Autismo
“O autismo não é um problema atual, embora só tenha sido reconhecido recentemente. Em virtude da breve história da psiquiatria, e da ainda mais curta história da psiquiatria infantil, sabemos que um transtorno descrito recentemente não é necessariamente um transtorno novo. Um aumento no número de casos diagnosticados não significa necessariamente um aumento no número de casos. (…)”
Página 16 de “Autism – Explaining the Enigma” (1989) de Uta Frith.
“Como o Autismo foi Reconhecido Inicialmente
Qualquer abordagem sobre o tópico autismo infantil deve referenciar os pioneiros Leo Kaner e Hans Asperger que, separadamente, publicaram os primeiros trabalhos sobre esse transtorno. As publicações de Kanner em 1943 e de Asperger em 1944 continham descrições detalhadas de casos de autismo, e também ofereciam os primeiros esforços para explicar teoricamente tal transtorno. Ambos acreditavam que desde o nascimento havia um transtorno básico que originava problemas altamente característicos.
Parece uma coincidência notável o fato de que ambos escolheram a palavra ‘autista’ para caracterizar a natureza do transtorno em questão. Na verdade, não é uma coincidência, uma vez que esse termo já tinha sido apresentado pelo eminente psiquiatra Eugen Bleuler em 1911. Originalmente, esse termo se referia a um transtorno básico em esquizofrenia (outro termo lançado por Bleuler), mais especificamente, o estreitamento do relacionamento com as pessoas e com o mundo exterior, um estreitamento tão extremo que parecia excluir tudo, exceto a própria pessoa. Este estreitamento poderia ser descrito como um afastamento da estrutura de vida social para a individualidade. Daí as palavras ‘autista’ e ‘autismo’, originárias da palavra grega autos, que significa ‘próprio’. Atualmente, elas são aplicadas quase que exclusivamente ao transtorno de desenvolvimento que aqui chamamos de autismo, com a maiúsculo. Prefiro usar o termo Autismo a usar ‘autismo infantil precoce’ ou ‘autismo infantil’, termos que contrastam com ‘autismo adulto’, e podem erroneamente sugerir que possamos nos desenvolver e não mais ser portadores do transtorno. Tanto Kanner, trabalhando em Baltimore, quanto Asperger, trabalhando em Viena, notaram casos de crianças diferentes que tinham em comum algumas características fascinantes. Acima de tudo, as crianças pareciam incapazes de desenvolver um relacionamento afetivo normal com as pessoas. Em contraste ao conceito de esquizofrenia de Bleuler, o transtorno parecia existir desde o começo.
O artigo de Kanner tornou-se o mais citado em toda a literatura sobre autismo, enquanto que o artigo de Asperger, escrito em alemão e publicado durante a Segunda Guerra Mundial, foi largamente ignorado. Surgiu uma crença de que Asperger descreveu um tipo bem diferente de criança, que não devia ser confundido com o de Kanner. Esta crença não tem fundamento, o que percebemos quando recorremos aos artigos originais. A definição de autismo feita por Asperger ou, como ele a chamava, ‘psicopatologia autista’ é bem mais ampla que a de Kanner. Asperger incluía casos que mostravam um dano orgânico severo e aqueles que transitavam para a normalidade. Atualmente, o termo ‘síndrome de Asperger’ tende a ser reservado para as raras crianças autistas quase normais, inteligentes e altamente verbais. Claramente, não era isso que Asperger pretendia, mas essa categoria especial teve utilidade clínica. Atualmente, a síndrome de Kanner é freqüentemente usada para indicar a criança com uma constelação de aspectos clássicos ou ‘nucleares’, assemelhando-se, em detalhes surpreendentes, às características que Kanner identificou em sua primeira descrição inspirada. Novamente, a categoria é clinicamente útil, pois transmite um padrão de protótipo.
(…)”
Páginas 7 e 8 de “Autism – Explaining the Enigma” (1989) de Uta Frith.
Autismo é um transtorno de desenvolvimento. Não pode ser definido simplesmente como uma forma de retardo mental, embora muitos quadros de autismo apresentem QI abaixo da média.
