Estudo Sobre A Revista Espírita 1861, palestra 25.06.25
ESTUDO SOBRE A REVISTA ESPÍRITA 1861
CELC – 25/06/2025 – Éllen
I. – DA INTRODUÇÃO
Dentre os vários artigos da Revista Espírita de 1861 destacamos as aparições e os fenômenos de transporte. A ocorrência do Auto de Fé em Barcelona. O esquecimento do passado também em mundos mais avançados do que a Terra.
Dentre os casos trazidos com análise detalhada, destacam-se as comunicações prestadas por dois espíritos que eram materialistas e suas correlatas condições no plano espiritual, sendo que um deles havia se suicidado. Há ainda interessante artigo sobre os efeitos do desespero.
É apresentado relato acerca da propagação do Espiritismo, em 1861. Destacamos, também, o lançamento do “O Livro dos Médiuns”.
Enfim, o conteúdo da Revista Espírita de 1861 é muito amplo, neste estudo, de forma singela, destacamos apenas alguns artigos. É preciso, pois, estudar as Revistas Espíritas.
II. – DO LANÇAMENTO DO “O LIVRO DOS MÉDIUNS”
Na Revista Espírita de 1861, em Janeiro, Allan Kardec informa que, por volta dos dias 5 a 10 de janeiro, será lançado “O LIVRO DOS MÉDIUNS” e que este livro constitui o complemento do Livro dos Espíritos e encerra a parte experimental do Espiritismo, assim como este último contém a parte filosófica.
Kardec esclarece que “O LIVRO DOS MÉDIUNS” é fruto de longa experiência e de estudos laboriosos, onde procurou esclarecer todas as questões que se ligam à prática das manifestações. Contém a explicação teórica dos diversos fenômenos e das condições em que os mesmos se podem reproduzir. Bem como, contém seção concernente ao desenvolvimento e ao exercício da mediunidade.
Na Revista Espírita de 1861, em Novembro, Allan Kardec relata que a primeira edição do Livro dos Médiuns, publicada em Janeiro/1861, esgotou-se em alguns meses, e que está lançando segunda edição “muito mais completa que a precedente”. Com numerosas instruções novas e vários capítulos novos, e que tudo que concerne aos médiuns, à identidade dos Espíritos, à obsessão, às questões que podem ser dirigidas aos Espíritos, às contradições, aos meios de discernir os bons e os maus Espíritos, à formação de reuniões espíritas, às fraudes em matéria de Espiritismo, recebeu desenvolvimentos muito notáveis.
Além disso, adicionou várias comunicações apócrifas (não pertencente ao autor a quem se atribui) dando os meios de descobrir a fraude dos Espíritos enganadores que se apresentam com falsos nomes.
III. – DO AUTO DE FÉ EM BARCELONA
Primeiramente esclarecemos que “Auto de Fé” era o nome dado a uma cerimônia em que eram proclamadas e executadas as sentenças do Tribunal de Inquisição da Igreja Católica, também conhecido como Tribunal do Santo Ofício — foi instituído no começo do século XIII, a pretexto de caçar e julgar os réus acusados de heresia (crime contra a fé cristã).
“Auto de fé em Barcelona” foi uma expressão notabilizada por Allan Kardec para se referir à queima, em praça pública, de trezentos livros espíritas, realizada no dia 9 de outubro de 1861, em Barcelona, Espanha. Como ocorreu:
Maurice Lachâtre, editor francês, achava-se estabelecido em Barcelona com uma livraria, quando solicitou a Kardec, seu compatriota, em Paris, um lote de livros espíritas, para vendê-los na Espanha. Quando os livros chegaram à Espanha, foram apreendidos na alfândega, por ordem do Bispo de Barcelona, Antonio Palau Termes (foi ordenado Bispo de Barcelona em 25/09/1857 e faleceu em 08/07/1862, aos 55 anos), a pretexto da autoridade que lhe era concedida pela Inquisição. Argumentando que aquelas obras eram contrárias à fé católica, o bispo de Barcelona, com o respaldo do governo local, então sentenciou que fossem queimados, sem qualquer tipo de indenização aos seus proprietários. A execução se efetivou na praça pública central daquela cidade, às 10h30.
No mês de Novembro de 1861, a Revista Espírita, traz o artigo intitulado “OS RESTOS DA IDADE MÉDIA” que fala do Auto de Fé das Obras Espíritas em Barcelona, Kardec relata:
“(…) nove de outubro de mil oitocentos e sessenta e um, às dez e meia da manhã, na esplanada da cidade de Barcelona, no lugar onde são executados os criminosos condenados ao último suplício, e por ordem do bispo desta cidade, foram queimados trezentos volumes e brochuras sobre o Espiritismo, a saber:
“A Revista Espírita, diretor Allan Kardec;
“A Revista Espiritualista, diretor Piérard;
“O Livro dos Espíritos, por Allan Kardec;
“O Livro dos Médiuns, pelo mesmo;
“Que é o Espiritismo, pelo mesmo;
“Fragmento de sonata ditada pelo Espírito de Mozart;
“Carta de um católico sobre o Espiritismo, pelo Dr. Grand;
“A História de Joana d’Arc, ditada por ela mesma à Srta. Ermance Dufaux;
“A realidade dos Espíritos demonstrada pela escrita direta, pelo Barão de Goldenstubbe.
“Assistiram ao Auto de Fé:
“Um sacerdote com os hábitos sacerdotais, com a cruz numa mão e uma tocha na outra;
“Um escrivão encarregado de redigir a ata do auto de fé;
“O secretário do escrivão;
“Um empregado superior da administração da alfândega;
“Três serventes da alfândega, encarregados de alimentar o fogo;
“Um agente da alfândega representando o proprietário das obras condenadas pelo bispo.
“Uma inumerável multidão enchia as calçadas e cobria a imensa esplanada onde se erguia a fogueira.
“Quando o fogo consumiu os trezentos volumes ou brochuras espíritas, o sacerdote e seus ajudantes se retiraram, cobertos pelas vaias e maldições de numerosos assistentes, que gritavam: Abaixo a Inquisição!
“Várias pessoas, a seguir, aproximaram-se da fogueira e recolheram cinza.”
Uma parte dessas cinzas foi enviada à Kardec, onde se encontra um fragmento do Livro dos Espíritos, consumido pela metade, que o conservou preciosamente, como um testemunho autêntico desse ato de insensatez.
À parte qualquer opinião, este caso levanta grave questão de direito internacional. Reconhecemos ao governo espanhol o direito de interditar a entrada em seu território de obras que lhe não convenham, como a de todas as mercadorias proibidas.
Se as obras tivessem entrado clandestina ou fraudulentamente, nada haveria a dizer, mas elas foram expedidas ostensivamente e apresentadas à alfândega. Havia, pois, uma permissão legalmente solicitada.
A alfândega considera-se na obrigação de reportar-se à autoridade episcopal (autoridade do bispo) que, sem qualquer forma de processo, condena as obras à fogueira, pelas mãos de um carrasco. Então, o destinatário pede que as obras sejam reenviadas para o lugar de sua procedência e por fim lhe respondem que seu pedido foi indeferido. Perguntamos se a destruição dessa propriedade, em tais circunstâncias, não é um ato arbitrário e contra o direito comum.
Disse Kardec:
“Se examinarmos o caso do ponto de vista de suas consequências, diremos, para começar, não haver dúvida de que nada poderia ser mais favorável ao Espiritismo. (…) Graças a esse zelo imprudente, todo mundo, na Espanha, vai ouvir falar do Espiritismo e quererá saber o que é ele. Eis tudo quanto desejamos. Podem queimar-se livros, mas não se queimam ideias. As chamas das fogueiras superexcitam-nas, em vez de abafá-las. Aliás, as ideias estão no ar, e não há Pireneus (cadeia de montanhas que separa a França e a Espanha) bastante altos para detê-las. Quando uma ideia é grande e generosa, encontra milhares de corações prontos a aspirar por ela. A despeito do que tenham feito, o Espiritismo já tem numerosas e profundas raízes na Espanha. As cinzas dessa fogueira vão fazê-las frutificar. Mas não é só na Espanha que se produzirá tal resultado. O mundo inteiro sentirá suas consequências. Vários jornais da Espanha estigmatizaram esse ato retrógrado (contrário ao progresso), como bem o merece.”
