Estudo do Livro: O Céu e o Inferno – palestra 29.07.20
Estudo do Livro: O Céu e o Inferno
Estudo 29.07.20 CELC – Giovanni
1 – FÉ RACIOCINADA
6:23. – A crença é um ato do entendimento, é por isso que não pode ser imposta. Se, durante certo período da humanidade, o dogma da eternidade das penas pôde ser inofensivo, até mesmo saudável, chega um momento em que se torna perigoso. Com efeito, desde o instante em que o impondes como verdade absoluta, quando a razão o repele, resulta daí necessariamente uma destas duas coisas: ou o homem que quer crer cria uma crença mais racional, e então se separa de vós; ou então não crê em mais nada. É evidente que, para quem quer que seja que estudou a questão com sangue frio, em nossos dias, o dogma da eternidade das penas fez mais materialistas e ateus do que todos os filósofos.
O Evangelho Segundo o Espiritismo 19:7 – “Não há fé inabalável senão aquela que pode encarar a razão face a face, em todas as épocas da humanidade”.
Infelizmente, é triste dizer, mas uma questão material domina aqui a questão religiosa. Esta crença foi amplamente explorada, com auxílio do pensamento de que com dinheiro se podia fazer abrir as portas do céu, e se preservar do inferno. As quantias que ela rendeu, e que ainda rende, são incalculáveis; é o imposto cobrado sobre o medo da eternidade.
6:24. – Dando a nova revelação ideias mais sãs da vida futura, e provando que se pode obter a salvação por suas próprias obras, ela deve encontrar uma oposição tanto mais viva quanto seca uma fonte mais importante de produtos.
Evangelho de João 2:13 a 25 – Jesus expulsou os vendilhões do templo
6:15. A doutrina das penas eternas absolutas conduz, portanto, forçosamente à negação ou à diminuição de alguns atributos de Deus; ela é, por conseguinte, inconciliável com a perfeição infinita; de onde se chega a esta conclusão: Se Deus é perfeito, a condenação eterna não existe; se ela existe, Deus não é perfeito.
O Livro dos Espíritos 13 – Deus é: eterno, imutável, imaterial, único, todo-poderoso, soberanamente justo e bom.
Evangelho de Mateus 7:11 – “Se vós, pois, que sois maus, sabeis dar boas coisas aos vossos filhos, quanto mais vosso Pai Celeste dará boas coisas aos que lhe pedirem”
Evangelho de Lucas 15:1 a 7 – Parábola da ovelha perdida
6:25. Não me comprazo com a morte do pecador, mas antes com a sua conversão, de modo que tenha a vida. (Ezequiel, 33:11).
4:7. Pela localização do céu e do inferno, as religiões cristãs foram levadas a admitir para as almas apenas duas situações extremas: a felicidade perfeita e o sofrimento absoluto. Se não há senão duas moradas, a dos eleitos e a dos reprovados, não se podem admitir vários graus em cada uma sem admitir a possibilidade de galgá-los, e, por conseguinte o progresso; ora, se há progresso, não há destino definitivo; se há destino definitivo, não há progresso. Jesus resolve a questão quando diz: “Há muitas moradas na casa de meu pai”.
5:1.– O Evangelho não faz nenhuma menção ao purgatório, que só foi admitido pela Igreja no ano de 593. É seguramente um dogma mais racional e mais consoante a justiça de Deus do que o inferno, visto que estabelece penas menos rigorosas, e resgatáveis para faltas de gravidade mediana. O princípio do purgatório é, pois, baseado na equidade, porque, comparado à justiça humana, é a detenção temporária ao lado da condenação perpétua. O que se pensaria de um país que tivesse somente a pena de morte para os crimes e para os simples delitos?
5:2. – Sendo o progresso inconciliável com o dogma das penas eternas, as almas não saem daí em consequência de seu avanço, mas pela virtude das preces feitas ou que se mandam fazer por elas. Se o pensamento inicial foi bom, não acontece o mesmo com as suas consequências, pelos abusos que originou. Por meio de preces pagas, o purgatório se tornou uma mina mais produtiva do que o inferno. *
* O purgatório deu origem ao comércio escandaloso das indulgências, com o auxílio das quais se vendia a entrada no céu.
1:3. Ora, não se deve dissimular que o ceticismo, a dúvida, a indiferença, ganham terreno a cada dia, apesar dos esforços da religião; isto é positivo. Se a religião é impotente contra a incredulidade, é porque lhe falta alguma coisa para combatê-la, de tal modo que se ela permanecesse na imobilidade, em um tempo dado estaria irremediavelmente ultrapassada. O que lhe falta neste século de positivismo, em que se quer compreender antes de crer, é a sanção de suas doutrinas por fatos positivos; é também a concordância de certas doutrinas com os dados positivos da ciência. Se ela diz branco e os fatos dizem preto, é preciso optar entre a evidência e a fé cega.
O Livro dos Espíritos 148 – “São materialistas por não terem nada com que encher o vazio do abismo que se abre diante deles”.
O Evangelho Segundo o Espiritismo 19:6 – “Quando a fé repousa sobre o erro, ela se destrói, cedo ou tarde”.
1:2. Pela crença no nada, o homem concentra forçosamente todos os seus pensamentos na vida presente; não se poderia, com efeito, logicamente se preocupar com um futuro que não se aguarda. Esta preocupação exclusiva com o presente conduz naturalmente a pensar em si antes de tudo; é portanto o mais poderoso estimulante do egoísmo.
2:8. – Acrescentemos a isso que tudo, nos costumes, concorre para fazer lamentar a vida terrestre, e temer a passagem da terra ao céu. A morte é cercada apenas de cerimônias lúgubres que aterrorizam mais do que provocam esperança. Quando se representa a morte, é sempre sob um aspecto repulsivo, e nunca como um sono de transição; todos os seus emblemas lembram a destruição do corpo, mostram-no hediondo e descarnado; nenhum simboliza a alma se desprendendo radiosa de seus vínculos terrestres. A partida para esse mundo mais feliz é acompanhada apenas pelas lamentações dos sobreviventes, como se acontecesse a maior desgraça aos que se vão; dizem-lhes um adeus eterno, como se nunca mais devessem revê-los; o que se lamenta por eles, são os gozos da Terra, como se eles não devessem encontrar outros maiores. Que desgraça, diz-se, morrer quando se é jovem, rico, feliz e se tem diante de si um futuro brilhante! A ideia de uma situação mais feliz mal toca o pensamento, porque não tem raízes nele. Tudo concorre, portanto, para inspirar o pavor da morte em vez de fazer nascer a esperança. O homem levará sem dúvida muito tempo para se desfazer desses preconceitos, mas conseguirá à medida que sua fé se fortalecer, que fizer uma ideia mais justa da vida espiritual.
2:3. – À medida que o homem compreende melhor a vida futura, a apreensão da morte diminui; mas ao mesmo tempo, compreendendo melhor sua missão na terra, ele aguarda seu fim com mais calma, resignação e sem temor. A certeza da vida futura dá outro curso a suas ideias, outro objetivo a seus trabalhos; antes de ter essa certeza ele trabalha apenas para a vida atual; com tal certeza ele trabalha tendo em vista o futuro sem negligenciar o presente, porque sabe que seu futuro depende da direção melhor ou pior que der ao presente. A certeza de reencontrar os amigos depois da morte, de continuar as relações que teve na terra, de não perder o fruto de nenhum trabalho, de crescer incessantemente em inteligência e em perfeição, dá-lhe a paciência de esperar, e a coragem de suportar as fadigas momentâneas da vida terrestre. A solidariedade que ele vê se estabelecer entre os mortos e os vivos faz-lhe compreender aquela que deve existir entre os vivos; a fraternidade tem assim sua razão de ser e a caridade um objetivo no presente e no futuro.
5:8. – O Espiritismo não vem portanto negar a penalidade futura; vem, ao contrário, constatá-la. O que ele destrói é o inferno localizado, com suas fornalhas e suas penas irremissíveis. Ele não nega o purgatório, visto que prova que nós estamos nele; ele define-o e precisa-o, explicando a causa das misérias terrestres, e dessa forma faz crer nele aqueles que o negavam. Ele rejeita as preces pelos mortos? Bem ao contrário, visto que os Espíritos sofredores as solicitam; ele faz disso um dever de caridade e demonstra sua eficácia para trazê-los de volta ao bem, e, por esse meio, abreviar seus tormentos. Falando à inteligência, ele trouxe de volta a fé aos incrédulos, e à prece aqueles que zombavam dela. Mas diz que a eficácia das preces está no pensamento e não nas palavras, que as melhores são as do coração e não as dos lábios, as que se faz, e não as que se manda fazer por dinheiro. Quem ousaria então censurá-lo por isso?
O Evangelho Segundo o Espiritismo 3:7 – “Terra como sendo um subúrbio, um hospital, uma penitenciária, uma região malsã”.
9: 20. – Segundo o Espiritismo, nem os anjos nem os demônios são seres à parte; a criação dos seres inteligentes é una. Unidos a corpos materiais, eles constituem a humanidade que povoa a terra e as outras esferas habitadas; desprendidos desse corpo, eles constituem o mundo espiritual ou dos Espíritos que povoam os espaços. Deus criou-os perfectíveis; deu-lhes por objetivo a perfeição, e a bem-aventurança que é sua consequência, mas não lhes deu a perfeição; quis que eles a devessem a seu trabalho pessoal, a fim de que tivessem esse mérito. Desde o instante de sua formação eles progridem, quer no estado de encarnação, quer no estado espiritual; chegados ao apogeu, são puros Espíritos, ou anjos segundo a denominação vulgar; de sorte que, desde o embrião do ser inteligente até o anjo, há uma cadeia ininterrupta da qual cada elo marca um grau no progresso.
Resulta daí que existem Espíritos em todos os graus de avanço moral e intelectual, segundo estejam no alto, na parte inferior, ou no meio da escala. Há Espíritos, por conseguinte, em todos os graus de saber e de ignorância, de bondade e de maldade. Nas posições inferiores, há os que estão ainda profundamente inclinados ao mal, e nele se comprazem. Pode-se chamá-los demônios, se se quiser, pois são capazes de todas as maldades atribuídas a estes últimos. Se o Espiritismo não lhes dá esse nome, é que se vincula a ele a ideia de seres distintos da humanidade, de uma natureza essencialmente perversa, devotados ao mal por toda a eternidade e incapazes de progredir no bem.
O Livro dos Espíritos 115 – “Deus criou todos os espíritos simples e ignorantes… e fazê-los alcançar, progressivamente, a perfeição para o conhecimento da verdade e para aproximá-los dele”.
O Livro dos Espíritos 131 – “Deus seria justo e bom se houvesse criado seres devotados eternamente ao mal e infelizes?”.
9: 21. Aqueles que, por sua indiferença, sua negligência, sua obstinação e sua má vontade permanecem mais tempo nas posições inferiores, carregam essa pena, e o hábito do mal torna-lhes mais difícil sair dele; mas chega um tempo em que se cansam dessa existência penosa e dos sofrimentos que dela decorrem; é então que, comparando sua situação com a dos bons Espíritos, compreendem que seu interesse está no bem, e procuram aperfeiçoar-se, mas fazem-no por sua própria vontade e sem serem coagidos. Estão submetidos à lei do progresso por sua aptidão a progredir, mas não progridem contra sua vontade. Deus lhes fornece incessantemente os meios para tal, mas eles são livres de aproveitá-los ou não. Se o progresso fosse obrigatório, eles não teriam nenhum mérito, e Deus quer que eles tenham o de suas obras; ele não coloca nenhum na primeira posição por privilégio, mas a primeira posição está aberta a todos, e eles só chegam lá por seus esforços. Os anjos mais elevados conquistaram seu grau como os outros passando pelo caminho comum.
