senhor enternecera-se e, tomado de compaixão, absolvera a cidade, conferindo-lhe aos habitantes novos recursos de trabalho e corrigenda. Justamente por isso Jonas se viu sozinho e desapontado. Ferido no amor próprio, demandara o retiro para evitar o sarcasmo nas ruas.
Tanto chorou, confessando a si mesmo invencível desânimo, que o Senhor se dispôs a visitá-lo e, ao vê-lo moralmente surdo e cego de indignação e amargura, brindou-lhe a cabana com uma semente de aboboreira. Logo Jonas descobriu a plantinha e consagrou-se a ela com muito carinho. A planta cresceu, viçosa, e abraçou a cabana. Assemelhava-se a bela coroa verde a defende-lo do sol, fazendo-o esquecer todas as mágoas. No entanto, quando o profeta se revelava mais devotado a seu passatempo, surge o imprevisto. Grande rato dilapidou as raízes da planta e as ramas secaram-se de repente.
Jonas, irado, afundou-se no desespero. Amava a planta, dedicara-se inteiramente a ela. Porque a destruição, porque a ruína? Arremessando os punhos na própria cabeça, esbravejava, e afagando folhas mortas, perguntava, em lagrimas: “porque? Porque?”
Foi então que o Senhor lhe apareceu, plenamente materializado, e falou, – Ah! Jonas, consideras-me covarde, por exercitar a misericórdia, e apaixonas-te, desta forma, por uma aboboreira, da qual desconheces a formação, em cujo desenvolvimento não trabalhaste, que nasceu numa noite e que, num dia pereceu? Choras por um simples vegetal, tentando recuperá-lo, e não me permites qualquer compaixão por Nínive, onde estão mais de 120mil homens, ainda fracos e ignorantes, e que, por enquanto, não sabem discernir a mão direita da mão esquerda?
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À muitos religiosos da terra que se fazem censores dos irmãos em dificuldade para assimilar os talentos da fé, a exigirem que o Senhor lhes destrua a existência, mais agarrados às suas comodidades e às suas abóboras do que a própria tarefa que é orientar as pessoas menos esclarecidas.
(Livro Contos desta e doutra vida – Humberto de Campos)