Curso Básico de Espiritismo
Curso Básico de Espiritismo
Associação de Divulgadores de Espiritismo de Portugal
Cadernos:
Curso Básico de Espiritismo
1.º CADERNO — PRECURSORES DO ESPIRITISMO
PRECURSORES DO ESPIRITISMO
– EMANUEL SWEDENBORG
Muito culto, este grande vidente sueco era eng.º de minas, uma autoridade em metalurgia, era zoólogo, anatomista e uma grande autoridade em física e astronomia. Grande pioneiro do espiritismo. Viveu em Londres, e em 1787 manifesta-se médium.
O caso de Gothenburg é famoso, onde o vidente observou e descreveu um incêndio em Estocolmo, a 300 milhas de distância, com perfeita exactidão, estando ele num jantar com 16 convidados, que serviram de testemunhas. Este caso foi investigado, inclusive, pelo filósofo Kant, que era seu contemporâneo.
Ele verificou, através da vidência, que o mundo espiritual, para onde vamos após a morte, consiste em várias esferas, representando graus de luminosidade e felicidade. Cada um de nós irá para aquela que se adapta à nossa condição espiritual. Somos julgados, automaticamente, por uma lei espiritual de similitudes. O resultado é determinado pelo resultado global da nossa vida, de modo que a absolvição ou o arrependimento no leito de morte têm pouco proveito. Verificou, nessas esferas espirituais, que o cenário e as condições deste mundo eram reproduzidos fielmente, do mesmo modo que a estrutura da sociedade.
Viu casas onde viviam famílias, templos onde praticavam o culto, auditórios onde se reuniam para fins sociais, palácios onde deviam morar os chefes.
A morte era suave, dada a presença de seres celestiais, que ajudavam os recém-chegados na sua nova existência.
Eles passavam, imediatamente, por um período de absoluto repouso. Reconquistavam a consciência em poucos dias. Havia anjos e demónios, mas eram seres humanos que tinham vivido na Terra e que ou eram almas retardatárias (demónios), ou altamente desenvolvidas (anjos). Levam consigo os seus hábitos mentais adquiridos, as suas preocupações, os seus preconceitos. Todas as crianças eram recebidas igualmente, fossem ou não baptizadas.
Cresciam no outro mundo. Jovens serviam-lhes de mães até que chegassem as mães verdadeiras. Não havia penas eternas. Os que se achavam nos infernos podiam trabalhar para sair de lá, desde que quisessem. Os que se achavam no céu não tinham lugar permanente: trabalhavam por uma posição mais elevada. Havia o casamento, sob a forma de união espiritual.
Ele fala de arquitectura, do artesanato, das flores, dos frutos, dos bordados, da arte, da música, da literatura, da ciência, das escolas, dos museus, das academias, das bibliotecas e dos desportos. Os que saíam deste mundo velhos e decrépitos, doentes ou deformados, recuperavam a mocidade e, gradativamente, o completo vigor. Os casais continuavam juntos, se os seus sentimentos recíprocos os atraíam. Caso contrário, era desfeita a união.
Isto por volta de 1790, quase 100 anos antes de aparecer o Espiritismo, com Allan Kardec.
– ANDREW JACKSON DAVIS
Filho de pais humildes, nasceu nos EUA, em 1826, num distrito rural do estado de Nova Iorque. Era falto de actividade intelectual, corpo mirrado, sem nenhum traço que denunciasse a sua excepcional mediunidade futura. Nos últimos anos da infância desabrochavam os seus poderes psíquicos. Ouvia vozes no campo. Vozes gentis, que lhe davam bons conselhos e conforto.
Tornou-se vidente. Fazia diagnósticos médicos com a sua vidência. Olhando o corpo humano, era como se ele se tornasse transparente. Cada órgão aparecia claramente e com uma radiação especial e peculiar, que se obscurecia em caso de doença. Vê os espíritos e fala com Swedenborg, já desencarnado. Tinha pouca cultura e 21 anos de idade. Em transe, proferia discursos sobre os mais variados temas, dos quais pouco ou nada sabia. Posteriormente, de nada se lembrava.
Escreve cerca de trinta livros (entre outros) editados com o título de “Filosofia Harmónica” que lhe foram transmitidos por Swedenborg. Assiste ao desencarne de uma senhora, onde descreve pormenorizadamente os processos da morte, no plano espiritual.
Por altura de 1856, antes do seu aparecimento, profetizou detalhadamente o aparecimento do automóvel, dos veículos aéreos movidos por uma força motriz de natureza explosiva, da máquina de escrever e locomotivas, com motores de combustão interna, com uma riqueza de detalhes impressionante.
Prevê o aparecimento do Espiritismo, em “Princípios da Natureza”, publicado em 1847.
Davis faz uma descrição pormenorizada do mundo espiritual, mais completa do que a de Swedenborg.
Davis apresenta a reencarnação como não obrigatória para progresso do espírito (o espírito pode, e deve, progredir no espaço, sem necessidade de reencarnar). Com ele nasceu o primeiro liceu espiritual, por ele fundado em 25 de Janeiro de 1863, em Nova Iorque, copiado de um sistema de educação que teria presenciado no plano espiritual, em desdobramento. O célebre vidente americano sofreu acusações caluniosas e críticas acervas. Homem superior, a tudo se sobrepunha, com tolerância evangélica e larga compreensão. Desencarnou em 1910, com 84 anos.
HYDESVILLE — As irmãs Fox, o ano de 1848
Historicamente, o espiritismo surgiu motivado pelos fenómenos de movimentação de objectos, verificados em diferentes países, na Europa, na América e noutras partes do mundo.
O marco de tais acontecimentos, todavia, foram as manifestações ocorridas na aldeia de Hydesville, no condado de Wayne, perto de Nova Iorque, nos Estados Unidos da América. Ali morava a família Fox, composta de três filhas, das quais duas viviam com os pais; os Fox estabeleceram-se na casa desde 1847”.
“Numa noite do ano de 1848, nas paredes de madeira do barracão de John Fox começaram a soar pancadas incomodativas, perturbando o sono da família, toda ela metodista. As meninas Katherine (Katie ou Kate), de nove anos de idade, e Margareth, de doze anos, correram para o quarto dos pais, assustadas com os golpes fortes no tecto e paredes do seu quarto”.
As pancadas, ou “raps”, começaram nessa noite; depois, ouvia-se o arrastar de cadeiras, e com o tempo os fenómenos tornaram-se mais complexos; tudo estremecia, os objectos moviam-se, havia uma explosão de sons fortes. (5) Três noites seguidas, até 31 de Março de 1848, os fenómenos repetiram-se intensamente, impedindo que os Fox conciliassem o sono. O sr. Fox fez buscas completas pelo interior e exterior da casa, mas nada encontrou que explicasse as ocorrências.
A menina Kate, um dia, já habituada ao fenómeno, pôs-se a imitar as pancadas, batendo com os dedos sobre um móvel, enquanto exclamava, em direcção ao ponto onde os ruídos eram mais constantes: “Vamos, Old Splitfoot, faça o que eu faço”. Prontamente as pancadas do “desconhecido” se fizeram ouvir, em igual número, e paravam quando a menina também parava.
“Margareth, a brincar, disse: “Agora, faça o mesmo que eu: conte um dois, três, quatro”, e ao mesmo tempo dava pancadas com os dedos. Foi-lhe plenamente satisfeito esse pedido, deixando a todos estupefactos e medrosos”.
As meninas Fox eram protestantes e supunham tratar-se do demónio e chamavam ao batedor de sr. Splitfoot (Pé Fendido), que corresponde a pé de bode. A família Fox estava alarmada; acorreram vizinhos e curiosos. Toda a localidade comentava os acontecimentos. Duesler idealizou, então, o alfabeto, para poderem traduzir as pancadas e compreenderem o que dizia o invisível. O batedor invisível contou a sua história: chamava-se Charles B. Rosma; fora um vendedor ambulante e, hospedado naquela casa pelo casal Bell, ali o assassinaram, para roubar-lhe a mercadoria e o dinheiro que trazia, e o seu corpo fora sepultado na cave. “Fizeram uma busca no local indicado e aí encontraram tábuas, alcatrão, cal, cabelos, ossos, utensílios”. (…) “Uma criada dos Bell, Lucretia Pulver, declara que viu o vendedor, e descreve-o; diz como ele chegara à casa e refere o seu misterioso desaparecimento. Uma vez, descendo à adega, seu pé enterrou-se num buraco, e como falasse isto ao patrão, ele explicou que deviam ser ratos; e foi apressadamente fazer os necessários reparos. Ela vira nas mãos dos patrões objectos da caixa do ambulante”.
Arthur Conan Doyle, no seu livro “História do Espiritismo”, relata que cinquenta e seis anos depois foi descoberto que alguém fora enterrado na adega da casa dos Fox. Ao ruir uma parede, crianças que por ali brincavam descobriram um esqueleto. Os Bell, para maior segurança, haviam emparedado o corpo, na adega, aonde inicialmente o haviam enterrado.
Em 23 de Novembro de 1904, o Boston Journal noticiava que o esqueleto do homem que possivelmente produziu as batidas, ouvidas inicialmente pelas irmãs Fox, em 1848, fora encontrado, e as mesmas estavam, portanto, eximidas de qualquer dúvida com respeito à sinceridade delas na descoberta da comunicação dos espíritos.
Diversas comissões se formaram na época dos acontecimentos, com a finalidade de estudar os estranhos fenómenos e desmascarar a fraude atribuída às Fox. Verificou-se que eles ocorriam na presença das meninas; atribui-se-lhes o poder da mediunidade. Nenhuma comissão, todavia, conseguiu demonstrar que se tratava de fraude. Os factos eram absolutamente verídicos, embora tivessem submetido as meninas aos mais rigorosos e severos exames, atingindo, às vezes, as raias da brutalidade.
As irmãs Fox foram, pressionadas. A Igreja excomungou-as, como pactuantes com o demónio. Foram acusadas de embusteiras, e ameaçadas fisicamente, muitas vezes.
Em 1888, ao comemorar os 40 anos dos fenómenos de Hydesville, Margareth Fox iludida por promessas de favores pecuniários, pelo cardeal Maning, faz publicar uma reportagem no New York Herald em que afirma que os fenómenos que realizaram eram fraudulentos. Todavia, no ano seguinte, arrependida da sua falta de honestidade para com o Espiritismo, reúne grande público no salão de música de Nova Iorque e retracta-se das suas declarações anteriores, não só afirmando que os fenómenos de Hydesville eram reais, como provocando uma série de fenómenos físicos no salão repleto.
“A retractação foi publicada na época. Consta da Light e do jornal americano New York Press, de 20 de Maio de 1889”.
“Como, porém, a lealdade e a sinceridade não são requisitos dos espíritos apaixonados, ainda hoje, quando se quer denegrir a fonte do moderno espiritismo, vem à baila a confissão das moças. Na retractação não se toca, ou quando se toca é para mostrar que não há no que confiar. Os pormenores ficam de lado”.
Os fenómenos aqui narrados e, as irmãs Fox, suas personagens principais, passaram para o histórico do Espiritismo. No entanto, o Espiritismo não aparece aqui, mas sim mais tarde, com a edição de «O Livro dos Espíritos», de Allan Kardec, em 1857.
AS MESAS GIRANTES
Uma série progressiva de fenómenos ajudava ao surgimento da doutrina espírita.
“O primeiro facto observado foi o da movimentação de objectos diversos. Designaram-no, vulgarmente, pelo nome de mesas girantes ou dança das mesas”.
Tal fenómeno parece ter sido notado primeiramente na América do Norte, de forma intensa, e propagou-se pelos países da Europa, como a França, a Inglaterra, a Alemanha, a Holanda e até a Turquia, nos meados do século XIX, tendo como marco, especialmente, o ano de 1848, com os fenómenos de Hydesville já estudados, envolvendo a família Fox. Todavia, a história regista que ele remonta à mais alta Antiguidade, tendo-se produzido de formas estranhas, como ruídos insólitos, pancadas sem nenhuma causa ostensiva.
“A princípio quase só encontrou incrédulos, porém, ao cabo de pouco tempo, a multiplicidade de experiências não mais permitiu que pusessem em dúvida a realidade”.
O fenómeno das pancadas, ou batidas, foi chamado “raps” ou “echoes”; o das mesas girantes, ou moventes, de “table-moving”, para os ingleses, “table-volante” ou “table-tournante”, para os franceses. No início, nos Estados Unidos da América, os espíritos só se comunicavam pelo processo trabalhoso, e de grande morosidade, de alguém dizer em voz alta o alfabeto e o espírito era convidado a indicar por “raps” ou “echoes”, no momento em que fossem pronunciadas as letras que, reunidas, deviam compor as palavras que queria dizer. Era a telegrafia espiritual.
“Os próprios espíritos indicaram, em fins de 1850, uma nova maneira de comunicação: bastava, simplesmente, que se colocassem ao redor de uma mesa, em cima da qual se poria as mãos. Levantando um dos pés, a mesa daria (enquanto se recitava o alfabeto) uma pancada toda a vez que fosse proferida a letra que servia ao espírito para formar as palavras. Esse processo, ainda que muito lento, produziu resultados excelentes, e assim se chegou às mesas girantes e falantes”.
“ Há que notar que a mesa não se limitava a levantar-se sobre um pé para responder às perguntas que se faziam; movia-se em todos os sentidos, girava sob os dedos dos experimentadores, às vezes elevava-se no ar, sem que se descobrissem as forças que a tinham suspenso”.
O fenómeno das mesas girantes propagou-se rapidamente, e durante muito tempo entreteve a curiosidade dos salões. Depois, aborreceram-se dele, pois a gente frívola, que apenas imita a moda, o considerou como simples distracção.
As pessoas criteriosas e observadoras, todavia, abandonaram as mesas girantes por terem “ visto nascer delas algo sério, destinado a prevalecer”, e “passaram a ocupar-se com as consequências a que o fenómeno dava lugar, bem mais importantes nos seus resultados. Deixaram o alfabeto pela ciência, tal o segredo desse aparente abandono” (…)
“As mesas girantes representarão sempre o ponto de partida da doutrina espírita” e merecem, por isso, alguma explicação, para que, conhecendo-se as causas, facilitada será a chave para a decifração dos efeitos mais complexos.
Para que o fenómeno se realize há necessidade da intervenção de uma ou mais pessoas dotadas de especial aptidão, designadas pelo nome de médiuns. (…)
Muitas vezes um poderoso médium produzirá sozinho mais do que vinte outros juntos. Basta colocar as mãos na mesa para que, no mesmo instante, ela se mova, erga , revire, dê saltos ou gire com violência.
A princípio, supôs-se que os efeitos poderiam explicar-se pela acção de uma corrente magnética, ou eléctrica, ou ainda pela de um fluído qualquer. (…) Outros factos, entretanto, demonstraram ser esta explicação insuficiente. Estes factos são as provas de inteligência que eles deram. Ora, como todo o efeito inteligente há-de, por força, derivar de uma causa inteligente, ficou evidenciado que, mesmo admitindo-se, em tais casos, a intervenção da electricidade, ou de qualquer outro fluido, outra causa a essa se achava associada. Qual era? Qual a inteligência”?
As observações e as pesquisas espíritas realizadas por Allan Kardec, e outros sábios, demonstraram que a causa inteligente era determinada pelos espíritos, que podiam agir sobre a matéria, utilizando o fluido fornecido pelos médiuns, isto é, meios ou intermediários entre os espíritos e os homens, gerando, assim, as manifestações físicas e as manifestações inteligentes.
Aperfeiçoaram-se os processos. As comunicações dos espíritos não se detiveram nas manifestações das mesas girantes. Evoluíram para as cestas e pranchetas, nas quais se adaptavam lápis, e as comunicações passaram a ser escritas – era a psicografia indirecta. Posteriormente, eliminaram-se os instrumentos e apêndices: o médium, tomando directamente o lápis, passou a escrever por um impulso involuntário e quase febril – era a psicografia directa.
ALLAN KARDEC – Um homem destinado a uma missão
O professor Hippolyte Léon Denizard Rivail — Allan Kardec — interessou-se pelos fenómenos espíritas no ano de 1855, quando o sr. Carlotti, seu amigo há 25 anos, lhe falou, pela primeira vez, da intervenção dos espíritos, e conseguiu aumentar as suas dúvidas sobre tais fenómenos.
Inicialmente, o professor Rivail esteve a ponto de abandonar as investigações, porquanto não era positivamente um entusiasta das manifestações espíritas… quase deixou de frequentar as sessões, não o fazendo em atenção aos pedidos do sr. Carlotti, e de um grupo de intelectuais que, confiando na sua inteligência, competência e honestidade, delegaram-lhe a ingente tarefa de compilar, separar, comparar, condensar e coordenar as comunicações que os espíritos lhes ditaram. Assinala Kardec que foram as meninas Baudin (Julie e Caroline – 14 e 16 anos de idade) as médiuns que mais concorreram para esse trabalho, sendo quase todo o livro escrito por intermédio delas e na presença de selecta e numerosa assistência.
Foi, então, a casa da sonâmbula srª. Roger, em companhia do sr. Fortier, seu hipnotizador, e ali encontrou o sr. Pâtier e a srª. Plainemaison, que lhe falaram dos mesmos fenómenos referidos por Carlotti, mas em tom mais ponderado. O sr. Pâtier, funcionário público de meia-idade, muito instruído, de carácter sério, frio e calmo; de falar ajuizado, isento de qualquer arroubo, causou-lhe excelente impressão e, quando o convidou a assistir às experiências que se realizavam em casa da srª. Plainemaison, na Rua Grange-Batelière, n.º 18, em Paris, aceitou com sofreguidão. O encontro fora marcado para uma terça-feira de Maio de 1855, às oito horas da noite.
Já anteriormente, em 1854, o prof. Rivail ouviu “falar, pela primeira vez, das mesas girantes, pela boca do sr. Fortier, magnetizador, com o qual entrara em relações para os seus estudos sobre magnetismo”. O sr. Fortier um dia falou-lhe: “Eis uma coisa mais do que extraordinária — não somente magnetizam uma mesa, fazendo-a girar, mas também a fazem falar; perguntam coisas e a mesa responde”.
Allan Kardec replica: “Isto é outra questão: acreditarei quando puder ver com os meus próprios olhos e quando me provarem que a mesa tem um cérebro para pensar, nervos para sentir e que pode tornar-se sonâmbula: por enquanto, seja-me permitido dizer que tudo isso me parece um conto para fazer dormir em pé”.
Em “Obras Póstumas”, Kardec comenta:
“Era lógico este raciocínio: eu concebia o movimento por efeito de uma força mecânica, mas, ignorando a causa e a lei do fenómeno, afigurava-se-me absurdo atribuir-se inteligência a uma coisa puramente material. Achava-me na posição dos incrédulos actuais, que negam porque apenas vêem um facto que não compreendem”.
Foi na casa da sr.ª Plainemaison, naquela terça-feira de Maio de 1855 já citada, que Hippolyte Léon Denizard Rivail assistiu pela primeira vez aos fenómenos das mesas que “giravam, saltavam e corriam, em condições tais que não deixavam lugar para qualquer dúvida. (… Eu entrevia, naquelas aparentes futilidades, no passatempo que faziam daqueles fenómenos, qualquer coisa de sério, como que a revelação de uma nova lei, que tomei a mim estudar a fundo (…) Os médiuns eram as meninas Baudin (Julie e Caroline). (…) Aí, tive o ensejo de ver comunicações contínuas e respostas a perguntas formuladas, algumas vezes até a perguntas mentais, que acusavam, de modo evidente, a intervenção de uma inteligência estranha”. São declarações do codificador. (3).
E continua ele, em “Obras Póstumas”: “Compreendi, antes de tudo, a gravidade da exploração que ia empreender; percebi, naqueles fenómenos, a chave do problema, tão obscuro e controvertido, do passado e do futuro da humanidade. A solução que eu procurava em toda a minha vida. (…) fazia-se mister, portanto, andar com a maior circunspecção, e não levianamente; ser positivista, e não idealista, para não me deixar iludir”.
Antes de dedicar-se ao estudo dos fenómenos espiritas, quem era Allan Kardec?
Ele “nasceu na cidade de Lyon, na França, a 3 de Outubro de 1804, recebendo o nome de Hippolyte Léon Denizard Rivail”.