10:17. Pois bem! o que os anjos guardiães não podem fazer, segundo a Igreja, os demônios fazem por eles; com a ajuda dessas mesmas comunicações ditas infernais, eles trazem de volta a Deus aqueles que o renegavam, e ao bem aqueles que estavam mergulhados no mal; eles nos dão o estranho espetáculo de milhões de homens que creem em Deus pelo poder do diabo, enquanto a Igreja fora incapaz de convertê-los. Quantos homens que nunca rezavam, rezam hoje com fervor, graças às instruções desses mesmos demônios! Quantos se veem que, de orgulhosos, egoístas e devassos, se tornaram humildes, caridosos e menos sensuais! E diz-se que é obra dos demônios! Se assim for, é preciso convir que o demônio lhes prestou maior serviço e os assistiu melhor do que os anjos. É preciso ter uma opinião bem pobre do julgamento dos homens neste século, para crer que eles possam aceitar cegamente tais ideias. Uma religião que faz sua pedra angular de semelhante doutrina, que se declara minada na base se lhe tirarem seus demônios, seu inferno, suas penas eternas e seu Deus sem compaixão, é uma religião que se suicida.
“Reconhecei a árvore pelo fruto; uma má árvore não pode dar bons frutos.”Mas para eles, os frutos produzidos por Jesus eram maus, porque ele vinha destruir os abusos e proclamar a liberdade que devia arruinar-lhes a autoridade; se ele tivesse vindo adular seu orgulho, sancionar suas prevaricações e apoiar seu poder, teria sido a seus olhos o Messias esperado pelos judeus. Ele era sozinho, pobre e fraco, fizeram-no perecer e acreditaram matar sua palavra; mas sua palavra era divina e sobreviveu-lhe. No entanto ela se propagou com lentidão, e após dezoito séculos, mal é conhecida pela décima parte do gênero humano, e cismas numerosos ocorreram no seio de seus próprios discípulos. É então que Deus, em sua misericórdia, envia os Espíritos para completá-la, pô-la ao alcance de todos, e espalhá-la por toda a terra. Mas os Espíritos não estão encarnados num único homem, cuja voz seria limitada; eles são incontáveis, vão a toda parte e não se pode apanhá-los, eis porque seu ensinamento se espalha com a rapidez do relâmpago; eles falam ao coração e à razão, eis porque são compreendidos pelos mais humildes.
11:1.– A Igreja não nega absolutamente o fato das manifestações; ela admite-as todas, ao contrário, como se viu nas citações precedentes, mas atribui-as à intervenção exclusiva dos demônios. O supremo argumento brandido é a proibição de Moisés.
11:4 .– A proibição de Moisés era tanto mais justificada quanto não se evocavam os mortos por respeito ou afeição a eles, nem com um sentimento de piedade; era um meio de adivinhação, da mesma maneira que os augúrios e os presságios, explorado pelo charlatanismo e a superstição
Números 11:29 – “Moisés, porém respondeu: Por que és tão zeloso por mim? Prouvera a Deus que todo o povo do Senhor profetizasse, e que o Senhor lhe desse o seu espírito”.
11:5. – Há duas partes distintas na lei de Moisés: a lei de Deus propriamente dita, promulgada no monte Sinai, e a lei civil ou disciplinar apropriada aos costumes e ao caráter do povo; uma é invariável, a outra se modifica de acordo com os tempos.
10:8. Qual é então, de acordo com isso, o valor destas palavras: “Derramarei do meu espírito sobre toda a carne; e os vossos filhos e as vossas filhas profetizarão; os vossos jovens terão visões, e os vossos velhos terão sonhos. Naqueles dias, derramarei do meu espírito sobre meus servos e sobre minhas servas, e eles profetizarão.” (Joel 3:1 a 3). Não é a predição da mediunidade dada a todo o mundo, mesmo às crianças, e que se realiza em nossos dias? Os Apóstolos lançaram o anátema sobre essa faculdade? Não; eles a anunciam como um favor de Deus, e não como a obra do demônio. (Esse trecho se encontra em Atos dos Apóstolos 2:17).
MAURICE GONTRAN – Espírito feliz
Era filho único, morto de tuberculose, aos dezoito anos. Inteligência rara, razão precoce, grande amor pelo estudo, caráter doce, afetuoso e simpático, possuía todas as qualidades que dão as mais legítimas esperanças de um brilhante futuro. Seus estudos haviam terminado cedo com o maior sucesso, e ele se preparava para a Escola Politécnica. Sua morte foi para os pais a causa de uma dessas dores que deixam marcas profundas, e tanto mais penosas quanto tendo tido sempre uma saúde delicada, eles atribuíam seu fim prematuro ao trabalho ao qual o haviam impelido, e censuravam-se por isso. “De que, diziam eles, lhe serve agora tudo o que aprendeu? Mais valera que tivesse ficado ignorante, pois não precisava disso para viver, e sem dúvida ainda estaria entre nós; teria sido a consolação de nossa velhice.” Se eles tivessem conhecido o Espiritismo, teriam sem dúvida raciocinado de outra maneira. Mais tarde, encontraram nele a verdadeira consolação. A comunicação seguinte foi dada pelo filho a um dos amigos dos pais, alguns meses após a morte:
- A dor de meus pais aflige-me, mas ela se acalmará quando eles tiverem a certeza de que não estou perdido para eles; Era preciso este acontecimento para levá-los a uma crença que fará a felicidade deles, pois impedi-los-á de murmurar contra os decretos da Providência. Meu pai, vós o sabeis, era muito cético a propósito da vida futura; Deus permitiu que ele tivesse essa aflição para tirá-lo de seu erro.
Nós nos reencontraremos aqui, neste mundo onde não se conhecem mais os desgostos da vida, e no qual os precedi; mas dizei-lhes claramente que a satisfação de me rever aqui lhes seria recusada como punição de sua falta de confiança na bondade de Deus. Ser-me-ia mesmo proibido, de agora em diante, me comunicar com eles enquanto estiverem na terra. O desespero é uma revolta contra a vontade do Onipotente, e que é sempre punida pelo prolongamento da causa que trouxe esse desespero, até que haja enfim submissão.
Oh! meus amigos, não lastimeis aqueles que morrem prematuramente; é uma graça que Deus lhes concede, poupar-lhes as atribulações da vida. Minha existência não devia prolongar-se por muito mais tempo desta vez na terra; eu adquirira aí o que devia adquirir a fim de me preparar para cumprir mais tarde uma missão mais importante. Se tivesse vivido aí longos anos, sabeis a que perigos, a que seduções teria sido exposto? Sabeis que se, não sendo ainda bastante forte para resistir, eu tivesse sucumbido, podia ser para mim um atraso de vários séculos? Por que então lamentar o que me é vantajoso?
- Vossa morte foi dolorosa?
- Não, meu amigo, só sofri antes de morrer por causa da doença que me levou, mas esse sofrimento diminuía à medida que o último momento se aproximava; depois, um dia, adormeci sem pensar na morte. Sonhei; oh! um sonho delicioso! Sonhava que estava curado; não sofria mais, respirava a plenos pulmões e com volúpia um ar perfumado e fortalecedor; era transportado através do espaço por uma força desconhecida; uma luz brilhante resplandecia à minha volta, mas sem me cansar a vista. Vi meu avô; ele não tinha mais a figura descarnada, mas sim um ar de frescor e de juventude; estendeu-me os braços e me apertou efusivamente contra o coração. Uma multidão de outras pessoas, de rosto sorridente, o acompanhava; todas me acolhiam com bondade e benevolência; parecia-me reconhecê-las, estava feliz de revê-las, e todos juntos trocávamos palavras e provas de amizade. Pois bem! o que eu acreditava ser um sonho era a realidade; eu não devia mais despertar na terra: despertara no mundo dos Espíritos.
- Não teria vossa doença sido causada por vossa assiduidade excessiva ao estudo?
- Oh! não, ficai bem persuadido disso. O tempo que eu devia viver na terra estava marcado, e nada me podia reter aí por mais tempo. Meu Espírito, nos seus momentos de desprendimento, sabia-o bem, e estava feliz pensando em sua libertação próxima. Mas o tempo que passei aí não foi sem proveito, e congratulo-me hoje por não o ter perdido. Os estudos sérios que fiz fortaleceram minha alma e aumentaram meus conhecimentos; sempre é algo aprendido, e se não pude aplicá-los em minha curta estada entre vós, aplicá-los-ei mais tarde com maior proveito.
CLAIRE – Espírito sofredor
Ela era, acima de tudo, dominada por um sentimento exagerado de egoísmo e de personalidade que se reflete na terceira comunicação, pela sua pretensão de querer que o médium se ocupe somente com ela. Estas comunicações foram obtidas em diversas épocas; as últimas denotam um progresso sensível nas disposições do Espírito, graças aos cuidados do médium que empreendera sua educação moral.
III. Venho até aqui procurar-te, visto que me esqueces. Acreditas então que preces isoladas, pronunciar meu nome, bastarão para o apaziguamento da minha pena? Não, cem vezes não. Eu quero que, deixando tuas dissertações filosóficas, te ocupes comigo; que faças os outros se ocuparem comigo.
- O Espírito de São Luís. – O que ela fez? Foi egoísta; tinha tudo, exceto um bom coração. Se não violou a lei dos homens, violou a lei de Deus, pois ignorou a caridade, a primeira das virtudes. Não amou senão a si mesma, agora não é amada por ninguém; nada deu, não lhe dão nada; está isolada, desamparada, abandonada, perdida no espaço onde ninguém pensa nela, ninguém se ocupa com ela: é isso o que constitui seu suplício. Como não procurou senão gozos mundanos, gozos que não mais existem, fez-se o vazio em torno dela; ela não vê senão o nada, e o nada lhe parece a eternidade. Não sofre torturas físicas: os diabos não vêm atormentá-la, mas isso não é necessário: ela se atormenta a si mesma, e sofre muito mais, pois esses diabos seriam ainda seres que pensariam nela. O egoísmo constituiu sua alegria na terra: ele a persegue; é agora o verme que lhe rói o coração, seu verdadeiro demônio.
- Agora estou calma e resignada à expiação das faltas que cometi. O mal está em mim e não fora de mim; sou portanto eu que devo mudar e não as coisas exteriores. Nós carregamos em nós nosso céu e nosso inferno, e nossas faltas, gravadas na consciência, leem-se fluentemente no dia da ressurreição, e somos então nossos próprios juízes, visto que o estado da nossa alma nos eleva ou nos precipita.
Pergunta. (A São Luís.) Como se explica que a educação moral dos Espíritos desencarnados seja mais fácil que a dos encarnados?