A palavra autismo atualmente pode ser associada a diversas síndromes. Os sintomas variam amplamente, o que explica por que atualmente refere-se ao autismo como um espectro de transtornos; o autismo manifesta-se de diferentes formas, variando do mais alto ao mais leve comprometimento, e dentro desse espectro o transtorno, que pode ser diagnosticado como autismo, pode também receber diversos outros nomes, concomitantemente. Os atuais critérios de diagnóstico do autismo estão formalizados na norma DSM-IV, como lemos no livro de Uta Frith:
Em cooperação internacional, os especialistas concordaram em usar certos critérios de comportamento no diagnóstico do autismo. Estes critérios foram explicitados em trabalhos de referência que foram publicados. O esquema mais recente é o descrito no Manual de Diagnóstico e Estatístico (DSM-IV) da Associação Americana de Psiquiatria. Um esquema de diagnóstico bem parecido é encontrado na Classificação Internacional de Doenças (CID-10) publicado pela Organização Mundial de Saúde.
Página 11 de “Autism – Explaining the Enigma” (1989) de Uta Frith.
DSM-IV
Os mais atuais critérios de diagnóstico da DSM-IV até o momento, que ilustram as características do indivíduo autista, são:
Importante: As informações a seguir servem apenas como referência. Um diagnóstico exato é o primeiro passo importante em qualquer situação; tal diagnóstico pode ser feito apenas por um profissional qualificado que esteja a par da história do indivíduo.
CRITÉRIOS DE DIAGNÓSTICO DO AUTISMO
A. Um total de seis (ou mais) itens de (1), (2), e (3), com pelo menos dois de (1), e um de cada de (2) e (3).
1. Marcante lesão na interação social, manifestada por pelo menos dois dos seguintes itens:
a. destacada diminuição no uso de comportamentos não-verbais múltiplos, tais como contato ocular, expressão facial, postura corporal e gestos para lidar com a interação social.
b. dificuldade em desenvolver relações de companheirismo apropriadas para o nível de comportamento.
c. falta de procura espontânea em dividir satisfações, interesses ou realizações com outras pessoas, por exemplo: dificuldades em mostrar, trazer ou apontar objetos de interesse.
d. ausência de reciprocidade social ou emocional.
2. Marcante lesão na comunicação, manifestada por pelo menos um dos seguintes itens:
a. atraso ou ausência total de desenvolvimento da linguagem oral, sem ocorrência de tentativas de compensação através de modos alternativos de comunicação, tais como gestos ou mímicas.
b. em indivíduos com fala normal, destacada diminuição da habilidade de iniciar ou manter uma conversa com outras pessoas.
c. ausência de ações variadas, espontâneas e imaginárias ou ações de imitação social apropriadas para o nível de desenvolvimento.
3. Padrões restritos, repetitivos e estereotipados de comportamento, interesses e atividades, manifestados por pelo menos um dos seguintes itens:
a. obsessão por um ou mais padrões estereotipados e restritos de interesse que seja anormal tanto em intensidade quanto em foco.
b. fidelidade aparentemente inflexível a rotinas ou rituais não funcionais específicos.
c. hábitos motores estereotipados e repetitivos, por exemplo: agitação ou torção das mãos ou dedos, ou movimentos corporais complexos.
d. obsessão por partes de objetos.
B. Atraso ou funcionamento anormal em pelo menos uma das seguintes áreas, com início antes dos 3 anos de idade:
1. interação social.
2. linguagem usada na comunicação social.
3. ação simbólica ou imaginária.
C. O transtorno não é melhor classificado como transtorno de Rett ou doença degenerativa infantil.
Incidência
Como seria de se esperar, os índices de incidência divulgados pelas diversas autoridades no assunto variam, já que cada um assume uma definição para o termo autismo, que corresponde a um conjunto de critérios de diagnóstico diferente e, consequentemente, com uma determinada abrangência. Há estudos que prevêem uma maior abrangência do termo, que poderia passar a incluir pessoas que hoje não tem o diagnóstico de autismo. No entanto, os índices mais aceitos e divulgados variam dentro de uma faixa de 5 a 15 casos em cada 10.000 indivíduos.
Porém, independentemente de critérios de diagnóstico, é certo que a síndrome atinge principalmente pessoas do sexo masculino, numa proporção de 4 homens autistas para uma mulher com o mesmo diagnóstico.
Na busca por compreender melhor esse transtorno chamado autismo, recomendamos fortemente a leitura do livro “Autism – Explaining the Enigma”, de Uta Frith.
Transcrevemos trechos deste livro que consideramos esclarecedores acerca deste assunto.