Estudo Sobre a Revista Espírita 1860, palestra 26.06.24
ESTUDO SOBRE A REVISTA ESPÍRITA 1860 – ANO III
26/06/2024- – CELC – Ellen
I. – DA INTRODUÇÃO
Dentre os vários artigos da Revista Espírita de 1860 destacamos as invocações de Espíritos de pessoas vivas, revelando as modificações de percepção e sensação do Espírito, bem como, a sua maneira de ver os problemas humanos, quando se encontra desdobrado do corpo físico. Destacamos, também, o anúncio da segunda edição de O Livro dos Espíritos. Além de inúmeras comunicações esclarecedoras que foram primeiramente publicadas na Revista Espírita e, depois, nas demais obras, tal como no Evangelho Segundo o Espiritismo, Livro dos Médiuns e na obra O Céu e o Inferno.
Dentro os casos trazidos com análise detalhada, destaca-se o da Srta. Désirée Godu, médium curadora, sujeita à observação do médico Mohréry. E o episódio histórico de Maria D’Agreda, religiosa espanhola que, em desdobramento, ou mediunidade de bilocação, cristianizou os índios do Novo México, na América.
Enfim, o conteúdo da Revista Espírita de 1860 é muito amplo, sendo que neste estudo, de forma singela, destacamos apenas alguns artigos.
II. – DA SEGUNDA EDIÇÃO DO LIVRO DOS ESPÍRITOS
Quando do lançamento de “O Livro dos Espíritos”, a 1ª Edição, em 18 de abril de 1857, tinha 501 questões, assim distribuídas: Prolegômenos, LIVRO PRIMEIRO — DOUTRINA ESPÍRITA (questões 1- 276a), LIVRO SEGUNDO — LEIS MORAIS (questões 277-452) e LIVRO TERCEIRO — ESPERANÇAS E CONSOLAÇÕES (questões 453 a 501), Epílogo.
Sendo que, no mês de Março de 1860, Kardec anuncia: “À VENDA – O LIVRO DOS ESPÍRITOS, SEGUNDA EDIÇÃO, INTEIRAMENTE REFUNDIDA E CONSIDERAVELMENTE AUMENTADA”.
Obs.: A 2ª Edição do Livro dos Espíritos (tal qual continua até hoje) compõe-se de: Introdução, Prolegômenos, LIVRO PRIMEIRO. — AS CAUSAS PRIMÁRIAS (questões 1- 75). LIVRO SEGUNDO. — MUNDO ESPÍRITA OU DOS ESPÍRITOS (questões 76-613). LIVRO TERCEIRO. — LEIS MORAIS (questões 614-919). LIVRO QUARTO. — ESPERANÇAS E CONSOLAÇÕES (questões 920-1018) e Conclusão.
III.- DOS ARTIGOS EXTRAÍDOS DA REVISTA ESPÍRITA DE 1860 E QUE FORAM TRANSCRITOS NOS OUTROS LIVROS DA CODIFICAÇÃO
A Revista Espírita foi como um laboratório de ideias e debates, espécie de tribuna livre, utilizada por Allan Kardec para sondar a reação dos homens e a impressão dos Espíritos acerca de determinados assuntos, ainda hipotéticos ou mal compreendidos, enquanto lhes aguardava a confirmação.
A Revista Espírita tem como subtítulo “Jornal de Estudos Psicológicos” e trata do relato das manifestações materiais ou inteligentes dos Espíritos, aparições, evocações, etc., bem como todas as notícias relativas ao Espiritismo.
Enfim, através das Revistas Espíritas foi sendo mostrado como o Espiritismo foi sendo elaborado ao longo do tempo. As Revistas trazem descrição dos fenômenos espíritas que Kardec estudou, comunicações, fenômenos físicos, comunicações mediúnicas dos mais diversos tipos, recebidas de todas as partes do mundo. As pessoas mandavam para ele mensagens dos Espíritos, relatos de fenômenos mediúnicos e Kardec analisava, apresentando nas Revistas Espíritas.
As Revistas Espíritas demonstram os fundamentos da própria ciência espírita. A Revista Espírita de 1860 traz os seguintes artigos que depois foram publicados nas outras obras básicas, a saber:
a) “A Caridade material e a caridade moral”, pelo Espírito Irmã Rosália – RE – Outubro de 1860, essa mensagem foi republicada, no Evangelho Segundo o Espiritismo, em 15 de abril de 1864, no Capítulo XIII — “Não saiba a vossa mão esquerda o que dê a vossa mão direita”, Instruções dos Espíritos, item 9: A caridade material e a caridade moral, Irmã Rosália, Paris, 1860.
“(…) Desejo compreendais bem o que seja a caridade moral, que todos podem praticar, que nada custa, materialmente falando, porém, que é a mais difícil de exercer-se.
A caridade moral consiste em se suportarem umas às outras as criaturas e é o que menos fazeis nesse mundo inferior, onde vos achais, por agora, encarnados. Grande mérito há, crede-me, em um homem saber calar-se, deixando fale outro mais tolo do que ele. É um gênero de caridade isso.(…)”
b) “Os Órfãos”, pelo Espírito Jules Morin, RE – Outubro de 1860, essa mensagem foi republicada no Evangelho Segundo o Espiritismo, em 15 de abril de 1864, Capítulo XIII — “Não saiba a vossa mão esquerda o que dê a vossa mão direita”, Instruções dos Espíritos, item 18: Os Órfãos, Um Espírito familiar, Paris, 1860.
“18. Meus irmãos, amai os órfãos. Se soubésseis quanto é triste ser só e abandonado, sobretudo na infância! Deus permite que haja órfãos, para exortar-nos a servir-lhes de pais. Que divina caridade amparar uma pobre criaturinha abandonada, evitar que sofra fome e frio, dirigir-lhe a alma, a fim de que não desgarre para o vício! Agrada a Deus quem estende a mão a uma criança abandonada, porque compreende e pratica a sua lei. Ponderai também que muitas vezes a criança que socorreis vos foi cara noutra encarnação, caso em que, se pudésseis lembrar-vos, já não estaríeis praticando a caridade, mas cumprindo um dever.(…).”
c) O Trapeiro da Rua des Noyers – RE – Agosto de 1860, narra fenômeno de efeito físico consistente em fragmentos de pedras, pedaços de carvão que estavam sendo jogados num apartamento dessa rua. Kardec faz a evocação desse Espírito, na sessão de 29/06/1860, travando diálogo com ele, que é republicado no O Livro dos Médiuns, lançado em 15 de Janeiro de 1861, na Segunda parte — Das manifestações espíritas, Capítulo V — Das manifestações físicas espontâneas, Arremesso de objetos, item 95 – “Diálogo com o Espírito perturbador da Rua des Noyers”
“1. Evocação do Espírito perturbador da Rua des Noyers.
Resp. – Por que me chamais? Quereis pedradas? Seria, então, um salve-se quem puder, não obstante o vosso ar de bravura.
2. Mesmo que nos atirasses pedras, não teríamos medo. Pergunto se de fato tu as podes lançar.
Resp. – Aqui talvez não pudesse; tendes um guarda que vela bem por vós.
3. Na Rua des Noyers havia alguém que te servia de auxiliar para facilitar as brincadeiras de mau gosto com os habitantes da casa?
Resp. – Certamente; encontrei um bom instrumento e nenhum Espírito douto, sábio e virtuoso para me impedir. Porque sou alegre, às vezes gosto de me divertir.
4. Qual era a pessoa que te servia de instrumento?
Resp. – Uma criada.
5. Ela te servia de auxiliar sem que o soubesse?
Resp. – Oh, sim! Pobre menina! Era a mais apavorada.
(…)”
d) Na Revista Espírita, em Novembro de 1860, na parte sobre o BOLETIM, referindo-se a sessão realizada numa sexta-feira, em 05/10/1860, no item “COMUNICAÇÕES DIVERSAS”, n. 2º, Kardec traz um relato de um caso de identidade espírita, ocorrido num navio da marinha imperial, estacionado nos mares da China. Esse mesmo caso é contado no O Livro dos Médiuns, lançado em Janeiro de 1861, na Segunda parte — Das manifestações espíritas, Capítulo III, Das manifestações inteligentes, item 70:
“2º – Relato de um notável caso de identidade espírita ocorrido num navio da marinha imperial, ancorado nos mares da China. O fato é relatado por um cirurgião da frota, presente à sessão. Todos no navio, desde os marinheiros até o estado-maior, se ocupavam de evocações; porém, não conhecendo o meio de obter comunicações escritas, se serviam da tiptologia alfabética (comunicação por meio de pancadas). Alguém teve a ideia de evocar um tenente, falecido há dois anos; entre outras particularidades, disse ele: “Peço insistentemente que paguem ao capitão a quantia de… (ele designa a soma), que eu lhe devo, e que lamento não ter podido fazê-lo antes de morrer.” Ninguém conhecia tal circunstância; o próprio capitão se havia esquecido, mas, verificando suas contas, encontrou menção da dívida do tenente, cuja cifra, indicada por seu Espírito, era perfeitamente exata.”
e) Na Revista Espírita, em Janeiro de 1860, na parte sobre o BOLETIM, referindo à sessão de 09/12/1859, no item Estudos, subitem 2º. ─ Evocação do Espírito de Castelnaudary, Kardec fala sobre um Espírito que se manifesta por sinais de viva cólera, sem nada poder escrever. Quebra sete ou oito lápis, alguns dos quais são lançados violentamente sobre os assistentes, sacudindo brutalmente o braço do médium. E que São Luís dá explicações interessantes sobre o estado e a natureza desse Espírito que é da pior espécie e está numa das mais infelizes situações.