Foram dadas numerosas comunicações a respeito, ditadas pelos Espíritos, na Sociedade de Paris. Citamos a seguinte:
“Era preciso que algo ferisse num golpe violento certos Espíritos encarnados, para que se decidissem a ocupar-se desta grande doutrina que deve regenerar o mundo. Nada é feito inutilmente em vossa Terra nesse sentido, e nós, que inspiramos o Auto de Fé de Barcelona, bem sabíamos que assim agindo contribuiríamos para um grande passo à frente. Esse fato brutal, incrível nos tempos atuais, foi consumado a fim de atrair a atenção dos jornalistas que ficavam indiferentes ante a profunda agitação reinante nas cidades e centros espíritas. Eles deixavam dizer e fazer, mas se obstinavam em fazer ouvidos moucos (ignorar), e respondiam pelo mutismo ao desejo de propaganda dos adeptos do Espiritismo. De boa ou má vontade, é preciso que hoje falem. Uns constatando o caso histórico de Barcelona, e outros o desmentindo, deram lugar a uma polêmica que dará a volta do mundo e da qual só o Espiritismo tirará proveito. Eis por que hoje a retaguarda da Inquisição praticou o seu último Auto de Fé. Foi porque assim o quisemos.”
SÃO DOMINGOS
IV. – DO ESQUECIMENTO DO PASSADO EM MUNDO MAIS EVOLUÍDO
Na Revista Espírita de 1861, em Fevereiro, no artigo “QUESTÕES E PROBLEMAS DIVERSOS”, Kardec traz algumas respostas dadas pelo Espírito de São Luís, acerca do esquecimento do passado em Júpiter, vejamos:
1. ─ Em um mundo superior, como Júpiter ou outro, tem o Espírito encarnado a lembrança das existências passadas, bem como a do estado errante? ─ Não. Desde que o Espírito reveste o envoltório material, perde a lembrança de suas existências anteriores.
─ Entretanto, em Júpiter o envoltório material é muito pouco denso e, por isto, não é o Espírito mais livre? ─ Sim, mas é suficientemente denso para extinguir no Espírito a lembrança do passado.
─ Então, os Espíritos que habitam Júpiter e que se comunicaram conosco ali se encontravam mergulhados no sono? ─ Certamente. Naquele mundo, sendo o Espírito muito mais elevado, melhor compreende Deus e o Universo, mas o seu passado se apaga nesse momento, do contrário tudo obscureceria a sua inteligência; ele não se reconheceria a si mesmo; seria ele o homem da África, o da Europa ou da América? O da Terra, o de Marte ou o de Vênus? Não se recordando mais, é ele mesmo, o homem de Júpiter, inteligente, superior, compreendendo Deus, eis tudo.
Observação: Se é necessário o esquecimento do passado num mundo mais adiantado, como o é Júpiter, com mais forte razão deve sê-lo em nosso mundo material. É evidente que a lembrança de nossas existências precedentes lançaria uma penosa confusão em nossas ideias, sem falar de todos os outros inconvenientes já assinalados a respeito. Tudo quanto Deus faz traz a marca de sua sabedoria e de sua bondade. Não nos cabe criticá-lo, até mesmo porque não compreendemos o objetivo.
V. – DAS APARIÇÕES
Na Revista Espírita de 1861, no mês de Julho, através do artigo “ENSAIO SOBRE A TEORIA DA ALUCINAÇÃO” Kardec fala sobre alucinação, imaginação e aparições, esclarecendo as 2 (duas) formas que a aparição pode se dar. Vejamos:
Os que não admitem o mundo incorpóreo e invisível creem tudo explicar pela palavra alucinação. A definição é conhecida: erro, ilusão da pessoa que crê ter percepções que realmente não tem.
(…)
Provam os fatos que há verdadeiras aparições, as quais a teoria espírita explica perfeitamente e que só podem ser negadas por aqueles que nada admitem além do mundo visível. Mas, ao lado das visões reais, há alucinações, na verdadeira acepção desse vocábulo? Não há dúvida. O essencial é determinar os caracteres que podem distingui-las das aparições reais. Qual a sua fonte? São os Espíritos que nos vão indicar o caminho, porque a explicação nos parece estar completa na resposta dada à seguinte pergunta:
Pode-se considerar como aparições as figuras e outras imagens que frequentemente se apresentam no primeiro sono ou simplesmente quando se fecham os olhos?
“Desde que os sentidos se entorpecem, o Espírito se desprende e pode ver, longe ou perto, o que não poderia ver com os olhos. Por vezes essas imagens são visões, mas também podem ser um efeito das impressões deixadas no cérebro, pela visão de certos objetos de que ele conserva traços, da mesma forma que conserva a memória dos sons. O Espírito desprendido vê no próprio cérebro essas impressões que nele ficaram como uma chapa fotográfica. Sua variedade e sua mistura formam conjuntos bizarros e fugidios (passageiros), que se apagam quase que imediatamente, malgrado os esforços que se façam para retê-los. É a uma causa semelhante que se devem atribuir certas aparições fantásticas que nada têm de real, e que muitas vezes se produzem no estado de doença”.
(…)
As imagens que chegam ao cérebro, através dos olhos, nele deixam uma impressão que nos lembra um quadro, como se o tivéssemos à nossa frente. Dá-se o mesmo com a impressão dos sons, dos odores, dos sabores, das palavras, dos números, etc. Conforme as fibras, que constituem o mecanismo destinado à recepção e à transmissão dessas impressões, estiverem aptas a conservá-las, tem-se a memória das formas, das cores, da música, dos números, das linhas, etc. Quando imaginamos uma cena que vimos, não há senão uma questão de memória, porque na realidade não estamos vendo. Mas, num certo estado de emancipação, a alma vê no cérebro e nele encontra essas imagens, sobretudo aquelas que mais impressionaram, conforme a natureza das preocupações ou as disposições do espírito.
Ela ali encontra a impressão das cenas religiosas, diabólicas, dramáticas ou outras que ela viu em outra época em pintura, em ação, em leituras ou em relatos, pois os relatos também deixam impressões. Assim, a alma realmente vê alguma coisa: é a imagem de algum modo fotografada no cérebro.
No estado normal, essas imagens são fugidias e efêmeras, porque todas as partes do cérebro funcionam livremente. Mas no estado de doença, o cérebro está mais ou menos enfraquecido; não existe equilíbrio entre todos os órgãos; alguns apenas conservam sua atividade, enquanto outros estão, de certo modo, paralisados. Daí a permanência de certas imagens que não são mais apagadas, como no estado normal, pelas preocupações da vida exterior. Aí está a verdadeira alucinação, a fonte primeira das ideias fixas. A ideia fixa é a lembrança exclusiva de uma impressão. A alucinação é a visão retrospectiva, pela alma, de uma imagem impressa no cérebro.
(…)
A imaginação também representa um papel que é preciso distinguir da alucinação propriamente dita, embora essas duas causas por vezes estejam reunidas. Ela empresta a certos objetos, formas que estes não têm, como permite ver uma figura na Lua ou animais nas nuvens. Sabe-se que na obscuridade os objetos tomam formas bizarras, por não se distinguirem todas as suas partes e porque os contornos não são nitidamente definidos. Quantas vezes, à noite, num quarto, um vestido pendurado, um vago reflexo luminoso, não apresentaram uma forma humana aos olhos de pessoas mais dotadas de sangue frio? Se a isto se juntar o medo ou uma credulidade exagerada, a imaginação fará o resto. Compreende-se, assim, que a imaginação possa alterar a realidade das imagens percebidas na alucinação e lhes emprestar formas fantásticas.
As verdadeiras aparições têm um caráter que, para os observadores experimentados, não permite confundi-las com os efeitos que acabamos de citar.
(…)
O fenômeno da aparição pode produzir-se de duas maneiras: ou é o Espírito que vem encontrar a pessoa que vê, ou é o Espírito desta que se transporta e vai encontrar o outro.
Os exemplos seguintes nos parecem bem caracterizar os dois casos.
1. – Um de nossos colegas nos contava, recentemente, que um oficial seu amigo, estando na África, de repente viu à sua frente a cena de um cortejo fúnebre (ritual de levar o corpo do falecido do velório até o cemitério). Era o de um de seus tios, residente na França, que há muito tempo ele não via. Viu distintamente toda a cerimônia, desde a saída da sala de velório até a igreja, e o transporte ao cemitério. Observou mesmo várias particularidades, das quais não podia ter ideia. Nesse momento ele estava desperto, entretanto num certo estado de absorção do qual só saiu quando tudo desapareceu. Chocado com a circunstância, escreveu para a França, pedindo notícias de seu tio e soube que este, falecido subitamente, tinha sido sepultado no dia e hora em que ocorrera a aparição, e com todas as particularidades que tinha visto.
Neste caso, é evidente que não foi o cortejo que veio encontrá-lo, mas ele que foi encontrar o cortejo, cuja percepção se deu por efeito da segunda vista.
