Saúde e Espiritualidade
Acreditamos que já está ocorrendo a aliança entre a Religião e a Ciência, “[…] as duas alavancas da inteligência humana[…]”,1 nas palavras de Allan Kardec, que complementa assim as suas considerações:
[…] uma revela as leis do mundo material e a outra as do mundo moral. Ambas, porém, tendo o mesmo princípio, que é Deus, não podem contradizer-se. […] A incompatibilidade que se julgou existir entre essas duas ordens de idéias provém apenas de uma observação defeituosa e de um excesso de exclusivismo, de um lado e de outro. Daí um conflito que deu origem à incredulidade e à intolerância.1
Como se tivessem firmado um acordo mútuo, cientistas e religiosos da atualidade estão empenhados em construir pontes de entendimento, em substituição aos muros do desprezo e intransigência construídos ao longo dos séculos.
É verdade que ainda há um longo caminho a ser percorrido, a fim de que se estabeleça a definitiva união entre as duas partes. Entretanto, vemos com redobrado otimismo as inúmeras publicações científicas relacionadas à temática saúde e religião, ou saúde e espiritualidade, surgidas em diferentes partes do mundo, e desenvolvidas por competentes autoridades, nas academias e institutos de ciência espalhados no Planeta.
Jeff Levin, professor e epidemiologista estadunidense, é uma referência no assunto, não só pela importância e confiabilidade de suas pesquisas, mas pela repercussão obtida nas comunidades leigas e científicas, a ponto de seus trabalhos científicos serem objeto de matéria de capa em revistas de abrangência mundial (Time, Reader’s Digest e Maclean’s), ou transformados em destacados artigos, publicados em periódicos de renome como Newsweek, USA Today e The New York Times.
Em seu livro Deus, fé e saúde, publicado entre nós pela editora Pensamento-Cultrix, ele explora com segurança e sensibilidade a conexão espiritualidade–cura. Trata-se de uma obra na qual o autor “[…] empreende uma jornada por expressões cada vez mais profundas e pessoais da religião e de espiritualidade”, 2 condições que permitem ao professor Levin afirmar:
“[…] as evidências científicas das ligações entre o corpo, a mente e o espírito desafiam as nossas suposições a respeito do que significa ser um ser humano, de como ficamos doentes e de como recuperamos a saúde”.3 Ainda perplexo com os resultados das pesquisas, próprias e de outros colegas, o cientista considera que a Ciência precisa refazer as tradicionais concepções relativas ao ser humano e, igualmente, rever processos terapêuticos e psicoterápicos.
Propõe, inclusive, a edificação de uma nova prática médica, denominada “medicina teossomática”, regida por sete princípios.
As suas palavras, reproduzidas no texto que se segue, esclarecem a respeito dos resultados das pesquisas que tratam do assunto.
As evidências apresentadas aqui indicam que, para termos saúde, é preciso mais do que ter apenas bons genes ou a atitude correta.
[…] Eu dei a essa nova perspectiva que reconhece os fatores espirituais determinantes da saúde o nome de “medicina teossomática”.
Essa expressão significa, literalmente, uma visão dos fatores determinantes da saúde com base nas ligações aparentes entre Deus ou o espírito – ou a fé em Deus – e o bem-estar do corpo.3 Os sete princípios da medicina teossomática são assim enumerados: 4
1. A afiliação religiosa e a participação como membro de uma comunidade religiosa beneficiam a saúde ao promover comportamentos e estilos de vida saudável.
2. A frequência regular a uma congregação religiosa beneficia a saúde ao oferecer apoio que ameniza os efeitos do stress e do isolamento.
3. A participação no culto e na prece beneficia a saúde graças aos efeitos fisiológicos das emoções positivas.
4. As crenças religiosas beneficiam a saúde pela sua semelhança com crenças e com estilos de personalidade que promovem a saúde.
5. A fé, pura e simples, beneficia a saúde ao inspirar pensamentos de esperança e de otimismo e expectativas positivas.
6.As experiências místicas [mediúnicas] beneficiam a saúde ao ativar uma bioenergia ou força vital ou estado alterado de consciência que promovem a cura.