Ele pode lutar, e mesmo geralmente ele o faz com mais violência do que o encarnado, porque é mais livre, mas nenhuma visão mesquinha de interesse material, de posição social vem entravar seu julgamento. Ele luta por amor ao mal, mas adquire logo o sentimento de sua impotência diante da superioridade moral que o domina; a miragem de um futuro melhor tem mais influência sobre ele, porque ele está na própria vida em que deve realizar-se, e essa perspectiva não é apagada pelo turbilhão dos prazeres humanos; numa palavra, não estar mais sob a influência da carne torna sua conversão mais fácil, sobretudo quando ele adquiriu um certo desenvolvimento pelas provas que suportou. Um Espírito totalmente primitivo seria pouco acessível ao raciocínio, mas isso é diferente naquele que já tem uma experiência da vida. Aliás, no encarnado, como no desencarnado, é sobre a alma, é pelo sentimento que é preciso agir. Toda ação material pode suspender momentaneamente os sofrimentos do homem vicioso, mas ela não pode destruir o princípio mórbido que está na alma; todo ato que não tende a melhorar a alma não pode desviá-la do mal.
XUMÉNE – Espírito endurecido
Sob este nome, um Espírito se apresenta espontaneamente ao médium habituado a este gênero de manifestações, pois sua missão parece ser a de assistir os Espíritos inferiores que seu guia espiritual lhe traz, com o duplo objetivo de sua própria instrução e do adiantamento deles.
O guia do médium. Minha filha, terás dificuldades com esse Espírito endurecido, mas não haveria mérito em salvar aqueles que não se perderam! Coragem! Persevera, e conseguirás. Não há tamanhos culpados que não se possa reconduzir pela persuasão e pelo exemplo, pois os Espíritos mais perversos acabam por se emendar com o tempo; se não se consegue imediatamente reconduzi-los aos bons sentimentos, o que muitas vezes é impossível, o esforço feito não será em vão. As ideias que a eles forem lançadas agitam-nos e fazem-nos refletir mesmo a seu malgrado; são sementes que cedo ou tarde darão seus frutos. Não se abate uma rocha ao primeiro golpe de picareta.
Esses Espíritos são em geral mais difíceis de trazer de volta ao bem do que aqueles que são francamente maus, porque, nestes últimos, há energia; uma vez esclarecidos, são tão ardentes para o bem quanto o foram para o mal. Aos outros, será talvez preciso de muitas existências para progredirem sensivelmente; mas pouco a pouco, vencidos pelo tédio, como outros pelo sofrimento, procurarão uma distração numa ocupação qualquer que, mais tarde, se tornará para eles uma necessidade.
UM ATEU – Suicida
Era um homem instruído, mas imbuído no último grau das ideias materialistas, não acreditava nem em Deus nem que tinha uma alma. Foi evocado dois anos após a morte:
- – Tende a bondade de nos descrever do melhor modo possível a vossa atual situação.- R. Sofro pelo constrangimento em que estou de crer em tudo quanto negava. Meu Espírito está como num braseiro, horrivelmente atormentado.
- – Donde provinham as vossas idéias materialistas de outrora?- R. Em anterior encarnação eu fora mau e por isso condenei-me na seguinte aos tormentos da incerteza, e assim foi que me suicidei.
- Ficaríeis contente de rever vosso irmão que poderíamos chamar aqui, ao vosso lado? – R. Não, não, sou desprezível demais.
(Evocação do irmão do precedente, que professava as mesmas ideias, mas que não se suicidou. Embora infeliz, é mais calmo; sua letra é nítida e legível.)
- Seu estado é insuportável; ele não encontra calma, nem repouso; só reencontrará um pouco de tranquilidade no momento em que a graça santa, ou seja, o amor de Deus, o tocar, pois o orgulho se apodera a tal ponto de nosso pobre espírito, que o envolve inteiramente, e ele precisa de bastante tempo para se desfazer dessa roupa fatal; somente a prece de nossos irmãos pode nos ajudar a nos livrarmos dela.
- Enquanto conversávamos com vosso irmão, uma pessoa aqui presente orou por ele; essa prece lhe foi útil? – R. Ela não se perderá. Se ele repele a graça agora, isso voltará a ele, quando estiver em estado de recorrer a essa divina panaceia.
Tendo o resultado dessas duas evocações sido transmitido à pessoa que nos pedira para fazê-las, recebemos desta última a resposta seguinte:
“Comuniquei essas duas evocações a várias pessoas, que ficaram impressionadas com sua veracidade; mas os incrédulos, aqueles que compartilham as opiniões de meus dois parentes, gostariam de ter tido respostas ainda mais categóricas: que o Sr. D…, por exemplo, precisasse o lugar onde foi enterrado, aquele onde se afogou, de que maneira agiu, etc. Para os satisfazer e convencer, não poderíeis evocá-lo de novo, e nesse caso, teríeis a bondade de lhe fazer as perguntas seguintes: onde e como ele realizou seu suicídio? – quanto tempo ficou debaixo d’água? – em que lugar seu corpo foi reencontrado? – em que lugar foi enterrado? – de que maneira, civil ou religiosa, se procedeu à sua inumação, etc.?
Respondemos:
Inicialmente, ao me pedir para fazer responder categoricamente vosso parente, ignorais talvez que não se governam os Espíritos segundo a nossa vontade; eles respondem quando querem, como querem, e muitas vezes como podem; sua liberdade de ação é ainda maior do que em vida, e têm mais meios de escapar à coerção moral que se gostaria de exercer sobre eles. As melhores provas de identidade são as que eles dão espontaneamente, por sua própria vontade, ou que nascem das circunstâncias, e na maior parte do tempo é em vão que se busca provocá-las.
Quanto ao resultado que esperáveis daí, ele seria nulo, ficai certo disso. As provas de identidade que foram fornecidas têm um valor bem maior, pelo próprio fato de serem espontâneas, e que nada podia indicar; se os incrédulos não estão satisfeitos, não o ficariam mais, talvez ainda menos, com perguntas previstas e que eles poderiam suspeitar serem de conivência. Há pessoas que nada pode convencer; ainda que vissem vosso parente em pessoa, diriam ser joguete de uma alucinação.
CLARA RIVER – Expiação terrestre
Clara Rivier era uma garota de dez anos, pertencendo a uma família de lavradores num vilarejo do sul da França; estava completamente enferma há quatro anos. Durante sua vida, nunca soltou uma única queixa, nem deu nenhum sinal de impaciência; embora desprovida de instrução, consolava a família aflita contando-lhe sobre a vida futura e a felicidade que ela devia encontrar lá. Morreu em setembro de 1862, depois de quatro dias de torturas e de convulsões, durante as quais não cessou de orar a Deus. “Não temo a morte, dizia ela, visto que uma vida de felicidade me está reservada depois.”
Dizia ao pai, que chorava: “Consola-te, voltarei para te visitar; minha hora está próxima, sinto-o; mas, quando ela chegar, eu saberei e te prevenirei antes.” Com efeito, quando o momento fatal estava prestes a realizar-se, ela chamou todos os seus dizendo: “Não tenho mais do que cinco minutos de vida; dai-me as vossas mãos.” E expirou como anunciara.
Desde então, um Espírito batedor veio visitar a casa dos esposos Rivier, onde perturba tudo; bate na mesa, como se tivesse uma clava; agita os tecidos e as cortinas, mexe na louça. Esse Espírito aparece na forma de Clara à jovem irmã desta, que tem apenas cinco anos. De acordo com esta criança, sua irmã falou-lhe muitas vezes, e essas aparições fazem-na muitas vezes dar gritos de alegria, e dizer: “Mas vejam só como Clara está bonita!”
Evocação:
- Vós dissestes ao vosso pai: “Consola-te, virei visitar-te.” Como explicar que imbuída de tão bons sentimentos para com vossos pais, vindes atormentá-los após vossa morte, fazendo alarido na casa deles? – R. Tenho sem dúvida uma prova, ou antes uma missão a cumprir. Se venho rever meus pais, credes que seja por nada? Esses barulhos, essa perturbação, essas lutas trazidas pela minha presença são um aviso. Sou ajudada por outros Espíritos cuja turbulência tem um alcance, como eu tenho a minha ao aparecer à minha irmã. Graças a nós, muitas convicções vão nascer. Meus pais tinham uma prova a suportar; ela cessará em breve, mas somente depois de ter levado a convicção a uma multidão de espíritos.
2 – DESENCARNAÇÃO
3:5. Há portanto o mundo corporal, composto dos Espíritos encarnados, e o mundo espiritual, formado pelos Espíritos desencarnados. Os seres do mundo corporal, devido a seu envoltório material, estão ligados à Terra ou a qualquer outro globo; o mundo espiritual está em toda a parte, à nossa volta e no espaço; nenhum limite lhes é designado. Devido à natureza fluídica de seu envoltório, os seres que o compõem, em vez de se arrastar penosamente pelo chão, vencem as distâncias com a rapidez do pensamento. A morte do corpo é a ruptura dos vínculos que os mantinham cativos.
2.1: 5 O sofrimento, que acompanha a morte, está subordinado à força de aderência que une o corpo e o perispírito; que tudo o que pode ajudar na diminuição dessa força e na rapidez do desprendimento torna a passagem menos penosa; por fim, que se o desprendimento se opera sem nenhuma dificuldade, a alma não experimenta nenhuma sensação desagradável.
2.1: 8. O estado moral da alma é a causa principal que influi sobre a maior ou menor facilidade do desprendimento. A afinidade entre o corpo e o perispírito é proporcional ao apego do Espírito à matéria;
O Livro dos Espíritos 165 – “A prática do bem e a pureza da consciência são os que exercem maior influência”.
2.1: 6. Na passagem da vida corpórea à vida espiritual produz-se ainda outro fenômeno de importância capital: é o da perturbação. A perturbação pode então ser considerada como o estado normal no instante da morte; sua duração é indeterminada; ela varia de algumas horas a alguns anos. À medida que a perturbação se dissipa, a alma fica na situação de um homem que sai de um sono profundo; as ideias são confusas, vagas e incertas; vê como através de um nevoeiro; pouco a pouco a vista clareia, a memória volta, e reconhece a si mesma. Mas esse despertar é bem diferente, de acordo com os indivíduos; nuns, é calmo e propicia uma sensação deliciosa; em outros, é cheio de terror e de ansiedade, e produz o efeito de um horrendo pesadelo.
7:23º Um fenômeno, muito frequente nos Espíritos de alguma inferioridade moral, consiste em acreditar que ainda estão vivos, e essa ilusão pode prolongar-se durante anos, ao longo dos quais experimentam todas as necessidades, todos os tormentos e todas as perplexidades da vida.
2.1: 9. Na morte natural, aquela que resulta da extinção das forças vitais pela idade ou a doença, o desprendimento se opera gradualmente; no homem cuja alma está desmaterializada e cujos pensamentos se desligaram das coisas terrestres, o desprendimento é quase completo antes da morte real; o corpo vive ainda a vida orgânica, e a alma já entrou na vida espiritual e não está mais ligada ao corpo a não ser por um laço tão fraco que se rompe sem dificuldade no último batimento do coração. Nessa situação, o Espírito pode ter já recuperado sua lucidez, e ser testemunha consciente da extinção da vida de seu corpo do qual está feliz de se ter libertado; para ele, a perturbação é quase nula; não é mais do que um momento de sono tranquilo, do qual ele sai com uma indizível impressão de felicidade e de esperança.
No homem material e sensual… Com a aproximação da morte, o desprendimento se opera também por graus, mas com esforços contínuos. As convulsões da agonia são o indício da luta travada pelo Espírito que por vezes quer romper os laços que lhe resistem, e outras vezes se agarra a seu corpo do qual uma força irresistível o arranca violentamente, parte por parte.