Sendo que, na Revista Espírita de Fevereiro de 1860, sob o título “História de Um Danado”, através das respostas às evocações feitas por Kardec, é contada a história de referido Espírito, que deu uma bofetada (com mão invisível) num homem que foi morar na casa, que tinha sido de seu falecido pai. Esse Espírito habitava essa casa há cerca de 200 anos, em razão de um crime que lá cometera em 1608, matando seu irmão, com um punhal, ferindo-o na garganta, depois no coração, no meio da noite, por ciúmes de uma mulher. Ele faleceu em 1659, lá permanecendo. Depois disto, causou a morte do Sr. D…, por ter aparecido visivelmente para ele, sendo seu aspecto tão horroroso que sua simples vista matou o Sr. D., que morreu pelo medo. Foi ele quem deu um soco no filho do Sr. D.
Esse mesmo caso é contado no livro “O Céu e o Inferno ou a justiça divina segundo o Espiritismo”, lançado em 01 de agosto de 1865, na Segunda parte, Exemplos, Capítulo VI – Criminosos arrependidos: O Espírito de Castelnaudary.
IV. – DA EVOCAÇÃO DE PESSOAS ENCARNADAS, COM COMUNICAÇÃO EM DESDOBRAMENTO
Destacam-se na Revista Espírita de 1860, as invocações de Espíritos de pessoas encarnadas, temos 4 (quatro) relatos, a saber:
a) Janeiro de 1860: “ESPÍRITO DE UM LADO, CORPO DO OUTRO”, “PALESTRA COM O ESPÍRITO DE UM VIVO”: – o Sr. Conde R. C., que era Espírita, com muita experiência adquirida em suas viagens em torno do mundo, como capitão da marinha imperial, homem sério e colega de Kardec, a título de pesquisa e estudo, ofereceu-se para ser evocado. Em consequência, Kardec teve com ele duas conversas (primeira: em 25 de novembro e a segunda: em 2 de dezembro de 1859), ambas transcritas no Mês de Janeiro – RE 1860.
b) Março de 1860: “ESTUDO SOBRE O ESPÍRITO DE PESSOAS VIVAS”, “O DR. VIGNAL”: era membro titular da Sociedade, tendo se oferecido para servir a um estudo sobre uma pessoa viva, como ocorreu com o Sr. Conde R. C., foi evocado na sessão de 3 de fevereiro de 1860, cuja conversa resta transcrita no Mês de Março da Revista Espírita de 1860.
c) Março de 1860: “ESTUDO SOBRE O ESPÍRITO DE PESSOAS VIVAS”, “SENHORITA INDERMUHLE”: era surda-muda de nascença, 32 anos, viva, e residente em Berna, na Suíça. Foi evocada na sessão de 10 de Fevereiro de 1860, com transcrição no Mês de Março – RE 1860, que segue abaixo:
SENHORITA INDERMUHLE
Surda-muda de nascença, 32 anos, viva, residente em Berna
(Sessão de 10 de fevereiro de 1860)
1. [A São Luís] Podemos entrar em comunicação com o Espírito da Srta. Indermuhle?
Resp. – Podeis.
2. Evocação.
Resp. – Eis-me aqui, e o afirmo em nome de Deus.
3. [A São Luís] Podereis dizer-nos se o Espírito que responde é realmente o da Srta. Indermuhle?
Resp. – Posso afirmar e vo-lo afirmo. Estais mais adiantados e credes que, se fosse um outro que respondesse em seu lugar, isto seria embaraçoso? A afirmação vos prova que ela está aqui. Compete a vós garantir uma boa comunicação, pela natureza e o móvel de vossas perguntas.
3.a. Sabeis exatamente onde estais neste momento?
Resp. – Perfeitamente. Pensais que eu não tenha sido instruída sobre isso?
4. Como podeis responder aqui, se vosso corpo está na Suíça?
Resp. – Porque não é meu corpo que responde. Aliás, como bem o sabeis, ele é absolutamente incapaz de o fazer.
5. Que faz vosso corpo neste momento?
Resp. – Cochila.
6. Está com saúde?
Resp. – Excelente.
Observação – O irmão da Srta. Indermuhle, que se achava presente, confirma que realmente ela goza de boa saúde.
7. Quanto tempo levastes para vir da Suíça até aqui?
Resp. – Um tempo inapreciável para vós.
8. Vistes o caminho que percorrestes?
Resp. – Não.
9. Estais surpresa de vos achar nesta reunião?
Resp. – Minha primeira resposta vos prova que não.
10. Que aconteceria se vosso corpo despertasse, enquanto nos falais aqui?
Resp. – Eu lá estaria.
11. Existe um laço qualquer entre o vosso Espírito, aqui presente, e o corpo, que se encontra na Suíça?
Resp. – Sim; não fora assim, quem me advertiria de que devo voltar a ele?
12. Vede-nos bem distintamente?
Resp. – Sim, perfeitamente.
13. Compreendeis que possais ver-nos, mas que não vos vejamos?
Resp. – Mas, sem dúvida.
14. Ouvis o ruído que faço neste momento, batendo?
Resp. – Aqui não sou surda.
15. Como percebeis, visto que, por comparação, não tendes a lembrança do ruído em estado de vigília?
Resp. – Eu não nasci ontem.
Observação – A lembrança da sensação do ruído lhe vem das existências em que ela não era surda. Esta resposta é perfeitamente lógica.
16. Escutaríeis música com prazer?
Resp. – Com tanto mais prazer quanto há muito tempo isto não me acontece. Cantai alguma coisa para mim.
17. Lamentamos não poder fazê-lo agora, e que aqui não haja um instrumento para vos proporcionar este prazer. Mas, nos parece que vosso Espírito, desprendendo-se todos os dias durante o sono, deve transportar-se a lugares onde podeis ouvir música.
Resp. – Isto me acontece muito raramente.
18. Como podeis responder-nos em francês, já que sois alemã e não conheceis a nossa língua?
Resp. – O pensamento não tem língua; eu o comunico ao guia do médium, que o traduz na língua que lhe é familiar.
19. Qual é esse guia de que falais?
Resp. – Seu Espírito familiar. É sempre assim que recebeis comunicações de Espíritos estrangeiros, e é desse modo que os Espíritos falam todas as línguas.
Observação – Desta maneira, muitas vezes as respostas não nos chegariam senão de terceira mão. O Espírito interrogado transmite o pensamento ao Espírito familiar, este ao médium e o médium o traduz, seja pela escrita, seja pela palavra. Ora, podendo o médium ser assistido por Espíritos mais ou menos bons, isto explica como, em muitas outras circunstâncias, o pensamento do Espírito interrogado pode ser alterado. Assim, no começo, São Luís disse que a presença do Espírito evocado nem sempre é suficiente para assegurar a integridade das respostas. Cabe a nós apreciá-las e julgar se são lógicas e se estão em relação com a natureza do Espírito. Aliás, segundo a Srta. Indermuhle, essa tríplice fieira só ocorreria com os Espíritos estrangeiros.
20. Qual a causa da enfermidade que vos afetou?
Resp. – Uma causa voluntária.
21. Por que singularidade todos os vossos irmãos e irmãs, em número de seis, foram acometidos pela mesma enfermidade?
Resp. – Pelas mesmas causas que eu.
22. Assim, foi voluntariamente que todos escolhestes esta prova; pensamos que esta reunião na mesma família deve ter ocorrido como uma prova para os pais. É uma boa razão?
Resp. – Ela se aproxima da verdade.
23. Vedes aqui vosso irmão?
Resp. – Que pergunta!
24. Estais contente de vê-lo?
Resp. – Mesma resposta.
d) Junho de 1860: Traz outro artigo de comunicação de uma pessoa encarnada em desdobramento, intitulado: “O ESPÍRITO DE UM IDIOTA”, realizado na SOCIEDADE, na sessão de 25 DE MAIO DE 1860, que é transcrito abaixo:
Charles de Saint-G… é um jovem idiota de treze anos, vivo, cujas faculdades intelectuais são de tal nulidade que nem mesmo reconhece os pais e apenas é capaz de alimentar-se. Há nele uma parada completa do desenvolvimento em todo o sistema orgânico. Pensou-se que ele poderia constituir-se num interessante assunto de estudo psicológico.
1. [A São Luís] Poderíeis dizer-nos se podemos evocar o Espírito dessa criança?
Resp. – Podeis fazê-lo como se evocásseis um morto.
2. Vossa resposta faz-nos supor que a evocação poderia ser feita em qualquer momento.
Resp. – Sim. Sua alma está atada ao corpo por laços materiais, mas não espirituais; ela pode sempre se desprender.
3. Evocação de Ch. de Saint-G…
Resp. – Sou um pobre Espírito, preso à Terra como uma ave pelo pé.
4. Em vosso estado atual, como Espírito, tendes consciência de vossa nulidade neste mundo?
Resp. – Certamente; sinto bem o meu cativeiro.
5. Quando vosso corpo dorme e vosso Espírito se desprende, tendes as ideias tão lúcidas quanto se estivésseis em estado normal?
Resp. – Quando meu corpo infeliz repousa, estou um pouco mais livre para me elevar ao céu, a que aspiro.
6. Como Espírito, experimentais um pensamento penoso de vosso estado corporal?
Resp. – Sim, pois é uma punição.
7. Recordai-vos da vossa existência precedente?
Resp. – Oh, sim! Ela é a causa de meu exílio atual.
8. Qual foi essa existência?
Resp. – Um jovem libertino ao tempo de Henrique III.
9. Dissestes que vossa condição atual é uma punição; então não a escolhestes?
Resp. – Não.
10. Como pode vossa existência atual servir ao vosso progresso, no estado de nulidade em que vos encontrais?
Resp. – Ela não me é nula perante Deus, que a impôs.
11. Prevedes a duração da vossa existência atual?
Resp. – Não; mais alguns anos e retornarei à minha pátria.
12. Desde vossa precedente existência até a encarnação atual, que fizestes como Espírito?
Resp. – Porque eu era um Espírito leviano (insensato), Deus me aprisionou.