“Os estudos de Kardec foram iniciados em Lyon, tendo-os completado em Yverdun, na Suíça, sob a direcção do célebre e inesquecível professor Pestalozzi”. (…) Teve uma sólida instrução, servida por uma robusta inteligência. Ele conhecia alemão, inglês, italiano, espanhol, holandês, sem falar na língua materna, e tinha grande cultura científica”.
O seu trabalho pedagógico é rico e extenso. Produziu, na França, uma dezena de obras sobre educação, no período de 1828 a 1849. Os seus livros foram adoptados pela Universidade de França. Traduzia para a língua alemã, que conhecia profundamente, diferentes obras de educação e moral e, dentre elas, “Telémaco”, de Fénelon.
Foi bacharel em Ciências e Letras. Membro de sociedades sábias da França, entre outras, da Real Academia de Ciências Naturais. Emérito educador, criou em Paris o Instituto Técnico, estabelecimento de ensino com base no método de Pestalozzi; foi professor no Liceu Polimático. Fundou, em sua casa, cursos gratuitos de química, física, anatomia comparada e astronomia, etc. Criou um método original, por processos mnemónicos, que levava o estudante a aprender e compreender as lições com facilidade e rapidez.
No ano de 1832 casou-se com Amélie Gabrielle Boudet, professora com diploma de I classe. A sua doce Gabi, como ele carinhosamente a chamava, ajudou-o intensamente, tanto nas suas actividades pedagógicas quanto no seu fecundo labor pela causa espírita.
Como homem, foi um homem de bem; caracter adamantino, as qualidades morais marcavam a sua personalidade; na vida, a coragem nunca lhe faltou; nunca desanimava; a calma foi um destaque de seu carácter; de temperamento jovial, de inteligência brilhante, marcada pela lógica e pelo bom senso; não fugia à discussão, quando a finalidade era esclarecer os assuntos.
“Allan Kardec foi o escolhido para tão elevada missão, como a de codificador, justamente pela nobreza de seus sentimentos e pela elevação do seu carácter, tudo aliado a uma sólida inteligência”.
“Ele sujeitava os seus sentimentos, os seus pensamentos, à reflexão. Tudo era submetido ao poder da lógica. (…) Nada passava sem o rigor do método, sem o crivo do raciocínio. Filósofo, benfeitor, idealista, dado às ideias sociais, possuía, ainda, um coração digno do seu carácter e do seu valor intelectual”.
«Conduzi-me, com os espíritos, como houvera feito com os homens. Para mim, eles foram, do menor ao maior, meios de me informar, e não reveladores predestinados. Tais as disposições com que empreendi meus estudos, e nelas prossegui sempre. Observar, comparar e julgar, essa a regra que constantemente segui.»
A partir do instante em que se dedicou ao estudo dos fenómenos de intervenção dos espíritos, no ano de 1855, na casa da srª. Plainemaison, até ao ano de 1869, quando desencarnou vitimado pelo rompimento de um aneurisma, num dia 31 de Março, trabalhou intensa e incansavelmente, tendo produzido o maior acervo da doutrina espírita.
Do seu trabalho gigantesco, relacionamos:
O Livro dos Espíritos (1857) |
O Evangelho Segundo o Espiritismo (1864) |
A Génese, os Milagres e as Predições (1868) |
O Livro dos Médiuns (1861) |
O Céu e o Inferno, ou A Justiça Divina Segundo o Espiritismo (1865) |
livros estes que constituem a base do espiritismo ou doutrina espírita.
Kardec criou uma terminologia apropriada às coisas da nova doutrina. Entre outros, os vocábulos espírita, espiritista e espiritismo, que exprimiam, sem nenhum equívoco, as ideias relativas aos espíritos na orientação doutrinária espírita. Não confundir com espiritual, espiritualista e espiritualismo.
Produziu obras subsidiárias e complementares, de grande valor doutrinário, como “O que é o Espiritismo”, “Introdução ao Estudo da Doutrina Espírita”, “Obras Póstumas”. Criou a “Revista Espírita”, jornal de estudos psicológicos, periódico mensal que editou e preparou os originais de Janeiro de 1858 a Junho de 1869, e fundou, em Paris, a 1 de Abril de 1858, a primeira associação espírita regularmente constituída, sob a denominação de Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas.
Nestas rápidas anotações, não conseguimos dizer tudo a respeito do missionário da codificação espírita, senão registrámos, apenas, aspectos gerais da sua magnífica personalidade. Sugerimos, entretanto, que os interessados consultem a bibliografia indicada, para melhor sentirem o valor extraordinário da sua vida e da sua obra.
O QUE É O ESPIRITISMO?
Allan Kardec, em “Obras Póstumas”, explica que nos seus estudos de espiritismo aplicou à nova ciência o método experimental, bem como o método indutivo, e jamais elaborou teorias preconcebidas; “observava cuidadosamente, comparava, deduzia consequências; dos efeitos procurava remontar à causa, por dedução e pelo encadeamento lógico dos factos, não admitindo por válida uma explicação senão quando resolvia todas as dificuldades da questão”.
Acrescenta ele: “Um dos primeiros resultados que colhi das minhas observações foi que os espíritos, nada mais sendo que as almas dos homens, não possuíam a plena sabedoria, nem a ciência integral; que o saber de que dispunham se circunscrevia ao grau que haviam alcançado, de adiantamento. (…) Reconhecida desde o princípio, esta verdade preservou-me do grave escolho de crer na infalibilidade dos espíritos e impediu-me de formular teorias prematuras, tendo por base o que fora dito por um ou alguns deles”.
“O simples facto da comunicação com os espíritos, dissessem eles o que dissessem, provava a existência do mundo invisível ambiente. Já era um ponto essencial, um imenso campo aberto às nossas explorações, a chave de inúmeros fenómenos até aqui inexplicados. O segundo ponto, não menos importante, era que aquela comunicação permitia que se conhecesse o estado desse mundo, seus costumes, (…).Cada espírito, em virtude de sua posição pessoal e de seus conhecimentos, me desvendava uma face daquele mundo, do mesmo modo que se chega a conhecer o estado de um país interrogando habitantes seus de todas as classes, não podendo um só, individualmente, informar-nos de tudo. Compete ao observador formar o conjunto, por meio dos documentos colhidos de diferentes lados, coleccionados, coordenados e comparados uns com os outros. Conduzi-me, pois, com os espíritos, como houvera feito com os homens. Para mim, eles foram, do menor ao maior, meios de me informar, e não reveladores predestinados”.
“Tais as disposições com que empreendi meus estudos, e nelas prossegui sempre. Observar, comparar e julgar, essa sempre a regra que segui”.
E no seu livro “O que é o Espiritismo” o codificador explica, sumariamente:
“O espiritismo é, ao mesmo tempo, uma ciência de observação e uma doutrina filosófica. Como ciência prática consiste na relações que se estabelecem entre nós e os espíritos; como filosofia, compreende todas as consequências morais que dimanam dessas mesmas relações”.
E conclui: “Podemos defini-lo assim: o espiritismo é uma ciência que trata da natureza, origem e destino dos espíritos, bem como das suas relações com o mundo corporal”
CONSOLADOR
“Se me amais, guardai os meus mandamentos; e eu rogarei ao Pai, e Ele vos dará outro consolador, para que fique eternamente convosco, o Espírito de Verdade, a quem o mundo não pode receber porque não o vê, nem o conhece. Mas vós o conhecereis, porque ele ficará convosco e estará em vós. – Mas o Consolador, que é o Espírito Santo, a quem o Pai enviará em meu nome, vos ensinará todas as coisas, e vos fará recordar tudo o que vos tenho dito”. (S. João, cap. XIV v.15,16,17,26).
É o espiritismo o consolador prometido por Jesus; é o Santo Espírito — o Paracleto, que em seu nome o Pai enviou para dar ao homem o “conhecimento das coisas, fazendo que ele saiba de onde vem, para onde vai e porque está na Terra: atrai para os verdadeiros princípios da lei de Deus e consola pela fé e pela esperança”.
Assim como Cristo disse “Não vim destruir a lei, porém, cumpri-la”, também o espiritismo diz “Não venho destruir a lei cristã, mas dar-lhe execução”. – “Nada ensina em contrário ao que ensinou o Cristo; mas desenvolve, completa e explica, em termos claros e para toda a gente, o que foi dito apenas em forma alegórica”.
“O espiritismo vem, na época predita, cumprir a promessa do Cristo: preside ao seu advento o Espírito de Verdade (…) Vem abrir os olhos e os ouvidos, porquanto fala sem figuras e alegorias; levanta o véu intencionalmente lançado sobre certos mistérios. Vem (…) trazer a consolação suprema aos deserdados da Terra e a todos os que sofrem atribuindo causa justa e fim útil a todas as dores”.
A lei do Antigo Testamento teve em Moisés a sua personificação: o Novo Testamento tem-na no Cristo. O espiritismo é a terceira revelação da lei de Deus, mas não tem a personificá-lo nenhuma individualidade, porque é fruto dado não por um homem, mas pelos espíritos, que são as vozes do Céu, em todos os pontos da Terra”. (…)
Tem por divisa “Fora da caridade não há salvação”. Aos seus adeptos oferece um imperativo de iluminação: “Espíritas, amai-vos, este é o primeiro ensinamento; instruí-vos, este é o segundo”.
ANOTAÇÕES E INDICAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS
- Allan Kardec, OBRAS PÓSTUMAS, 2.ª Parte, Projecto 1868, 13.ª Edição, 1973, Federação Espírita Brasileira.
- André Moreil, VIDA E OBRA DE ALLAN KARDEC, 1.ª Parte, A Vida Espírita de Allan Kardec, Cap. III, 1.ª Edição, Tradução de Miguel Maillet, Edicel – S.P.
- Zêus Wantuil e Francisco Thiesen, ALLAN KARDEC (Pesquisa Bibliográfica e Ensaios de Interpretação), VOL. II, Cap. I, 1980, Federação Espírita Brasileira.
- Allan Kardec, OBRAS PÓSTUMAS, 2.ª Parte, Previsões, A minha primeira iniciação ao Espiritismo, 13.ª Edição, 1973, Federação Espírita Brasileira.
- Carlos Imbassahy, A MISSÃO DE ALLAN KARDEC, 1.ª Parte, Edição da Federação Espírita do Paraná, 1957.
- Allan Kardec, O QUE É O ESPIRITISMO, Introdução, 14.ª Edição, Federação Espírita Brasileira.
- Arthur Conan Doyle, HISTÓRIA DO ESPIRITISMO, Cap. IV, O Episódio de Hydesville, Editora Pensamento, São Paulo, Tradução de Júlio Abreu Filho, 1978.
- Allan Kardec, O LIVRO DOS ESPÍRITOS, Introdução, Item III, 33.ª Edição, Federação Espírita Brasileira.
- Zêus Wantuil, AS MESAS GIRANTES E O ESPIRITISMO, Caps. 1 e 2, 1.ª Edição, Federação Espírita Brasileira.
- Allan Kardec, O LIVRO DOS MÉDIUNS, 2ª Parte, Cap. II, 30.ª Edição, 1972, Federação Espírita Brasileira.
- Allan Kardec, O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO, Caps. I e VI, 51.ª Edição, Federação Espírita Brasileira.
- Adaptado do original editado em 1981, pelo Centro Espírita Luz Eterna, de Curitiba –PR, Brasil
2.º CADERNO — Doutrina espírita — filosofia com bases científicas e consequências morais
Tendo aparecido numa época de emancipação e madureza intelectual, em que o homem queria saber o porquê e o como de cada coisa, o espiritismo surgiu não somente como as revelações anteriores, através de um ensino directo, mas também como fruto do trabalho da pesquisa e do livre exame, deixando ao homem o direito de submeter tudo ao cadinho da razão.
Pelo método aplicado na observação dos factos, pelas respostas que oferece às profundas indagações do espírito humano, com reflexos inevitáveis no modo de proceder das pessoas, salienta-se que o espiritismo é uma doutrina de tríplice aspecto: científico, filosófico e moral.
No livro “O que é o Espiritismo”, Allan Kardec diz-nos que «o espiritismo é, ao mesmo tempo, uma ciência de observação e uma doutrina filosófica. Como ciência prática, consiste nas relações que se estabelecem entre nós e os espíritos; como filosofia, compreende todas as consequências morais que dimanam dessas mesmas relações.»
SUMÁRIO
1. Ciência – método científico
Os fenómenos mediúnicos, tão antigos quanto o homem à face da terra, sempre chamaram a atenção para a realidade da vida espiritual.
O espiritismo, surgindo numa época de emancipação e madureza intelectual, procedeu, na sua elaboração, da mesma forma que as ciências positivas, aplicando o método experimental.
O espiritismo experimental estudou as propriedades dos fluidos espirituais e demonstrou a existência do perispírito.
A parte experimental do espiritismo está contida em «O Livro dos Médiuns», editado em Paris, França, em 1861.
2. Filosofia – novos campos para o conhecimento
As grandes questões da alma permaneceram por muito tempo encobertas pelo véu do mistério e do dogma.
A libertação do conhecimento, nos tempos modernos, permitiu ao homem questionar os princípios filosóficos dogmáticos, incapazes de resistirem ao mínimo critério de lógica.
A filosofia espírita está consubstanciada em «O Livro dos Espíritos», editado em 1857.
As bases da doutrina espírita foram estabelecidas por Allan Kardec, através da análise e selecção das comunicações dos espíritos, usando o critério da universalidade e concordância do ensino dos espíritos à luz da razão.
O espiritismo propugna pela fé raciocinada.
Os pontos fundamentais do espiritismo são: Deus; o espírito e a sua imortalidade; comunicabilidade dos espíritos; a reencarnação; pluralidade dos mundos habitados; leis morais.
3. Moral – aperfeiçoamento interior
O homem primitivo, não podendo explicar os fenómenos naturais, atribuía-os a uma potência superior, que ele passou a reverenciar, surgindo as formas primitivas de culto.
O espiritismo não tem formas exteriores de adoração, nem sacerdotes, nem liturgia.
A parte moral do espiritismo está contida em «O Evangelho Segundo o Espiritismo», editado em 1864.
ANOTAÇÕES E INDICAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS
- (1) Allan Kardec, “A Génese”, cap. 1, n.º 12 a 14 e 39, 13.ª edição, FEB
- (2) Allan Kardec, “O que é o Espiritismo”, Preâmbulo, 11.ª edição, 1955, FEB
- (3) Allan Kardec, “O Livro dos Médiuns”, Frontespício
- (4) “Enciclopédia do Estudante”, volume 2, Editora Abril Cultural
- (5) Allan Kardec, “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, Introdução, 5.ª edição, FEB
- (6) Camille Flamarion, “Deus e a Natureza”, Introdução, FEB
- (7) Emanuel, “O Consolador”, psicografado por Francisco Cândido Xavier, Terceira Parte, questão n.º 260, 4.ª edição, FEB
- (8) Allan Kardec, “Obras Póstumas”, 1.ª parte, Manifestação dos Espíritos, 11.ª edição, FEB.
1. Ciência — método científico
Os fenómenos mediúnicos, tão antigos quanto o ser humano à face da Terra, sempre chamaram a atenção para a realidade da vida espiritual. Todavia, foram sempre revestidos pelo carácter do maravilhoso e do sobrenatural, tão ao gosto das religiões primitivas, e das tradicionais. Outras vezes, as manifestações dos espíritos eram explicadas como obra demoníaca, por princípios religiosos que persistem até hoje, desencorajando, e mesmo proibindo, através do poder religioso constituído, toda a pesquisa ou estudo que visasse esclarecer a causa dos referidos fenómenos. Tornou-se necessário que o tempo passasse, que o homem amadurecesse e, como consequência, houvesse a libertação do conhecimento, para que a explicação racional desses factos pudesse ser encontrada.
No estudo dos fenômenos que concorreram para a elaboração do espiritismo, Allan Kardec, da mesma forma que nas ciências positivas, aplicou o método experimental. Não criou nenhuma teoria preconcebida e nem apresentou a priori, como hipótese a existência e a intervenção dos espíritos, concluindo pela existência destes quando ela foi evidenciada pela observação dos factos. «Não foram os factos que vieram, a posteriori, confirmar a teoria, a teoria é que veio, subsequentemente, explicar e reunir os factos.»
Como vimos na sessão anterior, foi a partir dos fenómenos das mesas girantes que Allan Kardec iniciou a sua pesquisa, em busca da explicação para esse facto tão singular, e de tantos outros compreendidos na fenomenologia mediúnica.
Nascia, assim, uma nova ciência, que viria romper vínculos a quaisquer resíduos mágicos e superstição, demonstrando a existência do princípio espiritual, as propriedades dos fluidos espirituais e a acção deles sobre a matéria. Demonstrou a existência do perispírito – ou corpo espiritual -, assinalado por diversos pensadores, em várias épocas, reconhecendo nele o corpo fluídico da alma, mesmo depois da destruição do corpo físico.
Esse invólucro é inseparável da alma, é um dos elementos constitutivos do ser humano, é o veículo de transmissão do pensamento e serve de laço entre o espírito e a matéria.
A parte experimental do espiritismo está contida em «O Livro dos Médiuns », editado em 1861, que, segundo Allan Kardec, na apresentação da referida obra, «contém o ensino especial dos espíritos sobre a teoria de todos os géneros de manifestações, os meios de comunicação com o mundo invisível, o desenvolvimento da mediunidade, as dificuldades e os escolhos que se podem encontrar na prática do espiritismo».
Nesta obra, Kardec dá ênfase ao perispírito, elemento indispensável para a explicação da mediunidade, e faz também um relato da evolução dos processos de comunicação com os espíritos, desde as mesas girantes até à psicografia, ou seja, a escrita através da mão do médium.
O espiritismo, enquanto ciência, tem o seu objecto e o seu método.
O seu objecto centra-se “nas relações que se estabelecem entre nós e os espíritos”. É “uma ciência de observação”.
O método científico, assim é ensinado nas escolas, decompõe-se em várias fases: 1. Observação; 2. Formulação de hipóteses explicativas do fenómeno; 3. Fase em que se testa experimentalmente a hipótese tida como reveladora do mecanismo do fenómeno; 4. Enunciar a lei.
Quem estuda a história da codificação do espiritismo vai encontrar este percurso a ser percorrido por Kardec. Evidentemente que este tipo de fenómenos não tão simples de pesquisar como uma experiência química processada em laboratório. Há que fazer adaptações. Os espíritos são pessoas sem corpo físico, que têm a sua vontade própria, podem não estar dispostos a tentar as experiências que os experimentadores pretendem fazer; a isto acresce a necessidade de se verificar todo um conjunto complexo de circunstâncias físicas, psicológicas e outras, para que o fenómeno possa ocorrer.
1.1. Esclarecimento de conceitos diversos: empirismo, dogmatismo, cepticismo, agnosticismo
Há vários conceitos que importa aclarar, a fim de que a prática espírita não se transtorne com eles e, diante da dificuldade de estudar mais profundamente estes fenómenos, não possam eles tornar-se companhias indesejáveis, susceptíveis de subverter, das maneiras mais confusas, os objectivos de serviço e fraternidade à luz do espiritismo, que estarão sempre por detrás do centro espírita.
Comecemos pelo empirismo. Segundo o dicionário, “conjunto de conhecimentos colhidos apenas na prática” e “doutrina filosófica segundo a qual todo o conhecimento humano deriva, directa ou indirectamente, da experiência”. Vejamos um exemplo comum de uma constatação empírica – “Enquanto escrevo, olho pela janela. Vejo o céu azul e o Sol. Ainda há pouco ele estava mais alto. Porém, agora, passadas umas duas horas, ele está mais baixo”. A leitura empírica deste fenómeno aparente de deslocação do Sol é esta: o Sol move-se no céu, e os meus olhos bem viram isso. A leitura científica deste mesmo fenómeno seria feita mais ou menos assim: “Porque a Terra rola no espaço e eu me encontro, à vista desarmada, sem referencial fixo para determinar o movimento da Terra em relação ao Sol, os meus sentidos enganam-me e fazem-me pensar erradamente, que é o Sol que se move, embora seja, de facto, a rotação da Terra que me causa esse lapso”. Exemplos de empirismo, e mais grave do que isso, na prática espírita: “Não cruze as pernas numa reunião espiritual, porque isso basta para quebrar a corrente fluídica”; “Se eu não for ao passe magnético não me sinto bem”, etc.
Dogmatismo: “Atitude de quem afirma com intransigência, de quem afirma sem prova nem crítica prévia”; admite a possibilidade do conhecimento absoluto. É próprio das religiões e é a moldura perfeita para qualquer exercício de fé cega. Responsável por graves crimes contra a humanidade – ex: Inquisição.
