Revista Espírita – palestra 10.2017
Revistas Espíritas
Estudo – C ELC 10/ 2017 – E. Marcelo
Abreviações que podem conter durante o estudo:
R.E. – “Revista Espírita”, por Alan Kardec.
L.E. – “O Livro dos Espíritos”, por Allan Kardec.
L.M. – “O Livro dos Médiuns”, por Allan Kardec.
E.S.E – “O Evangelho segundo o Espiritismo”, por Allan Kardec.
Introdução:
Alguns dados
-O L.E. é publicado em 18 de abril de 1857.
-A R.E. tem seu início em 01 de janeiro de 1858.
-Em 01 de abril de 1858 Allan Kardec cria a Sociedade Parisiense de Estudos espíritas.
-A R.E. foi a maior produção de Allan Kardec em termos de volume e conteúdo. Organizada e escrita por ele de janeiro de 1858 a abril de 1869, são 136 fascículos mensais. Após sua morte, em 31 de março de 1869, seus seguidores dão continuidade ao trabalho da Revista Espírita.
-Compiladas suas edições por ano de publicação, formaram um total de 12 livros com cerca de 500 páginas cada.
Obras Póstumas – Allan Kardec e a nova constituição.
A Revista foi, até este dia, e não poderia ser senão uma obra pessoal, tendo em vista que ela faz parte de nossas obras doutrinárias, servindo em tudo de anais ao Espiritismo. É lá que todos os princípios novos são elaborados e postos ao estudo. Era, pois, necessário que ela conservasse seu caráter individual para a fundação da unidade.
L.M. – Parte 1 – Cap. 3 – Do método – Ordem nos estudos espíritas – item 35
Aos que quiserem adquirir essas noções preliminares, pela leitura das nossas obras, aconselhamos que as leiam nesta ordem:
1º – O que é o Espiritismo?
2º – O Livro dos Espíritos.
3º – O Livro dos Médiuns.
4º – A Revue Spirite. Variada coletânea de fatos, de explicações teóricas e de trechos isolados, que completam o que se encontra nas duas obras precedentes, formando-lhes, de certo modo, a aplicação. Sua leitura pode fazer-se simultaneamente com a daquelas obras, porém, mais proveitosa será, e, sobretudo, mais inteligível, se for feita depois de O Livro dos Espíritos.
R.E. 1858 – Janeiro – Introdução
A rapidez com que se propagaram, em todas as partes do mundo, os estranhos fenômenos das manifestações espíritas é uma prova evidente do interesse que despertam. A princípio simples objeto de curiosidade, não tardaram a chamar a atenção de homens sérios que neles vislumbraram, desde o início, a influência inevitável que viriam a ter sobre o estado moral da sociedade. As novas idéias que surgem desses fenômenos popularizam-se cada dia mais, e nada lhes pode deter o progresso, pela simples razão de que estão ao alcance de todos, ou de quase todos, e nenhum poder humano lhes impedirá que se manifestem. Se os abafam aqui, reaparecem em cem outros pontos. Aqueles, pois, que neles vissem um inconveniente qualquer, seriam constrangidos, pela própria força dos fatos, a sofrerlhes as conseqüências, como sói acontecer às indústrias novas que, em sua origem, ferem interesses particulares, logo absorvidos, pois não poderia ser de outro modo. O que já não se fez e disse contra o magnetismo! Entretanto, todos os raios lançados contra ele, todas as armas com que foi ferido, mesmo o ridículo, esboroaram-se ante a realidade e apenas serviram para colocá-lo ainda mais em evidência. É que o magnetismo é uma força natural e, perante as forças da Natureza, o homem é um pigmeu, semelhante a cachorrinhos que ladram inutilmente contra tudo que os possa amedrontar.
Dá-se com as manifestações espíritas a mesma coisa que se dá com o sonambulismo: se não se produzirem à luz do dia e publicamente, ninguém impedirá que ocorram na intimidade, pois cada família pode descobrir um médium entre seus membros, das crianças aos velhos, assim como pode encontrar um sonâmbulo. Quem, pois, poderá impedir que a primeira pessoa que encontremos seja médium e sonâmbula? Sem dúvida, os que o combatem não refletiram nisto. Insistimos: quando uma força está na Natureza, pode-se detê-la por um instante, porém, jamais aniquilá-la! Seu curso apenas poderá ser desviado. Ora, a força que se revela no fenômeno das manifestações, seja qual for a sua causa, está na Natureza, da mesma forma que o magnetismo, e não poderá ser exterminada, como a força elétrica também não o será. O que importa é que seja observada e estudada em todas as suas fases, a fim de se deduzirem as leis que a regem. Se for um erro, uma ilusão, o tempo fará justiça; se, porém, for verdadeira, a verdade é como o vapor: quanto mais se o comprime, tanto maior será a sua força de expansão.
Causa justa admiração que, enquanto na América, somente os Estados Unidos possuem dezessete jornais consagrados a esse assunto, sem contar um sem-número de escritos não periódicos, a França, o país da Europa onde tais idéias mais rapidamente se aclimataram, não possui nenhum. Não se pode contestar a utilidade de um órgão especial, que ponha o público a par do progresso desta nova Ciência e o previna contra os excessos da credulidade, bem como do cepticismo. É essa lacuna que nos propomos preencher com a publicação desta Revista, visando a oferecer um meio de comunicação a todos quantos se interessam por estas questões, ligando, através de um laço comum, os que compreendem a Doutrina Espírita sob o seu verdadeiro ponto de vista moral: a prática do bem e a caridade evangélica para com todos.
Até agora só existe na Europa um jornal consagrado à Doutrina Espírita – o Journal de l´âme, publicado em Genebra pelo Dr. Boessinger. Na América, o único jornal em francês é o Spiritualiste de la Nouvelle Orléans, publicado pelo Sr. Barthès.
Se não se tratasse senão de uma coleta de fatos, a tarefa seria fácil; eles se multiplicam em toda parte com tal rapidez que não faltaria matéria; mas os fatos, por si mesmos, tornam-se monótonos pela repetição e, sobretudo, pela similitude. O que é necessário ao homem racional é algo que lhe fale à inteligência. Poucos anos se passaram desde o surgimento dos primeiros fenômenos, e já estamos longe da época das mesas girantes e falantes, que foram suas manifestações iniciais. Hoje, é uma ciência que revela todo um mundo de mistérios, tornando patentes as verdades eternas que apenas pelo nosso espírito eram pressentidas; é uma doutrina sublime, que mostra ao homem o caminho do dever, abrindo o mais vasto campo até então jamais apresentado à observação filosófica. Nossa obra seria, pois, incompleta e estéril se nos mantivéssemos nos estreitos limites de uma revista anedótica, cujo interesse rapidamente se esgotasse.
Talvez nos contestem a qualificação de ciência, que damos ao Espiritismo. Certamente não teria ele, em nenhum caso, as características de uma ciência exata, e é precisamente aí que reside o erro dos que o pretendem julgar e experimentar como uma análise química ou um problema matemático; já é bastante que seja uma ciência filosófica. Toda ciência deve basear-se em fatos, mas os fatos, por si sós, não constituem a ciência; ela nasce da coordenação e da dedução lógica dos fatos: é o conjunto de leis que os regem. Chegou o Espiritismo ao estado de ciência? Se por isto se entende uma ciência acabada, seria sem dúvida prematuro responder afirmativamente; entretanto, as observações já são hoje bastante numerosas para nos permitirem deduzir, pelo menos, os princípios gerais, onde começa a ciência. O exame raciocinado dos fatos e das conseqüências que deles decorrem é, pois, um complemento sem o qual nossa publicação seria de medíocre utilidade, não oferecendo senão um interesse muito secundário para quem quer que reflita e queira inteirar-se daquilo que vê. Todavia, como nosso fim é chegar à verdade, acolheremos todas as observações que nos forem dirigidas e tentaremos, tanto quanto no-lo permita o estado dos conhecimentos adquiridos, dirimir as dúvidas e esclarecer os pontos ainda obscuros. Nossa Revista será, assim, uma tribuna livre, em que a discussão jamais se afastará das normas da mais estrita conveniência. Numa palavra: discutiremos, mas não disputaremos. As inconveniências de linguagem nunca foram boas razões aos olhos de pessoas sensatas; é a arma dos que não possuem algo melhor, voltando-se contra aqueles que dela se servem. Embora os fenômenos de que nos ocupamos se tenham produzido, nos últimos tempos, de maneira mais geral, tudo prova que têm ocorrido desde as eras mais recuadas. Não há fenômenos naturais nas invenções que acompanham o progresso do espírito humano; desde que estejam na ordem das coisas, sua causa é tão velha quanto o mundo e os seus efeitos devem ter-se produzido em todas as épocas. O que testemunhamos, hoje, portanto, não é uma descoberta moderna: é o despertar da Antigüidade, desembaraçada do envoltório místico que engendrou as superstições; da Antigüidade esclarecida pela civilização e pelo progresso nas coisas positivas. A conseqüência capital que ressalta desses fenômenos é a comunicação que os homens podem estabelecer com os seres do mundo incorpóreo e, dentro de certos limites, o conhecimento que podem adquirir sobre o seu estado futuro. O fato das comunicações com o mundo invisível encontra-se, em termos inequívocos, nos livros bíblicos; mas, de um lado, para certos céticos, a Bíblia não tem autoridade suficiente; por outro lado, para os crentes, são fatos sobrenaturais, suscitados por um favor especial da Divindade. Não haveria aí, para todo o mundo, uma prova da generalidade dessas manifestações, se não as encontrássemos em milhares de outras fontes diferentes. A existência dos Espíritos, e sua intervenção no mundo corpóreo, está atestada e demonstrada não mais como um fato excepcional, mas como um princípio geral, em Santo Agostinho, São Jerônimo, São João Crisóstomo, São Gregório Nazianzeno e tantos outros Pais da Igreja. Essa crença forma, além disso, a base de todos os sistemas religiosos. Admitiram-na os mais sábios filósofos da Antigüidade: Platão, Zoroastro, Confúcio, Apuleio, Pitágoras, Apolônio de Tiana e tantos outros. Nós a encontramos nos mistérios e nos oráculos, entre os gregos, os egípcios, os hindus, os caldeus, os romanos, os persas, os chineses. Vemo-la sobreviver a todas as vicissitudes dos povos, a todas as perseguições e desafiar todas as revoluções físicas e morais da Humanidade. Mais tarde a encontramos entre os adivinhos e feiticeiros da Idade Média, nos Willis e nas Walkírias dos escandinavos, nos Elfos dos teutões, nos Leschios e nos Domeschnios Doughi dos eslavos, nos Ourisks e nos Brownies da Escócia, nos Poulpicans e nos Tensarpoulicts dos bretões, nos Cemis dos caraíbas, numa palavra, em toda a falange de ninfas, de gênios bons e maus, nos silfos, gnomos, fadas e duendes, com os quais todas as nações povoaram o espaço. Encontramos a prática das evocações entre os povos da Sibéria, no Kamtchatka, na Islândia, entre os indígenas da América do Norte e os aborígenes do México e do Peru, na Polinésia e até entre os estúpidos selvagens da Nova Holanda. Sejam quais forem os absurdos que cercam essa crença e a desfiguram segundo os tempos e os lugares, não se pode discordar de que ela parte de um mesmo princípio, mais ou menos deturpado. Ora, uma doutrina não se torna universal, não sobrevive a milhares de gerações, não se implanta de um pólo a outro, entre os povos mais diversificados, pertencentes a todos os graus da escala social, se não estiver fundada em algo de positivo. O que será esse algo? É o que nos demonstram as recentes manifestações. Procurar as relações que possam existir entre tais manifestações e todas essas crenças, é buscar a verdade. A história da Doutrina Espírita, de certo modo, é a história do espírito humano; teremos que estudá-la em todas as fontes, que nos fornecerão uma mina inesgotável de observações tão instrutivas quão interessantes, sobre fatos geralmente pouco conhecidos. Essa parte nos dará oportunidade de explicar a origem de uma porção de lendas e de crenças populares, delas destacando o que toca a verdade, a alegoria e a superstição.
No que concerne às manifestações atuais, daremos explicação de todos os fenômenos patentes que testemunharmos ou que chegarem ao nosso conhecimento, quando nos parecerem merecer a atenção de nossos leitores. De igual modo o faremos em relação aos efeitos espontâneos que por vezes se produzem entre pessoas alheias às práticas espíritas e que revelam, seja a ação de um poder oculto, seja a emancipação da alma; tais são as visões, as aparições, a dupla vista, os pressentimentos, os avisos íntimos, as vozes secretas, etc. À narração dos fatos acrescentaremos a explicação, tal como ressalta do conjunto dos princípios. A respeito faremos notar que esses princípios decorrem do próprio ensinamento dado pelos Espíritos, fazendo sempre abstração de nossas próprias idéias. Não será, pois, uma teoria pessoal que exporemos, mas a que nos tiver sido comunicada e da qual não seremos senão meros intérpretes. Um grande espaço será igualmente reservado às comunicações escritas ou verbais dos Espíritos, sempre que tiverem um fim útil, assim como às evocações de personagens antigas ou modernas, conhecidas ou obscuras, sem negligenciar as evocações íntimas que, muitas vezes, não são menos instrutivas; numa palavra: abarcaremos todas as fases das manifestações materiais e inteligentes do mundo incorpóreo. A Doutrina Espírita nos oferece, enfim, a única solução possível e racional de uma multidão de fenômenos morais e antropológicos, dos quais somos testemunhas diariamente e para os quais se procuraria, inutilmente, a explicação em todas as doutrinas conhecidas. Nesta categoria classificaremos, por exemplo, a simultaneidade de pensamentos, a anomalia de certos caracteres, as simpatias e antipatias, os conhecimentos intuitivos, as aptidões, as propensões, os destinos que parecem marcados pela fatalidade e, num quadro mais geral, o caráter distintivo dos povos, seu progresso ou sua degenerescência, etc. À citação dos fatos acrescentaremos a pesquisa das causas que os poderiam ter produzido. Da apreciação desses fatos ressaltarão, naturalmente, ensinamentos úteis quanto à linha de conduta mais conforme à sã moral. Em suas instruções, os Espíritos Superiores têm sempre por objetivo despertar nos homens o amor do bem, através dos preceitos evangélicos; por isso mesmo eles nos traçam o pensamento que deve presidir à redação dessa coletânea. Nosso quadro, como se vê, compreende tudo quanto se liga ao conhecimento da parte metafísica do homem; estudá-laemos em seu estado presente e no futuro, porquanto estudar a natureza dos Espíritos é estudar o homem, tendo em vista que ele deverá fazer parte, um dia, do mundo dos Espíritos. Eis por que acrescentamos, ao nosso título principal, o de jornal de estudos psicológicos, a fim de fazer compreender toda a sua importância. Nota: Por mais abundantes sejam nossas observações pessoais e as fontes onde as recolhemos, não dissimulamos as dificuldades da tarefa, nem a nossa insuficiência. Para suplementá-la, contamos com o concurso benevolente de todos quantos se interessam por essas questões; seremos, pois, bastante reconhecidos pelas comunicações que houverem por bem transmitir-nos acerca dos diversos assuntos de nossos estudos; a esse respeito chamamos a atenção para os seguintes pontos, sobre os quais poderão fornecer documentos:
1º Manifestações materiais ou inteligentes obtidas nas reuniões às quais assistirem;
2º Fatos de lucidez sonambúlica e de êxtase;
3º Fatos de segunda vista, previsões, pressentimentos, etc;
4º Fatos relativos ao poder oculto, atribuídos com ou sem razão a certos indivíduos;
5º Lendas e crenças populares;
6º Fatos de visões e aparições;
7º Fenômenos psicológicos particulares, que por vezes ocorrem no instante da morte;
8º Problemas morais e psicológicos a resolver;
9º Fatos morais, atos notáveis de devotamento e abnegação, dos quais possa ser útil propagar o exemplo;
10º Indicação de obras antigas ou modernas, francesas ou estrangeiras, onde se encontrem fatos relativos à manifestação de inteligências ocultas, com a designação e, se possível, a citação das passagens. Do mesmo modo, no que diz respeito à opinião emitida sobre a existência dos Espíritos e suas relações com os homens, por autores antigos ou modernos, cujo nome e saber possam lhes dar autoridade.