13. No estado de vigília tendes consciência do que se passa ao vosso redor, apesar da imperfeição dos vossos órgãos?
Resp. – Vejo, entendo, mas meu corpo não compreende e nada vê.
14. Podemos fazer algo que vos seja útil?
Resp. – Nada.
15. [A São Luís] As preces por um Espírito reencarnado podem ter a mesma eficácia que a dirigida a um errante?
Resp. – As preces são sempre boas e agradáveis a Deus. Na posição deste pobre Espírito, elas em nada lhe poderão servir; servirão mais tarde, pois Deus as deixa de reserva.
Observação – Ninguém desconhecerá o alto ensinamento moral que resulta desta evocação. Além disso, ela confirma o que sempre foi dito sobre os idiotas. Sua nulidade moral nada tem a ver com a nulidade do Espírito, que, abstração feita dos órgãos, goza de todas as suas faculdades. A imperfeição dos órgãos é apenas um obstáculo à livre manifestação das faculdades; não as aniquila. É o caso de um homem vigoroso, cujos membros seriam comprimidos por laços. Sabe-se que, em certas regiões, longe de ser um objeto de desprezo, os cretinos são cercados de cuidados benevolentes. Esse sentimento não decorreria de uma intuição do verdadeiro estado desses infortunados, tanto mais dignos de atenções quanto seu Espírito, que compreende a posição em que se encontra e deve sofrer por se ver como um refugo da sociedade?
V.- DA APARIÇÃO TANGÍVEL (AGÊNERE)
Na Revista Espírita de Abril de 1860, o artigo APARIÇÃO TANGÍVEL relata a seguinte ocorrência:
No dia 14 de janeiro último (1860), o Senhor Lecomte, cultivador na comuna de Brix, distrito de Valognes, foi visitado por um indivíduo que se dizia um de seus antigos camaradas, com o qual havia trabalhado no porto de Cherbourg, e cuja morte remonta a dois anos e meio.
A aparição tinha por fim pedir a Lecomte que mandasse rezar uma missa.
No dia 15 houve recorrência da aparição. Menos espantado, Lecomte efetivamente reconheceu o antigo camarada, mas, ainda perturbado, não soube o que responder. O mesmo aconteceu em 17 e 18 de janeiro.
Somente no dia 19 Lecomte disse-lhe: Já que desejas uma missa, onde queres que seja rezada? Assistirás a ela? – Desejo – respondeu o Espírito – que a missa seja realizada na capela de São Salvador, dentro de oito dias; lá estarei. E acrescentou: Há muito tempo que eu não te via e a distância era longa para vir te procurar. Dito isto, retirou-se, apertando-lhe a mão.
O Senhor Lecomte cumpriu sua promessa: em 27 de janeiro a missa foi rezada em São Salvador, e ele viu seu antigo camarada ajoelhado nos degraus do altar, perto do sacerdote oficiante. Além dele, ninguém percebeu a aparição, embora tivesse perguntado ao padre e aos assistentes se não o teriam visto. Desde aquele dia o Senhor Lecomte não foi mais visitado e retomou sua habitual tranquilidade.
Observação – Conforme esse relato, cuja autenticidade é garantida por uma pessoa digna de fé, não se trata de uma simples visão, mas de uma aparição tangível, pois o defunto, amigo do Senhor Lecomte, lhe havia apertado a mão.
Agênere: Modalidade da aparição tangível; estado de certos Espíritos, quando temporariamente revestem as formas de uma pessoa viva, ao ponto de produzirem ilusão completa. (O Livro dos Médiuns, Segunda parte — Das manifestações espíritas, Capítulo XXXII — Vocabulário espírita – Agênere) |
VI.- DA PNEUMATOGRAFIA OU ESCRITA DIRETA
Na Revista Espírita de Maio de 1860, o artigo “PNEUMATOGRAFIA OU ESCRITA DIRETA” relata a seguinte ocorrência:
No dia 11 de fevereiro último (de 1860) o Sr. X…, um dos nossos mais ilustres literatos (quem tem muitos conhecimentos sobre literatura, letrado, culto, escritor), achava-se em casa da Srta. Huet, com seis outras pessoas, há tempos iniciadas nas manifestações espíritas. O Sr. X… e a Srta. Huet assentaram-se face a face, em volta de uma mesinha escolhida pelo próprio Sr. X… Este último tirou do bolso um papel perfeitamente branco, dobrado em quatro e por ele marcado com sinal quase imperceptível, embora suficiente para ser facilmente reconhecido; colocou-o sobre a mesa e o cobriu com um lenço branco que lhe pertencia. A Srta. Huet pôs as mãos sobre a ponta do lenço; o Sr. X… fez o mesmo, pedindo aos Espíritos uma manifestação direta, com vistas à sua instrução. Pediu-a de preferência a Channing, evocado com essa finalidade. Ao cabo de dez minutos, ele mesmo levantou o lenço e retirou o papel, que trazia escrito de um lado o esboço de uma frase traçada com dificuldade e quase ilegível, mas na qual se podiam descobrir os rudimentos destas palavras: “Deus vos ama”; do outro lado estava escrito: “Deus”, no ângulo exterior, e “Cristo”, no fim do papel. Esta última palavra era escrita de modo a deixar uma impressão na folha dupla.
Uma segunda prova foi feita em condições exatamente iguais e, ao cabo de um quarto de hora, o papel continha, na face inferior, e em caracteres fortemente traçados em negro, estas palavras inglesas: “God loves you” e, mais abaixo, “Channing”. No fim do papel ele havia escrito em francês: “Fé em Deus”; enfim, no reverso da mesma página existia uma cruz com um sinal semelhante a um caniço (cana fina e flexível, usada para pescar), ambos traçados com uma substância vermelha.
Terminada a prova o Sr. X… exprimiu à Srta. Huet o desejo de obter, por seu intermédio, considerando-se a sua condição de médium escrevente, algumas explicações mais desenvolvidas de Channing, estabelecendo-se entre ele e o Espírito o seguinte diálogo:
P. Channing, estais presente?
Resp. – Eis-me aqui; estais contente comigo?
P. A quem se destina o que escrevestes, a todos ou a mim particularmente?
Resp. – Escrevi esta frase, cujo sentido se dirige a todos os homens; mas, escrevendo-a em inglês, a experiência é para vós, em particular. Quanto à cruz, é o sinal da fé.
P. Por que a fizestes em cor vermelha?
Resp. – Para vos pedir fé. Eu nada podia escrever, era muito longo. Dei a vós um sinal simbólico.
P. O vermelho é, pois, a cor que simboliza a fé?
Resp. – Certamente; é a representação do batismo de sangue.
Observação – A Srta. Huet não sabe inglês e o Espírito quis dar, assim, uma prova a mais de que seu pensamento era estranho à manifestação. Ele o fez espontaneamente e de boa vontade, mas é mais que provável que se tivessem pedido como prova ele não teria se prestado a isso. Sabe-se que os Espíritos não gostam de servir de instrumento visando experiências. Muitas vezes as provas mais patentes surgem quando menos se espera; e quando os Espíritos agem por sua iniciativa, frequentemente dão mais do que se lhes teria pedido, seja porque desejam mostrar sua independência, seja porque, para a produção de certos fenômenos, seria necessário o concurso de circunstâncias que, nem sempre, nossa vontade é suficiente para as fazer nascer. Nunca seria demais repetir que os Espíritos têm livre-arbítrio e querem provar-nos que não se submetem aos nossos caprichos. Eis por que raramente acedem ao desejo da curiosidade.
Os fenômenos, seja qual for a sua natureza, jamais estão, de uma maneira certa, à nossa disposição, e ninguém poderia gabar-se de obtê-los à vontade e num dado momento. Quem os quiser observar deve resignar-se a esperá-los e, muitas vezes é, da parte dos Espíritos, uma prova para a perseverança do observador e do fim a que se propõe. Os Espíritos pouco se preocupam em divertir os curiosos e só se ligam de boa vontade às pessoas sérias, que provam vontade de instruir-se, para tanto fazendo o que for necessário, sem mercadejar seu esforço e seu tempo.
A produção simultânea de sinais em caracteres de cores diferentes é um fato extremamente curioso; contudo, não é mais sobrenatural que os outros. Podemos dar-nos conta desse fato lendo a teoria da escrita direta na Revista Espírita do mês de agosto de 1859. Com a explicação desaparece o maravilhoso, resultando num simples fenômeno que tem sua razão de ser nas leis gerais da Natureza, e no que poderíamos chamar a fisiologia (o estudo das funções e do funcionamento normal dos seres) dos Espíritos.
William Ellery Channing (7 de abril de 1780 – 2 de outubro de 1842) Teólogo, escritor, pastor protestante, abolicionista, nasceu em abril de 1780 na cidade de Newport, localizada no estado de Rhode Island, EUA. Destacou-se pela eloquência, caridade e espírito de tolerância, o que lhe valeu o apelido de Fenelon americano. Vemos seu nome em artigos do Livro dos Médiuns e nas publicações da Revista Espírita de 1860 e 1861. |
VII.- DO CONHECIMENTO ESPIRITUAL COMO ANTÍDOTO CONTRA LOUCURA E O SUICÍDIO
Na Revista Espírita de Junho de 1860, tem-se o seguinte artigo: “UMA SEMENTE DE LOUCURA”:
O Journal de la Haute-Saône narrou, ultimamente, o seguinte fato:
“Viram-se reis destronados sepultar-se nas ruínas de seus palácios; veem-se infelizes jogadores renunciarem à vida após a perda da fortuna; mas um proprietário que se suicida para não sobreviver à expropriação de um pedaço de terra, é o que talvez jamais se tenha visto, antes do caso que relatamos. Um proprietário de Saint-Loup foi advertido de que uma de suas quintas (propriedade rural) seria expropriada, no dia 14 de maio, pela Companhia de Estradas de Ferro do Leste. A informação o afetou vivamente. Não podendo suportar a separação de suas terras, deu sinais de alienação mental. No dia dois de maio saiu de sua casa às três horas da manhã e afogou-se no rio de Combeauté.”