Quanto ao cepticismo, o dicionário define-o assim: “Doutrina filosófica que defende que o homem não é capaz de alcançar a certeza” e “descrença”.
O agnosticismo é um “sistema filosófico segundo o qual o espírito humano ainda se encontra impossibilitado de alcançar, sobre certos fenómenos, um conhecimento absoluto. O agnóstico, sem provas, não acredita nem descrê – aguarda pela oportunidade de recolher dados que lhe permitam retirar conclusões racionais.
2. Filosofia – Novos campos para o conhecimento
A partir do século VI a.C., surgia na Grécia uma nova maneira de propor e solucionar problemas, com a libertação das formas tradicionais de explicação da realidade, baseadas em crenças religiosas e apresentadas através de mitos. Essa nova maneira consistia no uso da razão para se descobrir à causa dos fenômenos.
Começavam a surgir teorias atinentes a todos os tipos de indagações, desde a origem do universo, à natureza do homem, até às mais diversas atividades humanas, conduta moral, etc. Essa forma de pensar foi chamada filosofia, que significa «amor à sabedoria». (4)
Dentre os vários filósofos gregos, destacam-se as figuras de Sócrates e o seu discípulo Platão, considerados por Allan Kardec como precursores da idéia cristã e do espiritismo.
Na introdução de «O Evangelho Segundo o Espiritismo», ele faz um resumo da doutrina desses filósofos, que admitiam a existência e a imortalidade do espírito, a reencarnação, a necessidade da prática do bem, etc. (5)
Não obstante o grande avanço da filosofia grega e as lições imorredouras do próprio Cristo, as grandes questões da alma permaneceram por muito tempo encobertas pelo mistério do véu e do dogma. Na Idade Média, quando a religião predominava, os valores da fé prevaleciam sobre a razão. Não que a humanidade deixasse de receber a contribuição de pensadores lúcidos. Mas estes, quando não eram envolvidos pela sociedade vigente, muitas vezes eram obrigados a silenciar. Alguns foram sacrificados em holocausto à verdade, seja no campo da religião, da filosofia ou até da ciência.
Como consequência da libertação do pensamento nos tempos modernos, o homem passou a questionar os princípios filosóficos impostos de forma dogmática, considerados incontestáveis e indiscutíveis. De um lado, o ateísmo científico; do outro, a ilusão religiosa. O avanço alcançado pelas ciências, especialmente a química, a física e a astronomia, o surgimento dos grandes pensadores, nos séculos XVIII e XIX, concorreram para mostrar a fragilidade dos princípios defendidos pela teologia. Da crença cega saltava-se para a negação absoluta.
No campo materialista merece destaque o positivismo, criado por Augusto Comte, que chegou ao exagero de afirmar que a ciência aposentara o Pai da Natureza, e acabava de «reconduzir Deus às suas fronteiras, agradecendo os seus serviços provisórios». (6)
Foi nesse clima que surgiu a revelação espírita, trazendo ao mundo a explicação lógica para os grandes enigmas da vida, da morte, da sobrevivência, da dor, etc.
As bases da doutrina espírita foram estabelecidas por Allan Kardec através da análise e seleção das comunicações dos espíritos, usando os critérios da universalidade e concordância do ensino dos espíritos, à luz da razão.
Como não poderia deixar de ser, o espiritismo é uma doutrina de livre exame, propugnando pela fé raciocinada. No capítulo XIX de «O Evangelho Segundo o Espiritismo», Kardec diz-nos que «fé inabalável só o é a que pode encarar de frente a razão, em todas as épocas da humanidade». Nascia uma nova filosofia, estribada na ciência, cujas consequências morais, do mais alto alcance, preparam a humanidade para uma nova era, em que os valores espirituais preponderarão sobre os valores materiais.
A filosofia espírita está consubstanciada em «O Livro dos Espíritos», obra apresentada por Allan Kardec como filosofia espiritualista.
Este livro divide-se em quatro partes: 1 – Das causas primárias; 2 – Do mundo espírita ou do mundo dos espíritos; 3 – Das leis morais; 4 – Das esperanças e das consolações.
Essa obra enquadra-se numa das formas mais livres da tradição filosófica: o diálogo. Por conseguinte, todo o ensinamento é apresentado através de perguntas e respostas, seguindo-se, às vezes, alguns comentários do codificador (Allan Kardec).
Como quase todas as partes do livro serão estudadas em outras aulas deste curso básico, deter-nos-emos aqui apenas a ressaltar alguns pontos da filosofia espírita, para darmos dela uma visão de conjunto.
O espiritismo não mostra Deus pela imagem antropomórfica – feita à imagem e semelhança do homem – que dele faziam as religiões. «Deus é a inteligência suprema, causa primária de todas as coisas».
O universo define-se pela tríade Deus, espírito e matéria. A matéria, porém, não é somente o elemento palpável, havendo o fluido universal, intermediário entre o plano espiritual e o plano material.
«… Tudo se encadeia na Natureza, desde o átomo primitivo ao arcanjo, que também começou por ser átomo», como vemos na questão n.º 540. Para chegar à perfeição, terá que passar pelas provas da existência material, através do mecanismo das reencarnações, ao qual se associa à lei de causa e efeito, que permite ao espírito compensar a sua própria consciência dos erros passados, à medida que o seu progresso lhe permite estabelecer a diferenciação entre o bem e o mal.
As condições de vida após a morte do corpo físico são estudadas com detalhes, ressaltando desse estudo o processo natural de aprendizado do espírito, através da experiência. A morte, simplesmente, não o liberta das paixões, dos vícios, da ignorância, como também não define o seu futuro, tal como ensinava, até então, a teologia. Cai por terra a falsa concepção de inferno, céu e purgatório.
Podemos dizer que a doutrina espírita se resume nos seguintes princípios fundamentais: Deus, o espírito e a sua imortalidade, a comunicabilidade dos espíritos, a reencarnação e a pluralidade dos mundos habitados; as leis morais.
3. Moral – aperfeiçoamento interior
O homem primitivo, não conseguindo explicação para os vários fenômenos naturais, entre os quais a chuva, o relâmpago, o trovão, a germinação da semente, o nascimento e a morte, atribuía-os a uma potência superior. Além disso, os fenômenos mediúnicos, caracterizados pelas comunicações de espíritos entre os povos primitivos, concorreram para que essa potência ou essas potências superiores fossem, de alguma forma, reverenciadas, quer pelo temor que inspiravam quer pelo caráter maravilhoso ou sobrenatural de que eram revestidos pelas concepções daquelas mentes primitivas. Nasciam, assim, as primeiras formas de adoração, através dos mais diferentes cultos, que deram origem a muitas religiões do passado. Nesses cultos sobressaíam determinados indivíduos, alguns, quem sabe, portadores de certas faculdades medianímicas, e que ganhavam notoriedade. Eram os sacerdotes, que recebiam os mais variados nomes nos diferentes povos em que se enquadravam.
O estudo de algumas religiões leva a concluir que muitas delas são instituições bem caracterizadas pelo culto exterior, onde preponderam os sacerdotes, como executores desse culto e, entre eles (sacerdotes), uma estrutura hierárquica. É uma característica remanescente das religiões primitivas, que atingiu o próprio cristianismo, desfigurando-o, a partir do seu aspecto simples e informal, pela intromissão do politeísmo romano e de outras influências dos povos que constituíam o Império Romano, a partir do reconhecimento dele, cristianismo, como religião oficial.
O espiritismo, não tendo formas exteriores de adoração, nem sacerdotes, nem liturgia, não é entendido como religião, mas sim, de acordo com Kardec, como moral ou ética (ciência do bem). Trata-se de uma opção pela clareza de linguagem, fundamental para que não se propiciem confusões, que seriam lamentáveis e poderiam comprometer o futuro.
Todavia, anote-se que há também quem admita que, tendo como exemplo o cristianismo no seu nascedouro, para uma doutrina ter caráter religioso não é necessária nenhuma estrutura complicada, senão um conjunto de princípios, capazes de transformar o homem para melhor. Exatamente como Allan Kardec defende em “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, como veremos daqui a pouco.
A doutrina espírita, como ciência e como filosofia, esclarece os grandes enigmas da vida, dentro de princípios lógicos. Através dela ficamos a saber o que somos, de onde viemos, que fazemos aqui, para onde iremos após a morte do corpo físico e como respondemos pelo comportamento mau ou bom que aqui tivermos, desde já ou no futuro.
Por reconhecer essa gama de consequências morais, que afetariam, por certo, os seguidores do espiritismo, e por inspiração de entidades superiores, Allan Kardec publicou, em 1864, “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, admitindo que a moral espírita é a moral do Evangelho, entendido este no seu sentido lógico, e não desfigurado, quer pela letra quer pelo dogma, aceitando-o nos pontos não controversos e que pudessem atender à melhoria do comportamento humano: «Todas as religiões têm por base a existência de Deus e por fim o futuro do homem depois da morte. Esse futuro, que é de capital interesse para a criatura, acha-se necessariamente ligado à existência do mundo invisível, pelo que o conhecimento desse mundo constituiu, desde todos os tempos, objeto de suas pesquisas e preocupações. A atenção do homem foi, naturalmente, atraída pelos fenômenos que tendem a provar a existência daquele mundo e nenhum houve jamais tão concludente como o das manifestações dos espíritos, por meio das quais os próprios habitantes de tal mundo revelaram a sua existência. Por isso foi que esses fenômenos se tornaram básicos para a maior parte dos dogmas de todas as religiões».
GLOSSÁRIO
Acaso, (do latim a casu). Caso fortuito. Imprevisível ou incerto. Casualidade. À sorte, sem premeditação.
Adoração, (do latim adoratione). Ato de adorar; culto a Deus; respeito; submissão. Uma das dez leis morais.
Aforismo, ( do grego aphorismós). Proposição que, de forma concisa, enuncia um princípio ou regra prática de comportamento; máxima.
Agnosticismo, (do grego a,+gnostikós, relativo ao conhecimento). Doutrina que declara impossível, inacessível ao entendimento humano toda a noção de absoluto, reduzindo a ciência ao conhecimento do fenomenal e relativo.
Alegoria, (do grego allegoría). Figura de estilística, envolvendo uma comparação entre objetos ou ações; metáfora; imagem; ficção de um objeto apresentado ao espírito de maneira que dê a idéia de outro.
Alma, (do latim anima). Parte espiritual do ser humano. Princípio da vida e do pensamento. O mesmo que espírito, mas na condição de encarnado.
Ambição, (do latim ambitione). Desejo de glória ou riqueza; ânsia; grande desejo; cobiça; aspiração; desejo de poder; cupidez; apetite.
Amorfo, (do grego ámorphos). Que não tem forma determinada.
Anjo, (do latim angelu<grego ággelos). Criatura de natureza puramente espiritual que se supõe habitar o céu e que tem funções de mensageiro entre Deus e o homem. ~-da-guarda, espírito protetor encarregue de velar individualmente por cada um dos encarnados.
Antigo Testamento, Livros sagrados anteriores a Cristo.
Antropologia, ( do grego ánthropos+lógos). Antrop. Estudo do homem considerado zoologicamente, isto é, como animal. Filos. Tratado da economia moral do homem.
Antropomorfismo, (do grego ánthropos, homem+moryhé, forma). Doutrina que atribui a Deus a forma humana. Modo de conceber a Divindade ou divindades como homens, na ação, na forma e sentimentos, e somente com poderes superiores. Tendência para considerar nas coisas da natureza qualidades humanas.
Arcanjo, (do latim archangelu). Teol. Anjo de ordem superior.
Ateísmo, (do grego a, não+theós, deus). Doutrina dos que negam a existência de Deus; descrença.
Ateu, (do grego átheos>do latim atheu ou atheo). Indivíduo que nega a existência de Deus ou que não segue religião alguma.
caráter, (do latim caracter). Psic. Aquilo que é próprio de cada indivíduo e o distingue dos outros; génio; feitio; índole. P. Ext. Força de alma; firmeza moral; coerência.
Atração, (do latim attractione). Força solicitadora dos corpos uns para os outros.
Atributo, (do latim attributu). O que é próprio ou particular a um ser. Qualidade. Condição.
Axioma,(do latim axioma). Premissa evidente por si mesma, que não necessita de demonstração.
Bem, (do latim bene). De modo agradável e conveniente. Tudo o que se conforma com as regras e princípios morais; o que é bom. ~aventurado, Feliz; ditoso.
Benevolência, (do latim benevolentia). Qualidade do que é benevolente. Boa vontade para com alguém; estima e afecto.
Bom, (do latim bonu). Adequado à sua natureza ou função; de boa qualidade; bondoso; agradável; útil; perfeito; completo; sadio; nobre; próprio.
Bondade, (do latim bonitate). Qualidade do que ou de quem é bom; que tem boa índole; brandura; benevolência.
Categorias, (do latim categoria<grego kategoria). Classe; grupo; série; ordem. Posição social importante. Hierarquia. Filos. Cada uma das classes em que se dividem as ideias ou termos.
Causa, (do latim causa). Aquilo ou aquele que determina a existência
Cepticismo, (de céptico). Doutrina que interdita (em grau diverso), a possibilidade de o homem atingir a certeza e preconiza a suspensão do juízo, afirmativo ou negativo, em todos ou em determinados domínios. Propensão à dúvida. Estado de quem duvida de tudo. Descrença.
Céu, (do latim coelu). Lugar de morada de Deus e dos justos e bem-aventurados. Paraíso.
Ciência, (do latim scientia). Conhecimento certo e racional sobre a natureza das coisas ou sobre as suas condições de existência. Investigação metódica das leis dos fenómenos.
Ciúme, (de cio). Inquietação mental causada por suspeita de rivalidade no amor ou noutra aspiração; emulação; inveja.
Classe, (do latim classe). Ordem segundo a qual se dividem, distribuem ou arrumam seres ou coisas. Conjunto de qualidades naturais que contribuem para o valor dos resultados alcançados por alguém.
Classificação, (do francês classification). Acto, acção ou efeito de classificar, ou de distribuir em classes
Codificação Espírita, Conjunto formado pelos cinco livros que formam o corpo da Doutrina Espírita: O Livro dos Espíritos, O Evangelho Segundo o Espiritismo, O Livro dos Médiuns, O Céu e o Inferno e A Génese.
Codificador, (de codificar). Aquele que codifica. Autor de um código.
Código, (do latim codex). Compilação de leis. Colecção ordenada de preceitos, normas, e regras sobre qualquer matéria.
Compreender, (do latim comprehendere). Perceber; entender. Conhecer as intenções de. Conter em si; abranger; incluir.
Comunicação, (do latim communicatione). Acção ou efeito de comunicar. Participação; aviso; informação. Convivência; trato.
Condensar, (do latim condensare). Efeito de tornar mais denso, espesso ou grosseiro.
Consequência, (do latim consequentia). O que é produzido por; o que é efeito de; o que é sequência de.
Consolador, (do latim consolatore). Que, ou o que consola, alivia, suaviza.
Contextura, (de contexto). Disposição das partes de um todo.
Crença, (do latim medieval credentia). Acto ou efeito de crer.
Criação, (do latim criatione). Acto ou efeito de criar. Conjunto de seres criados. Origem.
Criatura, (do latim creatura). Todo o ser criado. Homem, por imposição de Deus.
Cristianismo, (do latim christianismu). Corrente monoteísta que tem como princípio Cristo.
Crueldade, (do latim crudelitate). Qualidade do que é cruel. Acto cruel. Barbaridade. Desumanidade.
Culto, (do latim cultu). Homenagem prestada à divindade; liturgia.
de uma coisa ou acontecimento. Agente. Motivo, razão. Origem.
Dedução, (do latim deductione). Conclusão, ilação. Acção de deduzir. Consequência lógica extraída de um princípio. Da causa chegar ao efeito.
Demónio, (do latim daemoniu < grego daimónion). Anjo caído em desgraça que procura perder a humanidade, na crença de certas religiões; Satanás; Diabo; Belzebu; espírito maligno.
Depuração, (de depurar). Acto ou efeito de depurar; limpeza; clarificação.
Desdobramento, (de desdobrar). Acto de desdobrar. Faculdade anímica que permite a pessoa, estando o corpo físico num determinado local, deslocar-se ou ser levada a outro local, espiritualmente podendo ser ou não vista pelos encarnados presentes nesse mesmo local.
Desencarnado, (de des + do latim incarnatu) Que desencarnou. Que deixou a carne. Espírito sem corpo físico. Morrer.
Desmaterializado, (de desmaterializar). Desprovido de forma material. Imaterial.
Destino, (de destinar). Fim para que tende uma acção ou um estado. Sorte. Futuro. Fatalidade.
Deus, (do latim deus). Inteligência suprema, causa primária de todas as coisas. Divindade.
Diabo, (do grego diábolos). Espírito ou génio do mal. Demónio. Satanás.
Diabrete, (de diabro, por diabo). Diabo pequeno.
Dignidade, (da latim dignitate). Qualidade moral que infunde respeito. Respeitabilidade. Elevação de sentimentos. Seriedade. Nobreza.
Divindade, (do latim divinatate). Qualidade do que é divino. Natureza divina. Deus ou deusa.
Divisa, (do latim divisa). Palavra ou frase que significa o lema de um país, partido, associação, doutrina, etc.
Dogma, (do latim dogma<do grego dógma). Princípio aceite como verdadeiro ou justo sem discussão ou exame crítico. Proposição apresentada como incontestável ou indiscutível, sem qualquer tipo de comprovação.
Dogmatismo, (do latim dogmatismu). Doutrina ou sistema dos que aceitam o dogma. Atitude dos que apresentam as suas doutrinas como verdades insofismáveis.
Doutrina, (do latim doctrina). Conjunto dos princípios ou dogmas em que assenta e se articula um sistema religioso, político ou filosófico. Disciplina.
Duende, (do castelhano duende). Entidade ou espírito sobrenatural que se imaginava fazer travessuras, de noite, dentro das casas.
Egoísmo, (do grego egó). Qualidade de egoísta. Sentimento ou maneira de ser das pessoas que só se preocupam com o interesse próprio, com o que lhes diz respeito; amor exclusivo a si próprio.
Eléctrico, (do grego élektron). Relativo à electricidade. Designativo dos fenómenos em que intervêm as partículas elementares que compõem a matéria, em especial os electrões.
Elemento, (do latim elementu). O que é simples. Cada objecto, cada coisa que concorre com outras para a formação de um todo. Matéria-prima. Princípios fundamentais.
Elevação, (do latim elevatione). Acto ou efeito de elevar ou de levantar. Acção de elevar-se ou erguer-se. Grandeza.
Emancipação, (do latim emancipatione). Acto ou efeito de se emancipar. Libertação do espírito em relação ao corpo, quando ainda encarnado.
Embusteiro, (de embuste). Que usa de embuste. Que ou aquele que lisonjeia, que adula para enganar. Intrujão, impostor.
Empirismo, (do grego empeiria). Doutrina filosófica, segundo a qual todo o conhecimento humano deriva, directa ou indirectamente, da experiência.
Encarnação, (do latim incarnatione). Existência material do espírito. Espaço de tempo que o espírito passa mergulhado num corpo material. Acto ou efeito de encarnar. Fig. Manifestação exterior e visível.
Encarnado, (do latim encarnatu). Que encarnou. Espírito mergulhado na carne. Espírito com corpo físico.
Endosmose, (do grego éndon + osmós). Fís. Corrente de difusão que se estabelece de fora para dentro, entre dois líquidos ou gases de densidades diferentes, separados por uma membrana ou placa porosa.
Envoltório, (de envolto). O mesmo que invólucro. Capa; faixa; embrulho.
Escala, (do latim scala). Registo que indica a ordem de evolução para cada indivíduo.
Espírita, (do francês spirite). Relativo ao Espiritismo. Pessoa que cultiva o Espiritismo.
Espiritismo, (do francês spiritisme ou inglês spiritism). Sistema doutrinal que pretende pôr em comunicação os homens com os Espíritos do outro mundo. Ciência que estude a origem, natureza e destino dos Espíritos, bem como das suas relações com o mundo material. Doutrina fundada sobre a crença na existência dos Espíritos e das suas manifestações.
Espiritista, O mesmo que Espírita. Não foi consagrada pelo uso. Prevaleceu a palavra Espírita.
Espírito, (do latim spiritu). Princípio inteligente do Universo. Alma. Princípio do pensamento e da actividade reflectida do homem. Razão; juízo; inteligência.