LE 447: “O que chamas segunda vista é ainda resultado da libertação do Espírito, sem que o corpo seja adormecido. A segunda vista é a vista da alma.” |
2. – Um médico nosso conhecido, o Sr. Félix Mallo, tinha tratado de uma jovem senhora. Mas, julgando que o ar de Paris lhe era prejudicial, aconselhou-a a passar algum tempo no interior, com sua família, o que ela fez. Havia seis meses que não tinha notícias dela e nem pensava mais no caso, quando, uma noite, por volta de dez horas, estando em seu quarto, ouviu baterem à porta do consultório. Crendo que viessem chamá-lo para atender a um doente, mandou entrar, mas ficou muito surpreendido vendo à sua frente a jovem senhora em questão, pálida, vestida como a tinha conhecido, e que lhe disse com todo o sangre-frio: “Senhor Mallo, venho dizer-vos que morri”. E desapareceu. Certo de que estava desperto e de que ninguém havia entrado, o médico colheu informações e soube que a senhora tinha morrido na mesma noite em que lhe aparecera.
Aqui foi o Espírito da senhora que veio encontrá-lo.
Os incrédulos não deixarão de dizer que o médico poderia estar preocupado com a saúde de sua antiga cliente e que nada há de admirável que previsse a sua morte. Seja. Mas que expliquem a coincidência de sua aparição com o momento da morte, já que há vários meses o médico não tinha tido notícias dela. Supondo mesmo que ele tivesse crido na impossibilidade de sua cura, poderia prever que ela morresse num tal dia e numa tal hora? Devemos acrescentar que ele não é um homem impressionável.
3. – Eis outro fato não menos característico e que não poderia ser atribuído a uma previsão qualquer. Um dos nossos associados, oficial de marinha, estava no mar, quando viu seu pai e seu irmão atirados debaixo de uma carruagem. O pai morreu e o irmão saiu ileso. Quinze dias depois, tendo desembarcado na França, os amigos o procuraram, tentando prepará-lo para receber a triste notícia. ─ “Não são necessárias tantas precauções”, disse ele, “sei o que ides dizer. Meu pai morreu. Estou sabendo disso há quinze dias”. Com efeito, seu pai e seu irmão, estando em Paris, desciam de carruagem a Avenida dos Campos Elísios (Avenida Champs-Élysées, em Paris); o cavalo espantou-se, o carro quebrou-se, o pai morreu e o irmão apenas sofreu contusões.
E, ainda, na Revista Espírita de Julho de 1861, no artigo seguinte, intitulado “UMA APARIÇÃO PROVIDENCIAL”, Kardec relata um fato publicado no jornal Oxford Chronicle de 1.º de junho de 1861:
Em 1828, um navio que fazia o trajeto de Liverpool (Inglaterra) a New-Brunswick (Canadá) tinha como imediato (é o oficial que ocupa o posto hierárquico abaixo do comandante) o Sr. Robert Bruce. Estando perto dos bancos de Terra-Nova, o capitão e o imediato calculavam um dia de sua rota, o primeiro (o capitão) em sua cabina e o outro (o imediato) na câmara ao lado. As duas peças eram dispostas de modo que eles podiam ver-se e conversar. Absorvido em seu trabalho, Bruce não notou que o capitão havia subido para a ponte. Sem olhar, lhe disse: “Encontro tal longitude. Qual é a sua?” Não recebendo resposta, repetiu a pergunta, mas inutilmente. Avançou então para a porta da cabina e viu um homem sentado no lugar do capitão, escrevendo numa ardósia. O indivíduo voltou-se, olhou Bruce fixamente e este, apavorado, lançou-se para a ponte.
─ Capitão, disse ele assim que o alcançou, quem é que está à sua escrivaninha na cabina?
─ Mas, ninguém, penso eu.
─ Eu lhe garanto que há um estranho.
─ Um estranho! Você sonha, Bruce. Quem ousaria meter-se em minha mesa sem minha ordem? Talvez você tenha visto o contra-mestre ou o despenseiro.
─ Senhor, há um homem sentado à sua mesa e que escreve em sua ardósia. Ele me olhou na cara e eu o vi distintamente, ou jamais vi alguém no mundo.
─ Ele! quem?
─ Só Deus o sabe, senhor! Eu vi esse estranho que jamais tinha visto em qualquer parte em toda minha vida.
─ Você está louco, Bruce. Um estranho! Lá se vão seis semanas que estamos no mar.
─ Eu sei, mas eu vi.
─ Ora essa! Vá ver quem é.
─ Capitão, o senhor sabe que eu não sou um poltrão (medroso, covarde). Não acredito em aparições, contudo, confesso que não suporto vê-lo só e de frente. Gostaria que fôssemos ambos.
O capitão desceu na frente, mas não encontrou ninguém.
─ Veja bem, disse ele. Você sonhou.
─ Não sei como é isto, mas juro que ele estava ali, há pouco, e escrevia em sua ardósia.
─ Neste caso, deve haver alguma coisa escrita.
Apanhou a ardósia e leu estas palavras: “Dirija para noroeste”. O capitão tendo feito tanto Bruce como todos os homens da equipagem escreverem aquelas mesmas palavras, verificou que nenhuma letra se parecia com aquela. Procuraram por todos os recantos do navio e não descobriram nenhum estranho. Consultado se devia seguir o conselho misterioso, o capitão resolveu mudar de direção e navegou para noroeste, depois de ter posto como vigia um homem de confiança.
Por volta das três horas foi avistado um bloco de gelo, depois um navio desmastreado (que perdeu o rumo), sobre o qual se viam vários homens. Chegando mais perto soube-se que o navio estava quebrado, as provisões esgotadas, a equipagem e os passageiros famintos. Enviaram barcos para recolhê-los, mas no momento em que chegaram a bordo, para sua grande estupefação, o Sr. Bruce reconheceu entre os náufragos o homem que tinha visto na cabina do capitão. Assim que foi acalmada a confusão e que o navio retomou sua rota, o Sr. Bruce disse ao capitão:
─ Parece que não foi um Espírito que eu vi hoje. Ele é vivo. O homem que escrevia na ardósia é um dos passageiros que acabamos de salvar. Ei-lo. Eu juraria perante a justiça!
Dirigindo-se ao tal homem, o capitão o convidou à sua cabina e lhe pediu que escrevesse na ardósia, do lado oposto àquele onde estavam as palavras misteriosas: “Dirija para noroeste”. Intrigado com o pedido, não obstante o passageiro conformou-se. Tomando a ardósia, o capitão virou-a, sem nada exprimir, e mostrando ao passageiro as palavras escritas antes, perguntou:
─ Esta é mesmo a vossa letra?
─ Sem dúvida, pois acabo de escrever diante de vós.
─ E esta aqui? acrescentou, mostrando o outro lado.
─ Também é a minha letra, mas não sei como aconteceu isto, porque só escrevi de um lado.
─ Meu imediato, que aqui está, pretende vos ter visto hoje, ao meio-dia, sentado a esta mesa e escrevendo estas palavras.
─ É impossível, porque só agora me trouxeram para este navio.
Interrogado o capitão do navio naufragado sobre o que, pela manhã, poderia ter-se passado com esse homem, respondeu:
─ Só o conheço como um dos meus passageiros. Mas, pouco antes do meio-dia ele caiu num profundo sono, do qual só saiu depois de uma hora. Durante o sono ele exprimiu a confiança de que em breve iríamos ser salvos, dizendo que se via a bordo de um navio, cuja espécie e aparelhamento descreveu, em tudo conforme ao que tivemos à vista momentos depois.
O passageiro acrescentou que não se lembrava de ter sonhado, nem de ter escrito fosse o que fosse, mas apenas que tinha conservado, ao despertar, um pressentimento que não sabia explicar, de que um navio lhes viria em socorro. Uma coisa estranha, disse ele, é que tudo quanto está neste navio me parece familiar, embora esteja certo de jamais tê-lo visto. Depois, o Sr. Bruce lhe contou as circunstâncias da aparição que tinha tido e concluíram que o fato era providencial.
Para os espíritas, este fato nada tem de extraordinário, porque podem explicá-lo. Aos olhos dos ignorantes parecerá sobrenatural, maravilhoso. Para quem quer que conheça a teoria do perispírito, da emancipação da alma dos vivos, ele não sai das leis da Natureza.
VI. – DOS FENÔMENOS DE TRANSPORTE
Destacam-se na Revista Espírita de 1861, nos meses de Maio e de Agosto, os relatos acerca dos fenômenos de transporte. Em Maio de 1861, sob o título de “Fenômenos de Transporte” Kardec relata que esse fenômeno é um dos mais extraordinários e um dos mais raros entre os apresentados pelas manifestações espíritas. Consiste no transporte espontâneo de um objeto que não está no lugar onde nos encontramos. Kardec publica a carta seguinte, que lhe foi enviada de Orléans (cidade situada na França), datada a 14 de fevereiro de 1861.
“Senhor,
“É um espírita convicto que vos escreve esta carta. Os fatos que ela relata são raros; devem servir ao bem de todos e já levaram a convicção a várias pessoas que nos rodeiam e que os testemunharam.