Realmente, é difícil suicidar-se por um motivo tão fútil, e um ato tão desarrazoado não pode ser explicado senão por um transtorno cerebral; mas o que teria produzido esse transtorno?
Indubitavelmente, não foi a crença nos Espíritos. O fato da desapropriação do terreno? Mas, então, por que não se tornam loucos todos aqueles cujas terras são desapropriadas? Dirão que é porque nem todos têm o cérebro tão fraco. Então, admitis uma predisposição natural à loucura; e não poderia ser de outra forma, já que a mesma causa nem sempre produz o mesmo efeito.
Já o dissemos muitas vezes, em resposta aos que acusam o Espiritismo de provocar a loucura. Que digam se, antes de cogitar-se dos Espíritos, não havia loucos e se não há loucos entre os que não creem nos Espíritos?
Uma causa física ou uma violenta comoção (abalo, choque) moral apenas poderão produzir uma loucura momentânea. Fora disso, se examinarmos os antecedentes, sempre serão encontrados sintomas, que uma causa fortuita pode desenvolver; então a loucura toma o caráter da preocupação principal. O louco fala daquilo que o preocupa, mas a causa não é a preocupação; esta, quando muito, é uma espécie de forma de manifestação. Assim, havendo uma predisposição para a loucura, aquele que se ocupa de religião terá uma loucura religiosa; o amor produzirá a loucura amorosa; a ambição, a loucura das honras e das riquezas, etc.
No fato narrado acima seria absurdo ver outra coisa além de um simples efeito, que qualquer outra causa teria provocado, pois havia predisposição. Agora, vamos mais longe: diremos, com toda clareza, que se esse proprietário, tão impressionável em relação ao seu terreno, estivesse imbuído profundamente dos princípios do Espiritismo, não teria enlouquecido nem se afogado, duas desgraças que teriam sido evitadas, como nos mostram numerosos exemplos.
A razão disso é evidente.
A loucura tem como causa primeira uma fraqueza moral relativa, que torna o indivíduo incapaz de suportar o choque de certas impressões, no número das quais figura, ao menos em três quartas partes, a mágoa, o desespero, o desapontamento e todas as tribulações da vida. Dar ao homem a força necessária para ver tais coisas com indiferença, é atenuar a causa mais frequente que o leva à loucura e ao suicídio. Ora, essa força ele a tira da Doutrina Espírita bem compreendida. Ante a grandeza do futuro que se descortina aos nossos olhos, e de que dá prova patente, as tribulações da vida tornam-se tão efêmeras que deslizam sobre a alma como a água sobre o mármore, sem deixar traços. O verdadeiro espírita não se liga à matéria senão o estritamente indispensável para as necessidades da vida; mas, se algo lhe falta, conforma-se, porque sabe que está aqui de passagem e que uma sorte muito melhor o aguarda. Também não se aflige por encontrar acidentalmente uma pedra em seu caminho.
Se o nosso homem estivesse imbuído dessas ideias, em que se teriam tornado aquelas terras aos seus olhos? A contrariedade que sofreu teria sido insignificante ou nula, e uma desgraça imaginária não o teria conduzido a uma desgraça real. Em resumo, um dos efeitos – e, podemos dizer, um dos benefícios do Espiritismo – é o de dar à alma a força que lhe falta em muitas circunstâncias, e é nisto que ele pode reduzir as causas da loucura e do suicídio. Como se vê, os fatos mais simples podem ser uma fonte de ensinamentos para quem quer refletir. É mostrando as aplicações do Espiritismo nos casos mais vulgares que se fará compreender toda a sua sublimidade. Não está aí a verdadeira filosofia?
VIII. – DA MEDIUNIDADE DE CURA – SRTA. DÉSIRÉE GODU
A Revista Espírita de 1860 traz uma análise detalhada a respeito da mediunidade curadora da Srta. Désirée Godu, sujeita à observação do médico Dr. Meohréry, conforme nos descrevem os artigos de: 1- MARÇO-1860: UM MÉDIUM CURADOR; 2- ABRIL-1860 CARTAS DO DR. MORHÉRY SOBRE A SRTA. DÉSIRÉE GODU; 3- MAIO-1860: CARTA DO DR. MORHÉRY SOBRE DIVERSAS CURAS OBTIDAS PELA MEDICAÇÃO DA SENHORITA DÉSIRÉE GODU; 4-JUNHO-1860: MEDICINA INTUITIVA, dos quais destacamos os trechos abaixo transcritos:
1-) MARÇO 1860 – UM MÉDIUM CURADOR: Senhorita Désirée Godu, de Hennebon (Morbihan)
A Srta. Désirée Godu há cerca de oito anos passou sucessivamente por todas as fases da mediunidade; a princípio, médium de efeitos físicos muito poderosa, tornou-se, sucessivamente, médium vidente, audiente, falante, escrevente e, finalmente, todas as suas faculdades se concentraram na cura de doentes, que parece ser a sua missão, missão que desempenha com um devotamento e uma abnegação sem limites. Deixemos falar a testemunha ocular, o Sr. Pierre, professor em Lorient, que nos transmite esses detalhes em resposta às perguntas que lhe dirigimos:
“A Srta. Désirée Godu, jovem de vinte e cinco anos, pertence a uma família muito distinta, respeitável e respeitada de Lorient; seu pai é um antigo militar, cavaleiro da Legião de Honra, e sua mãe, mulher paciente e laboriosa, ajuda a filha o quanto pode em sua penosa, mas sublime missão.
Há mais ou menos seis anos que essa família patriarcal dá esmolas de remédios prescritos e, frequentemente, daquilo que é necessário aos curativos, tanto aos ricos quanto aos pobres que a procuram.
Suas relações com os Espíritos começaram no tempo das mesas girantes; então ela residia em Lorient e, durante meses, não se falava senão das maravilhas operadas pela Srta. Godu com as mesas, sempre complacentes e dóceis sob suas mãos. Era um privilégio ser admitido às sessões de mesa em sua casa e lá não entrava quem quisesse. Simples e modesta, não buscava pôr-se em evidência. Entretanto, como bem podeis imaginar, a maledicência não a poupou. (…)
Aguardando sua verdadeira missão que, conforme se diz, deve começar dentro de dois anos, o Espírito que a guia propôs-lhe a de curar todos os tipos de doenças, o que ela aceitou.
Para comunicar-se, ele agora se serve de seus órgãos, muitas vezes à sua revelia, em vez das batidas insípidas (monótonas, enfadonhas) das mesas. Quando é o Espírito que fala, o timbre de sua voz já não é o mesmo e os seus lábios não se movem.
A Srta. Godu recebeu apenas uma instrução comum, mas a parte principal de sua educação não devia ser obra dos homens. Quando consentiu em ser médium curador, o Espírito procedeu metodicamente para a sua instrução, sem que ela não visse outra coisa além de mãos. Uma misteriosa personagem lhe punha sob os olhos livros, gravuras ou desenhos, e lhe explicava todo o funcionamento dos órgãos do corpo humano, as propriedades das plantas, os efeitos da eletricidade, etc. Ela não é sonâmbula; ninguém a adormece. É completamente desperta que penetra os doentes com o olhar. O Espírito lhe indica os remédios, que ela geralmente prepara e aplica, cuidando e pensando as mais repugnantes feridas com a dedicação de uma irmã de caridade.
Começaram por lhe dar a composição de certos unguentos que curavam em poucos dias os panarícios (inflamação que afeta a pele ao redor da unha, por vezes com formação de pus) e as feridas de pequena gravidade, a fim de lentamente habituá-la a ver, sem muita repulsa, todas as horrendas e repugnantes misérias que deviam aparecer aos seus olhos, pondo a finura e a delicadeza de seus sentidos às mais rudes provas.
Não imaginemos nela encontrar um ser sofredor, doentio e fraco; desfruta do mens sana in corpore sano em toda a sua plenitude; longe de cuidar dos doentes por meio de um auxiliar, em tudo ela põe a própria mão, dando conta de tudo, graças à sua robusta constituição. Sabe inspirar aos doentes uma confiança sem limites, acha no coração consolações para todas as dores, tendo à mão remédios para todos os males. É de um caráter naturalmente alegre e jovial. Sua alegria é contagiante como a fé que a anima e atua instantaneamente sobre os doentes. Vi muitos se retirarem com os olhos cheios de lágrimas, doces lágrimas de admiração, de reconhecimento e de alegria. Todas as quintas-feiras, dia de feira, e domingos, das seis horas da manhã até cinco ou seis horas da tarde, a casa não se esvazia. Para ela, trabalhar é orar, e disso se desincumbe com consciência.
Antes de ter de tratar os doentes, passava dias inteiros confeccionando roupas para os pobres e enxovais para os recém-nascidos, empregando os meios mais engenhosos para que os presentes chegassem ao destino anonimamente, de sorte que a mão esquerda sempre ignorasse o que dava a direita. Possui grande número de certificados autênticos, concedidos por eclesiásticos, autoridades e pessoas notáveis, atestando curas que, em outros tempos, teriam sido consideradas miraculosas.” (…)
2-) ABRIL-1860: CARTAS DO DR. MORHÉRY SOBRE A SRTA. DÉSIRÉE GODU
Kardec traz as observações sérias, sob o duplo ponto de vista da Ciência e do Espiritismo, expressas pelo Dr. Morhéry em duas cartas, abaixo reproduzidas:
Comentário: Por meio destas duas cartas, o Sr. Morhéry relata as curas operadas pela Srta. Godu, médium curadora, que foi morar na casa dele e colocou-se sob o seu patrocínio. Como homem de ciência, o Sr. Morhéry observa os efeitos do tratamento praticado por essa senhorita nos diversos doentes que ela cuida. Ele procede a anotações exatas, como o faria numa sala de clínica, e até chegou a constatar, em curto espaço de tempo, os resultados. |
1- “Plessis-Boudet, perto de Loudéac (Côtes-du-Nord).