2.1: 10. Em vez de se abandonar ao movimento que o arrasta, ele resiste com todas as suas forças; pode assim prolongar a luta durante dias, semanas e meses inteiros… a perturbação continua; ele sente que vive, mas não sabe se é vida material ou vida espiritual; continua a lutar até que as últimas amarras do perispírito sejam rompidas. A morte pôs um termo à doença efetiva, mas não acabou com suas consequências; enquanto existem pontos de contato entre o corpo e o perispírito, o Espírito sente seus golpes e sofre.
2.1: 12. Na morte violenta, as condições não são exatamente as mesmas. Nenhuma desagregação parcial pôde trazer uma separação prévia entre o corpo e o perispírito; a vida orgânica, em toda sua força, é subitamente detida; o desprendimento do perispírito não começa senão depois da morte, e, neste caso como nos outros, não se pode operar instantaneamente. O Espírito, pego de improviso, fica como que atordoado; mas, sentindo que pensa, acredita que ainda está vivo, e essa ilusão dura até que se tenha dado conta de sua situação. Esse estado intermediário entre a vida corpórea e a vida espiritual é um dos mais interessantes a estudar, porque apresenta o singular espetáculo de um Espírito que toma seu corpo fluídico pelo seu corpo material, e que experimenta todas as sensações da vida orgânica. Ele oferece uma variedade infinita de nuances segundo o caráter, os conhecimentos e o grau de adiantamento moral do Espírito. É de curta duração para aqueles cuja alma está purificada, porque neles havia um desprendimento antecipado do qual a morte, mesmo a mais súbita, apressa apenas o cumprimento; em outros, ele pode se prolongar durante anos. Esse estado é muito frequente, mesmo nos casos de morte comum, e não tem, para alguns, nada de penoso segundo as qualidades do Espírito; mas para outros, é uma situação terrível. É sobretudo no suicídio que essa posição é mais penosa. O corpo, ligado ao perispírito por todas as suas fibras, todas as convulsões do corpo repercutem na alma, que por isso experimenta atrozes sofrimentos.
2.1: 15. O Espiritismo, sem dúvida não é indispensável a este resultado; assim, ele não tem a pretensão de ser o único a assegurar a salvação da alma, mas ele a facilita pelos conhecimentos que proporciona, os sentimentos que inspira e as disposições nas quais coloca o Espírito, ao qual faz compreender a necessidade de se aperfeiçoar. Ele dá a cada um, além disso, os meios de facilitar o desprendimento dos outros Espíritos no momento em que eles deixam seu envoltório terrestre, e de abreviar a duração da perturbação pela prece e a evocação. Pela prece sincera, que é uma magnetização espiritual, provoca-se uma desagregação mais rápida do fluido perispiritual; por uma evocação conduzida com sabedoria e prudência, e por palavras de benevolência e de encorajamento, tira-se o Espírito do entorpecimento em que se encontra, e ele é ajudado a se reconhecer mais cedo; se ele é sofredor, é excitado ao arrependimento, único que pode abreviar os sofrimentos.
SRA. ANNA BELLEVILLE – Espírito numa condição mediana
Jovem mulher morta aos trinta e cinco anos, após uma longa e cruel doença. Viva, espirituosa, dotada de rara inteligência, de grande retidão de julgamento e de eminentes qualidades morais, esposa e mãe de família devotada, tinha, além disso, uma força de caráter pouco comum, e um espírito fecundo em recursos que nunca a deixava desprevenida nas circunstâncias mais críticas da vida. Sem rancor por aqueles dos quais mais tinha de queixar-se, estava sempre pronta a fazer-lhes favores. Intimamente ligado a ela há longos anos, pudemos seguir todas as fases de sua existência e todas as peripécias de seu fim. Um acidente trouxe a terrível doença que devia levá-la e que a reteve três anos no leito, vítima dos mais atrozes sofrimentos, que suportou até o último momento com heróica coragem, e durante os quais sua alegria natural não a abandonou. Ela acreditava firmemente na alma e na vida futura, mas preocupava-se muito pouco com isso; todos os seus pensamentos se voltavam para a vida presente à qual se apegava muito, sem, no entanto, ter medo da morte, e sem procurar os gozos materiais, pois sua vida era muito simples, e ela dispensava, sem dificuldade, o que não podia obter; mas apreciava instintivamente o bem e o belo, que sabia mostrar até nas menores coisas.
Queria viver, menos para ela do que para os filhos, aos quais sentia que era necessária; por isso se agarrava à vida. Conhecia o Espiritismo sem tê-lo estudado a fundo; interessava-se por ele, no entanto ele não conseguiu fixar-lhe as ideias sobre o futuro; era para ela uma ideia verdadeira, mas que não deixava nenhuma impressão profunda no seu espírito. O bem que ela fazia era o resultado de um movimento natural, espontâneo, e não inspirado pelo pensamento de uma recompensa ou das penas futuras. Já há muito tempo seu estado era sem esperanças, e aguardava-se de um momento para o outro vê-la partir; ela mesma não se iludia. Num dia em que seu marido estava ausente, sentiu-se desfalecer, e compreendeu que sua hora chegara; sua vista estava velada, a perturbação a invadia, e sentia todas as angústias da separação. Entretanto, custava-lhe morrer antes da volta do marido. Fazendo sobre si mesma um supremo esforço, disse: “Não, não quero morrer!” Sentiu então a vida renascer nela, e recobrou o pleno uso de suas faculdades. Quando o marido voltou, ela lhe disse: “Eu ia morrer, mas quis esperar que estivesses perto de mim, pois ainda tinha várias recomendações a fazer-te.” A luta entre a vida e a morte prolongou-se assim durante três meses, que não foram senão uma longa e dolorosa agonia.
Evocação, no dia seguinte à sua morte:
R.Dizer-vos que estou completamente desprendida, não; mas não sofro mais, e é para mim um alívio tão grande! Desta vez, estou radicalmente curada, asseguro-vos, mas preciso que me ajudeis com o auxílio das preces, para vir em seguida trabalhar convosco.
- Qual foi a causa de vossos longos sofrimentos? – R. Passado terrível, meu amigo.
Um mês após sua morte.
- Prolonguei eu mesma meus sofrimentos; meu ardente desejo de viver para meus filhos fazia com que me apegasse de algum modo à matéria, e, ao contrário dos outros, eu me obstinava e não queria abandonar este desgraçado corpo com o qual era preciso romper, e que, no entanto, era para mim o instrumento de tantas torturas. Eis a verdadeira causa de minha longa agonia. Minha doença, os sofrimentos que aguentei: expiação do passado, uma dívida a mais a pagar. Infelizmente, meus bons amigos, se vos tivesse escutado, que imensa mudança na minha vida presente! Que alívio teria sentido em meus últimos instantes, e quão mais fácil teria sido essa separação, se, em vez de contrariá-la, eu me tivesse deixado ir, com confiança na vontade de Deus, na corrente que me arrastava! Mas, em vez de dirigir meus olhares para o futuro que me esperava, eu não via senão o presente que ia deixar!
Quando eu voltar à terra, serei espírita, asseguro-vos. Que ciência imensa! Assisto às vossas reuniões com frequência e às instruções que vos dão. Se pudesse ter compreendido quando estava na terra, meus sofrimentos teriam sido bem moderados; mas não chegara a hora. Hoje compreendo a bondade de Deus e sua justiça; mas ainda não estou suficientemente avançada para não me ocupar com as coisas da vida; meus filhos, sobretudo, me prendem ainda, não mais para mimá-los, mas para velar por eles e tentar que sigam a estrada que o Espiritismo traça neste momento. Sim, meus bons amigos, ainda tenho graves preocupações; uma sobretudo, pois o futuro de meus filhos depende dela.
- Podeis dar-nos algumas explicações sobre o passado que deplorais? R. Sim, meus bons amigos, estou pronta a fazer-vos minha confissão. Eu desconhecera o sofrimento; vira minha mãe sofrer sem sentir compaixão; tratara-a de doente imaginária. Não a vendo nunca acamada, supunha que ela não sofria, e ria de seus sofrimentos. Eis como Deus pune.
Seis meses após sua morte.
- Agora que decorreu um tempo suficientemente longo desde que deixastes vosso envoltório terrestre, quereis descrever-nos vossa situação e vossas ocupações no mundo dos Espíritos? R. Durante minha vida terrestre, eu era o que se chama, de maneira geral, uma boa pessoa, mas antes de tudo amava meu bem-estar; compassiva por natureza, talvez não tivesse sido capaz de um sacrifício penoso para aliviar um infortúnio. Hoje tudo mudou; sou ainda eu, mas o eu de outrora sofreu modificações. Adquiri; vejo que não há outras posições nem condições senão o mérito pessoal no mundo dos invisíveis, onde um pobre caridoso e bom está acima do rico orgulhoso que o humilhava com sua esmola. Velo especialmente pela classe dos afligidos pelos tormentos de família, a perda de pais ou de fortuna; tenho a missão de consolá-los e encorajá-los, e estou feliz de fazê-lo.
O SUICIDA DA SAMARITANA – Suicida
No dia 7 de abril de 1858, por volta das sete horas da noite, um homem de cerca de cinquenta anos, vestido convenientemente, apresentou-se no estabelecimento da Samaritaine, em Paris, e mandou preparar um banho. O atendente espantou-se de que, após um intervalo de duas horas, aquele indivíduo não chamasse, e decidiu entrar em seu cubículo para ver se ele não estava indisposto. Testemunhou então um espetáculo atroz: aquele infeliz tinha cortado a garganta com uma navalha, e todo o seu sangue se misturara com a água da banheira. Não tendo podido ser estabelecida sua identidade, transportou-se o cadáver para o necrotério. O Espírito desse homem, evocado na Sociedade de Paris seis dias após sua morte, deu as respostas seguintes:
- Que motivo vos levou a vos suicidardes? – R. Eu morri?
- Estou abandonado; fugi do sofrimento para encontrar a tortura.
- No momento de realizar vosso suicídio, não sentistes nenhuma hesitação? – R. Eu tinha sede da morte… Aguardava o repouso.
- Mas minha vida não está extinta… minha alma está ligada ao meu corpo… Eu sinto os vermes que me roem.
- O momento em que a vida se extinguia em vós foi doloroso? – R. Menos doloroso do que depois. Só o corpo sofreu.
(Ao Espírito de São Luís)
- Esse estado é sempre a consequência do suicídio? – R. Sim; o Espírito do suicida fica ligado ao corpo até o fim de sua vida; a morte natural é a libertação da vida: o suicídio quebra-a inteiramente.
Nota: Esse estado(sensação dos vermes e da decomposição do corpo) é frequente nos suicidas, mas nem sempre se apresenta em condições idênticas; varia sobretudo na duração e na intensidade segundo as circunstâncias agravantes ou atenuantes da falta. Ela é frequente entre aqueles que viveram mais da vida material do que da vida espiritual. Em princípio, não há falta sem punição; mas não há regra uniforme e absoluta nos meios de punição.