“O primeiro fato passou-se a 1.º de janeiro de 1861. Uma de minhas parentas, que possui em supremo grau a faculdade mediúnica (ou seja, é médium ostensiva), e que o ignorava completamente antes que eu lhe tivesse falado do Espiritismo, algumas vezes via a sua mãe, mas considerava isso como alucinações e tratava de evitá-las. A 1.º de janeiro último, pelas três horas da tarde, viu-a novamente. O sobressalto que ela e seu marido experimentaram, embora este nada visse, impediu-a de se dar conta de seus movimentos. Alguns minutos depois, entrando nessa sala, seu marido viu sobre a mesa um anel que sua mulher reconheceu perfeitamente como o anel de sua mãe, que ela própria lhe havia posto no dedo quando de sua morte.
Alguns dias depois, como aquela senhora sofresse de uma sufocação a que era sujeita, aconselhei seu marido a magnetizá-la, o que ele fez. Ao cabo de três minutos, ela adormeceu profundamente e a lucidez foi perfeita (ou seja, médium sonâmbula).
Então, ela disse ao marido que sua mãe lhe havia trazido o anel para lhe provar que está com eles e vela por eles. O marido perguntou se ela vê sua filha que faleceu com 2 anos de idade, há 8 anos, e se ela lhe pode trazer uma lembrança. A sonâmbula responde que ela está lá, bem como a mãe de seu marido; que no dia seguinte trará uma rosa que ele encontrará sobre a secretária.
O fato realizou-se; a rosa murcha estava, acompanhada de um papel, onde estavam escritas estas palavras: A meu querido pai. Laura (ou seja, escrita direta). Dois dias depois, sono magnético. O marido pergunta se poderia receber cabelos de sua própria mãe. Seu desejo foi satisfeito imediatamente. Os cabelos estavam sobre a lareira. Depois, duas cartas foram escritas espontaneamente pelas duas mães.
Esse senhor estava estudando “O Livro dos Médiuns”, onde consta a orientação de tentar escrever (psicografia), mas ele não tinha obtido nenhum resultado. Persuadido de que nada obteria sem a presença dessa sua parenta, ele pediu-lhe que viesse a Orléans com o marido. Essa parenta, com o seu marido, foram até a casa desse senhor de Orléans.
Segunda-feira, 11 de fevereiro, às 10 horas da noite, sono magnético e êxtase. Ela (a parenta) vê junto de si e de seu marido e do senhor (que escreve a Kardec) os Espíritos que a acompanham e que tinham prometido vir com ela. O senhor lhe pergunta se será médium escrevente. Ela respondeu: “Sim, em 15 dias”, e acrescentou que no dia seguinte ela escreveria por meio de sua mãe, para convencer a um dos amigos desse senhor, que ela lhe pediu que ele convidasse.
No dia seguinte, 12, às 8 da manhã, sono. Perguntou se lhe devia dar um lápis. “Não”, disse ela, “minha mãe está perto de ti e escreve. Sua carta está sobre a lareira.”. Ele vai até lá e encontra um papel dobrado, que continha as seguintes palavras: “Crede e orai; estou convosco; isto é para vos convencer.” Disse ao senhor que naquela noite ele poderia tentar escrever com a mão dela, posta sobre a dele. Ele conta que não ousava esperar tal resultado e, contudo, escreveu estas palavras: “Crede; vou voltar; não esqueçais o magnetismo; não demoreis muito tempo”.
A parenta desse senhor devia partir no dia seguinte. À noite escreveram isto: “A ciência espírita não é uma brincadeira; é verdadeira; o magnetismo pode conduzir a ela. Orai e invocai aqueles que o coração vos disser. Não fiqueis mais muito tempo. Catherine”. Era o nome da mãe dela.
Kardec explica que esta carta relata dois fenômenos notáveis: o dos transportes e o da escrita direta.
Kardec relata também um fato de que foi, duas vezes, testemunha ocular, bem como vários membros da Sociedade:
“A Srta. V. B…, jovem de 16 a 17 anos, é ótima médium escrevente e ao mesmo tempo sonâmbula muito clarividente. Durante o sono ela vê sobretudo o Espírito de um de seus primos, que por diversas vezes lhe havia trazido objetos diferentes, entre os quais anéis, bombons em grande quantidade, e flores. É sempre necessário que ela esteja adormecida por cerca de duas horas antes da produção de fenômeno.
“A primeira vez que assistimos a uma manifestação do gênero, houve o transporte de um anel que lhe foi colocado na mão. Para nós, que conhecemos a jovem e seus pais como pessoas muito honestas, não havia motivos de dúvida. Contudo, confessamos que, para os estranhos, a maneira como isto se passou era pouco concludente (convincente).
“Já na outra sessão foi diferente. Após duas horas de sono prévio, (…), o Espírito lhe apareceu com um ramo de flores, visível apenas para ela. Só depois de algum tempo de incessantes pedidos, o Espírito fez cair a seus pés um ramo de açafrão. A moça não ficou satisfeita.
O Espírito segurava ainda algo que ela queria. Novos pedidos durante cerca de meia hora, depois do que um maço de violetas, rodeadas de musgo, apareceu no soalho (piso). Algum tempo depois, um bombom do tamanho de um punho caiu ao seu lado. Pelo gosto, foi reconhecido como conserva de abacaxi, que parecia amassada nas mãos.
Tudo isto durou cerca de uma hora e durante esse tempo a sonâmbula esteve sempre isolada dos assistentes; seu próprio magnetizador manteve-se a grande distância. Nós estávamos colocados de maneira a não perder de vista um só movimento e declaramos sinceramente que não houve a menor coisa suspeita. Nessa sessão o Espírito, que se chama Léon, prometeu vir à Sociedade dar as explicações que fossem pedidas.
Evocamo-lo na sessão da Sociedade, de 1.º de março, conjuntamente com o Espírito da Sra. Catherine, que se havia manifestado em Orléans, e eis a conversa que se seguiu:
1. – (Evocação da Sra. Catherine) ─ Estou presente e pronta a responder.
2. ─ Dissestes à vossa filha e ao parente de Orléans que viríeis confirmar aqui os fenômenos que eles testemunharam. Ficaremos encantados se recebermos vossas explicações a respeito. Para começar, eu perguntaria com que objetivo insististes tanto para que me escrevessem relatando esses fatos? ─ (…). Eu tinha dito aos meus filhos que vos comunicassem essas provas visando propagar o Espiritismo.
3. ─ Há poucos dias fui testemunha de fatos análogos e vou pedir ao Espírito que os produziu o favor de vir. Tendo podido observar todas as fases do fenômeno, pretendo dirigir-lhe várias perguntas. Peço-vos a bondade de vos unirdes a ele para completar as respostas, caso necessário. ─ Farei o que me pedis, porque com nós dois juntos, haverá mais clareza e precisão.
4. (Evocação de Léon) ─ Eis-me pronto a cumprir a promessa que vos fiz, senhor.
5. ─ Poderíeis dizer-nos, por favor, por que esses fenômenos só se produzem no sono magnético do médium? ─ Isto se deve à natureza do médium. Os fatos que eu produzo quando o meu está adormecido poderiam também produzir-se em estado de vigília.
6. ─ Por que fazeis esperar tanto tempo o transporte de objetos e por que excitais a cobiça do médium, provocando nele o desejo de obter o objeto prometido? ─ Esse tempo me é necessário para preparar os fluidos que servem para o transporte. Quanto à excitação, por vezes é apenas para divertir os presentes e a sonâmbula.
8. ─ A produção do fenômeno é devida à natureza especial do médium e poderia ser realizada por outros médiuns com mais facilidade e presteza? ─ A produção se deve à natureza do médium e não pode realizar-se senão com outros de natureza correspondente. Quanto à prontidão, o hábito que adquirimos comunicando-nos muitas vezes com o mesmo médium, nos é de grande auxílio.
9. ─ A natureza do médium deve corresponder à natureza do fato ou à do Espírito? ─ É preciso que corresponda à natureza do fato, e não à do Espírito.
10. ─ A influência das pessoas presentes serve para alguma coisa? ─ Quando há incredulidade, oposição, pode muito bem nos prejudicar. Preferimos fazer nossas provas com crentes e pessoas versadas no Espiritismo. Com isto não quero dizer que a má vontade possa paralisar-nos completamente.
11. ─ Aqui só há crentes e pessoas muito simpáticas. Há algum empecilho a que o fato ocorra? ─ Há, pois nem estou preparado nem disposto.
12. ─ Estaríeis num outro dia? ─ Sim.
13. ─ Poderíeis fixá-lo? ─ Um dia em que nada me pedirdes, virei de improviso surpreender-vos com um belo ramo de flores.