“Senhor Allan Kardec,
“(…) Nos últimos números de vossa Revista elogiastes a Srta. Désirée Godu, de Hennebon. Dissestes que depois de ter sido médium vidente, audiente e escrevente, esta senhorita se havia tornado, desde alguns anos, médium curador. Foi nesta última qualidade que ela se dirigiu a mim, reclamando meu concurso como doutor em Medicina, para provar a eficácia de sua medicação, que poderíamos chamar espírita. A princípio pensei que as ameaças que lhe eram feitas e os obstáculos interpostos à sua prática médica, sem diploma, fossem a única causa de sua determinação; mas ela me disse que o Espírito que a dirige há seis anos havia aconselhado a medida como necessária, do ponto de vista da Doutrina Espírita.
Seja como for, julguei ser de meu dever e do interesse da Humanidade aceitar sua generosa proposta, mas duvidava que ela a realizasse. Sem a conhecer, nem jamais tê-la visto, tinha sabido que essa piedosa jovem não havia querido separar-se de sua família senão numa circunstância excepcional, para cumprir uma missão não menos importante, na idade de dezessete anos. Fiquei, pois, agradavelmente surpreendido ao vê-la chegar em minha casa, conduzida por sua mãe, que deixou no dia seguinte com profunda mágoa; mas essa mágoa era temperada pela coragem da resignação.
Há dez dias a Srta. Godu está no seio de minha família, da qual constitui a alegria, malgrado sua enervante (exaustiva) ocupação.
Desde sua chegada, já constatei 75 (setenta e cinco) casos de observações de doenças diversas, para a maioria das quais os recursos da Medicina haviam falhado. Temos amauroses (cegueira total ou parcial), oftalmias (inflamação do olho) graves, paralisias antigas e rebeldes a todo tratamento, escrofulosos (tuberculose cutânea, com inflamação nos gânglios), herpéticos (indivíduo que sofre de herpes), cataratas e cânceres avançados. Todos os casos são numerados, a natureza da moléstia por mim constatada, os curativos mencionados, e tudo é ordenado, como numa sala clínica destinada a observações.
Ainda não há tempo suficiente para que eu me possa pronunciar de maneira peremptória (definitiva, decisiva) sobre as curas operadas pela medicação da Srta. Godu. Mas, desde hoje, posso manifestar minha surpresa pelos resultados revulsivos (revolucionários) que ela obtém pela aplicação de seus unguentos, cujos efeitos variam ao infinito, por uma causa que eu não poderia explicar dentro das regras ordinárias da Ciência.
Também vi com prazer que ela cortava as febres sem nenhuma preparação de quinina ou de seus extratos, por meio de simples infusões de flores ou de folhas de diversas plantas. Acompanho com vivo interesse o tratamento de um câncer bastante avançado. Esse câncer, diagnosticado e tratado sem sucesso, como sempre, por vários colegas, é objeto da maior preocupação da Srta. Godu. Não são uma nem duas vezes que ela o pensa, mas a todas as horas. Desejo sinceramente que seus esforços sejam coroados de sucesso e que cure este indigente, que trata com zelo acima de qualquer elogio. Se o conseguir, pode-se naturalmente esperar que logrará outros e, neste caso, prestará um imenso serviço à Humanidade, curando essa terrível e atroz moléstia.
Sei que alguns confrades censurarão e sorrirão da esperança em que me embalo. Mas que me importa, desde que essa esperança se realize! Já me fazem reprimendas por prestar concurso a uma pessoa cuja intenção ninguém contesta, mas cuja aptidão para curar é negada pela maioria, considerando-se que tal aptidão não lhe foi dada pela Faculdade.
(…)
“Aceitai, etc.
Morhéry”
2- “20 de março de 1860.
“Senhor,
Em minha última carta anunciei-vos que a Srta. Désirée Godu tinha vindo exercer sua faculdade curadora sob minhas vistas. Hoje venho vos trazer algumas novidades.
Desde 25 de fevereiro, comecei minhas observações sobre um grande número de doentes, quase todos indigentes e impossibilitados de tratamento adequado. Alguns têm doenças pouco importantes. A maioria, porém, é acometida por afecções que resistiram aos meios curativos ordinários. Cataloguei, desde 25 de fevereiro, 152 casos de moléstias muito variadas. Infelizmente, em nossa região, sobretudo os doentes indigentes seguem seus caprichos e não têm paciência para se resignarem a um tratamento contínuo e metódico. Desde que experimentam melhora, julgam-se curados e nada mais fazem. É um fato muitas vezes constatado em minha clientela e que, necessariamente, deveria ocorrer com a Srta. Godu.
Como já vos disse, nada quero prejulgar, nada afirmar, exceto os resultados constatados pela experiência. Mais tarde farei o inventário de minhas observações e constatarei as mais notáveis. Mas, desde já, posso exprimir a minha admiração por certas curas obtidas fora dos meios ordinários.
Vi curar sem quinino três episódios de febres intermitentes, rebeldes, dos quais um havia resistido a todos os meios por mim empregados.
A Srta. Godu curou igualmente três panarícios e duas inflamações subaponevróticas da mão, em poucos dias. Fiquei deveras surpreendido.
Posso também constatar a cura, ainda não radical, mas muito avançada, de um de nossos mais inteligentes trabalhadores, Pierre Le Boudec, de Saint-Hervé, surdo há 18 anos; ele ficou tão maravilhado quanto eu, quando, após três dias de tratamento, pôde ouvir o canto dos pássaros e a voz de seus filhos. Vi-o esta manhã; tudo leva a crer numa cura radical dentro em pouco.
Entre nossos doentes, o que mais atrai minha atenção neste momento é um tal Bigot, operário em Saint-Caradec, acometido há dois anos e meio por um câncer do lábio inferior. O câncer chegou ao último grau; o lábio inferior está parcialmente destruído; as gengivas, as glândulas sublinguais e submaxilares estão canceromatosas; o próprio osso maxilar inferior está afetado pela moléstia. Quando se apresentou em minha casa seu estado era desesperador; suas dores eram atrozes; não dormia há seis meses; qualquer operação era impraticável, pois o mal estava muito avançado; a cura me parecia impossível e o declarei com toda franqueza à Srta. Godu, a fim de premuni-la (preveni-la) contra uma derrota inevitável. Minha opinião não variou quanto ao prognóstico (indicação de algo futuro); não posso acreditar na cura de um câncer tão avançado.
Entretanto, devo declarar que, desde o primeiro curativo, o doente experimenta alívio e, a partir de 25 de fevereiro, dorme bem e se alimenta; voltou-lhe a confiança; a ferida mudou de aspecto de modo visível e, se isso continuar, a despeito de minha opinião tão formal, serei obrigado a esperar uma cura. Se realizar-se será o maior fenômeno de cura que se possa constatar. É preciso esperar e ter paciência com o doente. A Srta. Godu tem com ele um cuidado todo especial; por vezes tem feito curativos de meia em meia hora. Esse indigente é o seu favorito.
Quanto a outras coisas, nada tenho a dizer. Poderia edificar-vos sobre os boatos, mexericos e alusões à feitiçaria; mas tentar erradicá-la.
“Aceitai, etc. Morhéry”
3-) MAIO 1860: CARTA DO DR. MORHÉRY SOBRE DIVERSAS CURAS OBTIDAS PELA MEDICAÇÃO DA SENHORITA DÉSIRÉE GODU:
Plessis-Doudet, perto de Loudéac, Côtes-du-Nord, 25 de abril de 1860.
Senhor Allan Kardec,
Venho hoje me desobrigar da promessa feita de vos assinalar os casos de cura que obtive com o concurso da Srta. Godu. Como havereis de compreender, não enumerarei todos, pois seria muito longo. Limito-me a fazer uma escolha, não em virtude da gravidade, mas da variedade das moléstias. Não quis repetir os mesmos casos nem mencionar curas de pouca importância.
Vede, senhor, que a Srta. Godu não perdeu tempo desde que se encontra em Plessis-Boudet. Já visitamos mais de duzentos doentes e tivemos a satisfação de curar quase todos os que tiveram a paciência de seguir as prescrições. Não vos falo dos nossos cancerosos, eles estão bem encaminhados; mas esperarei resultados positivos antes de me pronunciar. Temos ainda grande número de doentes em tratamento; escolhemos, de preferência, os que são considerados incuráveis. Dentro de pouco tempo espero ter novos casos de cura a vos indicar. São principalmente as afecções reumatismais, as paralisias, as ciáticas, as úlceras, os distúrbios ósseos e as chagas de qualquer natureza que o sistema de tratamento parece dar melhores resultados.
Posso assegurar-vos, senhor, que aprendi muitas coisas úteis que, antes do meu contato, essa senhorita ignorava. Cada dia ela me ensina algo de novo, tanto para o tratamento quanto para o diagnóstico. Em relação ao prognóstico, ignoro como pode fixá-lo; todavia, ela não se engana. Com a ciência ordinária não se pode explicar uma tal penetração, mas vós, senhor, a compreendeis facilmente.
Termino declarando que certifico como verdadeiras e sinceras todas as observações que se seguem, com a minha assinatura.
Aceitai, etc.
Morhéry, doutor em Medicina
1ª Observação, nº 5 (23 de fevereiro de 1860). François Langle, trabalhador jornaleiro. Diagnóstico: febre terçã há seis meses. A febre tinha resistido ao sulfato de quinina, por mim administrado várias vezes ao doente; foi curado em cinco dias de tratamento com simples infusões de plantas diversas, e o doente passa melhor do que nunca. Poderia citar dez curas semelhantes.