Não daremos a conhecer o nome das pessoas que nos enviarem as comunicações, a não ser que, para isto, sejamos formalmente autorizados.
Destaques para alguns artigos, curiosidades e fatos da Revista Espírita de 1858
R.E. 1858 – Janeiro – História de Joana d’Arc
É falado pela primeira vez sobre a História de Joana d’Arc, psicografada pela médium Ermance Dufaux.
Sobre a médium: escreveu o livro com catorze anos. Do mesmo modo, escreveu a História de Luís XI e a de Carlos VIII. Apresentou-se, nela, um fenômeno bastante curioso. Ela era, no princípio, excelente médium psicógrafa, escrevendo com uma grande facilidade; pouco a pouco, tornou-se médium falante, e, à medida que essa faculdade se desenvolveu, a primeira enfraqueceu; hoje, ela escreve pouco, ou muito dificilmente, mas, o que há de estranho, é que, falando, tem necessidade de um lápis à mão, simulando escrever; é preciso uma terceira pessoa para reunir as suas palavras, como as da Sibila.
R.E. 1858 – Fevereiro – Escala Espírita
Curiosidades:
1 – Na descrição dos Espíritos de terceira ordem da Escala Espírita, os Espíritos Impuros, existe a seguinte frase que Kardec adicionou posteriormente: “Deus, para puni-los, quer que assim creiam [creiam sofrer para sempre]”.
Esta frase foi recebida em uma dissertação moral ditada por São Luís à senhorita Ermance Dufaux, em 6 de janeiro de 1858, intitulada de “A Avareza”, e reproduzida na mesma edição da Revista de Fevereiro de 1858.
2- Na Revista e na primeira edição de o L.E., haviam somente 9 classes de Espíritos na Escala Espírita. A terceira ordem era dividida em somente 4 classes. Mais tarde, na edição definitiva do L.E., em 1860, foi adicionada a classe dos “Espíritos batedores ou perturbadores”, dividindo, assim, em duas, a oitava classe (Espíritos Levianos).
R.E. 1858 – Março – Pluralidade dos Mundos
Começa em Março uma série de artigos detalhados a respeito dos diversos mundos, um dos objetos de estudo da Doutrina Espírita. No artigo seguinte é falado sobre “Júpiter e alguns outros Mundos”.
O Espírito de Bernard Palissy oferece-se para fazer uma série de desenhos de Júpiter, dos quais, um fac-símile é publicado na R.E. de Agosto, atribuído como sendo a casa do Espírito de Mozart.
Em Abril, é evocado o Espírito de Bernard Palissy, em uma conversa que Allan Kardec publica nada mais, nada menos, que 82 perguntas.
R.E. 1858 – Abril – Conversas Familiares de Além-Túmulo – Mehemet-Ali, antigo Paxá do Egito
Considerações importantes para estudo da religião Muçulmana, do Espírito de Mehemet-Ali. 52 perguntas. Mais tarde, na R.E. de Novembro, aparece a segunda conversa com este mesmo Espírito.
R.E. 1858 – Maio – O Espírito batedor de Bergzabern
O assunto possui vasto estudo por Kardec, da mais alta relevância, e é tratado em três artigos:
1o. Artigo: Maio/1858
2o. Artigo: Junho/1858
3o. Artigo: Julho/1858
R.E. 1858 – Maio – Metades Eternas
Muito importante para a Doutrina, “este assunto não foi abordado na primeira edição de O L.E., dada a lume por A.K. a 18 de abril de 1857, e que continha somente 501 perguntas, divididas em três partes. Aparece na segunda edição – definitiva – de 1860. As sete questões deste artigo correspondem às perguntas 298 a 303a de O L.E.” (transcrição livre da “nota do tradutor” da Revista Espírita de 1858 editada pela FEB).
Mais tarde, no livro “O consolador”, de Chico Xavier, foi adicionada uma nota ao final do livro, devido a questão 323, 324 e seguintes do mesmo livro, a respeito da teoria das almas gêmeas.
R.E. 1858 – Maio – Conversas Familiares de Além-Túmulo – Mozart
Primeira comunicação atribuída ao Espírito de Mozart enviada para a Sociedade Espírita de Paris, por um assinante da R.E. em local e data desconhecidas, bem como o interpelante e o médium. Foi aplicada então o que Kardec chama no E.S.E. (Introdução – item II) de Controle universal do ensinamento dos Espíritos, como ele mesmo escreve no artigo: “Notar-se-á, no entanto, a concordância perfeita existente entre as respostas obtidas e as que foram dadas por outros Espíritos sobre diversos pontos capitais da Doutrina, em circunstâncias inteiramente diferentes”.
R.E. 1858 – Julho – Espíritos Impostores – O Falso Padre Ambrósio
Todas as qualidades e todas as imperfeições dos Espíritos se revelam pela sua linguagem, e pode-se, com razão, aplicar-lhes este adágio de um escritor célebre: O estilo é o homem.*
É uma conversação que se estabeleceu, por intermédio do médium, entre dois Espíritos, um se dando o nome de padre Ambroise, o outro o nome de Clément XIV. O padre Ambroise foi um respeitável eclesiástico, falecido em Louisiane, no último século; era um homem de bem, de grande inteligência, e que deixou uma memória venerada.
* Georges-Louis Leclerc, conde de Buffon (1707-1788); suas teorias influenciaram duas gerações de naturalistas, entre os quais Lamarck e Charles Darwin. (Wikipedia).
R.E. 1858 – Setembro – Conversas Familiares de Além-Túmulo – Senhora Schwaben Haus – Letargia Extática
Um curioso caso da Senhora Schwaben Haus, em que a mesma retorna da letargia, e na conversa com o marido diz que estava adormecida, encontrou a filha desencarnada, mas teria que se reunir novamente a ela. Mais tarde, no mesmo dia, a Senhora Schwaben Haus desencarna realmente. Allan Kardec diz da Senhora Schwaben Haus se tratar de um Espírito elevado. Segue trecho do artigo:
“3. Durante a vossa morte aparente, ouvíeis o que se passava ao redor de nós e víeis os preparativos de vossos funerais? – R. Minha alma estava muito preocupada com sua felicidade próxima.
Nota. – Sabe-se que, geralmente, os letárgicos vêem e ouvem o que se passa ao redor deles e disso conservam a lembrança ao despertarem. O fato que narramos oferece essa particularidade, que o sono letárgico estava acompanhado de êxtase, circunstância que explica por que a atenção da doente foi desviada.”
R.E. 1858 – Setembro – Problemas Morais – Suicídio por Amor
Artigo posteriormente incluído o Livro “O céu e o Inferno” por Allan Kardec.
R.E. 1858 – Outubro – Morte de cinco crianças por um menino de 12 anos
PROBLEMA MORAL
Leu-se na Gaze fie de Si lese:
“Escreveu-se de Bolkenham, em 20 de outubro de 1857, que um crime apavorante foi cometido por jovem menino de doze anos. Domingo último, 25 do mês, três filhos do senhor Hubner, fabricante de pregos, e dois filhos do senhor Fritche, sapateiro, jogavam juntos no jardim do senhor Fritche. O jovem H…, conhecido por seu mau caráter, se associou aos seus jogos e convenceu-os a entrarem em um baú depositado em uma casinha do jardim e que servia ao sapateiro para transportar suas mercadorias para a feira. As cinco crianças puderam nele entrar com dificuldade, mas se comprimiram e se colocaram umas sobre as outras, rindo. Logo que nele entraram, o monstro fechou o baú, sentou-se em cima, e ficou três quartos de hora escutando primeiro seus gritos, depois seus gemidos.
“Quando, enfim, seus estertores cessaram, que os acreditou mortos, abriu o baú; as crianças ainda respiravam. Ele fechou o baú, aferrolhou-o e se foi brincar com papagaio de papel. Mas foi visto, saindo do jardim, por uma jovem. Concebe-se a ansiedade dos pais, quando perceberam o desaparecimento de seus filhos, e seu desespero quando, depois de longa procura, encontram-nos no baú. Uma das crianças vivia ainda, mas não tardou em entregar sua alma. Denunciado pela jovem que o havia visto sair do jardim, o jovem H… confessou seu crime com o maior sangue-frio e sem manifestar nenhum arrependimento. As cinco vítimas, um menino e quatro meninas de quatro a nove anos, foram enterrados juntos, hoje.
Nota. – O Espírito interrogado foi o da irmã do médium, morto há doze anos; mas que sempre mostrou superioridade como Espírito.
- Ouvistes o relato que acabamos de ler da morte cometida na Silésia, por um menino de doze anos sobre cinco outras crianças? – R. Sim; minha pena exige que eu escute ainda as abominações da Terra.
- Qual motivo pôde levar uma criança dessa idade a cometer uma ação tão atroz e com tanto sangue-frio? – R. A maldade não tem idade; ela é ingênua numa criança; é raciocinada no homem feito.
- Quando ela existe numa criança, sem raciocínio, isso não denota a encarnação de um Espírito muito inferior? – R. Ela vem, então, diretamente da perversidade do coração; é o seu Espírito que o domina e o leva à perversidade.
- Qual poderia ter sido a existência anterior de um Espírito semelhante? – R. Horrível.
- Em sua existência anterior, ele pertencia à Terra ou a um mundo ainda mais inferia? – R. Não o vejo bem; mas devia pertencer a um mundo bem mais inferior que a Terra: ele ousou vir à Terra; por isso será duplamente punido.
- Nessa idade a criança tinha bem consciência do crime que cometia, e dele tem a responsabilidade como Espírito? – R. Ele tinha a idade da consciência, é bastante.
- Uma vez que esse Espírito havia ousado vir à Terra, que é muito elevada para ele, pode ser constrangido a retornar para o mundo em relação com a sua natureza? – R. A punição é justamente de retroceder; ele mesmo é o inferno. É a punição de Lúcifer, do homem espiritual rebaixado até a matéria; quer dizer, o véu que lhe esconde, de hoje em diante, os dons de Deus e sua divina proteção. Esforçai-vos, pois, para reconquistar esses bens perdidos; tereis ganho o paraíso que o Cristo veio vos abrir. É a presunção, o orgulho do homem que gostaria de conquistar o que só Deus pode ter.
Nota. – Uma observação é feita a propósito da palavra ousou, da qual se serviu o Espírito, e dos exemplos que foram citados concernentes à situação de Espíritos que se encontraram em mundos muito elevados para eles, e que foram obrigados a retornar para um mundo mais em harmonia com a sua natureza. Uma pessoa fez notar, a esse respeito, que foi dito que os Espíritos não podem retrogradar. A isso respondeu que, com efeito, foi dito que os Espíritos não podem retrogradar no sentido de que não podem perder o que adquiriram em ciência e em moralidade; mas eles podem decair como posição. Um homem que usurpe uma posição superior àquela que lhe conferem suas capacidades ou sua fortuna pode ser constrangido a abandoná-la e retornar ao seu lugar natural; ora, não está aí o que se pode chamar decair, uma vez que não fez senão reentrar em sua esfera, de onde saiu por ambição ou por orgulho. Ocorre o mesmo com respeito aos Espíritos que querem se elevar muito depressa nos mundos onde se encontram deslocados.
Espíritos superiores podem igualmente se encarnar em mundos inferiores, para irem cumprir uma missão de progresso; isso não pode chamar-se de retrogradar, porque é devotamento.
- Em que a Terra é superior ao mundo ao qual pertence o Espírito do qual acabamos de falar? – R. Nele há uma fraca idéia da justiça; é um começo de progresso.
- Disso resulta que, em mundos inferiores à Terra, não há nenhuma idéia de justiça? – R. Não; os homens aí não vivem senão para eles, e não têm por motivação senão a satisfação de suas paixões e de seus instintos.
- Qual será a posição desse Espírito em uma nova existência? – R. Se o arrependimento vier apagar, senão inteiramente pelo menos em parte, a enormidade de suas faltas, então ele permanecerá na Terra; se, ao contrário, ele persistir nisso que chamais a impenitência final, ele irá para uma morada onde o homem está no nível do animal.
- Assim, pode ele encontrar, sobre essa Terra, os meios de expiar suas faltas sem ser obrigado a retornar para um mundo inferior? – R, O arrependimento é sagrado aos olhos de Deus; porque é o homem que julga a si mesmo, o que é raro em vosso planeta.
R.E. 1858 – Dezembro – Senhor Adrien, Médium Vidente
Toda pessoa que pode ver os Espíritos sem auxílio de terceiro é, por isso mesmo, médium vidente; mas, em geral, as aparições são fortuitas, acidentais. Não conhecemos, ainda, ninguém apto a vê-los de modo permanente, e à vontade. É dessa notável faculdade que está dotado o senhor Adrien, um dos membros da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas. Ele é, ao mesmo tempo, médium vidente, escrevente, audiente e sensitivo. Como médium escrevente, ele escreve sob o ditado dos Espíritos, mas raramente de modo mecânico, como os médiuns puramente passivos; quer dizer que, embora escreva coisas estranhas ao seu pensamento, tem consciência do que escreve. Como médium audiente, ouve as vozes ocultas que lhe falam. Temos, na Sociedade, dois outros médiuns que gozam dessa última faculdade em muito alto grau. São, ao mesmo tempo, muito bons médiuns escreventes. Enfim, como médium sensitivo, sente os toques dos Espíritos e a pressão que exercem sobre ele; sente-lhes mesmo comoções elétricas muito violentas, que se comunicam às pessoas presentes. Quando magnetiza alguém, pode, à vontade, quando isso é necessário à saúde, produzir sobre ele os abalos da pilha voltaica.
Uma nova faculdade acaba de se revelar nele, a da dupla vista; sem ser sonâmbulo, e embora esteja perfeitamente desperto, vê à vontade, a uma distância ilimitada, mesmo além dos mares, o que se passa em uma localidade; vê as pessoas e o que elas fazem; descreve os lugares e os fatos com uma precisão cuja exatidão foi verificada. Apressamo-nos em dizer que o senhor Adrien não é um desses homens fracos e crédulos que se deixam ir pela imaginação; ao contrário, é um homem de caráter muito frio, muito calmo, e que vê tudo isso com o mais absoluto sangue frio, não dizemos com indiferença, longe disso, porque ele toma suas faculdades a sério, e as considera como um dom da Providência, que lhe foi concedido para o bem, também não se serve deles senão para as coisas úteis, e jamais para satisfazer uma vã curiosidade. É um homem jovem, de uma família distinta, muito honrada, de um caráter ameno e benevolente, e cuja educação cuida de se revelar em sua linguagem e em todas as suas maneiras. Como marinheiro e como militar, percorreu uma parte da África, da índia, e de nossas colônias.
De todas suas faculdades como médium, a mais notável, e em nossa opinião a mais preciosa, é a de médium vidente. Os Espíritos lhe aparecem sob a forma que descrevemos em nosso artigo precedente sobre as aparições; ele os vê com uma precisão da qual pode-se julgar pelos retratos, que damos adiante, da viúva de Malabar e da Belle Cordière de Lyon. Mas, dir-se-á, o que prova que ele vê bem e que não é o joguete de uma ilusão? O que o prova, é que quando uma pessoa, que ele não conhece, evoca por seu intermédio um parente, um amigo que ele jamais viu, e dele faz um retrato surpreendente de semelhança e que pudemos mesmo constatar; não há, pois, para nós nenhuma dúvida sobre essa faculdade que ele goza no estado de vigília, e não como sonâmbulo.