Espiritual, (do latim spirituale). Relativo ao Espírito ou ao mundo espiritual.
Espiritualismo, Doutrina que defende a essência espiritual e a imortalidade da alma, bem como a existência de Deus.
Espiritualista, (de espiritual). Referente ao espiritualismo. Pessoa que segue o espiritualismo. Quem quer que creia não existir em nós apenas matéria é espiritualista, o que absolutamente não implica a crença nas manifestações dos Espíritos. Todo o espírita é necessariamente espiritualista, mas pode-se ser espiritualista sem se ser espírita.
Espirituoso, (do latim spiritu). Que tem espírito.
Estudo, (do latim studiu). Aplicação do espírito para aprender uma ciência, uma arte para entrar na apreciação ou análise de uma matéria ou assunto especial.
Estúrdio, (etim. obscura). Estroina; leviano; estouvado.
Etéreo, (do latim aetheriu). Fig. Puro; sublime; celeste; delicado; elevado.
Eterno,(do latim aeternu). Que não tem princípio nem fim, que dura sempre; Filosofia e Teologia. Que se situa fora do tempo da alteração ou mudança.
Ética, (do latim ethica; grego ethiké). Filos. Parte da Filosofia que estuda os valores morais e os princípios que devem nortear o comportamento humano; ciência dos princípios da moral; a moral.
Evangélico, (do latim evangelicu). Respeitante ou pertencente ao Evangelho. Conforme os preceitos do Evangelho. Diz-se do culto da Igreja Protestante.
Evocação, (do latim evocatione). Acção ou efeito de evocar; acção de fazer surgir os demónios, espíritos, sombras, almas; esconjuro; exorcismo.
Evolução, (do latim evolutione > do francês évolution). Acção ou efeito de evoluir. Série de modificações. Desenvolvimento gradual e progressivo. Biol. Teoria que defende que, através de transformações lentas ou rápidas, as espécies se desenvolveram a partir de um estádio rudimentar e adquiriram os caracteres que as distinguem.
Excomungar, (do latim excommunicare). Separar da comunhão; expulsar da Igreja Católica. Anatematizar. Amaldiçoar. Condenar.
Existência, (do latim existentia). Estado do que existe. O facto de existir. Vida. Ser.
Expiação, (do latim expiatione). Acção ou efeito de expiar. Castigo ou sofrimento de pena, imposto a alguém, como compensação para uma má acção praticada. Penitência. Correcção.
Êxtase, (do latim extasis). Estado de emancipação da alma, no qual esta se torna quase independente da matéria.
Facto, (do latim factu). Acção; coisa feita. Aquilo que é real; evidente.
Fé, (do latim fide). Crença; convicção; crédito na existência de determinado facto. Sentimento íntimo que leva o ser a crer. Confiança.
Felonia, (do francês félonie). Deslealdade; traição. Crueldade.
Fenómeno, (do latim phaenomenon). Tudo o que impressiona os nossos sentidos ou consciência.
Filosofia, (do latim philo + sophia). Estudo geral e racional sobre a natureza de todas as coisas interligadas entre si, e da inserção do homem no meio natural, tendo como objectivo encontrar os princípios básicos da existência e da conduta e destino do homem.. ~ positiva, Sistema em que se rejeitam as afirmações a priori e se aceitam, tão-somente, os princípios constatados pela observação e pela experiência.
Fluido Cósmico Universal (ou primitivo ou elementar), Elemento material. Princípio de tudo o que é matéria. Intermediário entre Espírito e matéria.
Fluido, (do latim fluidu). Matéria num estado físico, em que são de baixa intensidade as forças de ligação intermoleculares, o que lhe permite modificar a forma consoante o contentor.
Força, (do latim fortia). Faculdade de operar. Energia. Poder. Toda a causa capaz de produzir deformações ou de modificar o estado de repouso ou de movimento de um corpo.
Frívolo, (do latim frivolu). Sem importância, insignificante, fútil, leviano.
Fútil, (do latim futile). Que tem pouco ou nenhum valor; insignificante; frívolo; vão.
Germe, (do latim germen). Estado primitivo e rudimentar de um novo ser. Origem; princípio.
Gnomo, (do grego gnómon). Espírito que segundo a crença dos cabalistas, preside à Terra e a tudo o que ela contém.
Gravidade (Força da…), (do latim gravitate). Força atractiva que solicita para o centro da Terra todos os corpos.
Gravitação, (do latim gravitatione). Acto de gravitar. Força atractiva que se exerce sobre os astros.
Grosseiro, (de grosso). Grosso. De má qualidade. Ordinário. Mal educado; incivil; imoral.
Hebreus, (do latim hebroeu; grego hebraicos). Indivíduos de raça hebraica. Etnog. Nome primitivo do povo judaico.
Hierarquia, (do francês hiérarchie). Ordem e subordinação em qualquer corporação.
Hipocrisia, (do grego hypokrisía). Fingimento de boas qualidades para ocultar os defeitos; falsidade; dissimulação.
Hipótese, ( do grego hypóthesis). Suposição de coisas ou factos, possíveis ou impossíveis, da qual se tira uma conclusão. Teoria não demonstrada, mas provável.
Humanidade, (do latim humanitate). A natureza humana. O conjunto de todos os homens. Sentido de benevolência, de clemência.
Humanidade, (do latim humanitate). Sociol. A natureza humana. O conjunto de todos os homens. Fig. sentimento de clemência, de benevolência.
Idealismo, (de ideal). Doutrina que reduz o ser ao pensamento, as coisas ao Espírito (o mundo dito exterior a não tem outra realidade além das ideias ou representações que dele formamos).
Identidade, (do latim identitate). Conjunto de elementos que permitem saber quem é uma pessoa.
Ignorância, (do latim ignorantia). Estado de quem ignora. Falta de saber. Desconhecimento.
Ilimitado, (do latim illimitatu). Que não tem limites. Indeterminado. Infinito. Imenso.
Imaterial, (do latim immateriale). Que não é material; incorpóreo; impalpável; sobrenatural; espiritual.
Imperfeição, (do latim imperfectione). Qualidade do que é imperfeito. Falta de perfeição. Pequeno defeito. Vício.
Imponderável, (do latim in + ponderabile). Que não se pode pesar. Que não tem peso. Muito subtil. Circunstâncias materiais ou morais imprevisíveis. Fís. Fluidos cuja materialidade não pode ser revelada pelos instrumentos conhecidos.
Imutável, (do latim immutabile). Que não pode ser mudado, não muda, varia ou transforma.
Incorpóreo, (do latim incorporeu). Desprovido de corpo; imaterial; impalpável.
Individualidade, (do francês indivicdualité). Conjunto de qualidades que definem um indivíduo. Pessoa; indivíduo.
Individualizar, (de individual). Tornar individual. Considerar individualmente; particularizar; especializar.
Indução, (do latim inductione). Acção de induzir. Dos efeitos remontar-se às causas.
Infalível, (do latim infallibile). Que não é falível. Que não pode falhar. Certo; exacto; seguro; inevitável.
Inferior, (do latim inferiore). Que está abaixo de outro. Subalterno. Que vale menos. Ordinário; baixo; reles. Indivíduo que está abaixo de outro em categoria ou dignidade.
Inferioridade, (de inferior). Estado ou qualidade de inferior.
Inferno, (do latim infernu). Tormento; martírio atroz. Segundo a religião católica, estado ou lugar daqueles que , morrendo em pecado mortal, padecem penas eternas.
Infinito, (do latim infinitu). Que não tem fim ou limites. Sem fim; eterno. O espaço e o tempo considerados de forma absoluta. O absoluto; o eterno; Deus.
Instinto, (do latim instinctu). Impulso inato, inconsciente, irracional, que leva um ente vivo a proceder de tal ou tal forma. Intuição. Inspiração.
Intelectualizar, (de intelectual). Elevar à categoria de intelectual. Dar forma inteligente.
Inteligência, (do latim intelligentia). Faculdade de entender, raciocinar, pensar e interpretar. Entendimento. Conhecimento profundo. Intelecto. Juízo; raciocínio; abstracção.
Inteligente, (do latim intelligente). Que tem a faculdade de compreender. Esperto; hábil; sagaz.
Inveja, (do latim invidia). Desgosto, ódio ou pesar por prosperidade ou alegria de outrem. Emulação. Cobiça.
Irreflexão, (de in + reflexão). Falta de reflexão. Imprudência. Inconsideração. Impulsividade. Precipitação.
Irremissível, (do latim irremissibile). Que não merece remissão ou não é perdoável; imperdoável; indesculpável; infalível.
Justo, (do latim justu). Que é conforme ao Direito, à moral e à razão. Imparcial; íntegro; legítimo. Aquilo que está certo e adequado à justiça e à moral.
Lei, (do latim lege). Preceito emanado de uma autoridade soberana. Proposição geral que enuncia uma relação regular de fenómenos. Relação invariável entre variáveis.
Leviandade, (de leviano ou do castelhano liviand). Qualidade de leviano. Irreflexão. Imprudência acto de leviano.
Leviano, (de leve). Que tem pouco juízo; que julga de leve; precipitado; irreflectido; imprudente; inconstante.
Liturgia, (do grego leitourgía). Complexo das cerimónias eclesiásticas de um culto; rito.
Livre-arbítrio, (do latim liberu+arbitriu). Filos. Faculdade do homem de determinar-se a si mesmo; poder de praticar ou não um certo acto, sem outra razão além do próprio querer.
Lógica, (do grego logiké). Encadeamento regular ou coerente das ideias e das coisas.
Magia, (do latim magia). Ciência e arte que pretende actuar sobre a natureza, empregando conscientemente poderes invisíveis, para obter resultados visíveis, contrários às suas leis.
Magnético, (do grego magnetikos).Física: relativo ao magnetismo. Propriedade que alguns corpos apresentam de atrair e reter outros.
Mal, (do latim male). De modo mau, imperfeito, insuficiente. Com defeito. De forma ofensiva, caluniosa. Contra o que deve ser; contra a moral; contra o direito e a justiça. Cruelmente; violentamente. (do latim malu). Tudo o que fere, incomoda ou prejudica. Tudo o que é oposto ao bem. Tudo o que se desvia da honestidade e da moral. Calamidade; desgraça; infortúnio; prejuízo. Aflição; angústia; padecimento moral.
Maldade, (do latim malitate). Qualidade de mau. Acção má ou ruim. Iniquidade; perversidade; crueldade.
Malícia, (do latim malitia). Propensão para o mal. Dissimulação. Astúcia; manha; ronha. Satírico.
Manifestação, (do latim manifestatione). Acto ou efeito de manifestar. Demonstração expressa, pública e colectivamente, de sentimentos, ideias, opiniões. Acto ou efeito provocado pelos Espíritos.
Maravilhoso, (de maravilha). Fora do comum; prodígio; milagre; admirável; sobrenatural.
Matéria, Laço que prende o Espírito. Agente, intermediário com o auxílio do qual e sobre o qual actua o Espírito.
Material, (do latim materiale). Respeitante ou pertencente à matéria. Constituído por matéria. Que se opõem ao espiritual, que se refere apenas ao corpo. Pesado, maciço, grosseiro.
Materialismo, (de material). Sistema filosófico que sustenta que a realidade é de carácter material ou corporal. Falta de elevação espiritual.
Matriz, (do latim matrice). Que dá origem. Molde.
Médium, (do latim – médium, meio, intermediário).Pessoa que pode servir de intermediário entre os Espíritos e os homens ou entre a dimensão material e a espiritual.
Mediunidade, (de médium). Qualidade de médium, de estabelecer relações entre os encarnados e os desencarnados; entre o mundo material e o mundo espiritual.
Mediunismo, (de médium). Uso indevido da mediunidade, fora das regras de segurança aconselhadas pelo espiritismo.
Metodista, (do inglês methodist). Membro de uma seita protestante, caracterizada por grande austeridade.
Método experimental, Método pelo qual se experimenta algo, se põe à prova, através da observação, repetição e comparação dos factos, chegando assim a conclusões.
Método indutivo, Método segundo o qual se chega a um raciocínio que estabelece leis gerais mediante a observação de casos particulares, procedendo por indução. Método que pela observação dos efeitos se remonta às suas causas.
Método, (do latim methodu). Ordem. Processo racional. Sistema bem fundado e educativo ou conjunto de processos didácticos. Procedimento apto a garantir no plano teórico ou prático, o rendimento e constância do trabalho e do estudo. Estudo metódico de tema científico.
Milagre, (do latim miraculu). Facto que não tem explicação à luz das leis da natureza e que, portanto, deve ser atribuído a causas sobrenaturais. O que é sobrenatural.
Missão, (do latim missione). Acção de mandar, de enviar. Incumbência. Compromisso; obrigação; encargo.
Missionário, (do francês missionaire). Propagandista de uma ideia. Aquele que missiona, que prega a fé, evangeliza.
Mistério, (do grego mystérion). Nas religiões cristãs, dogma, verdade de fé inacessível à razão. Tudo o que é incompreensível, inexplicável, um enigma. Segredo.
Mística, (de místico). Atitude colectiva assente numa fé irracional, numa doutrina, num homem, etc.
Misticismo, (de mística). Filos. Via espiritual tendente à união com Deus através de uma religiosidade profunda, com vista à libertação das coisas naturais até ao anulamento da própria personalidade; crença religiosa ou filosófica que admite comunicação oculta entre o homem e a divindade.
Místico, (do grego mystikós). Misterioso; alegórico.
Mistificação, (de mistificar). Acção ou efeito de mistificar. Coisa enganadora ou vã. Logro; burla; engano.
Mitos, (do grego mythos). Narrativas fabulosas de origem popular. Utopia. Coisa inacreditável.exposiçaõ simbólica de um facto natural, histórico ou filosófico.
Mnemónico, (do grego mnemonikós). Que se refere à mnemónica ou à memória. Que ajuda a memória. Que facilmente se grava na memória.
Monoteísmo, (do grego mónos+theós). Sistema religioso que admite a existência de um Deus único; adoração de um só Deus.
Moral, (do latim morale). Referente à moralidade, aos bons costumes. Ético. Conjunto de costumes e opiniões éticas de um indivíduo ou de um grupo social. Arte de bem proceder.
Mordaz, (do latim mordace). Fig. Satírico; maledicente.
Morte, (do latim morte). Fim da existência; termo da vida.
Nada, (do latim nata). A não existência; o que não existe. Coisa nenhuma. O que se opõe ao ser.
Natureza, (do latim natura). Conjunto das leis que presidem à existência das coisas e à sucessão dos seres. Força activa que estabeleceu e conserva a ordem natural de quanto existe. Essência; qualidade; espécie.
Nomenclatura, (do latim nomenclatura). Conjunto de termos de uso consagrado numa ciência ou arte; lista de nomes; catálogo.
Novo Testamento, Livros sagrados posteriores a Cristo.
Objecto, (do latim objectu). Assunto; matéria. Fim que se tem em vista.
Obstinação, (do latim obstinatione). Firmeza; pertinácia; tenacidade. Teimosia; renitência.
Ódio, (do latim odiu). Rancor profundo e duradouro que se sente por alguém. Aversão; raiva. Antipatia; horror.
Omnipotente, (do latim omnipotente). Que tudo pode. Detentor de poder absoluto. Que encerra toda a potência.
Ordem, (do latim ordine). Posição, classe, categoria a que pertencem as pessoas ou as coisas num conjunto racionalmente organizado ou hierarquizado. Disposição regular e metódica.
Orgânica, (de orgânico). Disposição geral dos órgãos, e as leis que regem o seu funcionamento. Lei; norma.
Orgânico, (do latim organicu). Relativo aos órgãos ou aos seres organizados.
Organogénese, (do grego órganon + génesis). Capítulo das ciências biológicas que estuda a maneira como se formam e desenvolvem os órgãos, a partir do embrião.
Órgão, (do grego órganon). Parte de um corpo organizado com uma função particular. Meio. Agente. Cada uma das partes componentes de um aparelho que tem a seu cargo a execução de um acto.
Orgulho, (do castelhano orgull). Conceito exagerado que alguém faz de si próprio; altivez. Presunção.
Origem, (do latim origine). Primeira causa determinante. Princípio; procedência; nascença.
Ostensivo, (do latim ostensivu). Que se pode mostrar; evidente. Fig. Falso, fingido.
Paixão, (do latim passione). Sentimento forte, exacerbado, como o amor, o ódio, etc. , que pelo seu carácter dominante inibe o raciocínio claro, lógica imparcial e, mesmo, a formulação de juízos de valor. Desejo intenso; atracção.
Palpável, (de palpar). Que se pode apalpar. Evidente; notório; patente; que não desperta dúvida.
Paracleto, (do latim Paracletu < grego parákletos). Espírito Santo. Mentor, defensor, intercessor. Aquele que indica ou sugere a outrem o que deve fazer.
Parcial, (do latim partiale). Favorável a uma das partes numa questão, litígio, acto ou empreendimento; partidário; sectário. Algo que é partidário de alguma coisa ou alguém.
Pedagogia, (do grego paidagogia). Arte, técnica ou ciência prática da educação.
Pena, (do latim poena). Castigo, punição, dor, padecimento, sofrimento, aflição, desgosto, expiação, purgação.
Pensamento, (de pensar). Acto ou faculdade de pensar. Qualquer acto de espírito ou operação da inteligência. Entendimento; razão; inteligência; espírito. Forma de comunicação dos espíritos.
Pentateuco, (do grego pentáteukhos). Designação dada pelos gregos ao conjunto dos cinco primeiros livros da Bíblia. Espiritismo: conjunto formado pelos cinco livros que formam a Codificação Espírita.
Percepção, (do latim perceptione). Psicol. Acto, efeito ou faculdade de perceber. Tomada de conhecimento sensorial de objectos ou de acontecimentos exteriores. Acção de conhecer independentemente dos sentidos.
Perfeição, (do latim perfectione). Execução e acabamento completo e perfeito. Qualidade daquilo que é perfeito. Bondade, beleza ou excelência no grau mais elevado. Primor; mestria; requinte.
Perfeito, (do latim perfectu). Que só tem boas qualidades. Que não tem defeito físico ou moral. Que tem tudo o que lhe pertence ter. Exemplar; modelo. Cabal; completo; total.
Pérfido, (do latim perfidu). Que falta à sua fé ou à sua palavra. Traidor; desleal; infiel.
Perisperma, (do grego perí + spérma). Bot. Fina membrana envolvente produzida pelo resto não absorvido da nucela (pequena noz), que fica em redor do embrião e do endosperma de uma semente.
Perispírito, Corpo de origem material, constituinte do complexo humano, responsável pelo intercâmbio entre o corpo físico e o espírito. Primeiro elemento a sair do Fluido Cósmico Universal, o mais rarefeito que existe. Envoltório que reveste o espírito. É nele que reside a identidade do espírito. Chave de todos os fenómenos mediúnicos.
Personalidade, (do latim personalitate). Qualidade, feição, modo de ser que caracteriza uma pessoa. Carácter. Aquilo que distingue uma pessoa de outra. Personagem. Psicol. Individualidade consciente; consciência da unidade e da identidade do eu.
Personificar, (do latim persona+facere). Considerar como pessoa. Atribuir a uma coisa inanimada, a uma abstracção, a imagem, os sentimentos ou a linguagem de uma pessoa real. Realizar ou representar na figura de uma pessoa; exprimir por um tipo.
Politeísmo, (do grego polytheos). Sistema religioso que admite a pluralidade dos deuses.
Ponderabilidade, (de ponderável). Qualidade de ponderável.
Ponderável, (do latim ponderabile). Que se pode pesar.
Positivismo, (de positivo). Sistema criado por Augusto Comte, de carácter empirista e antimetafísico, que recusa qualquer juízo de valor não consubstanciado numa certeza científica e idêntica essência e fenómeno.
Preconcebido, (de preconceber). Concebido antecipadamente. Planeado sem fundamento sério.
Preconceito, (do latim prae + conceptu). Conceito formado antecipadamente e sem fundamento sério. Preocupação. Prejuízo. Crendice; superstição.
Presunção, (do latim praesumptione). Acto ou efeito de presumir. Suposição; suspeita; desconfiança. Vaidade; jactância.
Princípio espiritual, Princípio a partir do qual se dá a individualização do espírito. Um dos elementos gerais do Universo em parceria com o Fluido Cósmico Universal.
Princípio Vital (ou fluido magnético, ou fluido eléctrico animalizado). Agente que dá actividade e movimento aos seres vivos e faz cm que se distingam da matéria inerte. Intermediário entre Espírito e matéria.