14. ─ Talvez haja pessoas que preferissem bombons. ─ Se há gastrônomos, também podem ser contentados. Creio que as senhoras, que não desdenham as flores, gostarão ainda mais dos bombons.
15. ─ A Srta. V. B… necessitará estar em sonambulismo? ─ Farei o transporte com ela desperta.
16. ─ Onde fostes buscar as flores e os bombons transportados? ─ As flores eu as colho nos jardins, onde me agradam.
17. ─ Mas, os bombons? O negociante não lhes nota a falta? ─ Eu os tomo onde me apraz. O negociante não percebe, porque ponho outros no lugar.
18. ─ Mas, os anéis têm um valor. Onde os buscastes? Isto não prejudica àquele de quem os tirastes? ─ Tirei-os de lugares de todos desconhecidos, de modo que ninguém lhes sentiu a falta.
19. ─ É possível trazer flores de outro planeta? ─ Não. Não me é possível.
(…)
21. ─ Poderíeis trazer flores de um outro hemisfério, como, por exemplo, dos trópicos? ─ Desde que sejam da Terra, posso.
22. ─ Como introduzistes esses objetos, outro dia, desde que a sala estava fechada? ─ Fi-los entrar comigo, por assim dizer envoltos em minha substância. Quanto a vos dar mais detalhes, isto não é explicável.
23. – (À Sra. Catherine). ─ Desde que o anel que trouxestes à vossa filha estava enterrado convosco, como o obtivestes? ─ Retirei-o da terra e o trouxe à minha filha.
24. (A Léon). ─ Como tornastes visíveis esses objetos que, momentos antes, eram invisíveis? ─ Tirei a matéria que os envolvia.
25. ─ Poderíeis fazer desaparecerem esses objetos que transportastes e transportá-los de volta? ─ Assim como os trouxe, posso levá-los à vontade.
(…)
31. ─ A produção do fenômeno de transporte vos causa sofrimento ou um embaraço qualquer? ─ Não nos causa nenhum sofrimento, quando temos permissão, mas nos causaria, e grandes, se quiséssemos produzir efeitos sem que estivéssemos autorizados.
32. ─ Quais as dificuldades que encontrais? ─ Nenhuma outra senão as más disposições fluídicas que nos podem ser contrárias.
33. ─ Como transportais o objeto? Segurais com as mãos? ─ Não. Nós o envolvemos em nós mesmos.
34. ─ Traríeis com a mesma facilidade um objeto de um peso considerável, como, por exemplo, de 50 quilos? ─ O peso nada significa para nós. Trazemos flores porque isto talvez seja mais agradável que um peso volumoso.
35. ─ Por vezes há desaparecimento de objetos cuja causa é ignorada. Seria coisa dos Espíritos? ─ Isto acontece muitas vezes, com mais frequência do que imaginais, mas poder-se-ia remediar o problema pedindo ao Espírito que devolvesse o objeto desaparecido.
(…)
37. ─ Entre os objetos transportados não os há fabricados pelos Espíritos, isto é, produzidos espontaneamente pelas modificações que os Espíritos podem introduzir no fluido ou elemento universal? ─ Não por mim, pois não tenho permissão. Só um Espírito elevado o pode.
38. ─ Um objeto assim feito poderia ter estabilidade e tornar-se um objeto de uso? Se um Espírito me fizesse uma tabaqueira, por exemplo, poderia servir-me dela? Poderia ter, se o Espírito o quisesse, mas também poderia existir apenas para ser vista e extinguir-se ao cabo de algumas horas.
Em Agosto de 1861, a Revista Espírita traz artigo do Espírito Erasto, “TRANSPORTE DE OBJETOS E OUTROS FENÔMENOS TANGÍVEIS”, que nos ensina que:
Para obter fenômenos desta ordem é necessário dispor de médiuns que chamarei sensitivos, isto é, dotados, no mais alto grau, das faculdades mediúnicas de expansão e de penetrabilidade, porque o sistema nervoso dos mesmos, facilmente excitável, lhes permite, por meio de certas vibrações, projetar ao seu redor com profusão, seu fluido animalizado.
Em geral os casos de transporte de objetos são e continuarão sendo muito raros.
Aliás, esses fenômenos de transporte são de tal natureza que não só nem todos os médiuns são adequados, mas nem todos os Espíritos podem produzi-los.
Com efeito, entre o Espírito e o médium influenciado deve existir certa afinidade, certa analogia, numa palavra, certa semelhança que permita à parte expansiva do fluido perispirítico do encarnado misturar-se, unir-se, combinar-se com o do Espírito que quer fazer um transporte de objetos. Essa fusão deve ser tal, que a força resultante, por assim dizer, se torne uma, da mesma maneira que uma corrente elétrica agindo sobre o carvão produz apenas um foco, um só clarão.
Por que tal união? Por que tal fusão? perguntareis.
É que, para a produção de tais fenômenos, é necessário que as necessidades do Espírito operador sejam aumentadas por algumas do medianimizado; o Espírito operador é obrigado a impregnar-se do fluido emitido pelo médium. Só então pode ele, por meio de certas propriedades do vosso meio ambiente, isolar, tornar invisíveis e fazer mover certos objetos materiais e os próprios encarnados.
Comentário: O Livro “Nos Domínios da Mediunidade”, autoria espiritual de André Luiz, psicografado por Chico Xavier, no Capítulo 28, nos relata que nos fenômenos de materialização e transporte é utilizado o ECTOPLASMA, que é a substância que se situa entre o perispírito e o corpo físico, e que, em certas pessoas, comparece em maiores proporções para a manifestação necessária aos efeitos físicos. |
Vedes de quantas dificuldades está cercada a produção dos transportes de objetos. Por isto que os fenômenos dessa natureza são excessivamente raros e com tanto mais razão quão pouco a eles se prestam os Espíritos, porque isto exige de sua parte um trabalho quase material, o que lhes é um aborrecimento e uma fadiga. Por outro lado, ainda acontece que muitas vezes, apesar da sua energia e da sua vontade, o estado do próprio médium lhes opõe uma barreira intransponível.
É, pois, evidente que os casos das batidas e do movimento e suspensão de objetos são fenômenos simples, que se operam pela concentração e dilatação de certos fluidos, e que podem ser provocados e obtidos pela vontade e pelo trabalho dos médiuns aptos para tanto, quando estes são secundados por Espíritos amigos e benevolentes.
Ao passo que os fenômenos de transporte de objetos são múltiplos; são complexos; exigem um concurso de circunstâncias especiais; não podem operar-se senão por um só Espírito e um só médium; e necessitam, além das condições de tangibilidade, de uma combinação muito particular para isolar e tornar invisível o objeto ou os objetos do transporte.
Em resumo: se os casos de tangibilidade são frequentes, os de transporte de objetos são muito raros, porque as condições são difíceis, e consequentemente nenhum médium pode dizer: “A tal hora, em tal momento, obterei um transporte de objeto”, porque muitas vezes o próprio Espírito é impedido no seu trabalho.
Devo acrescentar que esses fenômenos são duplamente difíceis em público, porque se encontram, quase sempre, elementos energicamente refratários, que paralisam os esforços do Espírito e, com mais forte razão, a ação do médium.
Ao contrário, tende a certeza de que esses fenômenos se produzem espontaneamente, na maioria dos casos à revelia dos médiuns e sem premeditação, quase sempre em particular e, enfim, muito raramente, quando estes estão prevenidos.
Daí, deveis concluir que, há um legítimo motivo de suspeita todas as vezes que um médium se gaba de obtê-los à vontade, isto é, de comandar os Espíritos como se eles fossem seus criados, o que é simplesmente absurdo. Tende ainda como regra geral que os fenômenos espíritas não são fatos para exibição em espetáculos e para divertir curiosos. Se alguns Espíritos se prestam a tais coisas, isto não ocorre senão para fenômenos simples, e não para os que, como os de transporte de objetos e outros semelhantes, exigem condições excepcionais.
VII. – DAS COMUNICAÇÕES PRESTADAS POR DOIS ESPÍRITOS QUE ERAM MATERIALISTAS E SUAS CONDIÇÕES NO PLANO ESPIRITUAL, UM DELES, APÓS SE SUICIDAR
No mês de Fevereiro de 1861, a Revista Espírita, nas PALESTRAS FAMILIARES DE ALÉM TÚMULO, sob o título “O SUICÍDIO DE UM ATEU”, traz as comunicações dadas por 2 (dois) Espíritos que eram materialistas e irmãos, sendo que um, se suicidou e, o outro, morreu de causas naturais, mostrando a situação de ambos no plano espiritual. Vejamos:
O Sr. J. B. D…, evocado a pedido de um de seus parentes, era um homem instruído, mas até o último grau imbuído (cheio) de ideias materialistas. Não acreditava na alma nem em Deus. Afogou-se voluntariamente há dois anos.