O que há de mais notável ainda, talvez, é que não vê só os Espíritos evocados; ao mesmo tempo, vê todos aqueles que estão presentes, evocados ou não; ele os vê entrarem, saírem, irem, virem escutarem o que se diz, rirem ou levarem a sério, segundo seu caráter; em uns há gravidade; em outros, um ar zombeteiro e sardônico; algumas vezes um deles avança até um dos assistentes, lhe coloca a mão sobre a espádua ou se coloca ao seu lado, alguns se mantêm afastado; em uma palavra, em toda reunião, há sempre uma assembléia oculta composta de Espíritos atraídos por sua simpatia pelas pessoas, e pelas coisas pelas quais se ocupem. Nas ruas vê uma multidão, porque além dos Espíritos familiares que acompanham seus protegidos, há ali, como entre nós, a massa dos indiferentes e dos vadios. Em sua casa, disse-nos, não está jamais só, e não se entedia nunca; tem sempre uma sociedade com a qual ele conversa.
Sua faculdade se estende não somente aos Espíritos dos mortos, mas aos dos vivos; quando vê uma pessoa, pode fazer abstração do corpo; então o Espírito lhe aparece como se estivesse separado dele, e pode conversar com ele: Em uma criança, por exemplo, pode ver o Espírito que está encarnado nela, apreciar a sua natureza, e saber o que era antes de sua encarnação.
Essa faculdade, estendida a esse grau, nos inicia melhor, que todas as comunicações escritas, na natureza do mundo dos Espíritos; no-lo mostra tal qual é, e se não o vemos pelos nossos olhos, a descrição que dele nos dá fá-lo ver pelo pensamento; os Espíritos não são mais seres abstratos, são seres reais, que estão ali ao nosso lado, que nos acotovelam sem cessar, e como sabemos agora que seu contato pode ser material, compreendemos a causa de uma multidão de impressões que sentimos sem delas nos rendermos conta. Também colocamos o senhor Adrien no número dos mais notáveis médiuns, e na primeira classe daqueles que forneceram os elementos mais preciosos para o conhecimento do mundo espírita. Sobretudo, o colocamos na primeira classe por suas qualidades pessoais, que são as de um homem de bem por excelência, e que o tornam eminentemente simpático aos Espíritos da mais elevada ordem, o que não ocorre sempre entre os médiuns de influências puramente físicas. Sem dúvida, entre estes últimos, aos que farão mais sensação, cativarão melhor a curiosidade; mas para o observador, para aquele que quer sondar os mistérios desse mundo maravilhoso, o senhor Adrien é o mais poderoso auxiliar que já vimos. Também colocamos sua faculdade, e sua complacência, em proveito de nossa instrução pessoal, seja na intimidade, seja nas sessões da Sociedade, seja, enfim, na visita de diversos lugares de reunião. Estivemos juntos no teatro, nos bailes, nos passeios, nos hospitais, nos cemitérios, nas igrejas; assistimos a enterros, a casamentos, a batismos, a sermões: por toda parte observamos a natureza dos Espíritos que ali vinham se agrupar, entabulamos conversação com alguns, os interrogamos e aprendemos muitas coisas das quais aproveitaremos aos nossos leitores, porque nosso objetivo é fazê-los penetrarem, como nós, nesse mundo tão novo para nós. O microscópio nos revelou um mundo dos infinitamente pequenos que não supúnhamos, embora estivesse sob nossos dedos; o telescópio ‘nos revelou a infinidade de mundos celestes, que não supúnhamos mais; o Espiritismo nos descobre o mundo dos Espíritos que está por toda parte, ao nosso lado como nos espaços; mundo real que reage incessantemente sobre nós.
R.E. 1858 – Dezembro – Aos leitores da Revista Espírita – Conclusão do ano de 1858
A Revista Espírita acaba de completar seu primeiro ano, e estamos felizes em anunciar que, doravante, sua existência estando assegurada pelo número de seus assinantes, que aumentam a cada dia, prosseguirá o curso de suas publicações. Os testemunhos de simpatia que recebemos de todas as partes, o sufrágio dos homens mais eminentes, pelo seu saber e pela sua posição social, são para nós um poderoso encorajamento na tarefa laboriosa que empreendemos; que aqueles, pois, que nos sustentaram no cumprimento de nossa obra, recebam aqui o testemunho de toda a nossa gratidão. Se não tivéssemos encontrado nem contradições, nem críticas, isso seria um fato inaudito nos fastos da publicidade, sobretudo quando se trata da emissão de idéias novas; mas, se devemos nos admirar de alguma coisa, é de havê-las encontrado tão poucas em comparação com as provas de aprovação que nos foram dadas, e isso devido, sem dúvida, bem menos ao mérito do escritor que ao atrativo do assunto que tratamos, ao crédito que toma, cada dia, até nas mais altas regiões da sociedade; nós o devemos também, disso estamos convencidos, à dignidade que sempre conservamos frente a frente com os nossos adversários, deixando o público julgar entre a moderação de uma parte, e a inconveniência da outra. O Espiritismo marcha a passos de gigante no mundo inteiro; todos os dias re-liga alguns dissidentes pela força das coisas, e se, de nossa parte, podemos lançar alguns grãos na balança desse grande movimento que se opera, e que marcará nossa época como uma era nova, não será contundindo, chocando de frente aqueles mesmos que se quer trazer de novo; é pelo raciocínio que se faz escutar, e não por injúrias. Os Espíritos superiores que nos assistem, nos dão, a esse respeito, o preceito e o exemplo; seria indigno de uma doutrina que não prega senão o amor e a benevolência, abaixar-se até a arena do personalismo; deixamos esse papel àqueles que não a compreendem. Nada nos fará, pois, desviar da linha que seguimos, da calma e do sangue frio, que não cessaremos de considerar no exame racional de todas as questões, sabendo que por aí fazemos mais partidários sérios do Espiritismo que pelo amargor e pela acrimônia.
Na instrução que publicamos, na cabeça do nosso primeiro número, traçamos o plano que nos propúnhamos seguir: citar os fatos, mas também escrutá-los e passá-los pela escalpelo da observação; apreciá-los e deduzir-lhes as conseqüências. No início, toda atenção estava concentrada sobre os fenômenos materiais, que alimentaram, então, a curiosidade pública, mas a curiosidade não tem senão um tempo; uma vez satisfeita, deixa-se o seu objeto como uma criança deixa o seu brinquedo. Os Espíritos nos disseram então: “Este é o primeiro período, que passará logo para dar lugar a idéias mais elevadas; fatos novos vão se revelar que marcarão um novo, o período filosófico, e a doutrina crescerá em pouco tempo, como a criança que deixa seu berço. Não vos inquieteis com o escárnio, os escarnecedores serão escarnecidos eles mesmos, e amanhã encontrareis zelosos defensores entre os vossos mais ardorosos adversários de hoje. Deus quer que assim seja, e estamos encarregados de executar a sua vontade; a má vontade de alguns homens não prevalecerá contra ela; o orgulho daqueles que querem saber mais que ele será rebaixado.”
Estamos longe, com efeito, das mesas girantes, que não divertem mais quase nada, porque se deixa de tudo; não há senão o que fala ao nosso julgamento, do qual não se cansa, e o Espiritismo voga a plenas velas, em seu segundo período; cada um compreendeu que é toda uma ciência que se funda, toda uma filosofia, toda uma nova ordem de idéias; e era preciso seguir esse movimento, contribuir mesmo para ele, sob pena de não mais bastar à tarefa; eis porque nos esforçamos por nos mantermos nessa altura, sem nos fecharmos nos estreitos limites de um boletim anedótico. Elevando-se à categoria de doutrina filosófica, o Espiritismo conquistou inumeráveis adeptos, mesmo entre aqueles que não foram testemunhas de nenhum fato material; é que o homem ama o que fala à sua razão, o que pode apreciar, e que encontra, na filosofia espírita, outra coisa que um passatempo, alguma coisa que preenche, nele, o vazio pungente da incerteza. Penetrando nesse mundo extracorpóreo pelos caminhos da observação, quisemos nele fazer nossos leitores penetrarem, e fazê-lo compreenderem; cabe a eles julgarem se alcançamos nosso objetivo. Prosseguiremos, pois, em nossa tarefa durante o ano que vai começar, e que tudo anuncia dever ser fecundo. Novos fatos, de uma ordem estranha, surgem neste momento e nos revelam novos mistérios; nós os registraremos cuidadosamente, e neles procuraremos a luz com tanta perseverança quanto no passado, porque tudo pressagia que o Espiritismo vai entrar numa nova fase, mais grandiosa e mais sublime ainda.
ALLAN KARDEC.
R.E. 1859 – Julho – Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas – Discurso do encerramento do ano social 1858-1859
Senhores,
No momento em que se expira vosso ano social, permiti-me vos apresentar um breve resumo da marcha e dos trabalhos da Sociedade.
Conheceis sua origem: ela se formou sem desígnio premeditado, sem projeto preconcebido. Alguns amigos se reuniam em minha casa num pequeno grupo; pouco a pouco, esses amigos pediram minha permissão para me apresentarem seus amigos. Não havia então presidente: eram reuniões íntimas de oito a dez pessoas, como existem centenas delas em Paris e alhures; mas era natural que, em minha casa, eu tivesse a direção do que ali se fazia, seja como dono da casa, seja também em razão dos estudos especiais que. eu havia feito, e que me davam uma certa experiência da matéria.
O interesse que se tomava por essas reuniões, era crescente, embora não se ocupasse senão de coisas muito sérias; pouco a pouco, de um e de outro, o número dos assistentes aumentava, e meu modesto salão, muito pouco propício para uma assembléia, tomou-se insuficiente. Foi então que, alguns dentre vós, propuseram se procurasse um lugar mais cômodo, e se cotizarem para subvencionar os gastos, não achando justo que eu os suportasse sozinho, como fizera até aquele momento. Mas, para se reunir regularmente, além de um certo número, e no local estranho, era necessário conformar-se às prescrições legais, era necessário um regulamento, e, conseqüentemente, um presidente como titular; enfim, era necessário constituir uma sociedade; o que ocorreu com o consentimento da autoridade, cuja benevolência não nos faltou. Era necessário também imprimir aos trabalhos uma direção metódica e uniforme, e consentistes em me encarregar de continuar o que fazia em minha casa, em nossas reuniões particulares.
Trouxe para minhas funções, que posso dizer laboriosas, toda a exatidão e todo o devotamento de que era capaz; do ponto de vista administrativo, esforcei-me por manter, nas sessões, uma ordem rigorosa, e dar-lhe um caráter de gravidade, sem o qual o prestígio de assembléia séria teria logo desaparecido. Agora que minha tarefa terminou, e que o impulso foi dado, devo vos participar a resolução que tomei de renunciar, para o futuro, a toda espécie de função na Sociedade, mesmo a de diretor dos estudos; não ambiciono senão um título, o de simples membro titular, com o qual estarei sempre feliz e honrado. O motivo de minha determinação está na multiplicidade dos meus trabalhos, que aumentam todos os dias em razão da extensão das minhas relações, porque além daqueles que conheceis, preparo outros mais consideráveis, que exigem longos e laboriosos estudos, e não absorverão menos de dez anos; ora, os da Sociedade não deixam de tomar muito tempo, seja para a preparação, seja para a coordenação e a cópia correta. Por outro lado, eles reclamam uma assiduidade freqüentemente prejudicial às minhas ocupações pessoais, e que tomam indispensável a iniciativa, quase exclusiva, que me deixastes. Foi por causa disso, Senhores, que tive que tomar tão freqüentemente a palavra, lamentando a miúdo que os membros eminentemente esclarecidos que possuímos nos privassem de suas luzes. Já há muito tempo tinha o desejo de demitir-me de minhas funções; eu o expressei, de um modo muito explícito, em diversas circunstâncias, seja aqui, seja em particular a vários de meus colegas, e notadamente ao senhor Ledoyen. Tê-lo-ia feito mais cedo sem o temor de trazer perturbação à Sociedade, retirando-me ao meio do ano, podendo se crer em uma defecção; e não era necessário dar essa satisfação aos nossos adversários. Portanto, deveria cumprir minha tarefa até o fim; mas hoje, quando esses motivos não mais existem, apresso-me em vos participar a minha resolução, a fim de não entravar a escolha que fareis. É justo que cada um tenha sua parte de encargos e de honras.
Depois de um ano, a Sociedade viu crescer rapidamente sua importância; o número de membros titulares triplicou em alguns meses; tendes numerosos correspondentes nos dois continentes, e os auditores ultrapassariam o limite do possível se não se pusesse um freio pela estrita execução do regulamento. Contastes, entre estes últimos, as mais altas notabilidades sociais e mais de uma ilustração. O zelo que se toma em solicitar admissão em vossas sessões testemunha o interesse que se tem por elas, não obstante a ausência de toda experimentação destinada a satisfazer a curiosidade, e talvez mesmo em razão de sua simplicidade.” Se todos não saem dela convencidos, o que seria pedir o impossível, as pessoas sérias, aquelas que não vêm com uma intenção de difamação, levam da gravidade dos vossos trabalhos uma impressão que as dispõem a aprofundar essas questões. De resto, não temos senão que aplaudir as restrições que colocamos para a admissão de ouvintes estranhos: evitamos assim a massa de curiosos importunes. A medida com a qual limitastes essa admissão a certas sessões, reservando as outras unicamente para os membros da Sociedade, resultou por vos dar maior liberdade nos estudos, que a presença de pessoas ainda não iniciadas e cujas simpatias não estão asseguradas, poderiam entravar.
Essas restrições parecerão muito naturais para aqueles que conhecem o objetivo da nossa instituição, e que sabem, antes de tudo, que somos uma Sociedade de estudos e de pesquisas, antes que uma arena de propaganda; por essa razão não admitimos, em nossas fileiras, aqueles que, não tendo as primeiras noções da ciência, nos fariam perder nosso tempo em demonstrações elementares, renovadas incessantemente. Sem dúvida, todos nós desejamos a propagação das idéias que professamos, porque as julgamos úteis, e cada um de nós nisso contribui com a sua parte; mas sabemos que convicção não se adquire senão por observações continuadas, e não por alguns fatos isolados, sem seqüência e sem raciocínio, contra os quais a incredulidade sempre pode levantar objeções. Um fato, dir-se-á, é sempre um fato; é um argumento sem réplica. Sem dúvida, quando ele não é nem contestado e nem contestável. Quando um fato sai do círculo das nossas idéias e dos nossos conhecimentos, à primeira vista parece impossível; quanto mais ele é extraordinário, mais objeções levanta, por isso é contestado; aquele que lhes sonda as causas, que se dá conta dele, encontra-lhe uma base, uma razão de ser; compreende-lhe a possibilidade, e, desde então, não o rejeita mais. Um fato, freqüentemente, não é inteligível senão pela sua ligação com outros fatos; tomado isoladamente, pode parecer estranho, incrível, absurdo mesmo; mas que seja um dos anéis da cadeia, que tenha uma base racional, que se possa explicá-lo, e toda a anomalia desaparece. Ora, para conceber esse encadeamento, para compreender esse conjunto ao qual se é conduzido de conseqüência em conseqüência, é necessário em todas as coisas, e talvez ainda mais em Espiritismo, uma seqüência de observações racionais. O raciocínio, portanto, é um poderoso elemento de convicção, hoje mais que nunca, quando as idéias positivas nos levam a saber o por quê e o como de cada coisa.