Princípio, (do latim principiu). Momento em que uma coisa tem início, começo ou origem. Causa primária; base; razão. Regra; lei; preceito moral. Teoria.
Profeta, (do grego prophétes; latim propheta). Aquele que prediz por inspiração divina; vidente; adivinho; título dado pelos Maometanos a Mafoma; aquele que faz conjecturas sobre o futuro.
Progresso, (do latim progressu). Movimento para diante. Desenvolvimento gradual de um ser ou de uma actividade. Adiantamento; melhoramento; aperfeiçoamento.
Promulgar, (do latim promulgare). Publicar oficialmente; vulgarizar; decretar.
Propriedade, (do latim proprietate). Qualidade de próprio; qualidade inerente
Proselitismo, (de prosélito). Actividade ou zelo em fazer prosélitos.
Prosélito, (do grego prosélytos). Aquele que abraça uma nova religião, seita, doutrina ou partido. Partidário, adepto.
Protestantismo, (do francês protestantisme). Nome dado à doutrina religiosa que pretende conservar a pureza do dogma e do culto dos primeiros tempos do cristianismo, e que, nessa base, originou uma nova igreja cristã, em que há várias seitas.
Protoplasma, (do grego prôtos + plasma, atos). Biol. Substância viva das células constituída pela associação de citoplasma e cromatina, podendo estar contida no núcleo.
Prova, (do latim proba). Aquilo que serve para estabelecer uma verdade por verificação ou demonstração. Exame. Uma das formas do espírito experimentar-se.
Providência, (do latim providentia). Sabedoria suprema, com que Deus tudo dirige. O próprio Deus.
Pseudo -, (do grego pseudés). Exprime a ideia de falso. ~ sábio, (do latim sapidu). Diz-se do que julga ou diz saber mais do que aquilo que realmente sabe.
Psicografia directa, Escrita de um Espírito directamente pela mão de um médium.
Psicografia indirecta, (do grego psykhé + graphé). Escrita de um Espírito através de um utensílio ou ferramenta que não directamente o médium.
Psíquico, (do grego psykhikós). Relativo à alma, ou às faculdades intelectuais e morais de um indivíduo.
Purgatório, (do latim purgatoriu). Lugar onde, segundo a religião católica, se purificam as almas dos justos, antes de entrarem no céu.
Qualidade, (do latim qualitate). Característica de uma coisa. Maneira de ser, boa ou má, de uma coisa. Carácter; índole; propriedade; excelência.
Que, (do latim quam). Qual coisa ou quais coisas?
Quem, (do latim quem). A pessoa ou as pessoas que. Que pessoa ou pessoas?
Raciocínio, (do latim ratiociniu). Acto, faculdade ou maneira de raciocinar, de pensar. Encadeamento de argumentos ou juízos para chegar a uma demonstração.
Racional, (do latim rationale). Que é dotado e faz uso da razão. Que raciocina. Conforme à razão.
Rancor, (do latim rancore). Ressentimento profundo decorrente de mágoa que se sofreu sem protesto. Ódio oculto, não manifestado.
Razão, (do latim ratione). Faculdade com que o homem discorre, julga e se distingue dos animais. Faculdade de conhecer, de compreender, de distinguir a relação das coisas, o verdadeiro do falso, o bem do mal. Raciocínio.
Reencarnação, (de re-+encarnação).Acto ou efeito de tornar a encarnar. Volta do Espírito à vida corpórea, pluralidade das existências, palingenesia. Consiste em admitir para o espírito várias existências corpóreas, na mesma espécie ou numa mais evoluida.
Religião, (do latim religione). Culto prestado à divindade; conjunto de preceitos e práticas pelas quais se comunica com um ser ou seres superiores; doutrina ou crença religiosa. Laço essencialmente moral que religa os homens comunidade e comunhão de sentimentos, de princípios e de crenças. Culto prestado às divindades e os deveres dos crentes para com eles. A elas estão associados hierarquias, cultos, rituais, dogmas, paramentos, etc.
Repulsão, (do latim repulsione). Força em virtude da qual alguns corpos se repelem mutuamente. Acção ou efeito de repelir.
Retardatário, (de retardar).Que ou aquele que está atrasado.
Revelação, (do latim revellatione). Conjunto de verdades manifestadas por alguém ou algo ao homem mediante inspiração ou pelo ensino oral, comunicação aos profetas, apóstolos e demais homens.
Revelador, (do latim revellatore). Que ou aquele que revela, que denuncia, declara, descobre, patenteia.
Revelar, (do latim revellar). Tirar o véu a. Declarar, denunciar, descobrir, patentear. Fazer conhecer o que era secreto ou ignorado.
Revelia, (de revel). Rebeldia. Ao acaso.
Ritual, (do latim rituale). Relativo a ritos. Regra e cerimónia praticada num culto ou religião. Qualquer cerimonial; praxe. Livro de ritos de qualquer culto. Protocolo.
Sabedoria, (de saber). Conhecimento extenso e profundo das coisas. Ciência. Qualidade de quem é sabedor, de quem tem muita instrução. Grande circunspecção e prudência; juízo; bom senso; razão; rectidão. Teol. Conhecimento inspirado das coisas divinas.
Sátira, (do latim satira). Composição mordaz, que ridiculariza os vícios ou defeitos de alguém, de forma irónica ou jocosa.
Sensação, (do latim sensatione). Acção ou função sensorial. Tomada de consciência da alteração interna ou externa de um ou vários sentidos em simultâneo, conduzida pelos nervos ao cérebro. Sensibilidade. Comoção moral; emoção.
Sensualidade, (do latim sensualitate). Qualidade de sensual. Luxúria; volúpia.
Sensualismo, (de sensual). Filos. Doutrina que considera ser a satisfação carnal o prazer último de homem.
Sentimento, (de sentir). Acto ou efeito de sentir. Predisposição à comoção ou impressão. Conjunto de qualidades morais ou de carácter que formam a mentalidade do indivíduo e lhe norteiam a conduta; atitude moral; índole.
Sentimentos, (de sentir). Acto ou efeito de sentir. Conjunto de qualidades morais ou de carácter que formam a mentalidade do indivíduo e lhe norteiam a conduta; atitude moral; índole.
Ser, (do latim sedere). Aquele ou aquilo que existe. O que é sensorialmente cognoscível e se opõe ao nada. ~inorgânicos, que carecem de vida. Sem organização capaz de nele viver alguma coisa. ~orgânicos, seres possuidores de mecanismos e corpo organizados capazes de neles existir a faculdade de viver.
Serafim, (do latim seraphim ou seraphin). Anjo da primeira hierarquia, pertencente ao primeiro dos nove coros celestiais. Figuração artística de um anjo.
Sincretismo, (do grego synkretismós). Filos. Mistura mais ou menos confusa de doutrinas diferentes recebidas sem espírito crítico e, por conseguinte, que não constitui um sistema coerente.
Sintético, (do grego synthetikós). Feito em síntese, resumido.
Soberano, (do latim superanu). Que tem soberania; supremo; absoluto. Excelente. O que exerce poder supremo. Potentado. Dominador.
Sobrenatural, (de sobre + natural). Superior às forças da natureza; fora das leis naturais. Extraordinário; miraculoso.
Sofrimento, (de sofrer). Acto ou efeito de sofrer; padecimento. Fig. Desgraça; amargura.
Solidariedade, (de solidário). Qualidade de solidário. Carácter do que, de facto ou de direito, é solidário. Responsabilidade recíproca.
Sonambulismo, Fenómeno anímico em que o Espírito encarnado utiliza, num estado de torpeza, o seu próprio corpo para se comunicar. O espírito tem então percepções de que não dispõe no sonho, que é um estado de sonambulismo imperfeito. O espírito preocupado com alguma coisa aplica-se a uma acção qualquer, para cuja prática necessita utilizar-se do seu próprio corpo. Serve-se então deste, como se serve de uma mesa ou de qualquer outro objecto material.
Sublime, (do latim sublime). Elevado; excelso; muito nobre; grandioso. Magnífico; esplêndido. Elevado nas suas palavras ou nos seus actos. Poderoso; majestoso. O que há de mais belo e elevado nos pensamentos e nas acções.
Superioridade, (de superior). Qualidade do que é superior. Autoridade. Excelência. Ascendente, no sentido de predomínio, influência.
Superstição, (do latim superstitione). Sentimento religioso excessivo ou erróneo, que consiste em atribuir a certas práticas uma eficácia sem razão, arrastando as pessoas à prática de actos indevidos e absurdos. Falsa ideia a respeito do sobrenatural; crendice. Temor absurdo de coisas imaginárias; excessiva credulidade.
Supremo, (do latim supremu). Que está acima de tudo. O primeiro, o principal, o mais alto, ou o mais elevado.
Tangível, (do latim tangibile). Que se pode tanger, tocar ou apalpar. Sensível; palpável.
Telegrafia, (do grego têle+graphé). Sistema que transmite sinais gráficos à distância.
Teologia, (do grego theós + lógos). Doutrina acerca do que é divino; tratado de Deus. Curso de estudos teológicos.
Tradição, do latim traditione). Acto de transmitir ou integrar. Transmissão oral factos, lendas, dogmas. Coisa transmitida. Uso; hábito.
Tradicional, do latim traditionale). Relativo à tradição. Conservado na tradição.
Trasgo, (etim. incerta). Aparição fantástica; duende. Fig. Pessoa muito travessa ou de má índole.
Trindade universal, Princípio de tudo o que existe, constituído por Deus, Espírito e Matéria. Nada para além disto existe no Universo.
Trivialidade, (de trivial). Qualidade do que é trivial; vulgaridade. Banalidade.
Único, (do latim unicu). Que é um só. Não tem par na sua espécie ou género. Sem igual; exclusivo. Que não tem competidor; o melhor.
Universo, (do latim universu). Conjunto ilimitado de todo o espaço existente e o seu conteúdo.
Vácuo, (do latim vacuu). Que não contém nada; vazio. Espaço onde não existem moléculas nem átomos.
Vício, (do latim vitiu). Imperfeição grave pela qual uma pessoa ou uma coisa se afasta do tipo normal. Hábito profundamente enraizado de acções gravemente imorais. Desmoralização; libertinagem; defeito; mau hábito.
Vicissitude, (do latim vicissitudine). Alteração; instabilidade das coisas.
Vida, (do latim vita). O resultado da actividade comum às plantas e aos animais e que concorrem para o seu desenvolvimento e conservação. Existência. Tempo que decorre entre o nascimento e a morte. Conjunto de coisas necessárias à subsistência. Actividade; movimento; calor; animação. Origem. Modo de viver.
Vidente, (do latim vidente).Pessoa dotada de mediunidade de vidência que, lhe permite ver os espíritos e o mundo espiritual.
Vital, (do latim vitale). Relativo à vida; que pertence à vida. Próprio para conservar a vida. Que dá força; fortificante. Princípio ~ Realidade energética, que deriva do Fluido Cósmico Universal, que é o responsável pelo fenómeno de vida nos seres orgânicos.
Volver (do latim volvere). Acto ou efeito de voltar. Regressar.
Vontade, (do latim voluntate). Faculdade que o homem tem de, conscientemente, determinar se pratica ou não um certo acto. Firmeza moral. Desejo; intenção; gosto; empenho; interesse; necessidade física ou moral; ; apetite; disposição favorável ou não.
Zombeteiro, (de zombar). Que ou aquele que zombeteia, escarnece, graceja, goza.
__________________________________________________________________________
3.º CADERNO — O espiritismo e as doutrinas espiritualistas
O desconhecimento dos princípios doutrinários leva a distorções da prática espírita, mesclando-a com condicionamentos e exterioridades.
SUMÁRIO
1 . PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA DOUTRINA ESPÍRITA
O desconhecimento dos princípios doutrinários leva a distorções da prática espírita, mesclando-a com condicionamentos e exterioridades.
A sua organização, a sua contextura de princípios diferencia o espiritismo das demais doutrinas espiritualistas.
O espiritismo é um corpo de doutrina que não se acomoda ao sincretismo religioso.
A verdadeira doutrina espírita está no ensino que os espíritos deram, e que deve ser alvo de estudos sérios, perseverantes, feitos no silêncio e no recolhimento.
Resumo dos princípios fundamentais da doutrina espírita: Deus; criação do universo e dos seres; seres materiais do mundo corpóreo e seres imateriais do mundo espiritual.
O mundo normal primitivo é o mundo espiritual.
Os espíritos revestem-se temporariamente de matéria.
O homem possui: o corpo físico; a alma; o perispírito.
Os espíritos pertencem a diferentes classes, embora tenham sido criados simples e ignorantes.
Os espíritos evoluem, não ocupam perpetuamente a mesma categoria.
Deixando o corpo, a alma volta ao mundo dos espíritos, para passar depois por nova existência material, após um lapso variável de tempo.
Os espíritos não reencarnam em corpos de animais, não retrogradam.
As diferentes existências corpóreas do espírito são sempre progressivas.
Os espíritos encarnados habitam os diferentes globos do universo.
Os espíritos exercem incessantemente acção sobre o mundo moral, e mesmo sobre o mundo físico.
2 . O CARÁCTER DA REVELAÇÃO ESPÍRITA
Revelação – do latim revelare, tirar de sob o véu, isto é, dar a conhecer.
A característica essencial da revelação é ser verdadeira.
Do ponto de vista religioso é a revelação de coisas que o homem não pode atingir pela inteligência, nem com o auxílio dos sentidos.
A importante revelação da época actual é a comunicação com os seres do mundo espiritual.
O espiritismo deu-nos a conhecer o mundo invisível, que nos cercava, do qual nem suspeitávamos.
A revelação espírita tem duplo carácter: é divina e é científica.
É divina porque é da iniciativa dos espíritos, e é científica porque a sua elaboração é fruto do trabalho metodológico do homem.
O objecto especial do espiritismo é o conhecimento das leis do princípio espiritual.
Todo um mundo novo se revela por ter o espiritismo demonstrado a comunicação com os seres do mundo espiritual pois profunda modificação nos costumes, carácter, hábitos, assim como na crença se estabelecerá.
O espiritismo é considerado a terceira das grandes revelações.
A primeira foi Moisés, com o Deus único.
A segunda foi o Cristo, com a lei do amor, a revelação da vida futura e das penas e recompensas que aguardam o homem depois da morte.
O espiritismo, partindo das duas outras, revela a existência do mundo espiritual; define os laços que unem a alma ao corpo; levanta, aos homens, o véu que ocultava os mistérios do nascimento e da morte; apresenta a justiça de Deus presidindo a todos os acontecimentos do mundo; estabelece a pluralidade das existências; difunde o conhecimento dos fluidos espirituais e a sua acção sobre a matéria; demonstra a existência do perispírito; realiza todas as promessas do Cristo no que diz respeito ao consolador anunciado.
O espiritismo, apoiando-se nos factos, é essencialmente progressivo, como todas as ciências de observação.
3 . O ESPIRITISMO E OUTRAS DOUTRINAS ESPIRITUALISTAS
Há três pontos em que o espiritismo e as doutrinas espiritualistas se encontram: a imortalidade do espírito; a reencarnação; a existência de Deus.
Os rosacrucianos são reencarnacionistas, porém, têm os seus símbolos, cerimónias, conceitos próprios, maneiras particulares de explicação de pontos da sua doutrina. É uma doutrina hermética, secreta.
A teosofia fala do corpo espiritual e define o homem com seis corpos. Divide o corpo espiritual em três corpos diferentes. E, conforme o tipo de alma, variará o tipo e o prazo para as reencarnações.
A cabala (doutrina recebida) teria provindo das orientações secretas que Enoch transmitiu a Abraão. Para outros seria originária de Hermes Trimegisto ou de Cadmo.
A cabala crê nos espíritos elementais e na ressurreição, quando o espírito dos ossos, parte mais grosseira, aviventaria novamente o corpo.
A cabala apresenta o homem trino na sua origem, com corpo, alma e espírito.
Para a cabala existiriam, em cada mundo, paraíso, rio de fogo para a purificação das almas e geena, lugar de castigos infernais.
A cabala admite a reencarnação, mas Deus teria condições de reencarnar duas almas num só corpo, para haver uma complementação dos defeitos de uma com a outra.
Não existe “baixo” nem “alto” espiritismo, existe somente espiritismo, doutrina codificada por Allan Kardec.
Rituais, incensos, imagens e outros objectos materiais a título de crença na doutrina espírita correm por conta da ignorância de quem as pratica, pois a doutrina não acomoda tais práticas.
Geralmente, pessoas advindas de outras religiões, e que ainda continuam presas a certas atracções do culto antigo, preferem usar defumadouros, velas, charutos, bebidas, nas experiências mediúnicas. Todavia, isso fica por conta da responsabilidade de quem assim procede, não sendo lícito introduzir tais objectos e práticas nas associações espíritas.
ESPIRITISMO E UMBANDA
O espiritismo tem alguns pontos de contacto com a umbanda, como tem com todas as doutrinas espiritualistas, mas os pontos de divergência demonstram claramente tratar-se de duas doutrinas completamente independentes. Somente a ignorância ou a má-fé poderão confundir uma com a outra.
ANOTAÇÕES E INDICAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS
- (1) Deolindo Amorim, O ESPIRITISMO E AS DOUTRINAS ESPIRITUALISTAS, Cap.I e III, 3.ª edição, Livraria Ghignone Editora.
- (2) Allan Kardec, O LIVROS DOS ESPÍRITOS, Introdução, 42.ª edição (popular), Federação Espírita Brasileira.
- (3) Allan Kardec, A GÉNESE, Cap. I, 19.ª Edição, Federação Espírita Brasileira.
- (4) Deolindo Amorim, AFRICANISMO E ESPIRITISMO, 1.ª edição, 1947, Gráfica Mundo Espírita.
- (5) Allan Kardec, OBRAS PÓSTUMAS, “Manifestação dos Espíritos” – VII – 16.ª edição (popular) – Federação Espírita Brasileira.
- (6) Zêus Wantuil e Francisco Thiesen, ALLAN KARDEC.
- (7) Allan Kardec, RÉVUE SPIRITE, Discurso de Abertura da Sessão Anual Comemorativa dos Mortos, da Sociedade de Paris no dia 1 de Novembro de 1868.
Adaptado do original, editado em 1981, pelo Centro Espirita Luz Eterna, de Curitiba – PR, Brasil.
1. Princípios fundamentais da doutrina espírita
Para que possa ser feita uma comparação entre a doutrina espírita e as demais doutrinas espiritualistas, primeiro é necessário o perfeito conhecimento dos princípios básicos que a caracterizam.
Já foram abordados nos primeiro e segundo cadernos, diversos aspectos da doutrina espírita. Agora, iremos relembrar alguns desses aspectos e acrescentar outros directamente relacionados com o assunto que estamos a tratar.
O conhecimento do espiritismo começa com um passeio ao longo da história da humanidade e nomeadamente através dos seus precursores.
Ao chegarmos a Allan Kardec, o notável codificador da doutrina espírita, é imprescindível conhecermos com alguma profundidade a sua vida, pois a sua personalidade reflecte-se e identifica-se com a verdadeira e única essência do espiritismo.
As obras fundamentais, e que se podem considerar de “leitura obrigatória” para o espírita, já foram referenciadas no primeiro caderno. A seguir, apenas as listamos:
|
|||
Estes 5 livros |
O espiritismo é uma filosofia com bases cientificas (método experimental e indutivo) e consequências ético-morais que tem um objectivo bem definido – estudar a natureza, origem e destino dos espíritos, bem como as suas relações com o mundo corpóreo.
A vertente filosófica está particularmente expressa em “O Livro dos Espíritos”, a experimental em “O Livro dos Médiuns” e a moral em “O Evangelho Segundo o Espiritismo”.
Estas três vertentes fundamentais e indissociáveis são imprescindíveis para a abordagem ou análise completas de qualquer assunto, à luz da doutrina espírita.
A ausência de estudo da doutrina e dos seus princípios básicos tem levado a que estes sejam assimilados empiricamente e praticados de improviso, criando sistemas próprios que cada vez mais se distanciam da sua fonte original.
Os verdadeiros “inimigos” da doutrina espírita não são os seus críticos, pois por vezes a publicidade negativa é a melhor. Aqueles que mais a prejudicam são os que se identificam como espíritas ou como pertencentes a grupos ou associações espíritas que de espiritismo têm muito pouco.