1. (Evocação). ─ Sofro! Sou um condenado.
2. ─ Pediram-nos que vos chamasse da parte de um dos vossos parentes, que deseja conhecer a vossa sorte. Podeis dizer se esta evocação é agradável ou penosa? ─ Penosa.
3. ─ Vossa morte foi voluntária? ─ Sim. Observação: O Espírito escreve com extrema dificuldade. A letra é grande, irregular, convulsa e quase ilegível. De início denota cólera, quebra o lápis e rasga o papel.
4. ─ Tende calma. Rogaremos por vós a Deus. ─ Sou forçado a crer em Deus.
5. ─ Que motivo vos levou a vos destruirdes? ─ Tédio da vida sem esperança. Observação: Compreende-se o suicídio quando a vida é sem esperança. Quer-se fugir à infelicidade a todo custo. Com o Espiritismo o futuro se desenrola e a esperança se legitima. O suicídio, então, não tem objetivo; ainda mais, reconhece-se que por tal meio não se escapa a um mal senão para cair num outro cem vezes pior. Eis por que o Espiritismo já subtraiu tantas vítimas à morte voluntária. (…)
6. ─ Quisestes escapar às vicissitudes da vida. Conseguistes alguma coisa? Sois mais feliz agora? ─ Por que o nada não existe?!
7. ─ Teríeis a bondade de descrever-nos o melhor possível a vossa situação? ─ Sofro por ser obrigado a crer em tudo aquilo que negava. Minha alma está como que num braseiro, horrivelmente atormentada.
8. ─ De onde vinham as ideias materialistas que tínheis em vida? ─ Em outra existência eu tinha sido mau, e meu Espírito estava condenado a sofrer os tormentos da dúvida durante minha vida. Assim, matei-me.
Observação: Existe aqui toda uma ordem de ideias. Frequentemente nos perguntamos como pode haver materialistas, de vez que, já tendo passado pelo mundo espírita, deveríamos ter-lhe a intuição. Ora, é precisamente essa intuição que é recusada, como castigo, a certos Espíritos que conservaram o orgulho e não se arrependeram de suas faltas. Não devemos esquecer que a Terra é um lugar de expiação. Eis por que ela encerra tantos Espíritos maus encarnados.
9. ─ Quando vos afogastes, que pensáveis que vos iria acontecer? Que reflexões fizestes naquele momento? ─ Nenhuma. Para mim era o nada. Vi depois que não tendo esgotado a minha pena, ainda iria sofrer muito.
10. ─ Agora estais bem convencido da existência de Deus, da alma e da vida futura? ─ Oh! Sou terrivelmente atormentado por isto!
11. ─ Revistes vossa mulher e vosso irmão? ─ Oh! não!
12. ─ Por quê? ─ Por que reunir nossos tormentos? A gente se exila (retira) na desgraça e só se reúne na felicidade. Ai de mim!
13. ─ Gostaríeis de rever o vosso irmão, que poderíamos chamar para o vosso lado? ─ Não, não! Eu estou muito mal.
14. ─ Por que não quereis que o chamemos? ─ É que também ele não é feliz.
15. ─ Temeis a sua presença. Entretanto, ela não vos poderia fazer bem? ─ Não. Mais tarde.
16. ─ Vosso parente pergunta se assististes ao vosso enterro e se ficastes satisfeito com o que ele fez na ocasião. ─ Sim.
17. ─ Desejais que ele diga alguma coisa? ─ Que orem um pouco por mim.
18. ─ Parece que na sociedade que frequentáveis algumas pessoas partilham das opiniões que tínheis em vida. Quereríeis dizer-lhes algo a respeito? ─ Ah! Que infelizes! Possam eles acreditar numa outra vida! É o que lhes posso desejar para maior felicidade. Se pudessem compreender minha triste posição, iriam refletir bastante.
Evocação do irmão do precedente (anterior), que professava as mesmas ideias mas que não se suicidou. Conquanto infeliz, está mais calmo. Sua caligrafia é clara e legível.
19. (Evocação). ─ Possa o quadro de nossos sofrimentos vos ser uma lição útil, e vos persuadir de que há uma outra vida, na qual expiamos nossas faltas e nossa incredulidade!
20. ─ Vós e o vosso irmão que acabamos de evocar vos vedes reciprocamente? ─ Não. Ele foge de mim.
21. ─ Estais mais calmo que ele. Poderíeis dar-nos uma descrição mais exata dos vossos sofrimentos? ─ Na Terra não sofrem o vosso amor próprio, o vosso orgulho, quando sois obrigados a confessar o vosso erro? Vosso Espírito não se revolta ao pensamento de vos humilhardes ante aquele que vos demonstra que estais errados? Então! Que pensais que sofra o Espírito que em toda a sua existência ficou persuadido de que nada existe além de si mesmo e que tem razão contra todos? Quando, de repente, ele se acha ante a deslumbrante verdade, sente-se aniquilado e humilhado. A isto vem juntar-se o remorso de, por tanto tempo, ter esquecido a existência de um Deus tão bom, tão indulgente. Seu estado é insuportável; não encontra calma nem repouso; não achará um pouco de tranquilidade senão no momento em que a graça santa, isto é, o amor de Deus o tocar, porque de tal modo o orgulho se apodera do nosso pobre Espírito, que o envolve inteiramente, e ainda lhe é necessário muito tempo para se desfazer dessa túnica fatal. Só a prece dos nossos irmãos nos ajuda a nos desembaraçarmos dela.
22. ─ Quereis falar de vossos irmãos vivos ou em Espírito? ─ De uns e de outros.
23. ─ Enquanto conversávamos com o vosso irmão, um dos presentes orou por ele. A prece ter-lhe-á sido útil? ─ Não será perdida. Se agora recusa a graça, ela lhe voltará quando estiver em estado de recorrer a essa divina panaceia (remédio para todos os males; solução).
VIII. – DOS EFEITOS DO DESESPERO
No mês de Junho de 1861, a Revista Espírita, traz o artigo intitulado “DOS EFEITOS DO DESESPERO”, Kardec inicia falando que seriam necessários volumes para registrar todos os funestos acidentes causados pelo desespero, isso, se tomássemos apenas aqueles que chegam ao conhecimento do público.
Quantos suicídios, doenças, mortes involuntárias, casos de loucura, atos de vingança e até crimes não produz ele todos os dias! Uma estatística muito instrutiva seria a das causas primeiras que levaram aos desarranjos do cérebro. Ver-se-ia que nela entra o desespero, pelo menos com quatro quintos. Na sequência, Kardec apresenta 2 (dois) fatos relatados nos jornais, como assunto de observação.
Lê-se no Le Siècle (foi um jornal diário publicado de 1836 a 1932 na França) de 17 de fevereiro de 1861, reportagem sobre as exéquias (funerais) do Sr. Laferrière:
“Terça-feira conduzíamos à sua morada final, com alguns amigos contristados, uma jovem de vinte anos, arrebatada por uma doença de alguns dias. O pai dessa filha única era o Sr. Laferrière, membro do Instituto, inspetor geral das Faculdades de Direito. O excesso da dor fulminou esse pai infeliz e a resignação da fé cristã foi impotente para o consolar.
“Num intervalo de trinta e seis horas, a morte vibrou um segundo golpe, e a mesma semana que havia separado pai e filha, os reuniu. Multidão numerosa e consternada hoje seguia o féretro do Sr. Laferrière.”
Diz o jornal que o Sr. Laferrière tinha sentimentos religiosos e com prazer o admitimos, pois não se deve crer que todos os sábios sejam materialistas. Contudo, esses sentimentos não o impediram de sucumbir ao desespero. Estamos convictos de que se tivesse ideias menos vagas sobre o futuro, ideias mais positivas, tais como as que dá o Espiritismo; se tivesse acreditado na presença da filha ao seu lado; se tivesse tido a consolação de comunicar-se com ela, teria compreendido só estarem separados materialmente e por determinado tempo, e teria tido paciência, submetendo-se à vontade de Deus quanto ao momento de sua reunião; ter-se-ia acalmado ante a ideia de que o seu próprio desespero era uma causa de perturbação para a felicidade do objeto de sua afeição.
Estas reflexões se aplicam ainda com mais razão ao seguinte fato, que se lê no Le Siècle de 1.º de março de 1861:
“O Sr. Léon L…, de 25 anos, empresário que explora as linhas de ônibus de Villemonble a Paris, havia se casado, há dois anos, com uma jovem que ele amava apaixonadamente. O nascimento de um filho, hoje com um ano de idade, viera aumentar a afeição dos esposos. Como seus negócios prosperavam, tudo lhes parecia pressagiar um longo futuro de felicidades.