Espanta-se com a persistente incredulidade, em matéria de Espiritismo, da parte de pessoas que viram, ao passo que outras, que nada viram, são crentes firmes; quer dizer que estes últimos são pessoas superficiais que aceitam, sem exame, tudo o que se lhes diz? Não; pelo contrário: os primeiros viram, mas mas não compreendem; os segundos não viram, mas compreendem, e não compreendem senão pelo raciocínio. O conjunto dos raciocínios sobre os quais se apóiam os fatos, constitui a ciência, ciência ainda muito imperfeita, é verdade, e da qual nenhum de nós pretende ver atingir o apogeu, mas, enfim, é uma ciência em seu início, e é na direção da pesquisa de tudo que pode ampliá-la e constituí-la que estão dirigidos vossos estudos. Eis o que importa se saiba bem fora desse recinto, a fim de que não se equivoque sobre os objetivos que nos propusemos; a fim de que não se creia, sobretudo, vindo aqui, encontrar uma exibição de Espíritos dando-se em espetáculos. A curiosidade tem um termo; quando está satisfeita, procura um novo objeto de distração; aquele que não se detém na superfície, que vê além do efeito material, encontra sempre alguma coisa para aprender; o raciocínio é para ele uma mina inesgotável: é sem limite. Nossa linha de conduta, aliás, poderia ser melhor traçada pelas admiráveis palavras que o Espírito de São Luís nos dirigiu, e que não deveríamos jamais perder de vista: “Zombou-se das mesas girantes, não se zombará jamais da filosofia, da sabedoria e da caridade que brilham nas comunicações sérias. Que alhures se veja, que em outro lugar se ouça, que entre vós se compreenda e se ame.”
Essas palavras: que entre vós se compreenda, são todo um ensinamento. Devemos compreender, e procuramos compreender, porque não queremos crer como cegos: o raciocínio é o facho que nos guia. Mas o raciocínio de um só pode se extraviar, por isso quisemos nos reunir em sociedade, a fim de nos esclarecermos mutuamente pelo concurso recíproco de nossas idéias e de nossas observações. Colocando-nos nesse terreno, assemelhamo-nos a todas as outras instituições científicas, e nossos trabalhos farão mais prosélitos sérios do que se passássemos nosso tempo fazendo girar e bater as mesas. Logo estaríamos saciados; queremos para o nosso pensamento um alimento mais sólido, eis porque procuramos penetrar os mistérios do mundo invisível, cujos fenômenos elementares não são senão os primeiros indícios. Aquele que que sabe ler, diverte-se repetindo, sem cessar, o alfabeto? Teríamos talvez um maior concurso de curiosos que se sucederiam em nossas sessões como os personagens de um panorama móvel, mas esses curiosos, que não poderiam levar uma convicção improvisada pela visão de um fenômeno inexplicável para eles, que o julgariam sem aprofundá-lo, seriam antes um obstáculo aos nossos trabalhos; eis porque, não querendo desviar de nosso caráter cientifico, afastamos quem não é atraído para nós por um objetivo sério. Ó Espiritismo tem conseqüências tão graves, e toca questões de uma tão grande importância, dá a chave de tantos problemas, nele haurimos, enfim, um tão profundo ensinamento filosófico, que ao lado disso, uma mesa girante é uma verdadeira infantilidade.
A observação dos fatos sem o raciocínio é insuficiente, dizemos, para conduzir a uma convicção completa, e é de preferência àquele que se declarasse convencido por um fato que não compreende, que se poderia taxar de leviandade; mas essa maneira de proceder tem um outro inconveniente, que é bom mencionar, e cada um de nós pôde testemunhar, é a mania da experimentação, que lhe é a conseqüência natural. Aquele vê um fato espírita sem dele ter estudado todas as circunstâncias, geralmente, não vê senão o fato material, e desde então o julga sob o ponto de vista de suas próprias idéias, sem pensar que fora das leis conhecidas pode, e deve, haver leis desconhecidas. Crê poder fazê-lo manobrar à sua vontade; impõe suas condições e não estará convencido, diz, senão quando se cumpre de tal modo e não de tal outro; ele imagina que se experimenta os Espíritos igual a uma pilha elétrica, não conhecendo nem sua natureza, nem sua maneira de ser que não estudou, crê poder impor-lhe sua vontade, e pensa que devem agir ao sinal dado pelo seu bom prazer de convencer-se; porque está disposto, por um quarto de hora, ouvi-los, se imagina que devem estar às suas ordens. São os erros nos quais não caem aqueles que se dão ao trabalho de se aprofundar; sabem render-se conta dos obstáculos e não pedem o impossível; em lugar de querem conduzir os Espíritos ao seu ponto de vista, ao que não se prestam de boa vontade, colocam-se no ponto de vista dos Espíritos, e para eles os fenômenos mudam de aspecto. Para isso são necessárias a paciência, a perseverança, e uma firme vontade, sem a qual não se chega a nada. Quem quer realmente saber, deve submeter-se às condições da coisa, e não querer submeter a coisa às suas próprias condições. Eis porque a Sociedade não se presta a experimentação que seriam sem resultados, porque sabe, pela experiência, que o Espiritismo, não mais que toda ciência, não se aprende em algumas horas e com presteza. Como ela é séria, não quer ter negócios senão com pessoas sérias, que compreendem as obrigações que um semelhante estudo impõe, quando se quer fazê-lo conscientemente. Ela não reconhece como sérios aqueles que dizem: Fazei-me ver um fato e estarei convencido. Isso quer dizer que negligenciamos o fato? Muito ao contrário, uma vez que toda a nossa ciência está baseada sobre os fatos; procuramos, pois, diligentemente todos aqueles que nos oferecem um objeto de estudo, ou que confirmam princípios admitidos; quero dizer somente que não perdemos nosso tempo reproduzindo aqueles que conhecemos, não mais do que o físico não se diverte se repetindo as experiências que nada lhe ensinam de novo. Centramos nossas investigações sobre tudo aquilo que pode esclarecer nossa marcha; ligando-nos de preferência às comunicações inteligentes, fontes da filosofia espirita, e cujo campo é sem limites, bem mais do que as manifestações puramente materiais, que não têm senão o interesse do momento.
Dois sistemas igualmente preconizados e praticados se apresentam no modo de se receberem as comunicações de além-túmulo; uns preferem esperar as comunicações espontâneas, os outros as provocam por uma chamada direta feita a tal ou tal Espírito. Os primeiros pretendem que na ausência de controle para constatar a identidade dos Espíritos, esperando sua boa vontade, se está menos exposto a ser induzido em erro, já que aquele que fala é porque quer falar, ao passo que não é certo que aquele que se chama possa vir ou responder. Objetam que deixar falar o primeiro que aparece, é abrir a porta aos maus tão bem quanto aos bons. A incerteza da identidade não é objeção séria, pois que, freqüentemente, existem meios de constatá-la, e que, aliás, essa constatação é o objeto de um estudo que se prende aos próprios princípios da ciência; o Espírito que fala espontaneamente se encerra, o mais ordinariamente, em generalidades, ao passo que as perguntas lhe traçam um quadro mais positivo e mais instrutivo. Quanto a nós, não condenamos senão os sistemas exclusivos; sabemos que se obtêm coisas muito boas por um e por outro modo, e se damos a preferência ao segundo, é porque a experiência nos ensinou que, nas comunicações espontâneas, os Espíritos enganadores não deixam de se ornamentar com nomes respeitáveis do que nas evocações; eles têm mesmo o campo mais livre, ao passo que pelas perguntas são dominados, são dirigidos mais facilmente, sem contar que as perguntas são de uma utilidade incontestável nos estudos. É a esse modo de investigações que devemos a multidão de observações que recolhemos, a cada dia, que nos fazem penetrar mais profundamente esses estranhos mistérios. Quanto mais nós avançamos, mais o horizonte aumenta diante de nós, e nos mostra o quanto é vasto o campo que temos a ceifar.
As numerosas observações que fizemos permitiram levar um olhar investigador sobre o mundo invisível, desde a base até o cume, quer dizer, no que He tem de mais ínfimo como no que tem de mais sublime. Ás inumeráveis variedades de fatos e de caracteres que saíram desses estudos, feitos com a calma profunda, a atenção sustentada e a prudente circunspeção de observadores sérios, nos abriram os arcanos desse mundo tão novo para nós; a ordem e o método que colocastes em vossas pesquisas foram os elementos indispensáveis para o sucesso. Com efeito, sabeis, pela experiência, que não basta chamar ao acaso o Espírito de tal ou tal pessoa; os Espíritos não vêm, assim, ao sabor de nosso capricho e não respondem a tudo aquilo que a fantasia nos leva a perguntar-lhes. É necessário, com os seres de além-túmulo, circunspeção, saber ter uma linguagem apropriada à sua natureza, às suas qualidades morais, ao grau de sua inteligência, à classe que eles ocupam; estar com eles, dominador ou submisso, segundo as circunstâncias, compadecente por aqueles que sofrem, humilde e respeitoso com os superiores, firme com os maus e os obstinados que não subjugam senão aqueles que os escutam com complacência; é necessário, enfim, saber formular e encadear, metodicamente, as perguntas para obter respostas mais explícitas, agarrar nas respostas as nuanças que são, freqüentemente, traços característicos, revelações importantes, que escapam ao observador superficial, sem experiência ou de passagem. A maneira de conversar com os Espíritos é, pois, uma verdadeira arte que exige tato ou conhecimento do terreno sobre o qual se caminha, e constitui, propriamente falando, o Espiritismo prático. Sabiamente dirigidas, as evocações podem ensinar grandes coisas; oferecem um poderoso elemento de interesse, de moralidade e de convicção: de interesse, porque elas nos dão a conhecer o estado do mundo que espera todos nós, e do qual se faz, algumas vezes, uma idéia tão bizarra; de moralidade, porque podemos ver aí, por analogia, nossa sorte futura; a convicção, porque se encontra nessas conversações íntimas a prova manifesta da existência e da individualidade dos Espíritos, que não são outros senão nossas almas desligadas da matéria terrestre. Estando formada, em geral, vossa opinião sobre o Espiritismo, não tendes necessidade de assentar vossas convicções sobre a prova material das manifestações físicas; também não quisestes, segundo o conselho dos Espíritos, encerrar-vos nos estudos dos princípios e das questões morais, sem negligenciar, por isso, o exame dos fenômenos que podem ajudar na procura da verdade.
A crítica demolidora nos censurou por aceitarmos, muito facilmente, as doutrinas de certos Espíritos, sobretudo naquilo que concerne às questões científicas. Essas pessoas mostram, por isso mesmo, que elas não conhecem nem o verdadeiro objetivo da ciência espírita, nem aquele que nos propusemos e se pode, com todo o direito, retornar-lhe a censura de leviandade em seu julgamento. Certamente não é a vós que é necessário ensinar a reserva com a qual se deve acolher o que vem dos Espíritos; e estamos longe de tomar todas as suas palavras por artigos de fé. Sabemos que entre eles existem os de todos os graus de saber e de moralidade; para nós é todo um povo que apresenta variedades cem vezes mais numerosas que aquelas que vemos entre os homens; é chegar a conhecê-lo e compreendê-lo; por isso, estudamos as individualidades, observamos as nuanças, tratamos de compreender os traços distintivos de seus costumes, de seus hábitos, de seu caráter; queremos, enfim, tanto quanto possível, nos identificar com o estado desse mundo. Antes de ocupar uma residência, gostamos muito de saber como ela é, se estaremos ali comodamente, conhecer os hábitos dos vizinhos que teremos, o gênero de sociedade que ali poderemos freqüentar. Pois bem! É nossa residência futura, são os costumes do povo no meio do qual viveremos, que os Espíritos nos fazem conhecer. Mas, do mesmo modo que, entre nós, as pessoas ignorantes e de visão estreita se fazem uma idéia incompleta do nosso mundo material e do meio que não seja o seu, do mesmo modo os Espíritos cujo horizonte moral é limitado, não podem abarcar o conjunto, e estão ainda sob o império de preconceitos e de sistemas; não podem, pois, nos informar, sobre tudo o que concerne ao mundo espírita, mais do que um camponês poderia fazê-lo quanto ao estado da alta sociedade parisiense ou do mundo sábio. Seria, pois, ter de nosso julgamento uma bem pobre opinião, pensando-se que escutamos todos os Espíritos como oráculos. Os Espíritos são o que são, e não podemos mudar a ordem das coisas; não sendo todos perfeitos, não aceitamos suas palavras senão sob o benefício de inventário, e não com a credulidade de crianças; julgamos, comparamos, tiramos conseqüências de nossas observações, e seus próprios erros são para nós ensinamentos, porque não renunciamos ao nosso discernimento.
Essas observações se aplicam igualmente a todas as teorias científicas que os Espíritos possam dar. Seria muito cômodo não ter senão que interrogá-los para encontrar a ciência toda pronta, e para possuir os segredos da indústria: não adquiriremos a ciência senão ao preço de trabalho e de pesquisas; sua missão não é nos livrar dessa obrigação. Aliás, sabemos que não só nem todos sabem tudo, mas que há, entre eles, falsos sábios, como entre nós, que crêem saber o que não sabem, e falam daquilo que ignoram com o descaramento mais imperturbável. Um Espírito poderia dizer, pois, que é o Sol que gira e não a Terra, e sua teoria não seria mais verdadeira porque vinda de um Espírito. Que aqueles que nos supõem uma credulidade tão pueril, saibam, pois, que tomamos toda opinião manifestada por um Espírito por uma opinião individual; que não a aceitamos senão depois de tê-la submetido ao controle da lógica e dos meios de investigação que a própria ciência espírita nos fornece, meios que todos vós conheceis.
Tal é, senhores, o objetivo que a Sociedade se propõe; certamente, não me cabe vo-lo ensinar, mas alegro-me em lembrá-lo aqui, a fim de que, se minhas palavras ressoarem lá fora, não se equivoquem mais sobre o seu verdadeiro caráter. Estou feliz, de minha parte, por não haver senão que seguir-vos nesse caminho sério que eleva o Espiritismo à categoria de ciência filosófica. Vossos trabalhos já deram frutos, mas os que darão mais tarde são incalculáveis, se, como disso não duvido, permanecerdes nas condições propícias para atrair os bons Espíritos entre vós.
O concurso dos bons Espíritos, tal é, com efeito, a condição sem a qual ninguém pode esperar a verdade; ora, depende de nós obter esse concurso. A primeira de todas as condições para conciliar sua simpatia, é o recolhimento e a pureza de intenções. Os Espíritos sérios vão onde são chamados com seriedade, com fé, fervor e confiança; não gostam de servir para experiência, nem se darem em espetáculo; ao contrário, comprazem-se em instruir aqueles que os interrogam sem segunda intenção; os Espíritos leviamos, que zombam de tudo, vão por toda parte e de preferência onde encontram ocasião para mistificarem; os maus são atraídos pelos maus pensamentos, e por maus pensamentos é preciso entender todos aqueles que não estejam conforme os princípios da caridade evangélica. Portanto, em toda reunião, quem carregue consigo sentimentos contrários a esses preceitos, conduz consigo Espíritos desejosos de semearem a perturbação, a discórdia e a desafeição.