2ª Observação, nº 9 (24 de fevereiro de 1860). Senhora R…, de Loudéac, 32 anos de idade. Diagnóstico: inflamação e intumescimento crônico das amígdalas; cefalalgia violenta; dores na coluna vertebral; abatimento geral; ausência de apetite. O mal começou por arrepios e surdez e já dura dois anos. – Prognóstico: caso grave e difícil de curar, o mal tem resistido aos melhores tratamentos aplicados. Hoje a doente está curada; prossegue o tratamento apenas para evitar uma recaída.
3ª Observação, nº 13 (25 de fevereiro de 1860). Pierre Gaubichais, do vilarejo de Ventou-Lamotte, 23 anos. Diagnóstico: inflamação subaponevrótica no dorso e na palma da mão. – Prognóstico: caso grave, mas não incurável. A cura foi obtida em menos de quinze dias. Temos quatro ou cinco casos semelhantes.
4ª Observação, nº 18 (26 de fevereiro de 1860). François R…, de Loudéac, 27 anos. Diagnóstico: tumor branco cicatrizado no joelho esquerdo; abscesso fistuloso na parte posterior da coxa, acima da articulação. O mal existe desde os dez anos. – Prognóstico: caso muito grave e incurável, resistiu aos melhores tratamentos instituídos durante seis anos. O doente foi pensado com unguentos preparados pela Srta. Godu e tomou infusões de plantas diversas. Hoje se pode considerá-lo curado.
5ª Observação, nº 23 (25 de fevereiro de 1860). Jeanne Gloux, operária em Tierné-Loudéac. Diagnóstico: panarício (inflamação que ocorre na pele situada ao redor da unha) muito intenso há dez dias. A doente foi curada radicalmente em quinze dias apenas com os unguentos da Srta. Godu. As dores desapareceram a partir do segundo curativo. Temos três curas semelhantes.
6ª Observação, nº 12 (25 de fevereiro de 1860). Vincent Gourdel, tecelão em Lamotte, 32 anos. Diagnóstico: oftalmia aguda (inflamação do globo ocular, acompanhada de vermelhidão da conjuntiva, tumefação e dor), consequente a uma erisipela (infecção cutânea causada por bactéria) intensa. Injeção inflamatória da conjuntiva e grande belida (Mancha permanente da córnea devida a traumatismos ou ulcerações) manifestando-se na córnea transparente do olho esquerdo; estado inflamatório geral. – Prognóstico: afecção grave e muito intensa. É de temer-se que o olho se perca em dez dias. – Tratamento: aplicação de unguentos sobre o olho doente. Hoje a oftalmia está curada; a belida desapareceu, mas o tratamento continua para combater a erisipela, que parece ser de natureza periódica e, talvez, dartrosa (decorrente de doença de pele).
7ª Observação, nº 31 (27 de fevereiro de 1860). Marie-Louise Rivière, jornaleira em Lamotte, 24 anos. Diagnóstico: reumatismo antigo na mão direita, com debilidade completa e paralisia das falanges; impossibilidade de trabalhar. Causa desconhecida. – Prognóstico: cura muito difícil, se não impossível. Curada em vinte dias de tratamento.
8ª Observação, nº 34 (28 de fevereiro de 1860). Jean-Marie Le Berre, 19 anos, indigente em Lamotte. Diagnóstico: cefalalgia violenta, insônia, hemorragias frequentes pelas fossas nasais, desvio para dentro do joelho direito e para fora da mesma perna. O doente realmente está estropiado. – Prognóstico: incurável. – Tratamento: tópico extrativo e unguentos da Srta. Godu. Hoje o membro se endireitou e a cura é mais ou menos completa; entretanto, continua-se o tratamento, por precaução.
9ª Observação, nº 50 (28 de fevereiro de 1860). Marie Nogret, 23 anos, de Lamotte. Diagnóstico: Inflamação da pleura e do diafragma, intumescimento e inflamação das amígdalas e da úvula (é o “sininho da garganta”, que tem como principal função atuar como uma barreira no momento da deglutição, impedindo, assim, que alimentos entrem nas vias respiratórias), palpitações, tontura, sufocações. – Prognóstico: embora a paciente seja forte, seu estado é grave; não pode dar dois passos. – Tratamento: infusões de plantas diversas. Melhor desde o dia seguinte e cura radical em oito dias.
10ª Observação, nº 109 (12 de março de 1860). Pierre Le Boudu, comuna de Saint-Hervé. Diagnóstico: surdez desde os dezoito anos, consequente a uma febre tifóide. – Prognóstico: incurável e rebelde a todo tratamento. – Tratamento: injeções e usos de infusões de plantas diversas, preparadas pela Srta. Godu. Hoje o doente ouve o movimento de seu relógio; o barulho o incomoda e atordoa, em razão da sensibilidade do ouvido.
11ª Observação, nº 132 (18 de março de 1860). Marie Le Maux, dez anos, residente em Grâces. Diagnóstico: reumatismo com rigidez das articulações, particularmente em ambos os joelhos; a criança só anda com muletas. – Prognóstico: caso muito grave, senão incurável. – Tratamento: tópico extrativo, e curativos com unguentos da Srta. Godu. Cura em menos de vinte dias. Hoje anda sem muletas, nem bengala.
12ª Observação, nº 80 (19 de março de 1860) Hélène Lucas, nove anos, indigente em Lamotte. Diagnóstico: protrusão e intumescimento permanente da língua, que avança de 5 a 6 centímetros além dos lábios e parece estrangulada; a língua é rugosa, os dentes inferiores estão corroídos pela língua; para comer, a criança é obrigada a afastar a língua para um lado com uma mão e introduzir os alimentos na boca com a outra. Tal estado remonta à idade de dois meses e meio. – Prognóstico: caso muito grave julgado incurável. Hoje a língua retraiu-se e a doente está quase completamente curada.
Morhéry
4-) JUNHO 1860: MEDICINA INTUITIVA
Comentário: este artigo traz relato sobre o modo de tratar empregado pela Srta. Godu. |
Plessis-Boudet, 23 de maio de 1860.
Senhor,
Em minha última carta dei-vos um boletim das curas obtidas por meio da medicação da Srta. Godu. Estou sempre com a intenção de vos manter ao corrente dos fatos, mas hoje julgo mais útil falar do seu modo de tratar. É bom manter as pessoas a par disso, porque de longe vêm doentes que fazem uma ideia muito falsa desse gênero de medicação, e que se expõem a fazer uma viagem inútil ou de pura curiosidade.
A Srta. Godu não é sonâmbula. Jamais consulta a distância, nem mesmo em meu domicílio, mas apenas sob minha direção e meu controle. Quando estamos de acordo, o que ocorre quase sempre, pois agora estou em condições de apreciar sua medicação, começamos o tratamento convencionado e a Srta. Godu faz os curativos e prepara as tisanas (bebida de ervas medicinais). Numa palavra, age como enfermeira, mas enfermeira de elite, e com um zelo sem paralelo, em nossa modesta casa de saúde improvisada. Será por um fluido depurador, de que seria dotada, que ela consegue resultados tão preciosos?
Será por sua pertinácia na aplicação dos curativos, ou pela confiança que inspira?
Será, enfim, por um sistema de medicação bem concebido e bem dirigido, que ela obtém sucesso?
Tais as três perguntas que muitas vezes me faço.
No momento não quero entrar na primeira questão, porque exige um estudo aprofundado e uma discussão científica de primeira ordem. Ela virá mais tarde.
A respeito da segunda questão, hoje posso resolver afirmativamente, uma vez que a Srta. Godu se acha nas mesmas condições que todos os médicos, enfermeiras ou operadores, que sabem levantar o moral de seus doentes e inspirar-lhes uma confiança salutar.
Quanto à terceira questão, não hesito mais em resolvê-la afirmativamente. Adquiri a convicção de que a medicação da Srta. Godu constitui todo um sistema muito metódico. Este sistema é simples em sua teoria, mas, na prática, varia ao infinito; e é na aplicação que reclama toda a atenção e toda a habilidade possíveis. O profissional mais experiente tem dificuldade em compreender, de saída, esse mecanismo e essa série de modificações incessantes, em razão do progresso ou do declínio da doença. Fica ofuscado e pouco compreende; mas, com o tempo, dá-se conta facilmente dessa medicação e dos seus efeitos. Seria longo demais enumerar em detalhes e, currente calamo (de modo espontâneo, sem muita reflexão), todo um sistema médico novo para nós, embora, por certo, muito antigo em relação à idade dos homens em nosso planeta. Eis as bases sobre as quais repousa o sistema, que raramente sai da medicina revulsiva.
Na maioria dos casos, a Srta. Godu aplica um tópico extrativo, composto de uma ou duas matérias, encontradas em toda parte, na choupana como no castelo. Esse tópico tem uma ação de tal modo enérgica que se obtêm efeitos incomparavelmente superiores a todos os nossos revulsivos conhecidos, sem excetuar o cautério atual e as moxas (bastonete de artemísia, que, queimado em contato com a pele de certas regiões do corpo, produz efeito comparável ao da acupuntura). Às vezes, ela se limita à aplicação de vesicatórios, quando um efeito mais enérgico não é indispensável. A habilidade consiste em proporcionar o remédio ao mal, em manter uma supuração constante e variada, e eis o que ela obtém com um unguento tão simples que não se pode classificar no número dos medicamentos. Pode ser assimilado aos ceratos simples e mesmo aos cataplasmas; entretanto, tal unguento produz efeitos duráveis e muito variados: aqui são sais calcários que aparecem sobre o emplastro; nos hidrópicos, é água; nas pessoas com humores, é uma supuração abundante, ora clara, ora espessa. Enfim, os efeitos de seu unguento variam ao infinito, por uma causa que ainda não apreendi e que, aliás, deve entrar no estudo da primeira questão. Isto quanto ao exterior. Mais tarde dir-vos-ei uma palavra sobre a medicação interna, que compreendo facilmente. Não se deve pensar que o mal seja tirado qual se fora um passe de mágica; como sempre, são precisos tempo e perseverança para curar radicalmente as doenças rebeldes.