7. A prece a distância em favor de outras pessoas é capaz de curar por meios paranormais ou por intervenção divina.
As conseqüências dessas e outras contribuições científicas são incalculáveis, pois têm o poder de derrubar o paradigma mecanicista, tradicionalmente utilizado pela saúde e pela educação, que considera o homem apenas como alguém dotado de razão (intelecto), ignorando que o ser humano é também um ser sensível, emocional, que possui crenças, sentimentos e percepções. Em termos práticos e operacionais, essas pesquisas já estão promovendo mudanças significativas na conduta e procedimentos médicos, nos serviços de enfermagem e nas abordagens psicoterápicas, no mundo inteiro,mudanças nomeadas com o jargão técnico “cuidado espiritual”. 5, 6, 7 Sabemos que o Espiritismo, antecipando-se às publicações científicas, considera, necessariamente, a dimensão espiritual do ser, existente e sobrevivente à morte do corpo físico, as influências espirituais, o auxílio de benfeitores, o valor da prece, o apoio do passe e da água magnetizada, entre outros.
Neste sentido, o espírita esclarecido evita qualquer tipo de conduta que lhe possa comprometer a saúde, ciente de que os males que afetam o cosmo orgânico têm raízes espirituais. O Espírito Manoel Philomeno de Miranda lembra, a propósito, os cuidados devidos à prevenção de doenças, considerando que “a saúde é compromisso de alta relevância e responsabilidade ainda mal conduzida por aqueles que a desfrutam e, menoscabando-a, perdem-na, a fim de se afadigarem pela sua recuperação mais demorada e mais difícil”.8
Outros instrutores espirituais ensinam também que, dentro de uma visão mais ampla, saúde pode ser entendida como “[…] o pensamento em harmonia com a lei de Deus.
Doença é o processo de retificá-lo, corrigindo erros e abusos perpetrados por nós mesmos, ontem ou hoje, diante dela”.9 No sentido mais restrito, esclarecem que saúde […] é reflexo da harmonia espiritual […]. A escravização aos sintomas e aos remédios não passa, na maioria das ocasiões, de fruto dos desequilíbrios a que nos impusemos.10
Referências:
1KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. Trad. Evandro Noleto Bezerra. Rio de Janeiro: FEB, 2008. Cap. 1, item 8, p. 60.
2LEVIN, Jeff. Deus, fé e saúde. Trad. Newton Roberval Eichemberg. 7. ed. São Paulo: Pensamento- Cultrix, 2009. Introdução, p. 37.
3______. ______. Cap. 8, p. 207.
4______. ______. Introdução, p. 28-29.
5SOARES, Márcio. Cuidando da família de pacientes em situação de terminalidade internados na unidade de terapia intensiva.
São Paulo: Revista brasileira de terapia intensiva. v. 19, n. 14, out.-dez. 2007.
6SIQUEIRA, Vera Lúcia. Razão e fé: estudo do grupo de oração como prática complementar na promoção à saúde (Dissertação de Mestrado). Natal: Universidade Federal do Rio Grande do Norte – Centro de Ciências em Saúde. Departamento de Enfermagem, 2007.
7KOVÁCS, Maria Júlia. Espiritualidade e psicologia – cuidados compartilhados. In: O mundo da saúde, São Paulo, 2007, abr.–jun. 31(2): 246-255.
8FRANCO, Divaldo P. Loucura e obsessão. Pelo Espírito Manoel P. de Miranda. 11. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2008. Cap. 26, p.325.
9XAVIER, Francisco C. Instruções psicofônicas. Por diversos Espíritos. 9. ed. 3. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2009. Cap. 38 (mensagem de Lourenço Prado), p. 180.
10______. Falando à Terra. Por diversos Espíritos. 6. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2002. Cap. Saúde (mensagem de Joaquim Murtinho), p. 143.
Revista Reformador 02.2010 – MARTA ANTUNES MOURA