A comunhão de pensamentos e de sentimentos para o bem é, assim, uma coisa de primeira necessidade, e essa comunhão não pode encontrar-se num meio heterogêneo, onde teriam acesso as baixas paixões do orgulho, da inveja e do ciúme, paixões que sempre se trairiam pela malevolência e pela acrimônia da linguagem, por espesso que seja, aliás, o véu com o qual se procure cobri-las; é o a, b, c, da ciência espírita. Se quisermos fechar, aos maus Espíritos, as portas deste recinto fechado, cerremos-lhes primeiro a porta de nossos corações, e evitaremos tudo o que poderia dar-lhes presa sobre nós. Se alguma vez a Sociedade tornar-se o joguete de Espíritos enganadores, por quem seriam ali atraídos? Por aqueles em quem encontrassem eco, porque não vão senão aonde sabem ser escutados. Conhece-se o provérbio: Dize-me com quem andas, dir-te-ei as manhas que tens; e que se pode indagar assim com respeito aos nossos Espíritos simpáticos: Dize-me o que pensas, e dir-te-ei com quem andas. Ora, os pensamentos se traduzem pelos atos; portanto, admitindo-se que a discórdia, o orgulho, a inveja e o ciúme não podem ser insuflados senão pelos maus Espíritos, quem trouxesse aqui esses elementos de desunião, suscitaria entraves, acusaria, por isso mesmo, a natureza de seus satélites ocultos, e não poderíamos senão lamentar sua presença no seio da Sociedade. Queira Deus que ela jamais seja assim, eu o espero, e com a assistência dos bons Espíritos, se soubermos nos tornar favoráveis, a Sociedade se consolidará, tanto pela consideração que saberá merecer quanto pela utilidade de seus trabalhos. Se não tivéssemos em vista senão experiências de curiosidade, a natureza das comunicações seria quase indiferente, porque não as tomaríamos sempre senão por aquilo que seriam; mas como, em nossos estudos, não procuramos nem nossa diversão, nem a do público, o que queremos são comunicações verdadeiras; para isso ser-nos-á necessária a simpatia dos bons Espíritos, e essa simpatia não é adquirida senão por aqueles que afastam o mal na sinceridade de sua alma. Dizer que os Espíritos levianos jamais puderam se introduzir entre nós, favorecidos por algum ponto fraco, seria muita presunção e pretender a perfeição; os próprios Espíritos superiores poderiam permiti-lo para experimentarem nossa perspicácia e nosso zelo na procura da verdade; mas nosso julgamento deve manter-nos em guarda contra as armadilhas que podem nos ser estendidas, e nos dá, em todos os casos, os meios para evitá-las.
O objetivo da Sociedade não consiste somente na pesquisa dos princípios da ciência espírita; vai mais longe: ela estuda também suas conseqüências morais, porque aí sobretudo está a verdadeira utilidade.
Nossos estudos nos ensinam que o mundo invisível que nos cerca reage, constantemente, sobre o mundo visível; eles no-lo mostram como uma das forças da Natureza; conhecer os efeitos dessa força oculta que nos domina e nos subjuga com o nosso desconhecimento, não é ter a chave de mais de um problema, a explicação de uma multidão de fatos que passam despercebidos? Se esses efeitos forem funestos, conhecer a causa do mal não seria ter o meio de preservar-se deles, como o conhecimento das propriedades da eletricidade nos deu o meio de atenuar os efeitos desastrosos do raio? Se sucumbirmos, então, não nos poderemos queixar senão de nós mesmos, porque não mais teremos a ignorância por desculpa. O perigo está no império que os maus Espíritos tomam sobre os indivíduos, e esse império não é apenas funesto do ponto de vista dos erros de princípios que possam propagar, mas o é, ainda, do ponto de vista dos interesses da vida material. A experiência nos ensina que jamais é impunemente que se abandona à sua dominação; porque suas intenções nunca podem ser boas. Uma de suas táticas, para alcançar seus fins, é a desunião, porque sabem muito bem que dominarão facilmente aquele que estiver privado de apoio; também seu primeiro cuidado, quando querem se apossar de alguém, é o de sempre inspirar-lhe a desconfiança e o distanciamento de quem possa desmascará-los, esclarecendo-o com conselhos salutares; uma vez senhores do terreno, podem, à sua vontade, fasciná-lo com promessas sedutoras, subjugá-lo gabando suas inclinações, aproveitando, para isso, todos os lados fracos que encontram, para melhor fazê-lo sentir, em seguida, a amargura das decepções, feri-lo em suas afeições, humilhá-lo em seu orgulho, e, freqüentemente, não elevá-lo um instante senão para precipitá-lo de mais alto.
Eis, senhores, o que nos mostram os exemplos que, a cada instante, se desenrolam aos nossos olhos, tanto no mundo dos Espíritos quanto no mundo corpóreo, os quais podemos aproveitar para nós mesmos, ao mesmo tempo que procuramos aproveitá-los aos outros. Mas, dir-se-á, não atraireis os maus Espíritos evocando homens que foram a escória da sociedade? Não, porque não sofreremos jamais sua influência. Não há perigo senão quando é o Espírito que se IMPÕE, ele jamais existe quando se IMPÕE ao Espírito. Sabeis que esses Espíritos não vêm ao nosso chamado senão como constrangidos e forçados, e que, em geral, encontram tão pouco do seu meio entre nós, que sempre têm pressa de se irem. Sua presença é para nós um estudo, porque, para conhecer, é necessário ver tudo; o médico não chega ao apogeu do seu saber senão sondando as feridas mais hediondas; ora, essa comparação do médico é tanto mais justa quando sabeis quantas feridas cicatrizamos, quantos sofrimentos aliviamos; nosso dever é mostrar-nos caridosos e benevolentes para com os seres de além-túmulo, como para os nossos semelhantes.
Desfrutaria eu, pessoalmente, senhores, de um privilégio extraordinário se estivesse ao abrigo da crítica. Ninguém se coloca em evidência sem se expor aos dardos daqueles que não pensam como nós. Mas há duas espécies de críticos: uma que é malevolente, acerba, envenenada, onde o ciúme se trai a cada palavra; a que tem por objetivo a procura sincera da verdade, e comportamentos diferentes. A primeira não merece senão o desdém: com ela jamais me atormentei; só a segunda é discutível.
Algumas pessoas disseram que fui muito apressado nas teorias espíritas; que não chegara o tempo de estabelecê-las, que as observações não eram bastante completas. Permiti-me algumas palavras a esse respeito.
Duas coisas devem ser consideradas no Espiritismo: a parte experimental e a parte filosófica ou teórica. Fazendo-se abstração do ensinamento dado pelos Espíritos, pergunto se, em meu nome, não tenho o direito, como tantos outros, de elocubrar um sistema de filosofia? O campo das opiniões não está aberto a todo o mundo? Por que, pois, não faria conhecer a minha? Caberá ao público julgar se ela tem ou não o senso comum. Mas essa teoria, em lugar de fazer um mérito, se mérito há, eu declaro que ela emana inteiramente dos Espíritos. – Seja, diz-se, mas ides muito longe. – Aqueles que pretendem dar a chave dos mistérios da criação desvendaram o princípio das coisas e a natureza infinita de Deus, não vão mais longe que eu, que declaro, em nome dos Espíritos, que não é dado ao homem aprofundar essas coisas sobre as quais não se pode estabelecer senão conjecturas mais ou menos prováveis? – Ides muito depressa. – Seria um erro terem certas pessoas avançado? Aliás, quem as impede de caminhar? – Os fatos não estão ainda suficientemente observados. – Mas se eu, com ou sem razão, creio tê-los observado bastante, devo esperar o bom prazer daqueles que permanecem atrás? Minhas publicações não barram o caminho de ninguém. – Uma vez que os Espíritos estão sujeitos ao erro, quem vos disse que aqueles que vos informaram não estão enganados? – Com efeito, aí está toda a questão, porque a da precipitação é muito pueril. Pois bem! Devo dizer sobre o que está fundada a minha confiança na veracidade e na superioridade dos Espíritos que me instruíram. Direi primeiro que, segundo o seu conselho, não aceito nada sem exame e sem controle; não adoto uma idéia senão se ela me parece racional, lógica e está de acordo com os fatos e as observações, se nada sério vem contradizê-la. Mas meu julgamento não poderia ser um critério infalível; o assentimento que encontrei numa multidão de pessoas mais esclarecidas do que eu, é para mim uma primeira garantia; encontro uma outra, não menos preponderante, no caráter das comunicações que me fizeram desde que me ocupo com o Espiritismo. Nunca, posso dizê-lo, escapou uma única dessas palavras, um único desses sinais pelos quais se traem sempre os Espíritos inferiores, mesmo os mais astuciosos; jamais dominação; jamais conselhos equivocados ou contrários à caridade e à benevolência, jamais prescrições ridículas; longe disso, não encontrei neles senão pensamentos grandes, nobres, sublimes, isentos de pequenez e mesquinharia; em uma palavra, suas relações comigo, nas menores, como nas maiores coisas sempre foram tais que se fora um homem que houvesse falado, tê-lo-ia pelo melhor, o mais sábio, o mais prudente, o mais moral e o mais esclarecido. Eis, senhores, os motivos de minha confiança, corroborados pela identidade de ensinamentos dados a uma multidão de outras pessoas antes e depois da publicação de minhas obras. O futuro dirá se estou ou não com a verdade; à espera, creio dever ajudar o progresso do Espiritismo trazendo algumas pedras ao edifício. Mostrando que os fatos podem se assentar sobre o raciocínio, terei contribuído para fazê-los sair do caminho frívolo da curiosidade, para fazê-los entrar na via séria da demonstração, a única que pode satisfazer os homens que pensam e não se detêm na superfície.
Termino, senhores, pelo curto exame de uma questão da atualidade. Fala-se de outras sociedades que querem se levantar rivalizando com a nossa. Uma, diz-se, conta já com 300 membros e possui recursos financeiros importantes. Quero crer que isso não seja uma fanfarrice, que seria também pouco lisonjeira para os Espíritos que a houvessem suscitado, como para aqueles que deles se fazem os ecos. Se for uma realidade, nós a felicitaremos sinceramente, se ela obtiver a unidade de sentimentos necessária para frustrar a influência dos maus Espíritos e consolidar a sua existência.
Ignoro completamente quais são os elementos da sociedade, ou das sociedades, que se diz querer formar; não farei, pois, senão uma nota geral.
Há em Paris e alhures uma multidão de reuniões íntimas, como foi a nossa outrora, onde se ocupa, mais ou menos seriamente, das manifestações espíritas, sem falar dos Estados Unidos, onde elas se contam por milhares; conheço-as onde as evocações se fazem nas melhores condições e onde se obtêm coisas muito notáveis; é a conseqüência natural do número crescente de médiuns que se desenvolvem em todos os lados, apesar dos galhofeiros, e quanto mais avançarmos, mais esses centros se multiplicarão. Esses centros, formados espontaneamente de elementos muito pouco numerosos e variáveis, nada de têm de fixo ou de regular e, propriamente falando, não constituem sociedades. Para uma sociedade regularmente organizada, são necessárias condições de vitalidade muito diferentes, em razão mesmo do número de membros que a compõem, da estabilidade e da permanência. A primeira de todas é a homogeneidade nos princípios e na maneira de ver. Toda sociedade formada por elementos heterogêneos, carrega consigo o germe de sua dissolução; pode-se dize-la natimorta qualquer que lhe seja o objeto: político, religioso, científico ou econômico. Uma sociedade espírita requer uma outra condição, que é a assistência dos bons Espíritos, querendo-se obter comunicações sérias, porque dos maus, deixando que tomem pé, não podemos esperar senão mentiras, decepções e mistificações; sua própria existência tem esse preço, uma vez que os maus serão os primeiros agentes de sua destruição; eles a minarão pouco a pouco, se não fizerem desabar tudo primeiro. Sem homogeneidade, nada de comunhão de pensamentos, e, portanto, nada de calma, nem de recolhimento possíveis; ora, os bons não vão senão ali onde encontram essas condições; e como encontrá-los numa reunião onde as crenças são divergentes, onde uns não crêem mesmo em tudo, e onde, conseqüentemente, domina sem cessar o espírito de oposição e de controvérsia? Eles não assistem senão aqueles que querem ardentemente se esclarecer, tendo em vista o bem, sem segunda intenção, e não para satisfazer uma vã curiosidade. Querer formar uma sociedade espírita fora dessas condições, seria dar prova de ignorância, a mais absoluta, dos princípios mais elementares do Espiritismo.
Somos nós, pois, os únicos capazes de reuni-los? Seria bem deplorável, e além do mais, bem ridículo para nós assim crer. O que fizemos, seguramente, outros podem fazê-lo. Que outras Sociedades se ocupem, pois, dos mesmos trabalhos nossos, que prosperem, que se multipliquem, tanto melhor, mil vezes tanto melhor, porque será um sinal de progresso nas idéias morais; tanto melhor, sobretudo, se forem bem assistidas e tiverem boas comunicações, porque não temos a pretensão de um privilégio a esse respeito; como não temos em vista senão nossa instrução pessoal e o interesse da ciência, que nossa sociedade não oculta nenhum pensamento de especulação nem direto e nem indireto, nenhuma via ambiciosa, que sua existência não repousa sobre uma questão de dinheiro, as outras Sociedades serão para nós irmãs, mas não podem ser concorrentes; se delas tivermos ciúmes, provaremos que estamos assistidos por maus Espíritos. Se uma delas se formasse tendo em vista criar-nos uma rivalidade, com a segunda intenção de nos suplantar, ela revelaria por seu próprio objetivo à natureza dos Espíritos que presidiram sua formação, porque esse pensamento não seria nem bom nem caridoso, e os bons Espíritos não simpatizam com os sentimentos de ódio, de ciúmes e de ambição.
Temos, de resto, um meio infalível de não temer nenhuma rivalidade; foi São Luís quem no-lo deu: Que entre vós vos compreendais e vos ameis, disse-nos. Trabalhemos, pois, para compreender; lutemos com os outros, mas lutemos com caridade e abnegação. Que o amor ao próximo esteja inscrito em nossa bandeira e seja a nossa divisa; com isso afrontaremos o escárnio e a influência dos maus Espíritos. Nesse terreno, podem nos igualar, e tanto melhor, porque serão irmãos que nos chegarão, mas depende de nós não estarmos nunca ultrapassados.
Mas, dir-se-á, tendes uma maneira de ver que não é a nossa; não podemos simpatizar com princípios que não admitimos, porque nada prova que estais com a verdade. A isso eu respondo: Nada prova que estejais mais do que nós na verdade, porque duvidais ainda, e a dúvida não é uma doutrina. Pode-se diferir de opinião sobre pontos da ciência, sem se morder e se atirar a pedra; é mesmo muito pouco digno e muito pouco científico fazê-lo. Procurai, pois, de vossa parte como procuramos da nossa; o futuro dará razão a quem tem direito. Se nos enganamos, não teremos o tolo amor próprio de nos obstinar em idéias falsas; mas há princípios sobre os quais se está certo de não se enganar: são o amor ao bem, a abnegação, a abjuração de todo sentimento de inveja e de ciúme; esses princípios são os nossos, e com esses princípios pode-se simpatizar sempre sem se comprometer; é o laço que deve unir todos os homens de bem, qualquer que seja a divergência de suas opiniões: só o egoísmo coloca entre eles uma barreira intransponível.
Tais são, Senhores, as observações que acreditei dever vos apresentar, deixando as funções que me confiastes; agradeço do fundo do coração todos aqueles que consentiram em me darem testemunhos de sua simpatia. Chegue onde chegar, minha vida está consagrada à obra que empreendemos, e ficarei feliz se meus esforços puderem ajudar a fazê-la entrar no caminho sério que é a sua essência, o único que poderá assegurar seu futuro. O objetivo do Espiritismo é de tornar melhores aqueles que o compreendem; tratemos de dar o exemplo e de mostrar que, para nós, a doutrina não é letra morta; em uma palavra, sejamos dignos dos bons Espíritos, se quisermos que os bons Espíritos nos assistam. O bem é uma couraça contra a qual virão sempre se quebrar as armas da malevolência.
ALLAN KARDEC
R.E. 1859 – Agosto – Um Espírito Serviçal
Extraímos as passagens seguintes da carta de um dos nossos correspondentes de Bordeaux:
“Eis aqui, meu caro senhor Allan Kardec, um novo relato de fatos extraordinários que submeto à vossa apreciação, ro- gando tenhais a bondade de interrogar o Espírito que os produziu.
“Uma jovem mulher, que chamaremos senhora Mally, é a pessoa por intermédio da qual se deram as manifestações que constituem o assunto desta carta. Ela reside em Bordeaux e tem três filhos.