Esta falta de estudo e conhecimento leva a confusões mais frequentes do que seria de desejar. Exemplos:
- Confundir espiritismo com mediunismo;
- Confundir espiritismo com mediunidade;
- Confundir espiritismo com movimentos espíritas;
- Associar ao espiritismo, como suas, todas as práticas das associações;
- …
A verdadeira e única doutrina espírita está na codificação espírita. Os conhecimentos que comporta são por demais profundos e extensos para serem adquiridos de qualquer modo ou da noite para o dia, que não por um estudo perseverante, feito no silêncio e no recolhimento.
Muito poderia ser dito referente aos princípios fundamentais da doutrina espírita, no entanto poderão ser resumidos na dissertação que se segue, retirada da Introdução (que é, por si só, um tratado de filosofia) de “O Livro dos Espíritos”, devendo, no entanto, o espírita aprofundar cada conceito para um estudo mais acurado.
“Deus é eterno, imutável, imaterial, único, omnipotente, soberanamente justo e bom.
Criou o universo que abrange todos os seres animados e inanimados, materiais e imateriais.
Os seres desencarnados constituem o mundo invisível ou espiritual, isto é dos espíritos.
O mundo espiritual é o mundo normal, primitivo, eterno, preexistente e sobrevivente a tudo.
O mundo corporal é secundário; poderia deixar de existir, ou não ter jamais existido, sem que por isso se alterasse a essência do mundo espiritual.
Os espíritos revestem temporariamente um invólucro material perecível, cuja destruição pela morte lhes restitui a liberdade.
Entre as diferentes espécies de seres corpóreos, Deus escolheu a espécie humana para a encarnação dos espíritos que chegaram a certo grau de desenvolvimento, dando-lhe superioridade moral e intelectual sobre as outras.
A alma é um espírito encarnado, sendo o corpo apenas o seu envoltório.
Há no homem três vertentes: 1.ª, o corpo ou ser material análogo aos animais e animado pelo mesmo princípio vital; 2.ª, a alma ou ser imaterial, espírito encarnado no corpo; 3.ª, o laço que prende a alma ao corpo, princípio intermediário entre a matéria e o espírito.
Tem assim o homem duas naturezas. Pelo corpo, participa da natureza dos animais, cujos instintos lhe são comuns; pela alma, participa da natureza dos espíritos.
O laço ou perispírito, que prende ao corpo o espírito, é uma espécie de envoltório semimaterial. A morte é a destruição do invólucro mais grosseiro. O espírito conserva o segundo, que lhe constitui um corpo etéreo, invisível para nós no estado normal, porém que pode tornar-se acidentalmente visível e mesmo tangível, como sucede no fenómeno das aparições.
O espírito não é, pois, um ser abstracto, indefinido, só possível de conceber pelo pensamento. É um ser real, circunscrito, que, em certos casos, se torna apreciável pela vista, pelo ouvido e pelo tacto.
Os espíritos pertencem a diferentes classes e não são iguais nem em poder, nem em inteligência, nem em saber, nem em moralidade. Os da primeira ordem são os espíritos superiores, que se distingem dos outros pela sua perfeição, pelos seus conhecimentos, pela sua proximidade de Deus, pela pureza dos seus sentimentos e pelo seu amor ao bem: são os anjos ou espíritos puros. Os das outras classes se acham cada vez mais distanciados dessa perfeição, mostrando-se os das categorias inferiores, na sua maioria, eivados das nossas paixões: o ódio, a inveja, o ciúme, o orgulho, etc. Comprazem-se no mal. Há também, entre os inferiores, os que não são nem muito bons nem muito maus, antes perturbadores e enredadores, do que perversos. A malícia e as inconsequências parecem ser o que neles predomina. São os espíritos estúrdios ou levianos.
Os espíritos não ocupam perpetuamente a mesma categoria. Todos se melhoram passando pelos diferentes graus da escala espírita. Esta melhor se efectua por meio da encarnação, que é imposta a uns como expiação, a outros como missão. A vida material é uma prova que lhes cumpre sofrer repetidamente, até que hajam atingido a absoluta perfeição moral.
Deixando o corpo, a alma volve ao mundo dos espíritos, donde saíra, para passar por nova existência material, após um lapso de tempo mais ou menos longo, durante o qual permanece em estado de espírito errante.
Tendo o espírito que passar por muitas encarnações, segue-se que todos nós temos tido muitas existências e que teremos ainda outras, mais ou menos aperfeiçoadas, quer na Terra quer em outros mundos.
A encarnação dos espíritos dá-se sempre na espécie humana; seria erro acreditar-se que a alma ou espírito possa encarnar no corpo de um animal.
As diferentes existências corpóreas do espírito são sempre progressivas e nunca regressivas; mas a rapidez do seu progresso depende dos esforços que faça para chegar à perfeição.
As qualidades da alma são as do espírito que está encarnado em nós; assim o homem de bem é a encarnação de um bom espírito, o homem perverso a de um espírito impuro.
A alma possui a sua individualidade antes de encarnar; conserva-a depois de se haver separado do corpo.
Na sua volta ao mundo dos espíritos, encontra ela todos aqueles que conhecera na Terra, e todas as suas existências anteriores se lhe desenham na memória, com a lembrança de todo o bem e de todo o mal que fez.
O espírito encarnado acha-se sob a influência da matéria; o homem que vence esta influência, pela elevação e depuração de sua alma, aproxima-se dos bons espíritos, em cuja companhia um dia estará. Aquele que se deixa dominar pelas más paixões, e põe todas as suas alegrias na satisfação dos apetites grosseiros, aproxima-se dos espíritos impuros, dando preponderância à sua natureza animal.
Os espíritos encarnados habitam os diferentes globos do universo.
Os não-encarnados ou errantes não ocupam uma região determinada e circunscrita; estão por toda parte no espaço e ao nosso lado, vendo-nos e acotovelando-nos de contínuo. É toda uma população invisível a mover-se em torno de nós.
Os espíritos exercem incessante acção sobre o mundo moral e mesmo sobre o mundo físico. Actuam sobre a matéria e sobre o pensamento e constituem uma das potências da natureza, causa eficiente de uma multidão de fenómenos até então inexplicados ou mal explicados e que não encontram explicação racional senão no espiritismo.
As relações dos espíritos com os homens são constantes. Os bons espíritos atraem para o bem, sustentam nas provas da vida e ajudam-nos a suportá-las com coragem e resignação. Os maus impelem para o mal: é-lhes um gozo ver-nos sucumbir e assemelhar-nos a eles.
As comunicações dos espíritos com os homens são ocultas ou ostensivas. As ocultas verificam-se pela influência boa ou má que exercem sobre nós, à nossa revelia. Cabe ao nosso juízo discernir as boas das más inspirações. As comunicações ostensivas dão-se por meio da escrita, da palavra ou de outras manifestações materiais, quase sempre pelos médiuns que lhes servem de instrumentos.
Os espíritos manifestam-se espontaneamente ou mediante evocação.
Podem evocar-se todos os espíritos: tanto os que animaram homens obscuros como os das personagens mais ilustres, seja qual for a época em que tenham vivido; os de nossos parentes, amigos ou inimigos, e obter-se deles, por comunicações escritas ou verbais, conselhos, informações sobre a situação em que se encontram no Além, sobre o que pensam a nosso respeito, assim como as revelações que lhes seja permitido fazer-nos.
Os espíritos são atraídos na razão da simpatia que lhes inspire a natureza moral do meio que os evoca. Os espíritos superiores comprazem-se nas reuniões sérias, onde predominam o amor do bem e o desejo sincero, por parte dos que as compõem, de se instruírem e melhorarem. A presença deles afasta os espíritos inferiores que, inversamente, encontram livre acesso e podem obrar com toda a liberdade entre pessoas frívolas ou impelidas unicamente pela curiosidade e onde quer que existam maus instintos. Longe de se obterem bons conselhos, ou informações úteis, deles só se devem esperar futilidades, mentiras, gracejos de mau-gosto ou mistificações, pois que muitas vezes tomam nomes venerados, a fim de melhor induzirem ao erro.
Distinguir os bons dos maus espíritos é extremamente fácil. Os espíritos superiores usam constantemente de linguagem digna, nobre, repassada da mais alta moralidade, escoimada de qualquer paixão inferior; a mais pura sabedoria transparece-lhes dos conselhos, que objectivam sempre o melhoramento e o bem da humanidade. A dos espíritos inferiores, ao contrário, é inconsequente, amiúde trivial e até grosseira. Se, por vezes, dizem alguma coisa boa e verdadeira, muitas mais vezes dizem falsidades e absurdos, por malícia ou ignorância. Zombam da credulidade dos homens e divertem-se à custa dos que os interrogam, lisonjeando-lhes a vaidade, alimentando-lhes os desejos com falazes esperanças. Em resumo, as comunicações sérias, na mais ampla acepção do termo, só são dadas nos centros sérios, onde reine íntima comunhão de pensamentos, tendo em vista o bem.
A moral dos espíritos superiores resume-se, como a do Cristo, nesta máxima evangélica: Fazer aos outros o que quereríamos que os outros nos fizessem, isto é, fazer o bem e não o mal. Neste princípio encontra o homem uma regra universal de proceder, mesmo para as suas menores acções.
Ensinam-nos que o egoísmo, o orgulho, a sensualidade são paixões que nos aproximam da natureza animal, prendendo-nos à matéria; que o homem que, já neste mundo, se desliga da matéria, desprezando as futilidades mundanas e amando o próximo, se avizinha da natureza espiritual; que cada um deve tornar-se útil, de acordo com as faculdades e os meios que Deus lhes pôs nas mãos para experimentá-lo; que o forte e o poderoso devem amparo e protecção ao fraco, porquanto transgride a lei de Deus aquele que abusa da força e do poder para oprimir o seu semelhante. Ensinam que, no mundo dos espíritos, nada podendo estar oculto, o hipócrita será desmascarado e patenteadas todas as suas torpezas; que a presença inevitável, e de todos os instantes, daqueles para com quem houvermos procedido mal constitui um dos castigos que nos estão reservados; que ao estado de inferioridade e superioridade dos espíritos correspondem penas e gozos desconhecidos na Terra.
Mas ensinam também não haver faltas irremissíveis que a expiação não possa apagar. Meio de consegui-lo encontra o homem nas diferentes existências que lhe permitem avançar, conforme os seus desejos e esforços, na senda do progresso, para a perfeição, que é o seu destino final”.
2. O carácter da revelação espírita
Revelar, do latim revelare, cuja raiz, velum, véu, significa literalmente sair de sob o véu e, de modo figurado, descobrir, dar a conhecer algo secreto ou desconhecido e verdadeiro. Ser verdadeiro é uma característica essencial.
No sentido especial da fé religiosa, a revelação refere-se mais particularmente aos assuntos de ordem espiritual, que o homem no momento não descobriu por meio da inteligência, nem com o auxílio dos sentidos e cujo conhecimento lhe dão de Deus ou seus mensageiros, quer por meio da palavra directa quer pela inspiração.
Pelo grande impacto que provocaram e pelo empurrão que deram na evolução da humanidade, assistimos até aos nossos dias a três grandes revelações:
1.ª revelação – MOISÉS
- Profeta, revelou aos homens a existência de um Deus único, soberano e orientador de todas as coisas;
- Promulgou a lei do Sinai;
- Lançou as bases da verdadeira fé;
- Imposição ao povo pela força;
- Olho por olho, dente por dente;
- Ocorreu XVIII séculos antes de Cristo…
2.ª revelação – JESUS
- Tomou da antiga lei (Sinai) o que é eterno e Divino e rejeitando o que era transitório e puramente disciplinar e de concepção humana, acrescentou a revelação da vida futura, de que Moisés não falara;
- Falou nas penas e recompensas que aguardam o homem, depois da morte;
- A sua doutrina funda-se no carácter que ele atribui à Divindade.
- Revela um Deus imparcial, soberanamente justo, bom e misericordioso;
- Fez do amor de Deus e da caridade para com o próximo a condição indeclinável da salvação;
- Doutrina essencialmente conselheira;
- Doutrina aceite livremente…
3.ª revelação – ESPIRITISMO
- Parte das palavras de Jesus;
- Revela o mundo espiritual e suas relações com o mundo corpóreo;
- Levanta o véu dos “mistérios” do nascimento e da morte;
- O espirita sabe donde vem, porque está na Terra, porque sofre, para onde vai, vê por toda a parte a justiça de Deus;
- Sabe que alma progride incessantemente pela – pluralidade das existências -, até atingir o grau de perfeição que o aproxima de Deus;
- O espírita toma conhecimento da pluralidade dos mundos habitados;
- Descobre o livre-arbítrio;
- É demonstrada a existência do perispírito, bem como do princípio vital. São estudadas as propriedades de vários outros fluidos;
- Longe de negar ou destruir o Evangelho, vem, ao contrário, confirmar, explicar e desenvolver, pelas novas leis da natureza, que revela, tudo quanto o Cristo disse e fez;
- A revelação espírita tem duplo carácter:
- DIVINO, o seu aparecimento não resultou da iniciativa do homem, mas de cálculos divinos. A primeira revelação teve a sua personificação em Moisés, a segunda no Cristo, a terceira não a tem em indivíduo algum. As duas primeiras foram individuais a terceira colectiva;
- CIENTIFICO, Os seus ensinos não são privilégio de ninguém, são fruto do trabalho da observação e da pesquisa. Tem por base o raciocínio o exame e o livre-arbítrio. Não foram ditados completos, nem impostos à crença cega.
3. O espiritismo e outras doutrinas espiritualistas
Depois de termos efectuado um estudo sintético dos princípios básicos da doutrina espírita, bem como do seu carácter, pode-se fazer uma comparação com outras doutrinas espiritualistas e proceder à respectiva distinção.
Um dos aspectos que caracterizam bem a doutrina codificada por Allan Kardec, precisamente porque estabelece a diferença entre o espiritismo e as outras doutrinas espiritualistas, é a sua organização, a sua contextura de princípios. Sem se desviar jamais da sua invariável posição de respeito e tolerância em relação a todos os cultos religiosos, o espiritismo é, no entanto, um corpo de doutrina que não se acomoda ao sincretismo religioso, tenha este a forma que tiver, nem se despersonaliza pela diluição da sua unidade doutrinária.
Quem quer que acredite haver em si alguma coisa mais do que matéria, é espiritualista. Não se segue daí, porém, que creia na existência dos espíritos ou nas suas comunicações com o mundo visível.
As doutrinas espiritualistas (teses opostas ao materialismo) têm dois pontos-chave em comum. A existência de Deus e a imortalidade da alma. A partir daí surgem concepções e conceitos divergentes, consoante as suas interpretações, investigações ou simplesmente os seus dogmas.
Assim a título de curiosidade, já que o assunto é demasiado extenso, para que possa ser apresentado com minúcia num trabalho deste género, a seguir, passamos a apresentar, alguns pontos defendidos ou utilizados por algumas correntes espiritualistas.
ROSACRUZ
É ainda hoje uma das mais antigas e mais altas correntes orientalistas. São reencarnacionistas.
Entretanto a doutrina rosacruciana, que é uma doutrina secreta e das mais recuadas na história do espiritualismo, tem os seus símbolos, as suas cerimónias, os seus conceitos, a sua maneira, enfim, de explicar o infinito imanifesto, os sete planos da consciência, a alma do mundo e assim por diante. Os rosacrucianos têm uma série de aforismos pelos quais a sua doutrina chega aos estudiosos sob forma subtil e velada. Conquanto as ideias reencarnacionistas da rosacruz concordem com a interpretação espírita, o seu método é diferente. A doutrina dos rosacruzes utiliza o simbolismo para explicar os problemas atinentes à alma e à reencarnação, enquanto o espiritismo, aproximando-se mais da mentalidade ocidental, procura sempre desvendar os mistérios no espírito humano. Os seus ensinos, por isso mesmo, não têm simbolismo. Sem ideias preconcebidas, sem o bafejo de nenhuma ordem ou fraternidade secreta, como de nenhuma fé, o espiritismo partiu da observação dos factos. O método que mais lhe enquadraria as solicitações de raciocínio teria de ser, forçosamente, o método indutivo, apropriado às exigências experimentais.
TEOSOFIA
A teosofia, que também é uma doutrina espiritualista, tem pontos que se relacionam com os princípios da doutrina espírita: Deus, sobrevivência da alma depois da morte do corpo físico, reencarnacão e a existência do corpo espiritual. Para o perispírito, por exemplo, que é um elemento já demonstrado objectivamente, a teosofia tem uma classificação complexa, com divisões entre corpo astral, corpo mental e corpo causal, em virtude das quais a definição do corpo fluídico ou corpo intermediário toma feição muito diferente daquela por que é apresentada pelo espiritismo.
A explicação teosófica está muito bem fundamentada nas bases da sua doutrina, mas não se entrosa com a classificação espírita. O princípio é o mesmo tanto para o espiritismo como para a teosofia e outras escolas: a existência de um corpo que se interpõe entre o espírito e a matéria.
Naturalmente, a divisão do corpo fluídico em três partes – astral, mental e causal – ou em corpo superior e corpo inferior tem valor na classificação teosófica, mas não se enquadra no contexto espírita.
Segundo a concepção teosófica o homem tem seis corpos: físico, etérico, astral, mental, causal e búdico.
A teosofia diverge fundamentalmente do espiritismo também no que toca à reencarnação. Afirma o pensamento teosófico: “Existem diversos tipos de almas, cujas reencarnações obedecem à seguinte escala: os adeptos, que já não reencarnam mais; as almas do caminho, aquelas que reencarnam imediatamente, “sob a direcção do seu mestre” e renunciam ao seu período de vida no mundo celeste”; as almas cultivadas, precisamente as que reencarnam duas vezes “em cada sub-raça” e passam, em média, 700 anos no mundo celeste; as almas simples, finalmente, aquelas que, não estando desenvolvidas, passam por diversas reencarnações em cada sub-raça, antes de passarem à segunda.
CABALA
A palavra cabala (kabala), significa simplesmente “doutrina recebida”. Mais tarde, porém, dizem os entendidos, passou a significar a tradição oculta dos hebreus.
Segundo indicações ocultistas, cabala é o conjunto dos ensinos secretos que Enock transmitiu ao patriarca de Abraão. É o resumo das interpretações secretas dos judeus.
Para os egípcios, no entanto, a cabala seria de autoria de Hermes Trimegisto, enquanto para os gregos o seu autor seria Cadmo.
A linguagem da cabala, que é outra fonte das doutrinas secretas, também não coincide com os termos espíritas. A concepção cabalística, em consonância com o pensamento de outras escolas ocultistas, admite a existência de espíritos elementais, isto é, uma categoria diferente, porque formada de espíritos que habitam quatro elementos: fogo, ar, terra e água. Os espíritos que habitam o fogo chamam-se salamandras; os que vivem no ar, na água e na terra são designados respectivamente pelos nomes de silfos, ninfas, gnomos ou pigmeus segundo a cabala… ainda depois da morte, o corpo, como a forma mais material, fica no mundo Apiah, no túmulo, com o espírito dos ossos, que constitui o corpo da ressurreição…”o espírito dos ossos”, pode ser perturbado pela aproximação de outro morto, que lhe é antipático ou pela evocação necromática; por isso Moisés proíbe a evocação dos mortos.
Concepção trinária da cabala: nephesh (corpo); ruach (alma); neshamah (espírito, centelha divina). O corpo, pela explicação cabalística, compreende também o corpo fluídico ou perispírito, enquanto a alma e o espírito são elementos distintos. O espiritismo simplifica o problema racionalmente, uma vez que o homem é um conjunto de corpo, perispírito e alma.
A cabala diz “cada mundo tem o seu Gan Eden (paraíso), seu Nahar Dinus (rio de fogo para a purificação da alma) e o seu Gei Hinam (geena, lugar de castigo infernal).
A cabala crê na reencarnação, mas admite uma teoria, segundo a qual, Deus pode unir duas almas no mesmo corpo, para que as tarefas se completem, como no caso das compensações entre um coxo e um cego.
UMBANDA
Doutrina com culto material, rituais, tem “pais” de terreiro com vestimenta e prerrogativas equivalentes ao exercício de funções sacerdotais. Tem imagens e altares, usando ainda o sacrifício de animais, nos casos em que as suas crenças permitem tal prática. Utiliza sinais – “pontos riscados”. Tem uma nomenclatura muito diferente. Exemplo: chama “cavalos” aos médiuns, emprega termos de procedências várias como, mironga, marafo, ogun, etc
4. O espiritismo e as religiões
A antropologia concluiu há muito que a humanidade evoluiu da magia para a religião.