“Há alguns meses a Sra. L… foi subitamente atingida por uma febre tifoide (doença infecciosa causada por uma bactéria, a Salmonella typhi, transmitida por meio da ingestão de água e de alimentos contaminados) e, apesar dos mais assíduos cuidados e de todos os recursos da Ciência, faleceu em pouco tempo. A partir desse momento, o Sr. L… foi tomado de tal melancolia que nada o distraía. Muitas vezes ouviam-no dizer que a vida lhe era odiosa e que iria unir-se àquela que tinha levado toda a sua felicidade.
“Ontem, voltando de Paris com o seu carro, pelas sete horas da noite, o Sr. L… sem dar uma palavra a ninguém, entrou num cômodo contíguo à sala de jantar. Uma hora mais tarde uma criada veio avisar que o jantar estava à mesa. Ele respondeu que não precisava de mais nada. Estava debruçado sobre a mesa, a cabeça apoiada nas mãos e parecia tomado de uma prostração (abatimento, esgotamento) completa.
“A criada avisou os pais, que vieram para junto do filho. Ele tinha perdido a consciência. Correram a chamar o Dr. Dubois. Ao chegar, o médico constatou que Léon estava morto. Tinha-se envenenado com forte dose de láudano, que havia comprado para seus cavalos.“A morte do jovem causou viva impressão na região, onde gozava de geral estima”.
Sem dúvida o Sr. Léon L… acreditava na vida futura, pois se matou para ir unir-se à esposa. Se tivesse conhecido, pelo Espiritismo, a sorte dos suicidas, teria sabido que, longe de apressar o momento de seu encontro, este seria um meio infalível de afastá-lo.
A estes dois fatos opomos o seguinte, que mostra o domínio que podem ter as crenças espíritas sobre as resoluções dos que as possuem. Um dos nossos correspondentes nos transmite o que segue:
“Uma senhora do meu conhecimento perdeu o marido cuja morte foi atribuída à imperícia do médico. A viúva tomou-se de tal ressentimento contra ele, que o perseguia incessantemente com invectivas e ameaças, dizendo-lhe, por toda parte onde o encontrava:
“Carrasco, não morrerás senão por minha mão!” Essa senhora era muito piedosa e boa católica. Mas foi em vão que, para acalmá-la, empregaram os socorros da religião. O caso chegou-se ao ponto em que o médico julgou dever dirigir-se à autoridade, para sua própria segurança.
“O Espiritismo conta numerosos adeptos na cidade onde ela mora. Um de seus amigos, bom espírita, disse-lhe um dia:
“─ Que pensaríeis se pudésseis ainda conversar com o vosso marido?
“─ Oh! disse ela, se soubesse que tal era possível! Se tivesse a certeza de não o haver perdido para sempre, consolar-me-ia e esperaria.
“Em breve lhe deram a prova. Seu próprio marido lhe veio dar conselhos e consolo e por sua linguagem ela não teve nenhuma dúvida quanto à presença dele ao seu lado. Desde então, uma revolução completa operou-se em seu espírito. A calma sucedeu ao desespero e suas ideias de vingança deram lugar à resignação. Oito dias depois ela foi à casa do médico, o qual estava temeroso quanto a essa visita; mas em vez de ameaçá-lo, estendeu-lhe a mão, dizendo:
“Nada temais, senhor. Venho pedir perdão pelo o mal que vos tenho feito, como eu vos perdoo pelo que me fizestes involuntariamente. Foi meu próprio marido que me aconselhou a atitude que tomo no momento. Ele me disse que absolutamente não fostes a causa de sua morte. Aliás, agora tenho certeza de que ele está junto de mim, que me vê e vela por mim e que um dia estaremos unidos. Assim, senhor, não me queirais mal, como não vos quero mal, de minha parte.”
O médico aceitou logo a reconciliação e apressou-se em saber a causa misteriosa a que daí em diante devia a sua tranquilidade. Assim, sem o Espiritismo, essa senhora provavelmente teria cometido um crime, apesar de tão religiosa. Isto prova a inutilidade da religião? De modo algum. Mostra apenas a insuficiência das ideias que ela dá do futuro, apresentando-o tão vago que em muitos deixa uma espécie de incerteza, ao passo que o Espiritismo, fazendo, por assim dizer, tocá-lo com o dedo, faz nascer na alma uma confiança e uma segurança mais completas.
Ao pai que perdeu um filho; ao filho que perdeu seu pai; ao marido que perdeu a esposa adorada, que consolação dá o materialismo? Diz ele: Tudo acabou. Do ser que vos era tão caro nada resta, absolutamente nada além desse corpo que em pouco estará dissolvido. Mas de sua inteligência, de suas qualidades morais, da instrução adquirida, nada; tudo isto é o nada; vós o perdestes para sempre.
Diz o espírita: De tudo isto nada é perdido; tudo subsiste; só há de menos o envoltório perecível; mas o Espírito, desprendido de sua prisão é radiante, está aí, junto de vós, vendo-vos, escutando e esperando. Oh! Quanto mal fazem os materialistas, inoculando por seus sofismas o veneno da incredulidade! Eles jamais amaram. Do contrário, poderiam ver com sangue frio os objetos de suas afeições reduzidos a um monte de pó? Assim, parece que para eles é que Deus reservou seus maiores rigores, pois nós os vemos todos reduzidos à mais deplorável posição no mundo dos Espíritos, e Deus é tanto menos indulgente para com eles quanto mais perto estiveram de se esclarecer.
IX. – DA PROPAGAÇÃO DO ESPÍRITISMO
Na Revista Espírita de Setembro de 1861, no artigo intitulado “Carta do Sr. Jobard sobre os Espíritas de Metz”, Allan Kardec publica uma carta, escrita em 18/08/1861, em Bruxelas (capital da Bélgica), pelo Sr. Jobard que tinha acabado de visitar os Espíritas de Metz (assim como Kardec tinha visitado os Espíritas de Lyon, em 1860). E que, em vez de pobres operários, simples e iletrados, em Metz os Espíritas eram condes, barões, coronéis, engenheiros militares, antigos alunos da Politécnica, sábios conhecidos por obras de grande mérito.
O Sr. Jobard informa que, em poucos dias, Kardec receberia a primeira publicação dos Espíritas de Metz, e que ali encontrará dois discursos de Lamennais, sobre a prece que um padre leu no púlpito, declarando que não podia ser obra de um homem. A Sra. Girardin os visita, como a Kardec, e que ele reconhecerá seu espírito, seu sentimento, seu estilo.
Comentário: o Sr. Jobard era diretor do Museu Real da Indústria de Bruxelas. Depois dessa carta, no mês de Dezembro de 1861, a Revista Espírita publica informação de seu falecimento, em Bruxelas, em 27/10/1861, aos 69 anos de idade, em razão de um ataque de apoplexia (designação antiga de AVC – acidente vascular cerebral). A SPEE lhe havia concedido o título de presidente honorário. Na Revista Espírita de Março de 1862, Kardec vai publicar várias comunicações dadas pelo Espírito do Sr. Jobard nas sessões da SPEE. |
Sobre essa carta Kardec publica a seguinte consideração:
“OBSERVAÇÃO: Há muito, sabíamos que a cidade de Metz marcha a largos passos na via do progresso espírita (…). Assim, teremos prazer em noticiar os trabalhos desse centro, que se estabelece sobre bases realmente sérias. (…) Em breve falaremos do de Bordéus, que se funda sob os auspícios da Sociedade de Paris, já com elementos numerosos e em condições que não deixarão de o colocar entre os principais.”
“Conhecemos bem os princípios do Sr. Jobard para ter certeza de que, enumerando os títulos e as qualidades dos Espíritas de Metz, ao lado dos modestos operários que visitamos em Lyon, o ano passado, não quis fazer qualquer comparação ofensiva: seu objetivo foi unicamente constatar que o Espiritismo conta com adeptos em todas camadas.”
(…)
“Engana-se o Sr. Jobard, se pensa que em Lyon só encontramos Espíritas entre os operários: a alta indústria, o grande comércio, as artes e as ciências, lá como alhures, fornecem seu contingente. É verdade que lá os operários são maioria, por meras circunstâncias locais. Esses operários são pobres, como diz o Sr. Jobard. É uma razão para se lhes estender a mão. Mas são cheios de coragem, zelo e devotamento; se só tiverem um pedaço de pão, sabem dividi-lo com os irmãos; são simples, também é verdade, isto é, não têm orgulho nem a pretensão do saber; são iletrados, sim, relativamente; mas não no sentido absoluto.”