“Desde tenra idade, com cerca de nove anos, tem tido visões. Certa noite, ao voltar a casa com a família, viu no canto da escada a forma muito distinta de uma tia, falecida há quatro ou cinco anos. Soltando uma exclamação, disse: Ah! Minha tia! e a aparição desapareceu. Dois anos depois, ouviu uma voz que a chamava, nela julgando reconhecer a da tia morta. O chamado era tão forte que não pôde deixar de dizer: ‘Entrai, minha tia!’ Como a porta não se abrisse, ela mesma foi abri-la; não vendo ninguém, desceu à procura de sua mãe para se informar se alguém tinha subido.
“Alguns anos depois encontramos essa senhora sob o domínio de um guia ou Espírito familiar, que parece encarregado de velar sobre sua pessoa e sobre seus filhos, e que presta uma porção de pequenos serviços em casa, entre outros o de despertar os doentes à hora marcada para tomar o chá ou aqueles que desejam partir; por certas manifestações ele revela o seu estado moral. Este Espírito tem um caráter pouco sério; entretanto, ao lado de sinais de leviandade, tem dado provas de sensibilidade e afeição. Geralmente a Sra. Mally o vê sob a forma de uma centelha ou de uma grande claridade, embora se manifeste a seus filhos sob a forma humana. Uma sonâmbula pretendia ter-lhe dado esse guia, sobre o qual parecia exercer certa influência. Quando a Sra. Mally ficava algum tempo sem se preocupar com seu guia, este cuidava de se fazer lembrado por algumas visões mais ou menos desagradáveis. Uma vez, por exemplo, quando ela descia sem luz, percebeu no patamar um cadáver envolvido num sudário luminoso. Essa senhora tem uma grande força de caráter, como veremos mais tarde; entretanto, não se pôde forrar a essa impressão assaz penosa e, fechando firmemente a porta do quarto, foi refugiar-se junto à mãe. De outras vezes sentia que lhe puxavam o vestido ou experimentava roçaduras, como se alguém ou algum animal se lhe encostasse levemente. Essas traquinagens cessavam logo que ela dirigia um pensamento ao seu guia e, por sua vez, a sonâmbula admoestava a este último e o proibia de atormentá-la.
“Em 1856, a terceira filha da senhora Mally, de quatro anos de idade, adoeceu no mês de agosto. A criança estava continuamente mergulhada num estado de sonolência, interrompido por crises e convulsões. Durante oito dias eu mesmo a vi, parecendo sair do seu abatimento, adquirir uma expressão sorridente e feliz, de olhos semicerrados, sem olhar para as pessoas que a cercavam, estender a mão por meio de um gesto gracioso, como para receber alguma coisa, levá-la à boca e comer; depois agradecer com um sorriso encantador. Durante esses oito dias a criança foi sustentada por esse alimento invisível e seu corpo readquiriu a aparência do frescor habitual. Quando pôde falar, parecia haver saído de um sono prolongado e contava visões maravilhosas.
“Durante a convalescença da menina, por volta do dia 25 de agosto, ocorreu, nessa mesma casa, a aparição de um agênere. Cerca de dez e meia da noite a Sra. Mally, segurando a pequena pela mão, descia uma escada de serviço quando percebeu um indivíduo que subia. A escada estava perfeitamente iluminada pela luz da cozinha, de modo que ela pôde distinguir muito bem o indivíduo, cuja aparência era a de uma pessoa de constituição vigorosa. Chegados ao patamar ao mesmo tempo, encontraram-se face a face; tratava-se de um rapaz de aspecto agradável, bem vestido, com um boné à cabeça e segurando na mão um objeto que ela não foi capaz de distinguir. Surpreendida com esse encontro inesperado àquela hora e numa escada quase escondida, a Sra. Mally o encarou sem dizer uma palavra e sem perguntar o que ele queria. Por sua vez o desconhecido a observou em silêncio por alguns instantes, depois deu meia volta e desceu a escada, esfregando no corrimão o objeto que tinha na mão e que produzia um ruído semelhante ao de uma varinha. Assim que desapareceu a Sra. Mally precipitou-se para a sala onde eu me encontrava nesse momento e gritou que havia um ladrão na casa. Pusemo-nos a procurá-lo, auxiliados por meu cachorro; todos os recantos foram examinados; asseguramo-nos de que a porta da rua estava fechada, de modo que ninguém poderia ter entrado; aliás, se o fizessem, não conseguiriam fechá-la sem provocar ruído. Finalmente, era pouco provável que um malfeitor utilizasse uma escada iluminada e a uma tal hora, onde se expunha a topar com as pessoas da casa a qualquer momento. Por outro lado, como poderia um estranho ter sido encontrado na escada que não serve ao público? Em todo caso, se se tivesse enganado, teria dirigido a palavra à Sra. Mally, ao passo que voltou-lhe as costas e se foi tranqüilamente, como alguém que não tem pressa nem se atrapalha no caminho. Todas essas circunstâncias não nos deixaram a menor dúvida quanto à natureza desse indivíduo.
“Esse Espírito manifesta-se freqüentemente por meio de ruídos que se assemelham aos do tambor, a golpes violentos no fogão, a batidas de pés nas portas, que então se abrem sozinhas e, por fim, a ruídos parecidos com os de calhaus que fossem atirados às vidraças. Certo dia a Sra. Mally estava à porta da cozinha quando viu um móvel à sua frente abrir-se e fechar-se várias vezes por mão invisível; em outras ocasiões, estando ocupada a acender o fogo, sentiu que lhe puxavam o vestido ou ainda, ao subir a escada, que lhe agarravam o calcanhar. Por várias vezes ele escondeu as tesouras e outros objetos de trabalho que pertenciam a ela, os quais eram depositados em seu colo depois de já os haver procurado bastante. Um domingo a Sra. Mally ocupava-se em temperar um pernil com dentes de alho quando, de repente, sentiu que lhos tiravam dos dedos; julgando havê-los deixado cair, procurou-os inutilmente; então, retomando o pernil, encontrou o alho picado num buraco triangular, cuja pele havia sido retirada, como a revelar que mão estranha ali o havia colocado intencionalmente.
“Estando a filha mais velha da Sra. Mally, de quatro anos de idade, a passear com a mãe, esta percebeu que aquela se entretinha com um ser invisível que parecia pedir-lhe bombons. A pequena fechava a mão e dizia sempre:
– Estes são meus; compra-os, se quiseres. Espantada, a mãe perguntou-lhe com quem falava.
– É com esse garoto que deseja que eu lhe dê os meus bombons, respondeu a menina.
– Que menino é esse? perguntou a mãe.
– Este que está aqui, ao meu lado.
– Mas não vejo ninguém.
– Ah! Ele saiu. Veste-se de branco e está todo encrespado.
“De outra vez, a pequena doente de quem já falei acima divertia-se em fazer passarinhos de papel. Mamãe, mamãe! – disse ela – não permitas que esse menino tome meu papel.
– Quem é? – perguntou a mãe.
– Sim, este menino tomou meu papel. E a criança pôs- se a chorar.
– Mas onde está ele? – Ei-lo saindo pela janela. Era um menino muito danado.
“Esta mesma menina um dia saltava na ponta dos pés até perder o fôlego, malgrado a proibição da mãe, que temia lhe fizesse mal. De repente parou e exclamou: ‘Ah! O guia da mamãe!’ Perguntaram-lhe o que isso significava e ela disse que vira um braço detê-la quando pulava, forçando-a a manter-se quieta. Acrescentou que não tinha medo e que imediatamente pensou no guia de sua mãe. Os fatos dessa natureza repetem-se freqüentemente e se tornaram familiares às crianças, que não experimentam nenhum medo, pois o pensamento do guia de sua mãe lhes vem espontaneamente.
“A intervenção desse guia manifestou-se em circunstâncias mais sérias. A Sra. Mally tinha alugado uma casa ajardinada na comuna de Caudéran. A casa era isolada e rodeada de vastas campinas. Ela morava com as três crianças e uma preceptora. A comuna era então infestada de bandidos, que depredavam a vizinhança e naturalmente cobiçavam uma casa que sabiam habitada por duas senhoras que viviam sozinhas; assim, vinham pilhar todas as noites, tentando forçar as portas e janelas. Durante três anos a Sra. Mally morou nessa casa, em constantes sobressaltos; mas todas as noites ela se recomendava a Deus e, após a prece, seu guia se manifestava sob a forma de uma centelha. Por várias vezes durante a noite, quando os ladrões tentavam arrombar a porta, uma súbita claridade iluminava o quarto e ela ouvia uma voz a dizer-lhe: ‘Nada temas; eles não entrarão.’ Com efeito, jamais conseguiram penetrar na casa. No entanto, por excessiva precaução, ela se munia de armas de fogo. Certa noite, percebendo que rondavam a casa, deu dois tiros de revólver que atingiram um deles, pois ouviu gemidos, mas no dia seguinte haviam desaparecido. Esse fato foi relatado nos seguintes termos por um jornal de Bordeaux:
“Informaram-nos de um fato que demonstra certa coragem por parte de uma jovem que reside na comuna de Caudéran:
“Uma senhora que ocupa uma casa isolada nessa comuna tem em sua companhia uma moça encarregada da educação das crianças. Numa das noites precedentes, essa senhora tinha sido vítima de uma tentativa de roubo. No dia seguinte decidiram melhor prevenir-se e, se necessário, vigiariam durante a noite.
“Fizeram o que haviam combinado. Assim, quando os ladrões se apresentaram para concluir a tarefa da véspera, encontraram quem os recebesse. Apenas tiveram o cuidado de não conversar com os moradores da casa sitiada. A moça a quem temos aludido desconfiou da presença deles, abriu a porta e deu um tiro de revólver, que deve ter atingido um dos larápios, porquanto no dia seguinte encontraram traços de sangue no jardim.
“Até o momento não foi possível encontrar os autores dessa segunda tentativa.
“Falarei apenas de memória de outras manifestações ocorridas nessa mesma casa de Caudéran, enquanto ali permaneceram aquelas senhoras. Muitas vezes, durante a noite, ouviam-se ruídos estranhos, semelhantes ao de bolas rolando no assoalho ou de lenha atirada ao chão. Na manhã seguinte, entretanto, tudo era encontrado em perfeita ordem.
“Dignai-vos, senhor, caso julgueis conveniente, de evocar o guia da Sra. Mally e interrogá-lo a respeito das manifestações de que acabo de vos notificar. Principalmente perguntai-lhe se a sonâmbula, que pretende ter dado esse guia, tem o poder de o retomar, e se ele se retiraria, caso a sonâmbula viesse a falecer.”
O Guia da Senhora Mally (Sociedade, 8 de julho de 1859)
- Evocação do guia da Sra. Mally.
Resp. – Aqui estou; isso é fácil para mim.
- Sob que nome gostaríeis de ser designado?
Resp. – Como quiserdes; por aquele sob o qual já me conheceis.
- Qual o motivo que vos fez ligar-se à Sra. Mally e a seus filhos?
Resp. – Antigas relações, inicialmente, e uma amizade e uma simpatia que Deus protege sempre.
- Disseram que foi a sonâmbula, Sra. Dupuy, quem vos encaminhou à Sra. Mally; é verdade?
Resp. – Foi a primeira quem disse que eu me havia juntado à segunda.
- Dependeis dessa sonâmbula? Resp. – Não.
- Poderiam elas afastar-vos daquela senhora? Resp. – Não.
- Se essa sonâmbula viesse a morrer, sofreríeis uma influência qualquer?
Resp. – Nenhuma.
- Vosso corpo morreu há muito tempo?
Resp. – Sim, há vários anos.
- O que éreis em vida?
Resp. – Uma criança morta aos oito anos.
- Como Espírito, sois feliz ou infeliz?
Resp. – Feliz; não tenho nenhuma preocupação pessoal, não sofro senão pelos outros. É verdade que sofro muito por eles.
- Fostes vós que aparecestes na escada à Sra. Mally, sob a forma de um rapaz que ela tomou por um ladrão?
Resp. – Não; era um companheiro.
- E numa outra vez, sob a forma de um cadáver? Isso poderia impressioná-la desfavoravelmente. Foi um passo mal dado que demonstra ausência de benevolência.
Resp. – Longe disso em muitos casos; mas neste era para dar à Sra. Mally pensamentos mais corajosos. O que tem um cadáver de apavorante?
- Tendes, pois, o poder de vos tornar visível à
Resp. – Sim, mas eu disse que não havia sido eu.
- Sois igualmente estranho às demais manifestações materiais produzidas na casa dela?
Resp. – Perdão! Isto sim; foi o que eu me impus junto a ela, como trabalho material; mas realizo outro trabalho muito mais útil e muito mais sério para ela.
- Poderíeis tornar-vos visível a todo o mundo? Resp. – Sim.
- Poderíeis tornar-vos visível a um de nós?
Resp. – Sim; pedi a Deus que isso possa acontecer; eu o posso, mas não ouso fazê-lo.
- Se não quiserdes tornar-vos visível, poderíeis dar- nos ao menos uma manifestação, por exemplo, trazer qualquer coisa para cima desta mesa?
Resp. – Certamente, mas para que serviria? Para ela é assim que testemunho a minha presença, mas para vós é inútil, pois estamos conversando.
- O obstáculo não estaria na ausência de um médium, necessário para produzir essas manifestações?
Resp. – Não, isso seria um obstáculo insignificante. Freqüentemente não vedes aparições súbitas a pessoas que absolutamente não têm mediunidade ostensiva?
- Todo o mundo, então, é apto a ver manifestações espontâneas?
Resp. – Visto que todos os homens são médiuns, sim.
- Entretanto, não encontra o Espírito, no organismo de certas pessoas, uma facilidade maior para comunicar-se?
Resp. – Sim, mas eu vos disse, e deveríeis sabê-lo, que os Espíritos têm o poder por si mesmos; o médium nada é. Não tendes a escrita direta? Para isso é necessário médium? Não, mas apenas a fé e um ardente desejo. Muitas vezes isso ainda se produz à revelia dos homens, isto é, sem fé e sem desejo.
- Pensais que as manifestações, tais como a escrita direta, por exemplo, tornar-se-ão mais comuns do que o são hoje em dia?
Resp. – Certamente; como compreendeis, então, a divulgação do Espiritismo?
- Podeis explicar-nos o que recebia e comia a menina da Sra. Mally, quando estava doente?
Resp. – Maná; uma substância formada por nós, que encerra o princípio contido no maná ordinário e a doçura do confeito.
- Essa substância é formada da mesma maneira que as roupas e outros objetos que os Espíritos produzem por sua vontade e pela ação que exercem sobre a matéria?
Resp. – Sim, mas os elementos são muito diferentes; as porções que formam o maná não são as mesmas que eu consegui para formar madeira ou roupa.
- [A São Luís] – O elemento tomado pelo Espírito para formar seu maná é diferente do que ele toma para formar outra coisa? Sempre nos disseram que não existe senão um elemento primitivo universal, do qual os diferentes corpos são simples modificações.
Resp. – Sim. Isto é, o mesmo elemento primitivo está no espaço, sob uma forma aqui, sob uma outra ali; é o que ele quer dizer. Seu maná é extraído de uma parte desse elemento, que supõe diferente, mas que é sempre o mesmo.
- A ação magnética pela qual se dá a uma substância – a água, por exemplo – propriedades especiais, tem relação com a do Espírito que cria uma substância?
Resp. – O magnetizador não desdobra de forma absoluta senão a sua vontade; é um Espírito que o auxilia, que se encarrega de obter e de preparar o remédio.
- [Ao Guia] – Há tempos referimos fatos curiosos de manifestações de um Espírito por nós designado pelo nome de louquinho de Bayonne. Conheceis esse Espírito?
Resp. – Não particularmente; mas acompanhei o que fizestes com ele e foi somente desse modo que o conheci primeiramente.
- É um Espírito de ordem inferior?
Resp. – Inferior quer dizer mau? Não; quer dizer apenas que não é inteiramente bom, que é pouco adiantado? Sim.
- Agradecemos por haverdes comparecido e pelas explicações que nos destes.
Resp. – Às vossas ordens.
