A Tina
Meu pai morreu quando eu era muito pequena.
Viúva e pobre, sem desejar contrair novo matrimônio, minha mãe teve de trabalhar muito para nos sustentar.
Quando fiquei um pouco maior, disse-lhe que gostaria imensamente de estudar música.
Ela me ouviu com muita atenção e, dali para frente, redobrou esforços para alugar um piano e custear o pagamento das aulas.
Mas, dentro em pouco, eu já me aborrecia com os infindáveis exercícios que, de tanto serem repetidos, acabavam por me cansar e entediar.
Quando eu fechava o piano e fugia para o quintal, para minhas brincadeiras, ela olhava para mim, muito tranqüila e não dizia nenhuma palavra de reprovação.
Depois voltava ao trabalho, que tomava o seu tempo, de manhã à noite.
Um dia, quando eu já dedilhava o teclado preguiçosamente e com pouco – ou nenhum – interesse, ela se aproximou silenciosamente de mim e disse com naturalidade:
–– Você está cansada do estudo, minha filha. Feche o piano e, por favor, venha me ajudar a lavar aquela tina de roupa. Estou um pouco fatigada e vai ser bom trabalharmos um pouco juntas.
Trabalhamos a tarde toda. Minha mãe dissera que estava um pouco cansada e, de fato, eu percebia que os esforços que ela despendia estavam, praticamente, acima de suas forças. Entretanto, ela não parecia disposta a interromper o trabalho e as pilhas de roupa iam se renovando dentro da tina.
Paramos para jantar e, por essas alturas, eu já me sentia tão exausta que estava a ponto de cair em pranto. A água e o sabão me haviam arroxeado as mãos, meus dedos estavam duros e entorpecidos.
Então notei uma coisa: as mãos de minha mãe – embora até então eu não o tivesse notado – estavam sempre daquele jeito.
Engolindo um soluço, eu disse a minha mãe:
–– Mamãe, eu estive pensando. Desejo, realmente, estudar música. Vai me cansar muito, porém preciso perseverar e prosseguir sempre.
–– Está bem, querida! disse minha mãe me olhando nos olhos. Se você deseja se tornar uma pianista eu não posso lhe pedir que seja uma lavadeira de roupa: eu me esforçarei de um lado e você do outro. Não é mesmo?
Hoje eu sou uma concertista.
Fonte: E, para o resto da vida …, de Wallace Leal V. Rodrigues