Na sequência, Kardec publica carta escrita pelos Espíritas de Lyon, in verbis:
“Lyon, 20 de agasto de1861. Meu bom senhor Allan Kardec
Se fiquei tanto tempo sem vos escrever, não se deve crer haja indiferença de minha parte. É que, sabendo da volumosa correspondência que tendes, só vos escrevo quando algo há de importante a vos dizer. Venho, pois, dizer que contamos convosco este ano e pedir informeis a época, tão precisa quanto possível, de vossa chegada e o lugar onde descereis, porque este ano o número dos Espíritas aumentou muito, sobretudo nas classes trabalhadoras. Todos vos querem ver e ouvir. E, embora saibam que os Espíritos é que ditaram vossas obras, estão desejosos de ver o homem que Deus escolheu para esta bela missão. Querem dizer-vos quanto se sentem felizes em vos ler e vos fazer julgar do progresso moral graças às vossas instruções, pois se esforçam por se tornarem suaves, pacientes e resignados em sua miséria, que é tão grande em Lyon, sobretudo na tecelagem de seda.
Os que murmuram, que ainda se lamentam, são os principiantes. Os mais instruídos lhes dizem: Coragem! nossas penas e sofrimentos são provas ou a consequência de nossas vidas anteriores. Deus, que é bom e justo, nos tornará mais felizes e nos recompensará em novas reencarnações. Allan Kardec nô-lo disse e o prova em seus escritos.
Escolhemos um local maior que o da última vez, porque seremos mais de cem. Nossa refeição será modesta, pois haverá muitas contribuições pequenas: será antes o prazer da reunião. Faço de modo que haja Espíritas de todas as classes e condições, a fim de lhes fazer compreenderem que são todos irmãos. O Sr. Déjou disso se ocupa com zelo; ele trará todo o seu grupo, que é numeroso.
Vosso devotado e afeiçoado, C.REY”
– Na sequência, Kardec publica carta enviada pelos Espíritas de Bordéus, convidando-o, eles dizem a Kardec que querem fazer uma Sociedade Espírita, como a SPEE, para que Bordéus possa propagar o Espiritismo no sul da França, in verbis:
“Bordéus, 7 de agosto de 1861. Meu caro Sr. Kardec
Vossa última Revista anuncia que a Sociedade Espírita de Paris toma suas férias de 15 de agosto a 1.º de outubro. Podemos esperar que, nesse intervalo, honreis os Espíritas desta cidade com a vossa presença? Ficaríamos todos muito felizes. Os mais fervorosos adeptos da doutrina, cujo número aumenta diariamente, desejam organizar uma sociedade dependente da de Paris, para o controle dos trabalhos. Formulamos um regulamento pelo modelo da Sociedade Parisiense e vo-lo submeteremos. Além da Sociedade principal, em diversos pontos da cidade haverá grupos de dez a doze pessoas, principalmente para os operários, onde, de vez em quando, comparecerão membros da Sociedade para dar os conselhos necessários. Todos os nossos guias espirituais estão de acordo neste ponto que Bordéus deve ter uma Sociedade de Estudos, porque a cidade será o centro de propagação do Espiritismo em todo o Sul.
Nós vos esperamos com confiança e felicidade para o dia memorável da inauguração e cremos que ficareis contente com o nosso zelo e maneira de trabalhar. Estamos prontos a submeter-nos aos sábios conselhos de vossa experiência. Vinde, pois, ver-nos à obra. Pela obra se conhece o obreiro.
Vosso muito dedicado servo, A. SABÔ”
– Na Revista Espírita de Outubro de 1861, no artigo intitulado “O ESPIRITISMO EM LYON”, Kardec narra que voltou em Lyon (na França), em 1861, a convite dos Espíritas dessa cidade. E que foi também em Sens e Mâcon (cidades na França), que visitou de passagem, lhes agradecendo o acolhimento. Tendo constatado notável progresso, quer no número de adeptos, quer na opinião que eles têm a respeito do Espiritismo em geral.
Kardec destaca que Lyon já atingiu a maturidade, porque não é mais por centenas que ali se contam os espíritas, como em 1860, mas por milhares, in verbis:
“Melhor dizendo, não mais são contados, e calcula-se que, seguindo a mesma progressão, em um ou dois anos serão mais de trinta mil. O Espiritismo os recruta em todas as classes, mas é sobretudo na classe operária que se propaga com mais rapidez, o que não é de admirar, pois sendo essa a classe que mais sofre, volta-se para onde encontra mais consolações.”
(…)
“No ano passado havia um único centro de reunião, o de Brotteaux, dirigido pelo Sr. Dijoud, chefe de oficina, e sua mulher. Outros se formaram depois, em diferentes pontos da cidade, em Guillotière, em Perrache, em Croix-Rousse, em Vaise, em Saint-Just, etc., sem contar um grande número de reuniões particulares. No ano passado havia somente dois ou três médiuns ainda neófitos. Hoje há médiuns em todos os grupos, e vários de primeira categoria. Só num grupo vimos cinco, escrevendo simultaneamente. Vimos também uma jovem, muito boa vidente, na qual pudemos constatar a faculdade desenvolvida em grau muito alto.”
Observamos uma coleção de desenhos extremamente notáveis, de um médium desenhista que não sabe desenhar. Pela execução e pela complicação, rivalizam com os desenhos de Júpiter, embora sejam de um outro gênero. Não devemos esquecer um médium curador, tão recomendável por seu devotamento quanto pela potência de sua faculdade.
Sem dúvida é verdade que os adeptos se multiplicam, mas o que vale ainda mais que o número é a qualidade. Ora! Nós declaramos alto e bom som que em parte alguma vimos reuniões espíritas mais edificantes que as dos operários de Lyon, quanto à ordem, ao recolhimento e à atenção que prestam às instruções de seus guias espirituais. Lá havia homens, velhos, senhoras, moços, e até crianças cuja atitude respeitosa e recolhida contrasta com a sua idade. Jamais uma delas perturbou, por um instante, o silêncio de nossas reuniões, por vezes muito longas. Elas pareciam quase tão ávidas quanto seus pais em recolher nossas palavras. Isto não é tudo. O número das metamorfoses morais, nos operários, é quase tão grande quanto entre os adeptos. São hábitos viciosos reformados, paixões acalmadas, ódios apaziguados, intimidades pacificadas, numa palavra, desenvolvidas as virtudes mais cristãs, e isto pela confiança, agora inquebrantável, que as comunicações espíritas lhes dão do futuro, em que não acreditavam. Para eles é uma felicidade assistir a essas instruções, de onde saem reconfortados contra a adversidade. Também se veem alguns que fazem mais de uma légua com qualquer tempo, inverno ou verão, e que tudo enfrentam para não perderem uma sessão. É que neles não há uma fé vulgar, mas uma fé baseada em convicção profunda, raciocinada, e não cega.
X.- DA CONCLUSÃO
Concluindo este singelo estudo, trazemos do mês de Maio de 1861, alguns trechos do discurso do Allan Kardec, na SPEE, no novo ano social, que nos convida a manter a disciplina, os estudos, o cumprimento do dever, in verbis:
“(…) a verdadeira convicção só se adquire pelo estudo, pela reflexão e por uma observação contínua, e não assistindo a uma ou duas sessões, por mais interessantes que sejam. E isto é tão verdadeiro que o número dos que creem sem nada ter visto, mas porque estudaram e compreenderam, é imenso. (…) Eis por que dizemos: Estudai primeiro e vede depois, porque compreendereis melhor. (…) Antes de instruir os outros, quisemos nós próprios nos instruirmos.(…) Os mais perigosos inimigos da Sociedade (SPEE) não são os de fora, pois podemos fechar-lhes as portas e os ouvidos. Os mais temíveis são os inimigos invisíveis, que aqui poderiam introduzir-se malgrado nosso. Cabe-nos provar-lhes, como já o temos feito, que perderiam seu tempo se tentassem impor-se a nós. Sabemos que a sua tática é procurar semear a desunião, lançar o facho da discórdia, inspirar a inveja, a desconfiança e as suscetibilidades pueris que geram a desafeição. Oponhamo-lhes a barreira da caridade, da mútua benevolência, e seremos invulneráveis. (…). Não obrigamos ninguém a vir a nós. Acolhemos com prazer e dedicação as pessoas sinceras e de boa vontade, seriamente desejosas de esclarecimento, e estas são suficientes para não perdermos tempo correndo atrás dos que nos voltam as costas por motivos fúteis, de amor-próprio ou de inveja. Estes não podem ser considerados como verdadeiros espíritas, malgrado as aparências; são talvez espíritas crentes nos fatos, mas, sem a menor dúvida, não são espíritas crentes nas consequências morais dos fatos, pois, do contrário, mostrariam mais abnegação, indulgência, moderação e menos presunção de infalibilidade. (…) Deixemos, pois, falarem e agirem os inimigos. Eles nada podem contra a vontade de Deus, porque nada acontece sem sua permissão (…).
FONTE: REVISTA ESPÍRITA – ANO IV – 1861.