Observação – Esta comunicação nos oferece um complemento àquilo que dissemos nos dois artigos precedentes sobre a formação de certos corpos pelos Espíritos. A substância dada à criança durante a sua enfermidade evidentemente era preparada por eles e tinha como objetivo restaurar-lhe a saúde. De onde tiraram os seus princípios? Do elemento universal, transformado para o uso desejado. O fenômeno tão estranho das propriedades transmitidas pela ação magnética, problema até aqui inexplicado, e sobre o qual tanto se divertiram os incrédulos, está agora resolvido. Realmente, sabemos que não são apenas os Espíritos dos mortos que atuam, mas que os dos vivos igualmente têm a sua cota de ação no mundo invisível: o homem da tabaqueira dá-nos a prova disso. Que há, pois, de admirável em que a vontade de uma pessoa, agindo para o bem, possa operar uma transformação da matéria primitiva e imprimir-lhe determinada propriedade? Em nossa opinião, aí se encontra a chave de muitos efeitos supostamente sobrenaturais, dos quais teremos oportunidade de falar. É assim que chegamos, pela observação, a perceber as coisas que fazem parte da realidade e do maravilhoso. Mas quem garante que essa teoria seja verdadeira? E aí, como ficamos? Pelo menos ela tem o mérito de ser racional e concordar perfeitamente com os fatos observados. Se algum cérebro humano achar outra mais lógica do que esta, fornecida pelos Espíritos, que sejam comparadas. Um dia talvez reconheçam que abrimos o caminho ao estudo racional do Espiritismo.
“Eu bem que gostaria – dizia-nos certo dia uma pessoa – de ter às minhas ordens um Espírito serviçal, mesmo que tivesse de suportar algumas traquinadas de sua parte.” É uma satisfação que muitas vezes desfrutamos sem perceber, porquanto nem todos os Espíritos que nos assistem se manifestam de maneira ostensiva. Nem por isso deixam de estar ao nosso lado e, por ser oculta, sua influência não é menos real.
R.E. 1862 – Fevereiro – Esquecimento das Injúrias
No Jardim das Oliveiras Jesus conheceu a dor humana, mas sempre ignorou as amarguras do orgulho e a pequenez da vaidade; foi encarnado para mostrar aos homens o protótipo da beleza moral que lhes devia servir de modelo: não vos afasteis jamais. Modelai as vossas almas como a cera mole e fazei que a vossa argila transformada se torne um mármore imperecível, em que Deus, o grande escultor, possa inscrever o seu nome.
Lázaro
R.E. 1862 – Fevereiro – Sobre os Instintos
Observação – Apesar do nosso respeito pelo Espírito Lázaro, que nos tem brindado com tantas e tão belas dissertações, permitimo-nos discordar de sua opinião no que concerne às últimas proposições. Pode-se dizer que há dois tipos de instinto: o instinto animal e o instinto moral. O primeiro, como diz muito bem Lázaro, é orgânico; é dado aos seres vivos para a sua conservação, bem como a de sua progênie; é cego e quase inconsciente, porque a Providência quis dar um contrapeso à sua indiferença e à sua negligência. Já não é assim com o instinto moral, que é privilégio do homem e que pode ser assim definido: Propensão inata para fazer o bem ou o mal. Ora, essa propensão se prende ao estado de maior ou menor avanço do Espírito. O homem, cujo Espírito já é depurado, faz o bem sem premeditação e como algo muito natural; daí por que se admira de ser louvado. Assim, não é justo dizer que “os homens que não são bons e devotados senão instintivamente, o são mal, porque sofrem uma cega dominação que, de repente, pode precipitá-los no abismo.” Os que instintivamente são bons e devotados denotam um progresso realizado; nos que o são intencionalmente, o progresso está por se realizar, razão por que há trabalho e luta entre os dois sentimentos. No primeiro, a dificuldade está vencida; no segundo, é preciso vencê-la. O primeiro é como o homem que sabe ler, e lê sem dificuldade, quase sem perceber; o segundo é como o que soletra. Porque um chegou mais tarde, terá menos mérito que o outro?
R.E. 1862 – Maio – Uma Paixão de Além-Túmulo
Maximiliano V…, criança de doze anos, suicida-se por amor
Lê-se no Siècle de 13 de janeiro de 1862:
“Maximiliano V…, rapazola de doze anos, morava com os pais à Rua des Cordiers e estava empregado como aprendiz numa tapeçaria. Esta criança tinha o hábito de ler romances- folhetins. Todos os momentos que podia escapulir do trabalho ele os dedicava à leitura, que lhe superexcitava a imaginação e lhe inspirava idéias acima de sua idade. Assim, imaginou sentir paixão por uma criatura que teve ocasião de ver algumas vezes, a qual estava longe de pensar que tivesse inspirado um tal sentimento. Desesperado por não ver a realização dos sonhos provocados por suas leituras, resolveu matar-se. Ontem, o porteiro da casa que o empregava encontrou-o sem vida num gabinete do terceiro andar, onde trabalhava sozinho. Enforcara-se numa corda que prendera numa viga com um enorme prego.”
As circunstâncias dessa morte, numa idade tão pouco avançada, deram a pensar que a evocação dessa criança poderia fornecer assunto para um ensino útil. Ela foi feita em sessão da Sociedade, ocorrida em 24 de janeiro último. (Médium: Sr. E. Vézy.)
Nesse fato há um difícil problema de moral, quase impossível de resolver pelos argumentos da filosofia ordinária e, ainda menos, da filosofia materialista. Pensam ter tudo explicado dizendo que era uma criança precoce. Mas isto não explica nada; é absolutamente como se dissessem que é dia, porque o Sol se levantou. De onde vem tal precocidade? Por que certas crianças ultrapassam a idade normal para o desenvolvimento das paixões e da inteligência? Eis uma das dificuldades contra as quais vêm se chocar todas as filosofias, porque suas soluções sempre deixam uma questão não resolvida e podemos sempre indagar o porquê do por quê. Admiti a preexistência da alma e o desenvolvimento anterior e tudo se explica da maneira mais natural. Com este princípio remontais à causa e à fonte de tudo.
- É singular que uma criança de doze anos seja levada ao suicídio, sobretudo por um motivo como esse que vos impeliu. Resp. – Sois extraordinários! Já não vos disse que, poeta
numa outra encarnação, minhas faculdades tinham ficado mais amplas e mais desenvolvidas que nos outros? Oh! ainda na noite em que me encontro agora vejo passar essa sílfide de meus sonhos na Terra, e é isto o castigo que Deus me inflige, de a ver bela e leviana como sempre, passar diante de mim e eu, ébrio de loucura e de amor, quero me atirar… mas, ah! é como se estivesse preso a um anel de ferro… Chamo… mas em vão; ela nem sequer vira a cabeça… Oh! como sofro então!
- [Ao guia do médium]. Qual o grau de punição para este Espírito por se haver suicidado? Levando-se em conta sua idade, sua ação é tão condenável quanto a dos outros suicidas?
Resp. – A punição será terrível, porque foi mais culpado que os outros. Já possuía grandes faculdades: a força de amar a Deus de maneira poderosa e de fazer o bem. Os suicidas sofrem longos castigos e Deus pune ainda mais os que se matam com grandes idéias na mente e no coração.
- Há possibilidade de ser atenuada a sua punição?
Resp. – Sim: orando-se por ele, principalmente se Maximiliano se unir às vossas preces.
- [A Maximiliano]. Desejamos ainda fazer algumas perguntas, que talvez contribuam para que vos sintais mais aliviado. Em que época vivestes como poeta? Tivestes um nome conhecido?
Resp. – No reinado de Luís XV. Eu era pobre e desconhecido; amava a uma mulher, um anjo que vi passar num parque, num dia de primavera. Depois, só a revi em sonhos, e meus sonhos prometiam que eu a possuiria um dia.
- Nós vos lamentamos profundamente. Para trabalhar pelo vosso progresso é necessário que vos torneis útil e penseis mais em Deus do que o tendes feito. É preciso que soliciteis uma reencarnação com o único objetivo de reparar os erros e a inutilidade de vossas últimas existências. Não se diz que deveis esquecer a Elvira, mas pensar um pouco menos nela e um pouco mais em Deus, que pode abreviar os vossos tormentos se fizerdes o que for necessário. Secundaremos vossos esforços pelas nossas preces.
Resp. – Obrigado! orai e tratai de arrancar Elvira de meu coração. Talvez um dia eu vos agradeça por isto.
R.E. 1862 – Maio – O Padeiro Desumano – Suicídio
Uma correspondência de Crefled (Prússia Renana), de 25 de janeiro de 1862, inserida no Constitutionnel de 4 de fevereiro, contém o seguinte fato:
“Uma pobre viúva, mãe de três filhos, entra numa padaria e pede insistentemente que lhe vendam um pão fiado. Porque o padeiro recusasse, a viúva reduz o seu pedido a meio pão e, por fim, a uma libra de pão, apenas, para os filhos famintos. O padeiro recusa ainda, deixa o lugar e se dirige para o fundo da padaria. Crendo não ser vista, a mulher se apossa de um pão e sai. Mas o roubo, imediatamente descoberto, é denunciado à polícia.
“Um agente vai à casa da viúva e a surpreende cortando o pão em pedaços para dar aos filhos. Ela não nega o roubo, mas se desculpa com a necessidade. Embora censurando a crueldade do padeiro, o agente insiste para que ela o acompanhe à delegacia.
“A viúva pede apenas alguns instantes para trocar de roupa e entra no quarto; porque demorasse, o agente, perdendo a paciência, resolve abrir a porta: a infeliz jazia no chão, inundada de sangue. Com a mesma faca com que acabara de cortar o pão para os filhos pusera fim aos seus dias.”
Tendo sido lida a notícia na sessão da Sociedade de 14 de fevereiro de 1862, foi proposta a evocação dessa infeliz mulher, quando ela mesma veio manifestar-se espontaneamente, conforme comunicação a seguir. Acontece muitas vezes que os Espíritos de quem falamos se revelam dessa maneira. É incontestável que são atraídos pelo pensamento, que é uma espécie de evocação tácita. Sabem que a gente se ocupa deles e vêm; então se comunicam, se a ocasião lhes parece oportuna ou se encontram o médium que lhes convém. De acordo com isto, compreende-se não haver necessidade de ter um médium, nem mesmo de ser espírita para atrair os Espíritos com os quais nos preocupamos.
“Deus foi bom para a pobre alucinada e venho agradecer-vos a simpatia que houvestes por bem testemunhar-me. Infelizmente, diante da miséria e da fome de meus pobres filhinhos, esqueci-me e fali. Então disse de mim para mim: visto que és impotente para alimentar teus filhos e que o padeiro recusa o pão aos que não podem pagar; desde que não tens dinheiro nem trabalho, morre! porque, quando não estiveres mais com eles, virão em seu auxílio. Efetivamente, hoje a caridade pública adotou esses pobres órfãos. Deus me perdoou, porque viu a minha razão vacilar e meu pungente desespero. Fui a vítima inocente de uma sociedade má, muito mal regulada. Ah! agradecei a Deus por vos ter feito nascer nesta bela região da França, onde a caridade vai procurar e aliviar todas as misérias.
“Rogai por mim, a fim de que em breve eu possa reparar a falta cometida, não por covardia, mas por amor materno. Como os vossos Espíritos protetores são bons! Consolam-me, fortificam-me, encorajam-me e dizem que meu sacrifício não foi desagradável ao grande Espírito que, sob o olho e a mão de Deus, preside aos destinos da Humanidade.”
R.E. 1862 – Junho – Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas
DISCURSO DO SR. ALLAN KARDEC – Na abertura do ano social, em 1o de abril de 1862
[trecho] “Oitenta e sete membros, participando das cotizações anuais figuraram na lista do ano que findou, sem contar os sócios honorários e correspondentes. Ter-lhe-ia sido fácil dobrar, e mesmo triplicar esse número, se ela visasse receita; bastava cercar as admissões de menos dificuldades. Ora, longe de diminuir essas dificuldades, ela as aumentou, porque, sendo uma Sociedade de estudos, não quis afastar-se dos princípios de sua instituição e porque jamais fez questão de interesses materiais. Não procurando entesourar, era-lhe indiferente ser um pouco mais, ou um pouco menos numerosa. Sua preponderância não decorre absolutamente do número de seus membros; está nas idéias que estuda, que elabora e divulga;”
“Sinto-me feliz em noticiar um outro progresso, no que respeita aos médiuns. Jamais, em nenhuma outra época, os vimos tantos, participando dos nossos trabalhos, pois chegamos a ter quatorze comunicações na mesma sessão. Contudo, mais precioso que a quantidade, é a qualidade, cuja importância pode ser julgada pelas instruções que nos são dadas.”
“Do ponto de vista material, nosso tesoureiro vos explicou a situação da Sociedade. Sabeis perfeitamente, senhores, que o nosso orçamento é muito simples; como não procuramos capitalizar, basta que haja equilíbrio entre o ativo e o passivo.”
R.E. 1862 – Julho – Estatística de Suicídios
Lê-se no Siècle de… maio de 1862:
“Na Comédia social no século dezenove, novo livro que o Sr. B. Gastineau acaba de publicar pela Editora Dentu, encontramos esta curiosa estatística de suicídios:
“Calculou-se que desde o começo do século o número de suicídios na França não se eleva a menos de 300.000; e tal estimativa talvez esteja aquém da verdade, pois a estatística só oferece resultados completos a partir de 1836. De 1836 a 1852, isto é, num período de dezessete anos, houve 52.126 suicídios, ou seja, uma média de 3.066 por ano. Em 1858, contaram-se 3.903 suicídios, dos quais 853 mulheres e 3.050 homens; enfim, segundo a última estatística que vimos no correr do ano de 1859, 3.899 pessoas se mataram, a saber: 3.057 homens e 842 mulheres.”
Para se ter uma comparação, os dados de 2012 sugerem um suicídio a cada 40 segundos, ou mais de 800 Mil por ano.
https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/estado/2014/09/04/uma-pessoa-se-suicida-no-mundo-a-cada-40-segundos-aponta-oms.htm
Estatísticas atuais de suicídio: 1 pessoa a cada 29 segundos, Segundo o site http://www.worldometers.info/pt/
R.E. 1862 – Julho – Duplo Suicídio por Amor e Dever
ESTUDO MORAL
No Opinion nationale, de 13 de junho, lemos o seguinte:
“Terça-feira última, dois caixões entraram juntos na Igreja da Boa-Nova. Eram acompanhados por um homem que parecia presa de uma dor profunda e por uma multidão considerável, na qual se notava recolhimento e tristeza. Eis um breve relato dos acontecimentos, em conseqüência dos quais se realizava aquela dupla cerimônia fúnebre.
“A Sra. Palmira, modista, residia com os pais. Era dotada de um físico encantador, ao qual se aliava um caráter muito amável. Por isso, era muito requestada com propostas de casamento. Entre os aspirantes à sua mão, havia preferido o Sr. B…, que por ela nutria uma viva paixão. Embora o amasse muito, mas premida pelo respeito filial, julgou-se no dever de ceder à vontade dos pais, de desposar o Sr. D…, cuja posição social lhes parecia mais vantajosa que a do rival. O casamento foi celebrado há quatro anos.
“Os Srs. B… e D… eram amigos íntimos. Conquanto não tivessem nenhum interesse comum, não deixaram de se ver. O amor recíproco do Sr. B… e de Palmira, transformada na Sra. D…, não havia diminuído e, como se esforçassem por reprimi-lo, ele aumentava, em razão da própria violência que lhe faziam. Para tentar apagá-lo, B… tomou o partido de se casar. Desposou uma jovem de excelentes qualidades e fez todo o possível para amá-la. Mas não tardou a perceber que esse meio heróico era impotente para o curar. Todavia, durante quatro anos, nem B… nem a Sra. D… faltaram aos seus deveres. Impossível descrever o que eles sofreram, porquanto D…, que estimava verdadeiramente o seu amigo, o atraía sempre para a sua casa e, quando ele queria retirar- se, insistia para que ficasse.