3 – VIDA NO PLANO ESPIRITUAL
3:6. Os Espíritos são criados simples e ignorantes, mas com a aptidão de adquirir tudo e de progredir, em virtude de seu livre-arbítrio. Pelo progresso, eles adquirem novos conhecimentos, novas faculdades, novas percepções, e, por conseguinte, novos prazeres desconhecidos dos Espíritos inferiores; eles veem, ouvem, sentem e compreendem o que os espíritos atrasados não podem ver, nem ouvir, nem sentir, nem compreender. A felicidade é proporcional ao progresso realizado; de modo que, de dois Espíritos, um pode não ser tão feliz quanto o outro, unicamente porque não está tão avançado intelectual e moralmente, sem que eles precisem estar cada qual num lugar distinto. Embora estando um ao lado do outro, um pode estar nas trevas, ao passo que tudo é resplandecente à volta do outro, absolutamente como para um cego e alguém que vê, quando se dão as mãos: um percebe a luz, a qual não faz nenhuma impressão no seu vizinho. Sendo a felicidade dos Espíritos inerente às qualidades que eles possuem, eles a obtêm em toda parte onde se encontrem, na superfície da Terra, em meio aos encarnados ou no espaço. O mundo espiritual tem esplendores em toda parte, harmonias e sensações que os Espíritos inferiores, ainda submetidos à influência da matéria, nem mesmo entreveem, e que são acessíveis somente aos Espíritos depurados.
O Livro dos Espíritos 1011 “Cada um possui em si mesmo o princípio da sua própria felicidade ou infelicidade. E como os espíritos estão por toda a parte, nenhum lugar circunscrito nem fechado não está destinado a um antes que a outro”.
3:10. No intervalo das existências corpóreas, o Espírito volta por um tempo mais ou menos longo ao mundo espiritual, onde ele é feliz ou infeliz segundo o bem ou o mal que fez. O estado espiritual é o estado normal do Espírito, visto que deve ser seu estado definitivo, e que o corpo espiritual não morre; o estado corpóreo é apenas transitório e passageiro. É acima de tudo no estado espiritual que ele colhe os frutos do progresso realizado por seu trabalho na encarnação; é também então que ele se prepara para novas lutas e toma resoluções que se esforçará para pôr em prática no seu retorno à humanidade. O Espírito progride igualmente na erraticidade; adquire aí conhecimentos especiais que não poderia adquirir na Terra; suas ideias se modificam. O estado corporal e o estado espiritual são para ele a fonte de dois gêneros de progresso, solidários um do outro; é por isso que ele passa alternativamente por esses dois modos de existência.
3:13. As atribuições dos Espíritos são proporcionais ao seu avanço, às luzes que possuem, a suas capacidades, à sua experiência e ao grau de confiança que inspiram ao soberano Senhor. Não há privilégio, não há favores que não sejam o prêmio do mérito: tudo é avaliado pela estrita justiça. As missões mais importantes são confiadas somente àqueles que se sabe serem capazes de realizá-las e incapazes de falhar ou de comprometê-las. Enquanto sob o olhar do próprio Deus, os mais dignos compõem o conselho supremo, a chefes superiores é entregue a direção dos turbilhões planetários; a outros é conferida a dos mundos especiais. Vêm a seguir, na ordem do adiantamento e da subordinação hierárquica, as atribuições mais restritas daqueles que são encarregados da marcha dos povos, da proteção das famílias e dos indivíduos, da impulsão de cada ramo do progresso, das diversas operações da natureza até os mais ínfimos detalhes da criação. Neste vasto e harmonioso conjunto, há ocupação para todas as capacidades, todas as aptidões, todas as boas vontades, ocupações aceitas com alegria, solicitadas com ardor, porque é um meio de progresso para os Espíritos que procuram elevar-se.
3:15. A felicidade deve-se às qualidades próprias dos indivíduos, e não ao estado material do meio onde eles se encontram; ela existe então em toda a parte onde há Espíritos capazes de ser felizes; nenhum lugar circunscrito lhe é designado no universo.
3:18. Nesta imensidão sem limites, onde está então o céu? Está em toda a parte; nenhuma cerca lhe impõe limites; os mundos felizes são as últimas estações que a ele conduzem; as virtudes abrem-lhe o caminho, os vícios proíbem-lhe o acesso.
7:5º Estando o sofrimento vinculado à imperfeição, como o gozo à perfeição, a alma carrega em si mesma seu próprio castigo em toda parte onde se encontra: não é preciso para isso de um lugar circunscrito. O inferno está portanto em todo lugar onde há almas sofredoras, como o céu está em toda parte onde há almas bem aventuradas.
7:6º O bem e o mal que se faz são o produto das boas e das más qualidades que se possui. Não fazer o bem que se é capaz de fazer é então o resultado de uma imperfeição. Se toda imperfeição é uma fonte de sofrimento, o Espírito deve sofrer não só por todo o mal que fez, mas por todo o bem que poderia ter feito e não fez durante sua vida terrestre.
7:13º A duração do castigo está subordinada ao aperfeiçoamento do Espírito culpado. Nenhuma condenação por um tempo determinado é pronunciada contra ele. O que Deus exige para pôr um fim aos sofrimentos, é um aperfeiçoamento sério, efetivo, e um retorno sincero ao bem.
7:15º Uma condição inerente à inferioridade dos Espíritos é não ver o termo de sua situação e crer que sofrerão sempre. É para eles um castigo que lhes parece dever ser eterno.
7: 20º Sejam quais forem a inferioridade e a perversidade dos Espíritos, Deus nunca os abandona. Todos têm seu anjo guardião que vela por eles, espia os movimentos de sua alma e esforça-se para suscitar neles bons pensamentos, o desejo de progredir e de reparar, numa nova existência, o mal que fizeram. Contudo o guia protetor age quase sempre de maneira oculta, sem exercer nenhuma pressão. O Espírito deve aperfeiçoar-se pelo fato de sua própria vontade, e não em decorrência de qualquer coerção.
7: 21º Cada um é responsável apenas por suas faltas pessoais; ninguém carrega a pena das faltas de outrem, a menos que tenha dado lugar a tal, seja provocando-as por seu exemplo, seja não as impedindo quando tinha esse poder. É assim, por exemplo, que o suicida é sempre punido; mas aquele que, por sua dureza, impele um indivíduo ao desespero e daí a destruir-se, sofre uma pena ainda maior.
7: 24º Para o criminoso, a visão incessante de suas vítimas e das circunstâncias do crime é um cruel suplício.
7: 25º Certos Espíritos estão mergulhados em espessas trevas; outros estão num isolamento absoluto no meio do espaço, atormentados pela ignorância de sua posição e de seu destino. Os mais culpados sofrem torturas tanto mais pungentes quanto não lhes veem o fim. Muitos são privados da visão dos seres que lhes são caros. Todos, geralmente, suportam com intensidade relativa os males, as dores e as necessidades que fizeram suportar aos outros, até que o arrependimento e o desejo de reparação venham trazer um alívio, fazendo entrever a possibilidade de pôr, por si mesmo, um fim a essa situação.
7: (A Carne é fraca): A responsabilidade moral pelos atos da vida é, pois, total; mas a razão diz que as consequências dessa responsabilidade devem ser proporcionais ao desenvolvimento intelectual do Espírito; quanto mais esclarecido ele for, menos é desculpável, porque com a inteligência e o senso moral nascem as noções do bem e do mal, do justo e do injusto.
A SENHORA VIÚVA FOULON, NASCIDA WOLLIS – Espírito feliz
Se há alguém sobre quem o egoísmo não tinha nenhuma influência, era ela, sem dúvida; talvez jamais o sentimento de abnegação pessoal nunca tenha sido levado mais longe; sempre pronta a sacrificar seu repouso, sua saúde, seus interesses por aqueles a quem podia ser útil, sua vida foi uma longa sequência de abnegações, assim como foi, desde a juventude, uma longa sequência de rudes e cruéis provas diante das quais sua coragem, resignação e perseverança jamais falharam. Mas, infelizmente! sua vista, cansada por um trabalho minucioso, se extinguia dia a dia; ainda algum tempo e a cegueira, já muito avançada, teria sido completa.
Quando a Sra. Foulon teve conhecimento da doutrina espírita, foi para ela como um traço de luz; ela a estudou com ardor.
Morreu com calma, porque tinha a consciência de ter cumprido a missão que aceitara vindo para a terra, de ter escrupulosamente preenchido seus deveres de esposa e de mãe de família, porque também, durante a vida, abjurara de todo ressentimento contra aqueles dos quais devia queixar-se, e que lhe haviam pago com ingratidão; tinha-lhes sempre retribuído o bem pelo mal, e deixou a vida perdoando-lhes, entregando-se a si mesma à bondade e à justiça de Deus.
Evocação três dias após sua morte:
- E estava pronta para vos responder, pois não experimentei perturbação. Há apenas três dias que morri, e sinto que sou artista; minhas aspirações ao ideal da beleza na arte não eram senão a intuição de faculdades que eu estudara e adquirira em outras existências e que se desenvolveram na última.
Evocação cinco dias depois da sua morte:
- Sofri, mas meu Espírito foi mais forte do que o sofrimento material que o desprendimento lhe fazia sentir. Encontrei-me, depois do supremo suspiro, como em síncope, não tendo nenhuma consciência de meu estado, não pensando em nada, e numa vaga sonolência que não era nem o sono do corpo, nem o despertar da alma. Fiquei assim muito tempo; depois, como se saísse de um longo desmaio, despertei pouco a pouco no meio de irmãos que não conhecia; eles me prodigalizavam seus cuidados e suas carícias, mostrando-me um ponto no espaço que se parecia com uma estrela brilhante, e disseram-me: “É para lá que virás conosco; não pertences mais à terra.” Então recordei-me; apoiei-me neles, e, como um grupo gracioso que se lança rumo às esferas desconhecidas, mas com a certeza de lá encontrar a bem-aventurança, subimos, subimos, e a estrela aumentava. Era um mundo feliz, um mundo superior, onde vossa boa amiga vai enfim encontrar o repouso; quero dizer o repouso considerando as fadigas corporais que aguentei e as vicissitudes da vida terrestre, mas não a indolência do Espírito, pois a atividade do Espírito é um regozijo.
- Deixastes definitivamente a terra? R. Deixo aí ainda muitos seres que me são caros para deixá-la definitivamente. Portanto, voltarei aí em Espírito, pois tenho uma missão a cumprir para com os meus netos. Sabeis bem, aliás, que nenhum obstáculo se opõe a que os Espíritos que estacionam nos mundos superiores à terra venham visitá-la.
Nota: Este exemplo nos mostra a possibilidade de não mais encarnar na Terra e passar daqui para um mundo superior, sem ficar por isso separado dos afetos aqui deixados.
O ESPÍRITO DE CASTELNAUDARY – Criminoso arrependido
Numa casinha, perto de Castelnaudary, havia barulhos estranhos e diversas manifestações que a faziam considerar como assombrada por algum gênio mau. Por esse fato, ela foi exorcizada em 1848, sem resultado. O proprietário, Sr. D…, que quis aí morar, morreu nela subitamente alguns anos depois; seu filho, que quis morar aí em seguida, recebeu, um dia, entrando num dos cômodos, uma vigorosa bofetada dada por uma mão desconhecida; como estava perfeitamente sozinho, não pôde duvidar de que não viesse de uma fonte oculta, e por isso decidiu deixá-la definitivamente. Há, na região, uma tradição segundo a qual um grande crime teria sido cometido nessa casa.
O Espírito evocado de novo mais tarde mostra-se mais tratável, depois pouco a pouco submisso e arrependido. Das explicações fornecidas por ele e por outros Espíritos, resulta que em 1608 ele morava naquela casa, onde assassinara o irmão por suspeita de ciumenta rivalidade golpeando-o na garganta enquanto ele dormia, e alguns anos depois, aquela que fizera sua mulher, após a morte do irmão. Morreu em 1659 com a idade de oitenta anos, sem ter sido perseguido por esses homicídios, aos quais se prestava pouca atenção naqueles tempos de confusão. Desde sua morte, não cessara de fazer o mal, e provocara vários dos acidentes ocorridos naquela casa. Um médium vidente que assistia à primeira evocação viu-o no momento em que se quis fazê-lo escrever; ele sacudia fortemente o braço do médium: seu aspecto era apavorante; vestia uma camisa coberta de sangue, e segurava um punhal.