A espiritualização, segundo os autores que defendem este parecer, obedece a três grandes fases: magia, religião e espiritismo.
TEMPO —————>—————->———–>——————–> MAGIA ———>RELIGIÃO ——-> ESPIRITISMO… |
FASE DA MAGIA
- Religiões animais ou primitivas, surgem nas relações tribais;
- O homem tem a intuição do mundo espiritual;
- O sobrenatural atemoriza-o;
- As práticas religiosas têm um forte carácter exterior;
- Sacrifícios violentos;
- Apego aos objectos materiais e aos objectos de culto;
- Teme-se mais a Deus do que propriamente se nutre respeito;
- Não se compreende a vida futura;
- Vida essencialmente material.
FASE RELIGIOSA
- O homem tem consciência da Divindade;
- Caminha-se do politeísmo, para o monoteísmo;
- Personaliza Deus – antropomorfismo;
- Acredita em seres privilegiados;
- Explicações dogmáticas para os “mistérios”;
- Forte presença da superstição;
- Predominância das práticas exteriores;
- O misticismo esconde a espiritualidade;
- Impera a ideia do bem;
ESPIRITISMO
- A fase antropomórfica acabou;
- Substituem-se os dogmas pela experimentação;
- Morre o sobrenatural;
- Práticas iminentemente interiores;
- Não põe a espiritualidade ao seu serviço, mas abraça-a e faz dela sua companheira de viagem.
O ESPIRITISMO É UMA RELIGIÃO?
Religião é o culto prestado às divindades e os deveres dos crentes para com elas.
A elas estão associados elementos essenciais, que não fazem parte da doutrina espírita, como os exemplos abaixo indicados:
- O espiritismo não tem estrutura hierárquica, nem clerical;
- Não tem sacerdotes, nem chefes religiosos;
- Não tem templos sumptuosos;
- Não adopta cerimónias de espécie alguma;
- Não tem rituais;
- Não usa vestes especiais;
- Não tem qualquer simbologia;
- Não utiliza ornamentações associadas a práticas exteriores;
- Não tem gestos de reverência, sinais cabalísticos, benzeduras…
- Não tem talismãs, defumadouros;
- Não usa cânticos nem danças cerimoniosas,
- Não utiliza bebidas, oferendas…
- Não tem dogmas indiscutíveis;
- Não fazem parte do seu vocabulário as palavras – misticismo, sobrenatural, milagre…
Algumas razões pelas quais o espiritismo vem sendo confundido sendo designado por alguns dos seus adeptos como mais uma religião:
- Ignorância nesta matéria;
- Desconhecimento doutrinário;
- Hábitos pretéritos, enraizados no ser;
- Movimentos espíritas internacionais e locais, que adoptaram o termo religião e que, por desconhecimento, são tidos como exemplo/modelo;
- A fonte moral sendo Jesus, é indevidamente associada às religiões…
O espiritismo, não diz que fora dele não encontremos a salvação. Afirma sim e faz dessa máxima sua divisa: fora da caridade não há salvação. Portanto não se encontra na doutrina espírita o proselitismo das religiões e a ânsia na obtenção de adeptos. O respeito para com todas as práticas religiosas é uma característica do espírita.
O Espírito da Verdade avança com outra máxima: Espíritas: amai-vos, espíritas instruí-vos, sublinhando desta forma e mais uma vez as fortes vertentes morais e culturais da doutrina espírita.
Depois deste breve estudo, a doutrina espírita pode ser apreendida na sua verdadeira essência, como uma doutrina de aperfeiçoamento moral, ética – ciência do bem -, do comportamento e do procedimento, decorrente ou consequência da sua filosofia de vida, solidamente apoiada na sua base científica.
Allan Kardec, o codificador, prevendo os rumos a que o movimento tenderia no futuro, profere um discurso com um belo texto, na abertura da Sessão Anual Comemorativa dos Mortos, da Sociedade Espírita de Paris, no dia 1 de Novembro de 1868. A seguir e em jeito de conclusão desta matéria, transcrevemos partes desse elucidativo e eloquente discurso:
“Todas as reuniões religiosas, seja qual for o culto a que pertençam, são fundadas na comunhão de pensamentos; é aí, com efeito, que esta deve exercer toda a sua força porque o objectivo deve ser o desprendimento do pensamento das garras da matéria. Infelizmente, na sua maioria, afastam-se desse princípio, à medida que faziam da religião uma questão de forma.”
(…)
“O isolamento religioso, como o isolamento social, conduz o homem ao egoísmo.”
(…)
“Religião, é um laço que religa os homens numa comunidade de sentimentos, de princípios e de crenças.” (…) “O laço estabelecido por uma religião, seja qual for o seu objectivo, é, pois, um laço essencialmente moral, que liga os corações, que identifica os pensamentos, as aspirações e não somente o facto de compromissos materiais, que se rompem, à vontade, ou da realização de fórmulas que falam mais aos olhos do que ao espírito. O efeito desse laço moral é o de estabelecer entre os que ele une, como consequência da comunidade de vistas e de sentimentos, a fraternidade e a solidariedade, a indulgência e a benevolência mútuas.” Se assim é perguntarão: o espiritismo é uma religião?”
(…)
“Ora sim, sem dúvida, senhores. No sentido filosófico, o espiritismo é uma religião, e nós glorificamos por isto, porque é a doutrina que funda os elos da fraternidade e da comunhão de pensamentos, não sobre uma simples convenção, mas sobre bases mais sólidas: as mesmas leis da natureza.”
(…)
“Por que, então, declaramos que o espiritismo não é uma religião?”
(…)
“Porque não há uma palavra para exprimir duas ideias diferentes, e que, na opinião geral, a palavra religião é inseparável de culto; desperta exclusivamente uma ideia de forma, que o espiritismo não tem. Se o espiritismo se dissesse uma religião, o público não veria aí senão uma nova edição, uma variante, se quiser, dos princípios absolutos em matéria de fé; uma casta sacerdotal com seu cortejo de hierarquias, de cerimónias e de privilégios; não o separaria das ideias de misticismo e dos abusos contra os quais tantas vezes se levantou a opinião pública.”
(…)
“Não tendo o espiritismo nenhum dos caracteres de uma religião, na acepção usual do vocábulo, não podia nem devia enfeitar-se com um título sobre cujo valor inevitavelmente se teria equivocado. Eis porque simplesmente se diz: doutrina filosófica e moral…”
Kardec, no livro “O que é o espiritismo” define espiritismo assim: “O espiritismo é ao mesmo tempo uma ciência de observação e uma doutrina filosófica. Como ciência prática, ele consiste nas relações que se podem estabelecer com os espíritos; como filosofia, ele compreende todas as consequências morais que decorrem dessas relações.”
É evidente que o significado do vocábulo – religião -, na sua origem, serviria para codificar a nossa ideia (mental) de espiritismo. Mas a linguagem constitui um movimento vivo e, ao longo da história, os diversos vocábulos vão adquirindo uma carga que lhe vai modificando o seu significado original. Assim, às religiões, como atrás foi apresentado, estão agora, associadas variadas práticas e elementos essenciais que não se encontram no espiritismo, pelo que afasta qualquer hipótese de o catalogarmos como mais uma religião.
O assunto tratado, deverá servir não para desunir os espíritas em discussões inúteis ou para debates injustificáveis, mas para situar o espiritismo no contexto universal das ideologias, que vão interpretando a vida.
4.º CADERNO — Deus, espírito e matéria
Deus é a inteligência suprema, causa primária de todas as coisas.
|
SUMÁRIO
1. DEUS — provas da sua existência e atributos
a) Provas da existência de Deus
A prova da existência de Deus encontra-se nesta máxima: “Não há efeito sem causa”. Há uma imensidade de efeitos, cuja causa está acima da humanidade. Esses efeitos não se produzem ao acaso, pois do mais pequenino insecto ou semente até à lei que rege os mundos que circulam no espaço tudo atesta uma causa soberanamente inteligente.
Partindo-se do princípio de que todo o efeito inteligente decorre de uma causa inteligente, e não encontrando essa causa na humanidade, ela deve decorrer de uma inteligência superior, quer chamemo-la pelos nomes de Deus, Jeová, Alá, etc.
Há um provérbio que diz: “Pela obra se reconhece o autor!”. Deus não se mostra, mas revela-se pelas suas obras.
O Universo não pode ter como causa primária o acaso, nem as propriedades íntimas da matéria, que também tiveram uma causa. O acaso é cego e não pode produzir efeitos inteligentes. Um acaso inteligente já não seria acaso. Duvidar da existência de Deus é negar que todo o efeito tem uma causa e aceitar que o nada pode fazer alguma coisa.
O homem não poderá perceber Deus com os órgãos materiais, que não são próprios para perceber a essência das coisas. Somente pela alma poderá ter a percepção de Deus. Porém, os espíritos esclarecem que a visão de Deus é uma faculdade das almas purificadas.
b) Atributos da Divindade
O homem não pode perceber a natureza íntima de Deus porque lhe falta o sentido próprio, que se adquire pela completa depuração espiritual.
Todavia, se não pode penetrar na essência de Deus, desde que aceite a sua existência, pode o homem, pelo raciocínio, chegar a conhecer-lhe os atributos necessários, porquanto, vendo o que ele absolutamente não pode ser, sem deixar de ser Deus, deduz-se daí o que ele deve ser.
Sem compreender os atributos de Deus impossível seria compreender a obra da criação. É por não se ter baseado nisso que a maioria das religiões errou. As que não lhe atribuíram a omnipotência imaginaram muitos deuses, as que não lhe atribuíram a soberana bondade fizeram-no um Deus ocioso, colérico, parcial e vingativo.
Na infância da humanidade o homem confunde-o com a criatura, cujas imperfeições lhe atribui; à medida que nele se desenvolve o senso moral, penetra melhor a essência das coisas e faz ideia mais justa da Divindade, ainda que incompleta, porém mais conforme à sã razão.
Conforme a doutrina espírita, os atributos de Deus são os seguintes: Deus é a suprema e soberana inteligência; é eterno; infinitamente perfeito; é imutável; é imaterial. Deus é único, omnipotente, soberanamente justo e bom.
Em filosofia, em moral, em religião, só há de verdadeiro o que não se afaste, nem um til, das qualidades essenciais da Divindade. Toda a crença, teoria, princípio ou dogma que estiver em contradição com um só desses atributos, que tenda, não tanto a anulá-lo, mas simplesmente a diminuí-lo, não pode estar com a verdade.
2. O PRINCÍPIO DAS COISAS – espírito e matéria
a) Conhecimento do princípio das coisas
Deus não permite que tudo ao homem seja revelado neste mundo. Assim, não lhe é dado conhecer o princípio das coisas. À medida que se depura é que o véu das causas primeiras se levanta a seus olhos, pois para compreendê-las são necessárias faculdades que ainda não possui.
Pela ciência pode o homem penetrar alguns dos segredos da natureza; porém, não pode ultrapassar os limites que Deus estabeleceu.
Se julgar conveniente, Deus pode revelar ao homem o que à ciência ainda não é dado compreender. É assim que ele recebe comunicações de ordem mais elevada acerca do que lhe escapa ao testemunho dos sentidos, e por meio das quais adquire, dentro de certos limites, o conhecimento do seu passado e do seu futuro.
O princípio das coisas, todavia, reside nos segredos de Deus. Com respeito a tudo que ele não julgou conveniente revelar-nos, apenas se podem erguer sistemas, mais ou menos prováveis.
b) Espírito e matéria
A matéria é o laço que prende o espírito; é o instrumento de que este se serve e sobre o qual, ao mesmo tempo, exerce a sua função.
O espírito é o princípio inteligente do universo. A natureza íntima do espírito, porém, não é fácil de ser analisada com a nossa linguagem, por não podermos apreciá-la com os sentidos.
A inteligência é um atributo essencial do espírito, de modo que para nós são uma e a mesma coisa.
O espírito e a matéria são elementos distintos, mas a sua união é necessária para “intelectualizar” a matéria. O homem não possui uma organização apta a perceber o espírito sem a matéria. Entende-se aqui por espírito o princípio da inteligência, abstracção feita das individualidades que por esse nome se designam. Pode-se conceber o espírito sem a matéria, e esta sem o espírito, pelo pensamento.
Há dois elementos gerais do universo: a matéria e o espírito; e acima de tudo Deus, o criador, pai de todas as coisas. Deus, espírito e matéria constituem o princípio de tudo o que existe.
Ao elemento material, todavia, tem que se juntar o fluido universal, que desempenha o papel de intermediário entre o espírito e a matéria, propriamente dita, por demais grosseira para que o espírito possa actuar sobre ela.
O fluido universal distingue-se da matéria por propriedades especiais; é fluido susceptível, pelas suas inúmeras combinações com a matéria e sob a acção do espírito, de produzir a infinita variedade das coisas, de que apenas conhecemos uma parte mínima. Sem esse elemento primitivo ou universal, a matéria estaria em perpétuo estado de divisão, e nunca adquiriria as qualidades que a gravidade lhe dá.
A matéria, como a entendemos, é ponderável, mas, considerada como fluido do universo, é etérea, subtil e imponderável. Daí a gravidade ser uma propriedade relativa. Fora das esferas de atracção dos mundos não há peso, como não há alto nem baixo.
O espaço universal é ilimitado. Abrange a infinidade dos mundos que vemos e dos que não vemos, todos os seres animados e inanimados, todos os astros que se movem no espaço, assim como os fluidos que o enchem. A razão leva-nos a concluir que o universo não pode ter-se formado por si mesmo, nem por obra do acaso, mas que é obra de Deus.
3. FORMAÇÃO DOS SERES VIVOS – princípio vital
a) Formação dos seres vivos
Houve tempo em que não existiam seres vivos na Terra; logo eles tiveram um começo. Cada espécie foi aparecendo na proporção em que o globo adquiria as condições necessárias à existência delas.
A Terra continha os germes dos seres vivos, que aguardavam momento favorável para se desenvolverem. Os princípios orgânicos se congregaram, desde que cessou a actuação da força que os mantinha afastados, e formaram os germes de todos os seres vivos, germes estes que permaneceram em estado latente de inércia, como a crisálida e as sementes das plantas, até ao momento próprio do aparecimento de cada espécie. Os seres de cada uma destas se reuniram, então, e se multiplicaram, submetendo-se às leis de selecção natural.
Os elementos orgânicos antes da formação da Terra achavam-se no estado de fluido no espaço, no meio dos espíritos, ou em outros planetas, à espera da criação da Terra para começarem a existência no novo globo.
A espécie humana encontrava-se entre os elementos orgânicos contidos no Globo terrestre e veio a seu tempo. Quanto à época do aparecimento do homem e dos outros seres vivos na Terra, todos os cálculos humanos são quiméricos.
O homem surge em muitos pontos do globo e em várias épocas, o que também constitui uma das causas da diversidade das raças, além dos factores do clima, da vida e dos costumes.
b) O princípio vital
Os seres orgânicos são os que têm em si uma fonte de actividade íntima, que lhes dá a vida. Nesta classe estão os homens, os animais e as plantas. Seres inorgânicos são todos os que carecem de vitalidade, de movimentos próprios e que se formam apenas pela agregação da matéria, como os minerais, a água, o ar, etc.
A força que une os elementos da matéria nos corpos orgânicos e inorgânicos é a mesma. A matéria que os compõe também é a mesma, porém, nos corpos orgânicos está animalizada, pela sua união com o princípio vital.
A vida é um efeito devido à acção de um agente sobre a matéria, que é o princípio vital. Esse agente, sem a matéria, não é a vida, do mesmo modo que a matéria não pode viver sem esse agente. Ele dá vida a todos os seres que o absorvem e assimilam.
O princípio vital tem por fonte o fluido universal. É o que chamamos fluido magnético ou fluido eléctrico animalizado. É o intermediário existente entre o espírito e a matéria. Ele é um só para todos os seres vivos, modificado segundo as espécies.
A actividade do princípio vital é alimentada durante a vida pela acção e funcionamento dos órgãos. A causa de morte dos seres orgânicos é o esgotamento dos órgãos. A morte cessa aquela acção e o princípio vital extingue-se, mas o seu efeito sob o estado molecular do corpo subsiste mesmo depois dele extinto, como uma carbonização da madeira permanece depois de extinto o calor.
Morto o ser orgânico, os elementos que o compõem sofrem novas combinações, de que resultam novos seres, os quais haurem na fonte universal o princípio da vida e da actividade, o absorvem e assimilam, para novamente o restituírem a essa fonte, quando deixarem de existir.
A quantidade de fluido vital não é absoluta em todos os seres orgânicos. Varia segundo as espécies e não é constante, quer em cada indivíduo quer nos indivíduos de uma espécie. Alguns se acham saturados dele, enquanto outros o possuem em quantidade apenas suficiente.
A quantidade de fluido vital esgota-se se não for renovada pela absorção e assimilação das substâncias que contém e pode tornar-se insuficiente para a conservação da vida.
O fluido vital pode ser transmitido de um indivíduo que o tiver em maior porção a outro que o tenha a menos e, em certos casos, prolongar a vida prestes a extinguir-se.
ANOTAÇÕES E INDICAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS
- (1) Allan Kardec, A GÉNESE, cap. II e X, 18.ª edição (popular), 1976, Federação Espírita Brasileira.
- (2) Allan Kardec, OBRAS PÓSTUMAS, 1.ª parte, §1º, §3º, 13.ª edição, Federação Espírita Brasileira.
- (3) Barbosa, Pedro Franco, ESPIRITISMO BÁSICO, 2.ª parte, 1.ª edição, 1976, Editado pelo Centro Brasileiro de Homeopatia, Espiritismo e Obras Sociais – CBHEOS.
- (4) Allan Kardec, O LIVRO DOS ESPÍRITOS, 1.ªparte, cap. I, II, III e IV, 33.ª edição, 1974, Federação Espírita Brasileira.
- (5) Cardozo, José Soares, ONDE ESTÁ DEUS?, 1976, São Paulo, Editora Tempos Novos, Lda.
- (6) Mínimus, NOÇÕES DE FILOSOFIA ESPÍRITA, 2.ª Edição, Federação Espírita Brasileira.
- (7) Emmanuel, A CAMINHO DA LUZ, psicografia de Francisco Cândido Xavier, cap. II, 5.ª edição, Federação Espírita Brasileira.
1. Deus: provas da sua existência e atributos
A prova da existência de Deus temo-la neste axioma: Não há efeito sem causa.
a) Provas da existência de Deus
Sendo Deus a prova primária de todas as coisas, a origem de tudo o que existe, a base sobre que repousa o edifício da criação, é também o ponto que importa considerarmos, antes de tudo.
Vemos, constantemente, uma imensidade de efeitos, cuja causa não está na humanidade, pois a humanidade é impotente para produzi-los, ou, sequer, para os explicar. A causa está acima da humanidade. É a essa causa que se chama Deus, Jeová, Alá, Fo-Hi, Grande Espírito, etc.
Outro princípio igualmente elementar e que, de tão verdadeiro, passou a axioma, é o de que todo o efeito inteligente tem de decorrer de uma causa inteligente.
Os efeitos referidos acima não se produzem ao acaso, fortuitamente e em desordem. Desde a organização do mais pequenino insecto e da mais insignificante semente até à lei que rege os mundos que circulam no espaço, tudo atesta uma ideia directora, uma combinação, uma providência, um equilíbrio, que ultrapassam todas as combinações humanas. A causa é, pois, soberanamente inteligente.
A um pobre beduíno, ignorante, que orava muito a Deus, alguém perguntou como poderia acreditar nele.
– Pelas suas obras, disse. E explicou:
– Não conheces a origem de uma jóia pelo sinete do joalheiro? Não sabes de quem é uma carta, pela letra do envelope? Não afirmas que um camelo, e não um cão passou pela estrada, olhando simplesmente o rasto deixado pelo animal? Assim também eu sei que Deus existe pelas suas obras.
– Como? Explique melhor.
– É muito fácil. As estrelas do céu não são obra dos homens, que lá não poderiam tê-las colocado. Logo, só podem ser obra de Deus, e, portanto, ele existe.
Com respeito ao conceito de Deus segundo o espiritismo, sabendo-se que limitar Deus a uma definição é impossível, a doutrina espírita procura partir de dados racionais, para não cair no terreno das ideias imaginárias e místicas, que tornam ininteligíveis os princípios e as causas. Daí a importância de estudarmos os atributos da Divindade, como adiante veremos, a fim de compreendermos racionalmente o assunto.