“Enfim, há alguns dias, aproximados por uma circunstância fortuita, os dois amantes não puderam resistir à paixão que os arrastava um para o outro. Apenas cometida a falta, sentiram o mais doloroso remorso. A jovem senhora lançou-se aos pés do marido assim que ele voltou, e lhe disse em soluços:
“Expulsai-me! Matai-me! Agora sou indigna de vós!
“E como ele ficasse mudo de espanto e de dor, ela lhe contou suas lutas, seus sofrimentos, tudo quanto lhe tinha sido preciso de coragem para não falir mais cedo. Fê-lo compreender que, dominada por um amor ilegítimo, jamais tinha cessado de ter por ele o respeito, a estima e a afeição de que ele era digno.
“Em vez de amaldiçoá-la, o marido chorava. B… chegou em meio a esta cena e fez uma confissão semelhante. D… fez que ambos se levantassem e lhes disse:
“Sois dois corações bons e leais. Só a fatalidade vos tornou culpados. Li no fundo dos vossos pensamentos e neles vi sinceridade. Por que vos puniria por um arrastamento ao qual não resistiram todas as vossas forças morais? A punição está no pesar que sentis. Prometei-me que vos deixareis de ver e não tereis perdido nem a minha estima, nem a minha afeição.
“Esses dois desventurados amantes apressaram-se em fazer o juramento pedido. A maneira pela qual sua confissão havia sido recebida pelo Sr. D… aumentou-lhes a dor e o remorso. Tendo o acaso lhes ensejado um encontro de que não cogitavam, comunicaram-se reciprocamente o estado de alma e concordaram em que a morte seria o único remédio aos males que experimentavam. Resolveram matar-se juntos no dia seguinte, quando o Sr. D… estaria ausente de casa grande parte do dia.
“Depois de feitos os últimos preparativos, escreveram uma longa carta, na qual, em resumo, diziam:
“Nosso amor é mais forte que todas as promessas. Poderíamos ainda, mau grado nosso, fraquejar e sucumbir. Não conservaremos uma existência culposa. Para nossa expiação faremos ver que a falta que cometemos não deve ser atribuída à nossa vontade, mas ao desvario de uma paixão cuja violência estava acima de nossas forças.”
Tendo sido lido esse relato como tema de estudo moral na Sociedade Espírita de Paris, dois Espíritos fizeram a seguinte apreciação:
[trecho da mensagem de Santo Agostinho] “Que fizestes do amor? Vós o reduzistes a uma pilha de moedas; vós o jogastes numa balança; em vez de ser rei, é escravo; de um laço sagrado vossos costumes fizeram corrente de ferro, cujos elos esmagam e matam os que não nasceram para serem acorrentados.”
R.E. 1862 – Agosto – Conferências do Sr. Trousseau, Professor da Faculdade de Medicina
FEITAS NA ASSOCIAÇÃO POLITÉCNICA PARA O ENSINO GRATUITO DOS OPERÁRIOS EM 18 E 25 DE MAIO DE 1862 (BROCHURA IN-8o)
Artigo que Allan Kardec adiciona alguns comentários, dentre eles:
“Com efeito, o diploma é um salvo-conduto que não só permite aos oficiais de saúde lesar gravemente os olhos dos pacientes, mas aos médicos matá- los sem remorso e sem responsabilidade. É sem dúvida por isso que os seus sábios confrades, como confessa o Sr. Trousseau, são tão levados a se dirigirem aos curandeiros e aos charlatães. “
“Aquele homem podia ter os conhecimentos anatômicos exigidos e obter seu diploma, sem que isso tornasse bom o remédio, caso fosse mau. Todavia, graças ao diploma, teria podido receitá-lo com toda segurança, por mais perigoso que fosse. Jesus Cristo, que curava os cegos, os surdos, os mudos e os paralíticos, provavelmente não soubesse mais que aquele a respeito de anatomia. E o Sr. Trousseau incontestavelmente lhe teria recusado o direito de fazer milagres. Hoje, quantas multas não teria Jesus a pagar se não pudesse curar sem diploma!”
“queremos apenas dizer que pode haver remédios eficazes fora das fórmulas da farmacopéia; que os selvagens, que têm segredos infalíveis contra as picadas de serpentes, não conhecem a teoria da circulação do sangue, nem a diferença entre sangue venoso e sangue arterial. Gostaríamos de saber se o Sr. Trousseau, picado por uma cascavel ou por outro réptil peçonhento, recusaria os socorros daqueles, apenas porque não têm diploma.”
R.E. 1862 – Agosto – O Planeta Vênus
Ditado espontâneo sobre o planeta Vênus, a organização física e social dos habitantes.
Ao final das perguntas digiridas ao Espírito sobre o ditado espontâneo do planeta Vênus, diz Allan Kardec:
Observação – Por certo esta descrição de Vênus não tem nenhum dos caracteres de autenticidade absoluta; assim, só a damos a título hipotético. Todavia, o que já foi dito sobre esse mundo lhe dá, pelo menos, um certo grau de probabilidade e, seja como for, não deixa de ser o quadro de um mundo que necessariamente deve existir para todo homem que não tenha a orgulhosa pretensão de crer que a Terra seja o apogeu da perfeição humana; é um elo na escala dos mundos e um grau acessível aos que não se sentem com forças para ir diretamente a Júpiter.
R.E. 1862 – Setembro – Resposta ao Convite dos Espíritas de Lyon e de Bordeaux
Ainda uma palavra, meus amigos. Indo ver-vos, uma coisa desejo: é que não haja banquete, e isto por vários motivos. Não quero que minha visita seja ocasião para despesas que poderiam impedir a presença de alguns e privar-me do prazer de ver todos reunidos. Os tempos são difíceis; importa, pois, não fazer despesas inúteis. O dinheiro que isto custaria será mais bem empregado em auxílio aos que, mais tarde, dele necessitarão. Eu vo-lo digo com toda sinceridade: o pensamento naquilo que fizerdes por mim em tal circunstância poderia ser uma causa de privação para muitos e me tiraria todo o prazer da reunião. Não vou a Lyon para me exibir, nem para receber homenagens, mas para conversar convosco, consolar os aflitos, encorajar os fracos, ajudar- vos com os meus conselhos naquilo que estiver em meu poder fazê-lo. E o que de mais agradável me podeis oferecer é o espetáculo de uma união boa, franca e sólida. Crede que os termos tão afetuosos do vosso convite para mim valem mais que todos os banquetes do mundo, ainda que fossem oferecidos num palácio. O que me restaria de um banquete? Nada, ao passo que vosso convite fica como preciosa lembrança e um penhor de vossa afeição.
AO SR. SABÒ, DE BORDEAUX
Sinto-me sensibilizado pelo desejo que me teste- munharam muitos espíritas de Bordeaux, de me verem ainda este ano entre eles. Se não surgir nenhum obstáculo imprevisto, tenho a intenção de lhes fazer uma pequena visita, ainda que fosse para lhes agradecer a boa acolhida do ano passado. Mas eu vos seria muito reconhecido se lhes comunicásseis que não desejo que haja banquete. Não vou ao vosso meio para receber ovações, mas para dar instruções aos que delas sentem necessidade e com os quais terei o prazer de conversar. Alguns quiseram dar à minha visita o nome de visita pastoral; não desejo que tenha outro caráter. Crede que me sinto mais honrado com uma franca e cordial acolhida, a mais simples possível, do que com uma recepção cerimoniosa que nem convém ao meu caráter, nem aos meus hábitos, nem aos meus princípios. Se entre eles não reinasse a união, não seria um banquete que a produziria: ao contrário. Se ela existe, pode manifestar-se de outro modo, e não por uma festa, em que o amor-próprio pode encontrar guarida, mas que não tocaria um verdadeiro espírita, nem por uma despesa inútil, que seria mais bem empregada para aliviar o infortúnio. Cotizai-vos, pois, em minha intenção, se o quiserdes, e permiti que eu junte o meu óbolo; mas, em vez de desperdiçar o dinheiro, que ele sirva para alimentar aqueles a quem falta o necessário. Então será uma festa do coração, não do estômago. É preferível ser abençoado pelos infelizes a sê-lo pelos cozinheiros.
R.E. 1862 – Novembro – Viagem Espírita em 1862
Durante uma viagem de mais de seis semanas e um percurso total de seiscentas e noventa e três léguas, paramos em vinte cidades e assistimos a mais de cinqüenta reuniões.
(…)Várias pessoas, sobretudo na província, haviam pensado que os gastos com essas viagens corriam por conta da Sociedade de Paris. Vimo-nos forçado a refutar esse erro quando a ocasião se apresentou. Aos que pudessem ainda partilhar dessa opinião, lembramos o que foi dito em outra circunstância (número de junho de 1862), que a Sociedade se limita a prover as despesas correntes e não possui reservas. Para que pudesse formar um capital, teria de visar o número; é o que não faz, nem quer fazer, pois seu objetivo não é a especulação e o número nada acrescenta à importância de seus trabalhos. Sua influência é toda moral e o caráter de suas reuniões dá aos estranhos a idéia de uma assembléia grave e séria. Eis o seu mais poderoso meio de propaganda. Assim, não poderia ela custear semelhante despesa. Os gastos de viagem, como todos os necessários às nossas relações com o Espiritismo, são cobertos por nossos recursos pessoais e por nossas economias, acrescidos do produto de nossas obras, sem o que nos seria impossível acudir a todas as despesas conseqüentes à obra que empreendemos. Dizemos isto sem vaidade, unicamente em homenagem à verdade e para edificação dos que imaginam que entesouramos.
R.E. 1862 – Novembro – Remédio dado pelos Espíritos
O remédio de que se cuida foi dado nas circunstâncias seguintes à Srta. Hermance Dufaux53, a qual nos remeteu a fórmula com autorização de publicá-la, em benefício dos que dela necessitassem. Um de seus parentes, falecido há muito tempo, havia trazido da América a receita de um ungüento, ou, melhor, de uma pomada, de maravilhosa eficácia para toda sorte de chagas ou feridas. Com sua morte, perdeu-se a receita, cujo conhecimento não foi dado a ninguém. A Srta. Dufaux estava afetada de um mal na perna, muito grave e muito antigo, e que havia resistido a todos os tratamentos. Cansada de ter empregado inutilmente tantos remédios, um dia perguntou ao seu Espírito protetor se para ela não haveria cura possível. “Sim”, respondeu ele. “Usa a pomada de teu tio.” – Mas sabeis perfeitamente que a receita se perdeu. – “Eu vou ta dar”, disse o Espírito. Depois ditou o seguinte:
Açafrão ……………………………………………. 20 centigramas
Cominho …………………………………………. 4 gramas
Cera amarela ……………………………………. 31 a 32 gramas
Óleo de amêndoas doces ………………… 1 colher
Derreter a cera e pôr em seguida o óleo de amêndoas doces; juntar o cominho e o açafrão acondicionados num saquinho de pano e ferver, em fogo brando, durante dez minutos. Para usar, deita-se a pomada num pedaço de pano, aplicando-a sobre a parte doente. Repetir diariamente.
Tendo seguido a prescrição, em poucos dias a perna da Srta. Dufaux estava cicatrizada e a pele restaurada. Desde então se sente bem, não lhe sobrevindo nenhum acidente.
Felizmente a sua lavadeira também foi curada de mal idêntico.
Um operário se ferira com um fragmento de foice, o qual penetrou profundamente na ferida, produzindo inchaço e supuração. Falavam em amputar-lhe a perna. Com o emprego daquela pomada o edema desapareceu, cessou a supuração e o pedaço de ferro saiu da ferida. Em oito dias aquele homem pôde caminhar e retornou ao trabalho.
Aplicada sobre furúnculos, abscessos, panarícios, ela os faz irromper em pouco tempo e logo cicatrizar. Atua extraindo da chaga os princípios mórbidos, saneando-a e provocando, se for o caso, a saída de corpos estranhos, como lascas de ossos, de madeira, etc.
Parece que é também muito eficaz para os dartros e, em geral, para todas as afecções da pele.
Como se vê, sua composição é muito simples, fácil e, em todo o caso, inofensiva. Pode-se, pois, experimentá-la sem receio.
R.E. 1862 – Dezembro – Errata
A propósito do artigo publicado no último número – Um remédio dado pelos Espíritos – foi omitido que, antes da aplicação do ungüento, se deve lavar cuidadosamente a ferida com água de malva ou outra loção calmante.
R.E. 1863 – Fevereiro –Variedades
CURA POR UM ESPÍRITO
Recebemos várias cartas que comprovam a excelente aplicação do remédio indicado na Revista Espírita de novembro de 1862 (ver também a Errata do mês de dezembro), cuja receita foi dada por um Espírito. Um oficial de cavalaria nos disse que o farmacêutico de seu regimento teve o cuidado de prepará-la para os casos muito freqüentes de acidentes causados pelos coices dados pelos cavalos. Sabemos que outros farmacêuticos fizeram o mesmo em certas cidades.
A propósito da origem do remédio, um de nossos assinantes do Eure-et-Loir transmite-nos o seguinte fato, de seu conhecimento pessoal.
Autheusel, 6 de novembro de 1862.
“Um carregador chamado Paquine, que reside numa comuna próxima, veio ver-me, há um mês, andando de muletas. Admirado de o ver assim, indaguei do acidente. Respondeu-me que, desde algum tempo, suas pernas estavam muito inchadas e cobertas de úlceras, e que nenhum remédio fazia efeito. Esse homem é espírita e tem alguma mediunidade. Disse-lhe que era necessário dirigir-se a Espíritos bons e fazê-lo com ardor. No dia de Todos os Santos vi-o na missa, com um simples bastão. No dia seguinte veio ver-me e contou o que se segue:
Senhor, disse ele, desde que me recomendastes utilizar os Espíritos bons para obter minha cura, não deixei uma noite e, muitas vezes de dia, de invocá-los e lhes mostrar quanto meu mal me prejudicava para ganhar a vida. Havia apenas cinco ou seis dias que assim orava quando uma noite, estando meio adormecido, vi um homem todo de branco aparecer no meio do quarto. Avançou para o meu aparador, tomou um pequeno pote, no qual havia o ungüento de que me servia para acalmar as dores das pernas. Mostrou-me o recipiente e depois, tomando fumo que eu guardava num papel, mostrou-mo também. Em seguida foi buscar uma garrafinha com extrato de saturno, depois uma garrafa com essência de terebentina e, mostrando tudo, gesticulou que era preciso fazer uma mistura. Indicou-me a dose e a despejou no pote. Depois de fazer sinais de amizade, desapareceu. No dia seguinte fiz o que o Espírito havia prescrito e desde então minhas pernas entraram em franco processo de cura. Hoje só me resta uma inflamação no pé, que, graças à eficiência da medicação, vai aos poucos desaparecendo. Em breve espero estar livre de todo o mal.
“Eis, senhores, um fato que quase poderia ser classificado no número das curas milagrosas, e creio que seria levar longe demais o espírito de partido para aí ver apenas um fato demoníaco.
“Examinando a vulgaridade e, quase sempre, a simplicidade dos remédios indicados pelos Espíritos em geral, eu me pergunto se daí não se poderia concluir que o remédio em si não passa de simples fórmula e que é a influência fluídica do Espírito que opera a cura. Penso que esta questão poderia ser estudada.”
“L. de Tarragon
A última questão não nos parece duvidosa, sobretudo quando se conhecem as propriedades que a ação magnética pode dar às substâncias mais benignas, à água, por exemplo. Ora, como os Espíritos também magnetizam, certamente podem dar, conforme as circunstâncias, propriedades curativas a certas substâncias. Se o Espiritismo nos revela todo um mundo de seres que pensam e agem, revela-nos também forças materiais desconhecidas, que a Ciência um dia aproveitará.