Aceitai, etc.
Morhéry
IX.- DA BICORPORIEDADE
Na Revista Espírita de Novembro de 1860, o artigo “MARIA DE AGREDA, FENÔMENO DE BICORPOREIDADE”, relata a seguinte ocorrência:
Num compêndio histórico que acaba de ser publicado sobre a vida de Maria de Jesus de Agreda, encontramos um fato extraordinário de bicorporeidade, que prova que tais fenômenos são perfeitamente aceitos pela religião. (…) Maria de Jesus nasceu em Agreda, cidade da Castela (na Espanha), em 2 de abril de 1602, de pais nobres e de virtude exemplar. Muito jovem ainda tornou-se superiora do mosteiro da Imaculada Conceição de Maria, onde morreu. Eis o relato extraído de sua biografia:
Ela exerceu de forma excepcional o papel de missionária e de apostolado no Novo México (é um dos 50 estados dos Estados Unidos, localizado na Região Sudoeste do país). Maria de Agreda soube que os povos do Novo México apresentavam menos obstáculos para a sua conversão que o resto dos homens, e era especialmente sobre eles que a divina misericórdia deveria derramar-se. Ela, do mais profundo de sua alma, implorou a clemência divina em favor desse pobre povo.
Certo dia, tendo sido arrebatada em êxtase, no momento em que orava insistentemente pela salvação daquelas almas, Maria de Agreda sentiu-se de repente transportada para uma região longínqua e desconhecida, sem saber como. Achou-se, então, num ambiente que não era o da Castela e experimentou os raios de um sol mais ardente que de costume. Homens de uma raça que jamais tinha encontrado estavam diante dela, e Deus lhe ordenava que satisfizesse seus caridosos desejos e pregasse a lei e a fé santa àquele povo. A extática de Agreda obedecia à ordem. Pregava a esses índios em sua língua espanhola, e os infiéis entendiam como se ela lhes falasse em sua língua materna. Seguiram-se conversões em grande número. Voltando do êxtase, esta mulher se achava no mesmo lugar em que estava no começo do arrebatamento. Não foi apenas uma vez que Maria de Jesus desempenhou esse maravilhoso papel de missionária e de apóstolo, junto aos habitantes do Novo México.
O primeiro êxtase do gênero ocorreu em 1622; mas foi seguido de mais cinco êxtases do mesmo tipo, durante cerca de oito anos.
Maria de Agreda encontrava-se frequentemente nessa mesma região para continuar o seu apostolado. Parecia-lhe que o número dos convertidos tinha aumentado prodigiosamente, e que uma nação inteira, com o rei à frente, estava resolvida a abraçar a fé em Jesus Cristo.
Ela via ao mesmo tempo, mas a grande distância, os franciscanos espanhóis que trabalhavam pela conversão desse novo mundo, mas que ainda ignoravam a existência desse povo que ela havia convertido. Tal consideração levou-a a aconselhar aos índios que mandassem alguns dentre eles àqueles missionários, pedir que viessem ministrar-lhes o batismo. Foi por esse meio que a Divina Providência quis dar uma espetacular manifestação do bem que Maria de Agreda havia feito no Novo México, por sua pregação extática.
Um dia, os missionários franciscanos, que Maria de Agreda tinha visto em Espírito, mas a grande distância, viram-se abordados por um grupo de índios de uma raça que ainda não tinham encontrado em suas excursões. Estes se anunciaram como enviados de sua nação, pedindo a graça do batismo com grande insistência. Surpreendidos com a vista desses índios, e mais espantados ainda pelo pedido que faziam, os missionários trataram de saber a sua causa. Os enviados responderam: que desde muito tempo uma mulher havia aparecido em seu país, anunciando a lei de Jesus Cristo. Acrescentaram que essa mulher desaparecia por momentos, sem que se pudesse descobrir o seu retiro; que lhes fizera conhecer Deus e lhes aconselhara que fossem aos missionários, a fim de obterem, para toda a nação, a graça do sacramento que resgata os pecados e transforma os homens em filhos de Deus.
A surpresa dos missionários cresceu ainda mais quando, interrogando os índios sobre os mistérios da fé, os encontraram perfeitamente instruídos de tudo o que é necessário para a salvação. Os missionários tomaram todas as informações possíveis sobre essa mulher; mas tudo quanto os índios puderam dizer foi que jamais tinham visto uma pessoa semelhante. No entanto, alguns detalhes descritivos da roupa levaram os missionários a suspeitar que aquela mulher portasse hábitos de religiosa, e um deles, que tinha consigo o retrato da venerável madre Luiza de Carrion, ainda viva, cuja santidade era conhecida em toda a Espanha, o mostrou aos índios, pensando, talvez, que pudessem reconhecer alguns traços da mulher-apóstolo. Estes, depois de examinarem o retrato, responderam que a mulher que lhes havia pregado a lei de Jesus Cristo na verdade tinha um véu, como esta cuja imagem lhes era apresentada; mas que, pelos traços do rosto, era completamente diferente, sendo mais jovem e de grande beleza.
Então, alguns missionários partiram com os emissários indígenas, para recolher entre eles tão abundante colheita. Após vários dias de caminhada chegaram ao meio da tribo, sendo acolhidos com as mais vivas demonstrações de alegria e reconhecimento. Na viagem puderam constatar que em todos os indivíduos daquela raça a instrução cristã era completa.
O chefe da nação, objeto de especial solicitude da serva de Deus, quis ser o primeiro a receber a graça do batismo, com toda a sua família, seguindo o seu exemplo, em poucos dias, a nação inteira.
Não obstante esses grandes acontecimentos, ainda ignoravam quem era a serva do Senhor que tinha evangelizado esses povos, e nutria-se uma santa curiosidade e piedosa impaciência por conhecê-la. Sobretudo o Padre Alonzo de Benavides, que era o superior dos missionários franciscanos no Novo México, queria romper o véu misterioso que ainda cobria o nome dessa mulher-apóstolo, aspirando a voltar momentaneamente à Espanha para descobrir o retiro dessa religiosa desconhecida, que havia cooperado prodigiosamente para a salvação de tantas almas. Em 1630 pôde, enfim, embarcar para a Espanha, e se dirigiu diretamente a Madrid, onde então se encontrava o Geral de sua ordem. Benavides lhe deu a conhecer o objetivo que se havia proposto ao empreender sua viagem à Europa.
O Geral conhecia Maria de Jesus Agreda e, conforme o dever de seu cargo, tivera de examinar a fundo o íntimo dessa religiosa. Conhecia, pois, a sua santidade, tão bem quanto a sublimidade dos caminhos em que Deus a havia posto. Veio-lhe logo o pensamento de que essa mulher bem podia ser a mulher-apóstolo de que lhe falava o Padre Benavides, a quem comunicou suas impressões. Deu-lhe credenciais, pelas quais o constituía seu comissário, com ordem a Maria de Agreda para responder com toda simplicidade às perguntas que ele julgasse por bem dirigir-lhe. Com tais despachos, o missionário partiu para Agreda.
A humilde irmã se viu, assim, obrigada a revelar ao missionário tudo quanto sabia com referência ao objeto de sua missão. Confusa, e ao mesmo tempo dócil, relatou a Benavides tudo quanto lhe tinha acontecido em seus êxtases, acrescentando com franqueza que ignorava completamente o modo pelo qual sua ação tinha podido exercer-se a tão grande distância. Benavides também interrogou a irmã sobre as particularidades dos lugares que tantas vezes deveria ter visitado e percebeu que ela estava muito bem informada sobre tudo o que se relacionava com o Novo México e os seus habitantes. Ela lhe expôs, nos mínimos detalhes, a topografia dessas regiões e lhes desvendou servindo-se mesmo dos nomes próprios, como o teria feito um viajante depois de vários anos passados nessas regiões.
Acrescentou até que tinha visto Benavides e seus religiosos várias vezes, indicando os lugares, os dias, as horas, as circunstâncias, e fornecendo detalhes especiais sobre cada um dos missionários.
Compreende-se facilmente o alívio de Benavides por ter, finalmente, descoberto a alma de que Deus se tinha servido para exercer sua ação sobre os habitantes do Novo México.(…)
X.- DAS OBSERVAÇÕES SOBRE MARTE
Na Revista Espírita de Outubro de 1860, o artigo “MARTE” (Médium – Sra. Costel) relata o seguinte:
Marte é um planeta inferior à Terra, da qual é grosseiro esboço; não é necessário habitá-lo. Marte é a primeira encarnação dos mais grosseiros demônios. Os seres que o habitam são rudimentares; têm a forma humana, mas sem nenhuma beleza; têm todos os instintos do homem, sem a nobreza da bondade.
Entregues às necessidades materiais, comem, bebem, batem-se, acasalam-se. Mas como Deus não abandona nenhuma de suas criaturas, no fundo das trevas de sua inteligência jaz latente o vago conhecimento de si mesmos, mais ou menos desenvolvido. Esse instinto é suficiente para torná-los superiores uns aos outros e preparar a eclosão para uma vida mais completa. A deles é curta como a dos insetos efêmeros. Os homens, que são apenas matéria, desaparecem após curta evolução. Deus tem horror ao mal e só o tolera como servindo de princípio ao bem. Ele abrevia o seu reino, sobre o qual triunfa a ressurreição.