- P. A São Luís. Tende a bondade de nos descrever o gênero de suplício desse Espírito. – R. É atroz para ele; foi condenado a permanecer na casa onde o crime foi cometido, sem poder dirigir seu pensamento para outra coisa que não esse crime, sempre diante de seus olhos, e ele se crê condenado a essa tortura por toda a eternidade. Ele se vê constantemente no momento em que cometeu seu crime; toda outra recordação lhe é retirada, e toda comunicação com um outro Espírito, proibida; não pode, na terra, ficar senão nessa casa, e se estiver no espaço, fica nas trevas e na solidão.
- Faz dois séculos que ele está nessa situação; ele aprecia esse tempo como se estivesse vivo; ou seja, o tempo lhe parece tão longo ou menos longo do que se estivesse vivo? – R. Parece-lhe mais longo: o sono não existe para ele.
- De onde vinha esse Espírito antes de sua encarnação? – R. Ele tivera uma existência entre as hordas mais ferozes e mais selvagens, e anteriormente vinha de um planeta inferior à terra.
- Esse Espírito é punido bem severamente pelo crime que cometeu; se viveu entre hordas bárbaras, deve ter aí cometido atos não menos atrozes do que o último; foi punido da mesma maneira? – R. Foi menos punido, porque, mais ignorante, compreendia menos o seu alcance.
- Os sofrimentos estão longe de ser os mesmos para todos, mesmo para crimes semelhantes, pois eles variam segundo o culpado seja mais ou menos acessível ao arrependimento. Para este, a casa onde cometeu seu crime é seu inferno; outros carregam-no em si, pelas paixões que os atormentam e que não podem saciar.
- A prece não tem efeito a não ser em favor do Espírito que se arrepende; aquele que, impelido pelo orgulho, se revolta contra Deus e persiste em desvarios exagerando-os ainda, como fazem infelizes Espíritos, sobre esses a prece nada pode, e nada poderá senão no dia em que uma centelha de arrependimento se tiver manifestado neles. A ineficácia da prece é ainda para eles um castigo; esta alivia apenas aqueles que não estão inteiramente endurecidos.
- Quando se vê um Espírito inacessível aos bons efeitos da prece, é uma razão para se abster de orar por ele? – R. Não, sem dúvida, pois cedo ou tarde ela poderá vencer seu endurecimento e fazer germinar nele pensamentos salutares.
Várias conversas com esse Espírito trouxeram-lhe uma notável mudança no seu estado moral. Eis algumas das suas respostas:
- Se o Sr. D… filho (aquele que recebera a bofetada) voltasse à casa, far-lhe-íeis mal? – R. Não, pois estou arrependido. – P. E se ele quisesse ainda vos enfrentar? – R. Oh! Não me peçais isso! Eu não poderia dominar-me, estaria acima das minhas forças… pois não sou senão um miserável.
- Durante vosso longo isolamento, e pode-se dizer vosso cativeiro, tivestes remorsos? – R. Nem um pouco, e é por isso que sofri tanto tempo; foi somente quando comecei a sentir remorsos que foram provocadas, sem meu conhecimento, as circunstâncias que trouxeram minha evocação à qual devo o início da minha libertação. Obrigado, portanto, a vós que tivestes compaixão de mim e me esclarecestes.
Observação: Deve-se notar ademais que as mesmas faltas, embora cometidas em condições idênticas, são punidas por castigos por vezes muito diferentes, segundo o grau de avanço intelectual do Espírito. Aos Espíritos mais atrasados, e de uma natureza bruta como este de que se trata aqui, são infligidas penas de alguma forma mais materiais do que morais, ao passo que é o contrário para aqueles cuja inteligência e sensibilidade são mais desenvolvidas.
Neste código penal divino, a sabedoria, a bondade e a previdência de Deus para com as suas criaturas se revelam até nas menores coisas; tudo é proporcional; tudo é combinado com uma admirável solicitude para facilitar aos culpados os meios de se reabilitar; são-lhes creditadas as menores boas aspirações da alma. Segundo os dogmas das penas eternas, ao contrário, no inferno estão confundidos os grandes e os pequenos culpados, os culpados de um dia e os cem vezes reincidentes, os endurecidos e os arrependidos; tudo é calculado para mantê-los no fundo do abismo; nenhuma tábua de salvação lhes é oferecida; uma única falta pode aí precipitar para sempre, sem que seja levado em conta o bem que se fez. De que lado se acha a verdadeira justiça e a verdadeira bondade?
Esta evocação não é, portanto, devida ao acaso; como ela devia ser útil a este desgraçado, os Espíritos que velavam por ele, vendo que ele começava a compreender a enormidade dos seus crimes, julgaram que chegara o momento de lhe dar um auxílio eficaz, e trouxeram então as circunstâncias propícias. É um fato que vimos produzir-se muitas vezes.
Perguntou-se, a esse respeito, o que teria acontecido com ele se não pudesse ter sido evocado, e o que acontece a todos os Espíritos sofredores que não podem ser evocados ou nos quais não se pensa. A isso é respondido que os caminhos de Deus, para a salvação de suas criaturas, são inúmeros; a evocação é um meio de assisti-los, mas não é certamente o único, e Deus não deixa nenhuma no esquecimento. Aliás, as preces coletivas devem ter sobre os Espíritos, acessíveis ao arrependimento, sua dose de influência. (Revista Espírita 1860 – Fevereiro)
BENOIST – Criminoso arrependido
Um Espírito apresenta-se espontaneamente ao médium, sob o nome de Benoist, diz ter morrido em 1704 e suportar horríveis sofrimentos.
- O que éreis durante a vida? – R. Monge sem fé.
- A falta de crença é vossa única falta? – R. Basta para acarretar as outras.
- Podeis dar-nos alguns detalhes sobre a vossa vida? A sinceridade de vossas confissões vos será tida em conta. – R. Sem fortuna e preguiçoso, ordenei-me, não por vocação, mas para ter uma posição. Inteligente, consegui obter um lugar; influente, abusei do poder; vicioso, arrastei para a dissipação aqueles que tinha por missão salvar; duro, persegui aqueles que pareciam condenar meus excessos; os in pace foram preenchidos pelos meus cuidados. A fome torturou muitas vítimas; seus gritos se extinguiram muitas vezes sob a violência. Desde então, expio e sofro todas as torturas do inferno; minhas vítimas atiçam o fogo que me devora. A luxúria e a fome insaciadas me perseguem; a sede irrita meus lábios ardentes sem jamais deixar cair aí uma gota refrescante; todos os elementos se encarniçam contra mim. Orai por mim.
- Nunca vos arrependestes? – R. Há muito tempo; mas ele só veio depois do sofrimento. Como fui surdo aos gritos de vítimas inocentes, o Senhor é surdo aos meus gritos. Justiça!
- Não estais já suficientemente separado das ideias terrestres para compreender que as torturas que suportais são todas morais? – R. Eu as suporto, sinto-as, vejo meus carrascos; eles têm todos uma aparência conhecida; têm todos um nome que ressoa no meu cérebro.
- O nada era minha fé; os prazeres a todo preço eram meu culto. Divindades do inferno não me abandonaram; consagrei-lhes a minha vida, elas não me deixarão mais!
- Vossos demônios não vos impedem de escrever? – R. Não, mas estão à minha frente, ouvem-me; é por isso que não gostaria de acabar.
O guia do médium. Coragem, meu filho; ser-lhe-á concedido o que tu pedes, mas a expiação está longe de terminar. As atrocidades que ele cometeu são sem nome e sem número, e é tanto mais culpado quanto tinha a inteligência, a instrução e o esclarecimento para se guiar. Falhou, portanto, com conhecimento de causa; assim, seus sofrimentos são terríveis; mas com o auxílio e o exemplo da prece eles se abrandarão, porque ele verá o fim possível, e a esperança o apoiará.
O arrependimento será seguido pelo desejo de reparação; é então que ele mesmo pedirá uma nova existência na terra para praticar o bem em vez do mal que fez, e quando Deus estiver satisfeito com ele, e o vir bem fortalecido, far-lhe-á entrever as divinas claridades que o levarão ao porto de salvação, e recebê-lo-á em seu seio como o filho pródigo. Confia, ajudar-te-emos a realizar tua obra.
JOSEPH BRÉ – Espírito numa condição mediana
Evocado pela neta:
Querido avô, quereis dizer-me como estais entre os Espíritos, e dar-me alguns detalhes instrutivos para nosso avanço? – R. Tudo o que quiseres, minha querida filha. Estou expiando minha falta de fé; mas a bondade de Deus é grande: ele leva em conta as circunstâncias. Sofro, não como poderias entender, mas de arrependimento por não ter empregado bem meu tempo na terra.
- Como não o empregastes bem? Fostes sempre um homem honesto. – R. Sim, do ponto de vista dos homens; mas há um abismo entre o homem honesto perante os homens, e o homem honesto perante Deus. Entre vós, considera-se como homem honesto aquele que respeita as leis de seu país. Para ser honesto perante Deus não basta não ter infringido as leis dos homens, é preciso antes de tudo não ter transgredido as leis divinas.
O homem honesto perante Deus é aquele que, cheio de devoção e amor, dedica sua vida ao bem, ao progresso de seus semelhantes; aquele que, animado por um zelo inspirado no objetivo, é ativo na vida: ativo no cumprimento da tarefa material que lhe é imposta, pois deve ensinar a seus irmãos o amor ao trabalho; ativo nas boas obras, pois não deve esquecer que é apenas um servidor ao qual o senhor pedirá um dia contas do uso de seu tempo; ativo no objetivo, pois deve pregar pelo exemplo o amor ao Senhor e ao próximo. O homem honesto perante Deus deve evitar cuidadosamente essas palavras mordazes, veneno escondido sob flores, que destrói as reputações e muitas vezes mata o homem moral ao cobri-lo de ridículo.
O homem honesto perante Deus deve ter sempre o coração fechado ao menor fermento de orgulho, de inveja, de ambição. Ele deve ser paciente e doce com os que o atacam; deve perdoar do fundo do coração, sem esforço e, sobretudo, sem ostentação, a todo aquele que o ofendeu; deve amar seu criador em todas as suas criaturas; deve, por fim, pôr em prática este resumo tão conciso e tão grande dos deveres do homem: amar a Deus acima de todas as coisas e seu próximo como a si mesmo.
Será que eu fiz tudo isso? Não; faltaram-me muitas dessas condições, confesso-o aqui sem enrubescer; não tive a atividade que o homem deve ter; o esquecimento do Senhor levou-me a outros esquecimentos que, mesmo não sendo passíveis de punição pela lei humana, não deixam de ser prevaricações pela lei de Deus. Sofri bastante por isso quando o senti; eis porque espero hoje, mas com a consoladora esperança na bondade de Deus que vê meu arrependimento.
ANTOINE BELL – Suicida
Contador numa casa bancária no Canadá;. Um de nossos correspondentes, médico e farmacêutico na mesma cidade, deu-nos a respeito dele as informações seguintes:
“Eu conhecia Bell há mais de vinte anos. Era um homem inofensivo e pai de uma família numerosa. Há algum tempo, ele imaginara ter comprado veneno na minha loja e que o usara envenenando alguém. Viera muitas vezes me suplicar que lhe dissesse em que época eu lho vendera, e entregava-se então a delírios terríveis. Perdia o sono, acusava-se, batia no peito. No momento em que parecia estar convencido do absurdo de seus pensamentos, exclamava: “Não, não, quereis enganar-me… eu me recordo … isso é verdade.”
