A Camisa do Boneco
Um dia vovó comentou que os doces – feitos por ela e minha mãe naquela manhã haviam – desaparecido do armário. E não sabia o que tinha sido feito deles.
Embora nenhuma das duas parecesse de qualquer forma preocupada com a ocorrência, eu imediatamente disse:
– Foram roubados.
Elas me olharam surpreendidas, mas foi vovó quem estabeleceu conversação comigo.
– Você tem certeza? ela perguntou.
– Tenho! sustentei. E foi o Pedrinho.
Pedrinho era um dos meus irmãos. Vovó insistiu:
– Você tem certeza?
– Se tenho! Foi o Carlucho quem me contou.
– Minha filha, disse ela tranqüila, passando o seu braço pelo meu, venha até o meu quarto. Quero lhe mostrar uma coisa.
No quarto ela abriu a gaveta de uma cômoda e tirou, lá de dentro, um boneco que eu nunca tinha visto.
– Veja como está bem vestido!
Eu não estava entendendo. Aquilo nada tinha a ver com o caso dos doces. Ela prosseguiu:
– Vá dizendo o que mais lhe chama a atenção neste boneco.
– Tem uma bonita roupa, uma camisa linda! Respondi ao observar os punhos, o peitilho e o colarinho impecáveis.
Assim que terminei de falar, minha avó tirou o paletó do boneco. Cai na gargalhada quando vi que da impecável camisa só havia os punhos, o peitilho e o colarinho.
Mas, de súbito, compreendendo, me tornei muito séria.
E vovó, abraçando-me a sorrir, disse concluindo:
– Veja você como são as coisas. A gente só pode crer naquilo que vê. E do que se vê, muitas vezes é preciso acreditar apenas na metade. Você percebeu por que?
Já se passaram muitos anos. Mas, sempre que sou levada, por certa irreflexão – tão comum nos seres humanos -, a julgar fatos ou pessoas pelas aparências, vem-me à lembrança a impecável camisa daquele boneco da vovó…
DA OBRA: E, para o resto da vida de Wallace leal V. Rodrigues