Nesse planeta a terra é árida; pouca verdura; uma folhagem sombria, que a primavera não renova; um dia igual e cinzento. Apenas aparente, o Sol jamais prodigaliza suas festas; o tempo escoa monótono, sem as alternativas e as esperanças das novas estações; não é inverno, não é verão. Mais curto, o dia não é medido do mesmo modo; a noite reina mais longa. Sem indústria, sem invenções, os habitantes de Marte consomem a vida à procura de alimento. Suas grosseiras habitações, baixas como um casebre, são repugnantes pela incúria (falta de cuidado, desleixo) e pela desordem que nelas reinam.
As mulheres se destacam sobre os homens; mais abandonadas, mais famélicas (famintas), não passam de suas fêmeas. Têm apenas o sentimento maternal; dão à luz com facilidade, sem nenhuma angústia; alimentam e guardam seus filhos a seu lado, até o completo desenvolvimento de suas forças, e os expulsam sem pesar e sem saudade.
Não são canibais; suas contínuas batalhas não têm outro objetivo que não seja a posse de um terreno mais ou menos abundante em caça. Caçam nas planícies intermináveis. Inquietos e instáveis como os seres desprovidos de inteligência, deslocam-se incessantemente. A igualdade da estação, a mesma em toda parte, comporta, em consequência, as mesmas necessidades e as mesmas ocupações; há pouca diferença entre os habitantes de um e de outro hemisfério.
Para eles a morte não representa nenhum pavor ou mistério; consideram-na apenas como a putrefação do corpo, que queimam imediatamente. Quando um desses homens vai morrer, logo é abandonado; então, só e deitado, pensa pela primeira vez; um vago instinto o assalta; como a andorinha advertida da próxima estação, sente que nem tudo está acabado, que vai recomeçar alguma coisa desconhecida. Não é bastante inteligente para supor, temer ou esperar, mas calcula, às pressas, suas vitórias e derrotas; pensa no número de caças que abateu e se regozija ou se aflige conforme os resultados obtidos. Sua mulher – só têm uma por vez, embora possam trocá-las sempre que lhes convêm – agachada à entrada, atira seixos (pedras arredondadas) no ar; quando formam um montículo (porção considerável), ela julga que chegou a hora e se aventura a olhar para o interior; se suas previsões se tiverem realizado, se o homem estiver morto, ela entra sem um grito, sem uma lágrima, despoja-o da pele de animais que o envolve, vai friamente avisar seus vizinhos, que transportam o corpo e o queimam, tão logo esfria.
Os animais, que por toda parte sofrem os reflexos humanos, são mais selvagens, mais cruéis que em qualquer outro lugar. O cão e o lobo são uma só e mesma espécie, incessantemente em luta com o homem, que, contra eles, se entrega a combates encarniçados (ferozes, mortais). Aliás, menos numerosos, menos variados que na Terra, os animais são a miniatura deles mesmos.
Os elementos têm a cólera cega do caos; o mar furioso separa os continentes sem navegação possível; o vento ruge e curva as árvores até o solo; as águas submergem as terras ingratas, que não fecunda; o terreno não oferece as mesmas condições geológicas da Terra; o fogo não o aquece; os vulcões são desconhecidos; as montanhas, pouco elevadas, não oferecem nenhuma beleza; fatigam (provocam fadiga, cansam) o olhar e desencorajam a exploração; enfim, por toda parte, monotonia e violência; por toda parte a flor sem cor e sem perfume, por toda parte o homem sem previdência, matando para sobreviver.
Georges
Observação – Para servir de transição entre o quadro de Marte e o de Júpiter, seria necessário o de um mundo intermediário, da Terra, por exemplo, mas que conhecemos suficientemente. Observando-a, fácil é reconhecer que mais se aproxima de Marte que de Júpiter, posto que, mesmo no seio da própria civilização, ainda se encontram seres tão abjetos e tão desprovidos de sentimentos e de humanidade, vivendo no mais absoluto embrutecimento e não pensando senão em suas necessidades materiais, sem jamais terem voltado o olhar para o céu, que parecem ter vindo diretamente de Marte.
Comentário: no “O Livro dos Espíritos”, sobre a questão 188, Kardec traz a seguinte NOTA: Segundo os Espíritos, de todos os mundos que compõem o nosso sistema planetário, a Terra é um daqueles onde os Espíritos são os menos adiantados, física e moralmente. Marte seria ainda inferior e Júpiter o mais superior em relação a todos. |
XI.- DAS OBSERVAÇÕES SOBRE JÚPITER
Na Revista Espírita de Outubro de 1860, o artigo “JÚPITER” (Médium – Sra. Costel) relata o seguinte:
Infinitamente maior que a Terra, o planeta Júpiter não apresenta o mesmo aspecto. É inundado por uma luz pura e brilhante, que ilumina sem ofuscar. As árvores, as flores, os insetos, os animais, dos quais os vossos são o ponto de partida, ali são maiores e aperfeiçoados; a Natureza é mais grandiosa e mais variada; a temperatura é igual e deliciosa; a harmonia das esferas encanta os olhos e os ouvidos. A forma dos seres que o habitam é a mesma que a vossa, mas embelezada, aperfeiçoada e, sobretudo purificada. Não somos submetidos às condições materiais de vossa natureza: não temos as necessidades, nem as doenças que lhes são consequência. Somos almas revestidas de um envoltório diáfano, que conserva os traços de nossas passadas migrações; aparecemos aos amigos tal como nos conheceram, porém iluminados por uma luz divina, transfigurados por nossas impressões interiores, que são sempre elevadas.
Como a Terra, Júpiter é dividido num grande número de países de aspectos variados, mas não de clima. As diferenças de condições são determinadas apenas pela superioridade moral e de inteligência; não há senhores, nem escravos; os mais elevados graus são marcados somente pelas comunicações mais diretas e mais frequentes com os Espíritos puros e pelas mais importantes funções que nos são confiadas.
Vossas habitações não vos podem dar nenhuma ideia das nossas, pois não temos as mesmas necessidades. Cultivamos as artes, chegadas a um grau de perfeição desconhecida entre vós. Gozamos de espetáculos sublimes; entre eles, o que mais admiramos, à medida que melhor compreendemos, é o da inesgotável variedade das criações, variedades harmoniosas que têm o mesmo ponto de partida e se aperfeiçoam no mesmo sentido. Todos os sentimentos ternos e elevados da natureza humana, nós os encontramos engrandecidos e purificados, e o desejo incessante que temos, de alcançar o plano dos Espíritos puros, não é um tormento, mas uma nobre ambição que nos impele ao aperfeiçoamento. Estudamos incessantemente, com amor, para nos elevarmos até eles, o que também fazem os seres inferiores para nos igualarem.
Vossos pequenos ódios, vossos ciúmes mesquinhos nos são desconhecidos; um laço de amor e de fraternidade nos une: os mais fortes ajudam os mais fracos. Em vosso mundo tendes necessidade da sombra do mal para sentir o bem, da noite para admirar a luz, da doença para apreciar a saúde. Aqui, esses contrastes não são necessários; a eterna luz, a eterna bondade, a calma eterna da alma nos cumulam de uma eterna alegria. Eis o que o Espírito humano tem mais dificuldade para compreender: se foi engenhoso para pintar os tormentos do inferno, jamais pôde representar as alegrias do céu. E por quê? Porque, sendo inferior, só tendo suportado sofrimentos e misérias, não foi capaz de entrever as claridades celestes; não vos pode falar senão do que conhece, como o viajante descreve os países que percorreu. Mas, à medida que se eleva e se depura, o horizonte se aclara e ele compreende o bem que está à sua frente, como compreendeu o mal que ficou para trás.
Já outros Espíritos tentaram vos fazer compreender, tanto quanto o permite a vossa natureza, o estado dos mundos felizes, a fim de vos estimular a seguir o único caminho que a eles pode conduzir. Mas há entre vós os que estão de tal modo ligados à matéria, que ainda preferem as alegrias materiais da Terra às alegrias puras, reservadas ao homem que sabe desligar-se delas. Que gozem, pois, enquanto estão aqui! Porque um triste revés os espera, talvez mesmo nesta vida. Os que escolhemos para nossos intérpretes são os primeiros a receber a luz. Infelizes, sobretudo, os que não aproveitam o favor que Deus lhes concede, porquanto sua justiça pesará sobre eles!
Georges
XII.- DA CONCLUSÃO
Concluindo este estudo, trazemos do mês de NOVEMBRO – 1860, o artigo intitulado “O TEMPO PERDIDO”, Médium – Srta. Huet, que nos convida a uma meditação para usarmos o tempo em prol de nosso aprimoramento.
“Se, por um instante, pudésseis refletir sobre a perda de tempo, mas refletir muito seriamente e calcular o imenso erro que cometeis, veríeis quanto esta hora, este minuto escoado inutilmente que não podeis recuperar, poderia ser necessário ao vosso bem futuro. Nem todos os poderes da Terra vo-lo poderiam devolver. E se o usastes mal, um dia sereis obrigados a repará-lo pela expiação, e, talvez, de maneira terrível! O que não daríeis, então, para recuperar o tempo perdido! Votos inúteis; pesares supérfluos!
Assim, pensai bem nisto, em benefício de vosso interesse futuro e, mesmo presente, porque muitas vezes os pesares nos atingem mesmo na Terra. Quando Deus vos pedir contas da existência que vos concedeu, da missão que tínheis de cumprir, que havereis de responder? Sereis como o enviado de um soberano que, longe de cumprir as ordens de seu senhor, passava o tempo a divertir-se, não se ocupando absolutamente do negócio para o qual foi credenciado. Em que responsabilidade não incorreria à sua volta? Sois aqui os enviados de Deus e tereis que prestar conta do vosso tempo, passado com os vossos irmãos. Eu vos recomendo esta meditação.”
Massillon
FONTE:
– REVISTA ESPÍRITA – ANO III – 1860