Evocação 1 mês e meio depois do suicídio:
(Numa outra existência) Eu amava uma bela e jovem garota que correspondia ao meu amor; mas eu era pobre, e fui repelido pela família dela. Ela me anunciou que ia desposar o filho de um negociante cujo comércio se estendia além dos dois mares, e eu fui mandado embora. Louco de dor, decidi matar-me, depois de ter saciado minha vingança assassinando meu rival execrado. No entanto, os meios violentos me repugnavam; eu tremia à ideia desse crime, mas meu ciúme levou a melhor. Na véspera do dia em que minha bem-amada devia ser dele, ele morreu envenenado pelos meus cuidados, achando eu esse meio mais fácil. Assim se explicam essas reminiscências do passado. Sim, eu já vivi, e é preciso que reviva ainda… Ó meu Deus, tende compaixão da minha fraqueza e das minhas lágrimas.
- Tínheis consciência dessa má ação em vossa última existência? – R. Nos últimos anos de minha vida unicamente, e eis como. Eu era bom por natureza; depois de ter sido submetido, como todos os Espíritos homicidas, ao tormento da visão contínua de minha vítima que me perseguia como um remorso vivo, fui libertado muitíssimos anos mais tarde pelas minhas preces e meu arrependimento. Recomecei mais uma vez a vida, a última, e atravessei-a pacífico e temeroso. Tinha em mim uma vaga intuição da minha fraqueza nativa e da minha falta anterior cuja recordação latente eu conservara. Mas um Espírito obsessor e vingativo, que não é outro senão o pai da minha vítima, não teve grande dificuldade em tomar conta de mim, e fazer reviver no meu coração, como num espelho mágico, as recordações do passado. Influenciado alternadamente por ele e pelo guia que me protegia, eu era o envenenador, ou o pai de família que ganhava o pão de seus filhos pelo seu trabalho. Fascinado por esse demônio obsessor, ele me impeliu ao suicídio. Sou muito culpado, é verdade, mas menos, não obstante, do que se tivesse resolvido eu mesmo fazê-lo. Os suicidas da minha categoria, e que são demasiado fracos para resistir aos Espíritos obsessores, são menos culpados e menos punidos do que aqueles que se matam devido unicamente ao seu livre-arbítrio. Orai comigo pelo Espírito que me influenciou tão fatalmente, a fim de que ele abdique de seus sentimentos de vingança, e orai também por mim, a fim de que eu adquira a força e a energia necessárias para não fraquejar na prova de suicídio por livre vontade à qual serei submetido, dizem-me, na minha próxima encarnação.
- Ao guia do médium. – Um Espírito obsessor pode realmente impelir ao suicídio? – R. Seguramente, pois a obsessão que, em si mesma, é um gênero de prova, pode revestir todas as formas; mas não é uma desculpa. O homem tem sempre seu livre-arbítrio, e, por conseguinte, é livre para ceder ou resistir às sugestões das quais é alvo; quando sucumbe é sempre pelo fato da sua vontade. O Espírito tem razão, além disso, quando diz que aquele que comete o mal por instigação de um outro é menos repreensível e menos punido do que quando o comete por seu próprio movimento; mas não é inocentado, porque, a partir do momento em que se deixa desviar do caminho reto, é porque o bem não está suficientemente bem enraizado nele. Ele é alvo das perseguições dos maus Espíritos, até que estes o sintam suficientemente forte para lhes resistir; então eles o deixam em paz, porque sabem que suas tentativas seriam inúteis.
Observação: Vemos por aí que todas as existências são solidárias umas das outras.
ANNA BITTER – Expiação terrestre
Ser atingido pela perda de um filho adorado é um desgosto doloroso; mas ver um filho único que dá as mais belas esperanças, no qual se concentraram suas únicas afeições, definhar sob seus olhos, extinguir-se sem sofrimentos, por uma causa desconhecida, uma dessas bizarrias da natureza que desconcertam a sagacidade da ciência; ter esgotado inutilmente todos os recursos da arte e adquirido a certeza de que não há nenhuma esperança, e aguentar essa angústia de cada dia durante longos anos sem lhe prever o fim, é um suplício cruel que a fortuna aumenta, em vez de aliviá-lo, porque se tem a esperança de ver um dia um ser querido desfrutar dela.
Tal era a situação do pai de Anna Bitter; assim, um desespero sombrio se apossara da sua alma, e seu caráter se azedava cada vez mais à vista desse espetáculo pungente cuja saída não podia ser senão fatal embora indeterminada. Um amigo da família, iniciado no Espiritismo, acreditou dever interrogar seu Espírito protetor a esse respeito, e recebeu dele a resposta seguinte:
A pobre garota, cujo decreto de morte o Onipotente suspendera, deve em breve voltar para o nosso seio, pois Deus teve compaixão dela, e seu pai, esse desgraçado entre os homens, deve ser atingido na única afeição da sua vida, por ter troçado do coração e da confiança daqueles que o cercam. Por um momento seu arrependimento tocou o Altíssimo, e a morte suspendeu seu gládio sobre essa cabeça tão querida; mas a revolta voltou, e o castigo segue sempre a revolta.
O pai morreu depois de ter sofrido o vazio do isolamento da perda da filha.Eis as primeiras comunicações que ambos deram após a morte:
A filha. Sim, graças às vossas preces, pude deixar mais facilmente meu envoltório terrestre, pois meu pai, infelizmente, não orava: maldizia… Por vezes um raio de luz divina parece penetrar até ele; mas não é senão um relâmpago passageiro, e ele volta logo às suas ideias iniciais. Há nele apenas um germe de fé asfixiado pelos interesses do mundo, e que só novas provas mais terríveis poderão desenvolver; pelo menos assim o temo. Quanto a mim, não tinha senão um resto de expiação a cumprir, é por isso que ela não foi muito dolorosa, nem muito difícil. Na minha estranha doença, eu não sofria; era antes um instrumento de provação para meu pai, pois ele sofria mais de me ver naquele estado do que eu; eu estava resignada, e ele não. Hoje estou recompensada.
(O pai, aproximadamente um mês após a morte.) P. Não revistes vossa filha? – R. Não; ela morreu; procuro-a, chamo-a inutilmente. Que vazio horroroso sua morte me deixou na Terra! Ao morrer, eu me dizia que a reencontraria sem dúvida; mas nada; sempre o isolamento à minha volta; ninguém que me dirija uma palavra de consolo e de esperança. Adeus; vou procurar minha filha.
O guia do médium. Este homem não era ateu, nem materialista; mas era daqueles que creem vagamente, sem se preocupar com Deus nem com o futuro, absorvidos como estão pelos interesses da terra. Profundamente egoísta, teria sem dúvida sacrificado tudo para salvar a filha, mas teria também sacrificado sem escrúpulo todos os interesses de terceiros em seu benefício pessoal. Exceto por sua filha, não tinha apego por ninguém. Deus o puniu por isso, como sabeis; tirou-lhe sua única consolação na terra, e como ele não se arrependeu, ela também que lhe é tirada no mundo dos Espíritos. Ele não se interessava por ninguém na terra, ninguém se interessa por ele aqui; está sozinho, abandonado: essa é sua punição. A filha está perto dele, no entanto, mas ele não a vê; se a visse, não seria punido. O que ele faz? dirige-se a Deus? arrepende-se? Não; murmura continuamente; blasfema até; faz, numa palavra, como fazia na terra. Ajudai-o, pela prece e com conselhos, a sair de sua cegueira.
4 – EXPIAÇÃO
7:10º O Espírito sofre a pena de suas imperfeições, seja no mundo espiritual, seja no mundo corporal… Pela natureza dos sofrimentos e das vicissitudes suportadas na vida corpórea, pode-se julgar da natureza das faltas cometidas numa existência precedente, e das imperfeições que lhe são a causa.
7:11º A expiação varia segundo a natureza e a gravidade da falta; a mesma falta pode assim dar lugar a expiações diferentes, segundo as circunstâncias atenuantes ou agravantes nas quais ela foi cometida.
7: 16º O arrependimento é o primeiro passo para o aperfeiçoamento; mas sozinho não basta, é preciso ainda a expiação e a reparação. O arrependimento suaviza as dores da expiação, dando esperança e preparando as vias da reabilitação; mas somente a reparação pode anular o efeito, destruindo a causa; o perdão seria uma graça e não uma anulação.
7: 17º O arrependimento pode ocorrer em todo lugar e a qualquer tempo; se for tardio, o culpado sofre por mais longo tempo.
A expiação consiste nos sofrimentos físicos e morais, que são a consequência da falta cometida, seja desde a vida presente, seja, após a morte, na vida espiritual, seja numa nova existência corpórea, até que os traços da falta sejam apagados.
A reparação consiste em fazer bem àquele a quem se fez mal. Quem não repara suas faltas nesta vida, por impotência ou má vontade, encontrar-se-á, numa existência ulterior, em contato com as mesmas pessoas que tiveram queixas dele, e em condições escolhidas por ele mesmo, de maneira a poder provar-lhes sua dedicação, e fazer-lhes tanto bem quanto lhes fez mal.
O Livro dos Espíritos 999 – “O arrependimento ajuda o progresso do Espírito, mas o passado deve ser expiado… Se ele se endurece no mal, sua expiação será mais longa e mais penosa”.
7: 18º Se pudéssemos conceber um lugar de castigo circunscrito, é nos mundos de expiação, pois é em volta desses mundos que pululam os Espíritos imperfeitos desencarnados, esperando uma nova existência que, permitindo-lhes reparar o mal que fizeram, ajudará em seu adiantamento
FERDINAND BERTIN – Espírito sofredor
Soube um pouco mais tarde que era, com efeito, o nome de uma das vítimas de um grande desastre marítimo que ocorrera naquelas paragens, em 2 de dezembro de 1863. A comunicação fora dada no dia 8 do mesmo mês, seis dias depois da catástrofe. O indivíduo perecera fazendo tentativas inauditas para salvar a tripulação e no momento em que acreditava ter sua salvação assegurada.
É evidente que não se dava absolutamente conta de sua situação; acreditava que ainda estava vivo, lutando contra as ondas, e, no entanto, fala de seu corpo como se estivesse separado dele; chama por socorro; diz que não quer morrer, e um instante depois fala da causa de sua morte que reconhece ser um castigo; tudo isso denota a confusão das ideias que acompanha quase sempre as mortes violentas.
Dois meses mais tarde, em 2 de fevereiro de 1864, ele se comunicou de novo espontaneamente com o mesmo médium, e ditou-lhe o que se segue:
“A compaixão que tivestes pelos meus sofrimentos tão horríveis me aliviou. Compreendo a esperança; entrevejo o perdão, mas depois do castigo da falta cometida. Continuo a sofrer, e se Deus permite que, durante alguns momentos, eu entreveja o fim da minha desgraça, não é senão às preces das almas caridosas, tocadas pela minha situação, que devo esse abrandamento. Fico mais calmo quando posso estar junto a vós; pois assim como um terrível segredo depositado no seio de um amigo alivia aquele que se sentia oprimido por ele, do mesmo modo vossa compaixão, motivada pela confidência da minha miséria, acalma meu mal e descansa meu Espírito… Vossas preces fazem-me bem; não mas recuseis. Não quero voltar a cair naquele horrível sonho que se torna realidade quando o vejo…Pegai no lápis com mais frequência; faz-me tanto bem comunicar-me por vós!”
Após muitos encorajamentos, o Espírito acrescenta: Fui muito culpado! O que sobretudo me faz sofrer é que creem que sou um mártir; não é nada disso… Numa existência precedente, mandei pôr num saco várias vítimas e jogar no mar… Orai por mim!
Instrução de São Luís sobre esta comunicação:
Esta confissão será para este Espírito uma causa de grande alívio. Sim, ele foi muito culpado! Mas a existência que ele acaba de deixar foi honrada; era amado e estimado por seus chefes; é o fruto de seu arrependimento e das boas resoluções que tomara antes de voltar à terra, onde ele quis ser humano tanto quanto fora cruel. O devotamento de que deu provas era uma reparação, mas ele precisava compensar faltas passadas com uma última expiação, a da morte cruel que suportou; quis ele mesmo purificar-se sofrendo as torturas que fizera os outros sofrer; e notai que o persegue uma ideia: a mágoa de ver que o consideram um mártir. Acreditai que será levado em conta esse seu sentimento de humildade. Doravante, ele deixou a via da expiação para entrar na da reabilitação; com vossas preces podeis apoiá-lo, e fazê-lo caminhar a passo mais firme e mais seguro.
UM SÁBIO AMBICIOSO – Expiação terrestre
A Sra. B…, não sofreu as pungentes angústias da miséria, mas foi toda a vida uma mártir de dores físicas pelas incontáveis doenças graves de que foi acometida, durante setenta anos, desde a idade de cinco meses, e que, quase todo ano, a puseram à porta do túmulo. Foi envenenada três vezes pelos ensaios feitos nela pela ciência incerta, e seu temperamento, arruinado pelos remédios tanto quanto pelas doenças, deixou-a até o fim dos seus dias vítima de intoleráveis sofrimentos que nada podia acalmar. Sua filha, espírita cristã e médium, pedia a Deus, nas suas preces, para aliviar suas cruéis provações, mas seu guia espiritual lhe disse para pedir simplesmente para ela as suportar com paciência e resignação, e ditou-lhe as instruções seguintes:
Assim ocorre com tua mãe; cada dor que ela aceita como uma expiação é uma mancha apagada do seu passado, e quanto mais cedo todas as manchas forem apagadas, mais cedo ela será feliz. Somente a falta de resignação torna o sofrimento estéril, pois então as provas deverão recomeçar. Portanto, o que é mais útil para ela é a coragem e a submissão; é o que é preciso pedir a Deus e aos bons Espíritos que lhe concedam. “Tua mãe foi outrora um bom médico, muito conhecido numa classe em que nada custa para assegurar o bem-estar, e na qual ele foi cumulado de dons e de honrarias. Ambicioso por glória e riquezas, querendo alcançar o apogeu da ciência, não em vista de aliviar seus irmãos, pois não era filantropo, mas em vista de aumentar sua reputação, e, por conseguinte, sua clientela, nada lhe custou para levar a bom fim seus estudos. A mãe era martirizada em seu leito de sofrimento, porque ele previa um estudo nas convulsões que provocava; a criança era submetida às experiências que deviam dar-lhe a chave de certos fenômenos; o velho via apressar seu fim; o homem vigoroso sentia-se enfraquecido pelos experimentos que deviam constatar a ação de tal ou qual beberagem, e todas essas experiências eram tentadas no desgraçado sem desconfiança. A satisfação da cupidez e do orgulho, a sede de ouro e de reputação, tais foram os motivos de sua conduta. Foram precisos séculos e terríveis provas para domar esse Espírito orgulhoso e ambicioso; depois o arrependimento começou sua obra de regeneração, e a reparação está terminando, pois as provas desta última existência são brandas perto das que ele aguentou. Portanto, coragem, se a pena foi longa e cruel, a recompensa concedida à paciência, à resignação e à humildade será grande.
Observação: Após a morte, a senhora B… deu, quer à sua filha, quer à Sociedade Espírita de Paris, comunicações em que se refletem as mais eminentes qualidades, e em que ela confirma o que fora dito de seus antecedentes.
SZYMEL SLIZGOL – Expiação terrestre
Era um pobre israelita de Vilna, morto em maio de 1865. Durante trinta anos mendigara, de gamela na mão. Por toda parte, na cidade, seu grito era conhecido: “lembrai-vos dos pobres, das viúvas e dos órfãos!” Durante esse tempo, Slizgol reunira 90.000 rublos, mas não guardou um único copeque para si mesmo. Aliviava os doentes que ele mesmo tratava; pagava o ensino das pobres crianças, distribuía aos necessitados os comestíveis que lhe davam. A noite era dedicada à preparação de rapé que o mendigo vendia para se sustentar. O que lhe sobrava pertencia aos pobres. Szymel era sozinho no mundo. No dia do seu enterro, uma grande parte da população da cidade seguiu seu cortejo fúnebre, e as lojas ficaram fechadas.
Comunicação:
Há vários séculos, eu vivia com o título de rei, ou pelo menos de príncipe soberano. No meu círculo de poder, relativamente estrito se comparado aos vossos Estados atuais, eu era o senhor absoluto do destino dos meus súditos; eu agia como tirano, digamos a palavra: como carrasco. De caráter imperioso, violento, avaro e sensual, vós vedes daqui qual devia ser o destino dos pobres seres que viviam sob as minhas leis. Eu abusava do meu poder para oprimir o fraco, para recorrer aos serviços de toda espécie de ofícios, de trabalhos, de paixões e de dores, para o serviço de minhas próprias paixões. Assim, eu taxava o produto da mendicância; ninguém podia mendigar, sem que previamente eu tivesse pegado para mim grande parte daquilo que a compaixão humana deixava cair na gamela da miséria. Mais do que isso: a fim de não diminuir a quantidade de mendigos entre meus súditos, proibi os infelizes de darem a seus amigos, a seus pais, a seus próximos, a pequena parte que restava a esses pobres seres. Numa palavra, fui tudo o que há de mais implacável para com o sofrimento e a miséria.
Perdi, enfim, o que chamais vida, em tormentos e sofrimentos horríveis; minha morte foi um exemplo de terror para todos aqueles que, como eu, mas numa escala menor, compartilhavam minha maneira de ver. Permaneci no estado de Espírito errante durante três séculos e meio, e quando ao fim desse lapso de tempo, compreendi que o objetivo da encarnação era completamente diferente daquele que meus sentidos grosseiros e obtusos me haviam feito perseguir, obtive, graças a preces, resignação e lamentos, a permissão de tomar a tarefa material de suportar os mesmos sofrimentos, e mais ainda, que eu fizera sofrer. Obtive essa permissão, e Deus deixou-me o direito, pelo meu livre arbítrio, de ampliar meus sofrimentos morais e físicos. Graças ao auxílio dos bons Espíritos que me assistiam, persisti na minha resolução de praticar o bem, e agradeço-lhes por isso, pois eles me impediram de sucumbir na tarefa que eu assumira.
Terminei enfim uma existência que resgatou, pela sua abnegação e sua caridade, o que a outra tivera de cruel e injusto. Nasci de pais pobres; órfão desde cedo, aprendi a bastar-me a mim mesmo na idade em que se é ainda considerado como incapaz de compreender. Vivi sozinho, sem amor, sem afeições, e mesmo, no começo da vida, suportei a brutalidade que exercera sobre os outros. Diz-se que as somas recolhidas por mim foram todas consagradas ao alívio de meus semelhantes; é um fato exato, e sem ênfase como sem orgulho, acrescento que muitas vezes, ao preço de privações relativamente fortes, fortíssimas, aumentei o bem que a caridade pública me permitia fazer.
Morri com calma, confiante no prêmio que havia obtido a reparação feita pela minha última existência, e sou recompensado além de minhas secretas aspirações. Sou hoje feliz, muito feliz por poder dizer-vos que todo aquele que se elevar será abaixado, e que aquele que se humilhar será elevado.
- Um motivo particular vos impeliu a escolher vossa última existência na religião israelita? – R. Não escolhida por mim, mas que eu aceitei segundo o conselho dos meus guias. A religião israelita acrescentava uma pequena humilhação à minha vida de expiação; pois, em certos países sobretudo, a maioria dos encarnados despreza os israelitas, e particularmente os judeus mendigos.
(Durante a reencarnação não recordara o passado) Somente, um dia antes de começar a estender a mão, ouvi estas palavras: “Não façais aos outros aquilo que não gostaríeis que vos fizessem.” Fiquei tocado pela moralidade geral contida nessas poucas palavras, e com frequência surpreendia-me a acrescentar-lhes estas: “Mas fazei-lhes ao contrário o que gostaríeis que vos fosse feito.” A recordação da minha mãe e a dos meus sofrimentos ajudando, continuei a avançar numa carreira que minha consciência me dizia ser boa.
FRANÇOISE VERNHES – Expiação terrestre
Cega de nascença, desencarnou com quarenta e cinco anos. Dedicava-se constantemente a ensinar o catecismo às crianças para prepará-las para a primeira comunhão. Numa noite de inverno, voltando de uma excursão a vários lugares em companhia da tia, era preciso atravessar uma floresta por caminhos horríveis e cheios de lama, e as duas mulheres deviam caminhar com precaução à beira das valas. A tia queria conduzi-la pela mão, mas ela respondeu-lhe: Não fiqueis em cuidados por mim, não corro nenhum perigo de cair, vejo sobre meu ombro uma luz que me guia, segui-me, sou eu que vou conduzir-vos. Chegaram assim em casa sem acidente, a cega conduzindo aquela que podia servir-se dos olhos.
Evocação:
E é tão cruel ser cego!… Sim, é bem cruel; mas também reconheço que é justiça. Aqueles que pecam pelos olhos devem ser punidos pelos olhos, e igualmente todas as faculdades de que os homens são dotados e das quais abusam. Não procureis portanto, para os inúmeros infortúnios que afligem a humanidade, outra causa a não ser aquela que lhe é natural: a expiação; expiação que não é meritória senão quando é cumprida com submissão, e que pode ser aliviada, se, pela prece, se atraírem as influências espirituais que protegem os culpados do penitenciário humano, e derramam a esperança e a consolação nos corações aflitos e sofredores.
- Vós vos tínheis devotado à instrução religiosa das crianças pobres… R. Era ao mesmo tempo uma reparação pelo mau exemplo que eu lhes dera na minha existência anterior.
- Há muitos na Terra que passam por ignorantes porque sua inteligência está velada pela expiação; mas na morte esses véus caem, e esses pobres ignorantes são com frequência mais instruídos do que aqueles cujo desdém suscitavam. Acreditai-me, o orgulho é a pedra de toque pela qual se reconhecem os homens. Todos aqueles cujo coração é acessível à lisonja, ou que têm demasiada confiança em sua ciência, estão no mau caminho; em geral, não são sinceros; desconfiai deles. Sede humildes como o Cristo, e carregai como ele a vossa cruz com amor, a fim de terdes acesso ao reino dos céus.
BIBLIOGRAFIA
– Antigo Testamento (Números, Ezequiel e Joel).
– Novo Testamento (Evangelhos: Mateus, Lucas e João).
– O Livro dos Espíritos.
– O Evangelho Segundo o Espiritismo.
– O Céu e o Inferno ou A Justiça Divina Segundo o Espiritismo.