Allan Kardec, em «O Livro dos Espíritos», na primeira pergunta, propõe uma questão aos espíritos sobre a Divindade, de forma lógica; não usa a forma Quem é Deus?, que daria um sentido de personificação, ou seja, uma ideia antropomórfica, mas busca a natureza íntima, a essência das coisas, formulando a proposição desta forma – Que é Deus? Ao que os espíritos, sabiamente, respondem:
“Deus é a inteligência suprema, causa primária de todas as coisas”.
Achando-nos numa região habitada exclusivamente por povos chamados selvagens, se descobrirmos uma estátua digna de Fídias não hesitaremos em dizer que, sendo incapazes de tê-la feito os selvagens, ela é obra de uma inteligência superior à destes.
Pois bem, lançando um olhar em torno de si, sobre as obras da natureza, reconhece o observador não haver nenhuma que não ultrapasse os limites da mais portentosa inteligência humana. Ora, visto que o homem não as pode produzir, é porque elas são produto de uma inteligência superior à humanidade, a menos que se sustente que há efeito sem causa.
A isto opõem alguns o seguinte raciocínio: as obras ditas da natureza são produzidas por forças materiais, que actuam mecanicamente, em virtude das leis de atracção e repulsão; as moléculas dos corpos inertes agregam-se e desagregam-se sob o império dessas leis. As plantas nascem, brotam, crescem e multiplicam-se sempre da mesma maneira, cada uma na sua espécie, por efeito daquelas mesmas leis; cada corpo assemelha-se aos corpos que o originaram; o crescimento, a floração, a frutificação, a coloração acham-se subordinados a causas materiais, tais como o calor, a electricidade, a luz, a humidade, etc. O mesmo se dá com os animais. Os astros formam-se pela atracção molecular e movem-se perpetuamente nas suas órbitas por efeito da gravitação. Essa regularidade mecânica no emprego das forças naturais não acusa a acção de qualquer inteligência livre. O homem movimenta o braço quando quer e como quer; aquele, porém, que o movimentasse no mesmo sentido, desde o nascimento até à morte, seria um autómato. Ora, as forças orgânicas da natureza são puramente automáticas.
Tudo isso é verdade, mas essas forças são efeitos, que hão-de ter uma causa, e ninguém pretende afirmar que elas constituem a Divindade. Elas são materiais e mecânicas; não são, por si mesmas, inteligentes, também isso é verdade; mas são postas em acção, distribuídas, apropriadas às necessidades de cada coisa, por uma inteligência que não é a dos homens. A aplicação útil dessas forças é um efeito inteligente, que denota uma causa inteligente.
A existência do relógio atesta a existência do relojoeiro; o engenho do mecanismo atesta-lhe a inteligência e o saber. Quando um relógio nos dá o momento preciso, a indicação de que necessitamos, já nos ocorreu dizer: “Aí está um relógio bem inteligente”?
Outro tanto ocorre com o mecanismo do Universo. Deus não se mostra, mas revela-se pelas suas obras.
A existência de Deus é, pois, uma realidade, comprovada não só pela revelação como pela evidência dos fatos. Os povos selvagens nenhuma revelação tiveram; no entanto, crêem, instintivamente, na existência de um poder sobre-humano.
O sentimento instintivo que todos os homens têm da existência de Deus é também uma prova de que ele existe e uma consequência do princípio de que não há efeito sem causa. Esse sentimento não é fruto de uma educação, resultado de ideias adquiridas, pois ele é universal, encontra-se mesmo entre os selvagens, a quem nenhum ensino foi ministrado a respeito.
Questionam alguns se a causa primária da formação das coisas não estaria nas propriedades íntimas da matéria. Porém, é indispensável sempre uma causa primária, e atribuí-la a essas propriedades seria tomar o efeito pela causa, já que tais propriedades são também um efeito.
Alguns atribuem a formação primária a uma combinação fortuita da matéria, isto é, ao acaso. Isto constitui um absurdo, uma insensatez, pois o acaso é cego e não pode produzir os efeitos que a inteligência produz. Um acaso inteligente já não seria um acaso. E, além disso, o que é o acaso? Nada. E o nada não existe.
“Há um provérbio que diz: Pela obra se conhece o autor! Vede a obra, e procurai o autor (….). O homem orgulhoso nada admite acima de si.” Procurando a obra primária do Universo, reconhece-se no seu autor uma inteligência suprema, uma inteligência superior à humanidade. Seja qual for o nome que lhe dêem, essa inteligência superior é a causa primária de todas as coisas. Para crer-se em Deus basta lançar o olhar para as obras da criação. O Universo existe, logo tem uma causa. Duvidar da existência de Deus é negar que todo o efeito tem uma causa, e adiantar que o nada pode fazer alguma coisa.
Se Deus está em toda parte, porque não o vemos? Vê-lo-emos quando deixarmos a Terra? Tais perguntas formulam-se todos os dias.
À primeira é fácil responder: por serem limitadas as percepções dos nossos órgãos vitais, elas os tornam inaptos à visão de certas coisas, mesmo materiais.
Os nossos órgãos materiais não podem perceber as coisas de essência espiritual. Unicamente com a visão espiritual é que podemos ver os espíritos e as coisas do mundo imaterial. Somente a nossa alma, portanto, pode ter a percepção de Deus. Dar-se-á que ela o veja logo após a morte?
As comunicações com os espíritos nos dizem que a visão de Deus constitui prerrogativa das mais purificadas almas, e que bem poucas, ao deixarem o envoltório terrestre, se encontram no grau de desmaterialização necessário a tal efeito.
Uma pessoa que se ache no fundo de um vale, envolvida por densa bruma, não vê o Sol. No entanto, pela luz difusa, percebe que há sol. Se entra a subir a montanha, à medida que for ascendendo o nevoeiro ir-se-á tornando mais claro, a luz cada vez mais viva. Contudo, ainda não verá o Sol. Só depois de se achar elevado acima da camada brumosa, e de ter chegado a um ponto onde o ar esteja perfeitamente límpido, ela o contempla em todo o seu esplendor. O mesmo se dá com a alma. O envoltório perispíritico, conquanto nos seja invisível e impalpável é, em relação a ela, verdadeira matéria, ainda grosseira de mais para certas percepções. Ele, porém, se espiritualiza, à medida que a alma se eleva em moralidade. As imperfeições da alma são quais camadas nevoentas, que lhe obscurecem a visão. Nenhum homem, por conseguinte, pode ver Deus com os olhos da carne. Se essa graça fosse concedida a alguns só seria no estado de êxtase. Tal possibilidade, aliás, exclusivamente pertenceria a almas de eleição, encarnadas em missão, não em expiação. Mas como os espíritos da mais elevada categoria têm ofuscante brilho, pode dar-se que espíritos menos elevados, encarnados ou desencarnados, maravilhados com o esplendor de que aqueles se mostram cercados, suponham estar vendo o próprio Deus.
Do livro “Onde Está Deus?”, do poeta espírita José Soares Cardoso, extraímos a poesia abaixo, que reflecte a percepção do poeta no sentir a Divindade.
ONDE ESTÁ DEUS?
“Onde está Deus?”, pergunta o cientista,
Ninguém O viu jamais. “Quem Ele é?”.
Responde à pressa, o materialista:
“Deus é somente uma invenção da fé!”.
O pensador dirá, sensatamente:
“Não vejo Deus, mas sinto que Ele existe!
A natureza mostra claramente
Em que o poder do Criador consiste”.
Mas o poeta dirá, com a segurança
De quem afirma porque tem a certeza:
“Eu vejo Deus no riso da criança,
No céu, no mar, na luz da natureza!
Contemplo Deus brilhando nas estrelas,
No olhar das mães fitando os filhos seus,
Nas noites de luar claras e belas,
Que em tudo pulsa o coração de Deus!
Eu vejo Deus nas flores e nos prados,
Nos astros a rolar no infinito,
Escuto Deus na voz dos namorados,
E sinto Deus na lágrima do aflito!
Percebo Deus na frase que perdoa,
Contemplo Deus na mão que acaricia.
Escuto Deus na criatura boa
E sinto Deus na paz e na alegria!
Eu vejo Deus no médico salvando,
Pressinto Deus na dor que nos irmana.
Descubro Deus no sábio procurando
Compreender a natureza humana!
Eu vejo Deus no gesto da bondade,
Escuto Deus nos cânticos do crente.
Percebo Deus no sol, na liberdade,
E vejo Deus na planta e na semente!
Eu vejo Deus, enfim, em toda parte,
Que tudo fala dos poderes teus,
Descubro Deus nas expressões da arte,
No amor dos homens também sinto Deus!
Mas onde eu sinto Deus com mais beleza,
Na sua mais sublime vibração,
Não é no coração da natureza,
É dentro do meu próprio coração!”. (5)
b) Atributos da Divindade
Não é dado ao homem sondar a natureza íntima de Deus. Para compreendê-lo, ainda nos falta um sentido próprio, que só se adquire por meio da completa depuração do espírito.
Mas se não pode penetrar na essência de Deus, o homem, desde que aceite como premissa a sua existência, pode, pelo raciocínio, chegar a conhecer-lhe os atributos necessários, porquanto, vendo o que ele absolutamente não pode ser, sem deixar de ser Deus, deduz daí o que ele deve ser.
Sem o conhecimento dos atributos de Deus, impossível seria compreender-se a obra da criação. Esse o ponto de partida de todas as crenças religiosas. E é por não se terem reportado a isso, como o farol capaz de as orientar, que a maioria das religiões errou, cristalizando nos seus dogmas. As que não atribuíram a Deus a omnipotência, imaginaram muitos deuses; as que não lhe atribuíram soberana bondade, fizeram dele um Deus cioso, colérico, parcial e vingativo.
A inferioridade das faculdades do homem não lhe permite compreender a natureza íntima de Deus. Na infância da humanidade, o homem o confunde muitas vezes com a criatura, cujas imperfeições lhe atribui; mas, à medida que nele se desenvolve o senso moral, o seu pensamento penetra melhor no âmago das coisas; então, faz ideia mais justa da Divindade e, ainda que sempre incompleta, mais conforme à razão.
Se não pode compreender a natureza íntima de Deus, pode o homem formar minimamente uma ideia de alguma da sua perfeição e compreendê-la melhor à medida que se eleva acima da matéria, entrevendo-a pelo pensamento.
Podemos, assim, dizer que Deus é a suprema e soberana inteligência, imutável, imaterial, único, omnipotente, soberanamente justo e bom. Tudo isto, por certo, não expressa exactamente todas as capacidades da Divindade, pois há coisas acima do homem mais inteligente, as quais a linguagem humana, restrita às ideias e sensações, não tem meios de exprimir. Todavia, a razão diz que Deus deve possuir em grau supremo essas qualidades, porquanto se uma lhe faltasse, ou não fosse infinita, já ele não seria superior a tudo, não seria, por conseguinte, Deus. Para estar acima de todas as coisas, Deus tem que se achar isento de qualquer vicissitude e de qualquer das imperfeições que a imaginação possa conceber.
Vejamos agora cada um desses atributos de Deus, conforme o ângulo espírita.
1. DEUS É A SUPREMA E SOBERANA INTELIGÊNCIA
É limitada a inteligência do homem, pois que não pode fazer, nem compreender, tudo o que existe. A de Deus, abrangendo o infinito, tem que ser infinita. Se a supuséssemos limitada num ponto qualquer, poderíamos conceber outro ser mais inteligente, capaz de compreender e fazer o que o primeiro não faria, e assim por diante, até ao infinito.
2. DEUS É ETERNO
Isto é, não teve começo e não terá fim. Se tivesse tido princípio, houvera saído do nada. Ora, sendo o nada coisa alguma, coisa nenhuma pode produzir. Ou, então, teria sido criado por outro ser anterior e, nesse caso, este ser é que seria Deus. Se lhe supuséssemos um começo ou fim, poderíamos conceber uma entidade existente antes dele, e capaz de lhe sobreviver, e assim por diante, ao infinito.
3. DEUS É INFINITAMENTE PERFEITO
É impossível conceber Deus sem o infinito das sua qualidades, sem o que não seria Deus, pois sempre se poderia conceber um ser que possuísse o que lhe faltasse. Para que nenhum ser possa ultrapassá-lo, faz-se mister que ele seja infinito em tudo.
4. DEUS É IMUTÁVEL
Se estivesse sujeito a mudanças, nenhuma estabilidade teriam as leis que regem o Universo.
5. DEUS É IMATERIAL
Isto é, a sua natureza difere de tudo o que chamamos matéria. De outro modo, não seria imutável, pois estaria sujeito às transformações da matéria. Deus carece de forma apreciável pelos nossos sentidos, sem o que seria matéria.
6. DEUS É ÚNICO
A unicidade de Deus é consequência do facto de serem infinitas as suas qualidades. Não poderia existir outro Deus, salvo sob a condição de ser igualmente infinito em todas as coisas, visto que, se houvesse entre eles a mais ligeira diferença, um seria inferior ao outro, subordinado ao poder desse outro e, então, não seria Deus.
7. DEUS É OMNIPOTENTE
Ele o é porque é único. Se não dispusesse do soberano poder, algo haveria mais poderoso ou tão poderoso quanto ele, que então não teria feito todas as coisas. As que não houvesse feito, seriam obra de outro deus. (4)
8. DEUS É SOBERANAMENTE JUSTO E BOM
A providencial sabedoria das leis divinas revela-se nas mais pequeninas coisas, como nas maiores, não permitindo, dada essa característica, que se duvide da sua justiça, nem da sua bondade.
O facto de ser infinita uma qualidade exclui a possibilidade de uma qualidade contrária, porque esta a apoucaria ou anularia. Um ser infinitamente bom não poderia conter a mais insignificante parcela de malignidade, nem o ser infinitamente mau conter a mais insignificante parcela de bondade, do mesmo modo que um objecto não pode ser de um negro absoluto com a mais ligeira nuança de branco, nem de um branco absoluto com a mais pequena mancha preta.
Deus, pois, não poderia ser simultaneamente mau e bom, porque, então, não possuindo qualquer dessas duas qualidades no grau supremo, não seria Deus. Não poderia ele, por conseguinte, deixar de ser infinitamente bom ou infinitamente mau. Ora, como as suas obras dão testemunho da sua sabedoria, da sua bondade e da sua solicitude, concluir-se-á que, não podendo ser ao mesmo tempo bom e mau, sem deixar de ser Deus, ele necessariamente tem de ser infinitamente bom.
A soberana bondade implica na soberana justiça, porquanto, se ele procedesse injustamente, ou com parcialidade, numa só circunstância que fosse, ou em relação a uma só de suas criaturas, já não seria soberanamente justo e, em consequência, já não seria soberanamente bom.
Deus é, pois, a inteligência suprema e soberana, é único, eterno, imutável, imaterial, omnipotente, soberanamente justo e bom, infinito em todas as qualidades, e não pode ser diferente disso.
Tal o eixo sobre que repousa o edifício universal. Esse o farol cujos raios se estendem sobre o Universo inteiro, grande luz capaz de guiar o homem na pesquisa da verdade.
Tal também o critério infalível para avaliar as doutrinas filosóficas e religiosas. Para apreciá-las, dispõe o homem de medida rigorosamente exacta nos atributos de Deus, e pode afirmar a si mesmo que toda a teoria, todo o princípio, todo o dogma, toda a crença, toda a prática que estiver em contradição com um só que seja desses atributos, que tenda, não tanto a anulá-lo, mas, simplesmente, a diminuí-lo, não pode estar com a verdade.
Em filosofia, em psicologia, em moral, em religião, só há de verdadeiro o que não se afaste, nem um til, das qualidades essenciais da Divindade. A religião perfeita será aquela de cujos artigos de fé nenhum esteja em oposição àquelas qualidades; aquelas cujos dogmas todos suportem a prova dessa verificação sem nada sofrerem.
2. O princípio das coisas – espírito e matéria
Pela ciência, que lhe foi dada para seu adiantamento em todas as coisas, pode o homem usando a investigação, penetrar alguns segredos da natureza.
a) Conhecimento do princípio das coisas
Segundo nos informam os espíritos na codificação, “Deus não permite que ao homem tudo seja revelado neste mundo.” Assim, não lhe é dado conhecer o princípio das coisas. Somente à medida que ele se depura é que o véu das coisas ocultas “se levanta a seus olhos; mas, para compreender certas coisas, são precisas faculdades que ainda não possui.”
Pela ciência, que lhe foi dada para seu adiantamento em todas as coisas, pode o homem usando a investigação, penetrar alguns segredos da natureza. “Porém, não pode ultrapassar os limites que Deus estabeleceu.”
E Allan Kardec, anota:
“Quanto mais consegue o homem penetrar nesses mistérios, quanto maior admiração lhe devem causar o poder e a sabedoria do criador. No entanto, seja por orgulho ou por fraqueza, a sua própria inteligência fá-lo joguete da ilusão. Ele amontoa sistemas sobre sistemas, e cada dia que passa lhe mostra quantos erros tomou por verdades e quantas verdades rejeitou como erros. São outras tantas decepções para o seu orgulho.”
Outrossim, se julgar conveniente, Deus pode revelar ao homem o que à ciência não é dado apreender. Desse modo, o homem pode receber comunicações de ordem mais elevadas acerca do que lhe escapa ao testemunho dos sentidos. É por essas comunicações “que o homem adquire, dentro de certos limites, o conhecimento do seu passado e do seu futuro.”
Em “Obras Póstumas”, de Allan Kardec, 1.ª parte, § 3.º, encontramos: “O princípio das coisas reside nos arcanos de Deus.”
Tudo diz que Deus é o autor de todas as coisas, mas como, e quando, as criou ele? A matéria existe, como ele, de toda a eternidade? Ignoramo-lo. Acerca de tudo, que ele não julgou conveniente revelar-nos, apenas se podem erguer sistemas, mais ou menos prováveis. Dos efeitos que observamos, podemos remontar a algumas causas. Há, porém, um limite, que não nos é possível transpor. Querer ir além é, simultaneamente, perder tempo e cair em erro.”
b) Espírito e matéria
No desdobramento da questão n.º 22 de “O Livro dos Espíritos”, a definição de matéria está exposta assim: “A matéria é o laço que prende o espírito; é o instrumento de que este se serve e sobre o qual, ao mesmo tempo, exerce sua acção.”
A esta definição Allan Kardec faz o seguinte comentário: “Deste ponto de vista, pode dizer-se que a matéria é o agente, o intermediário, com o auxílio do qual, e sobre o qual, actua o espírito.”
À pergunta: “O que é o espírito?”, Allan Kardec obteve dos espíritos a seguinte resposta: “O princípio inteligente do universo.”
E, quanto a natureza íntima do espírito, esclareceram: “Não é fácil analisar o espírito com a vossa linguagem. Para vós ele nada é, por não ser palpável. Para nós, entretanto, é alguma coisa.”
“A inteligência é um atributo essencial ao espírito” e uma e outro confundem-se num princípio comum, de tal sorte que podem ser considerados pelos encarnados a mesma coisa.
O espírito é independente da matéria, e são distintos um do outro, mas a união do espírito e da matéria é necessária para intelectualizar a matéria.
O homem não possui uma organização apta a perceber o espírito sem a matéria, porque os seus sentidos não são apropriados para isso. Daí, para ele, ser a união do espírito e da matéria igualmente necessária para a manifestação do espírito. Entende-se aqui por espírito o princípio da inteligência, abstracção feita das individualidades que por esse nome se designam.
Todavia, pode-se conceber o espírito sem a matéria e a matéria sem o espírito, pelo pensamento.
Há, pois, dois elementos gerais do universo: a matéria e o espírito; e acima de tudo Deus, o criador, o pai de todas as coisas. Deus, espírito e matéria constituem o princípio de tudo o que existe.
Mas ao elemento material tem que se juntar o fluido universal, que desempenha o papel de intermediário entre o espírito e a matéria, propriamente dita, por demais grosseira para que o espírito possa exercer acção sobre ela. Embora, de certo ponto de vista, seja lícito classificá-lo como elemento material, ele distingue-se deste por propriedades especiais. Se o fluido universal fosse, positivamente, matéria, razão não haveria para que o espírito não o fosse. Está colocado entre o espírito e a matéria; é fluido, como a matéria é matéria, e susceptível, pelas suas inúmeras combinações com esta e sob a acção do espírito, de produzir a infinita variedade das coisas, de que apenas conhecemos uma parte mínima. Esse fluido universal, ou primitivo, ou elementar, sendo o agente de que o espírito se utiliza, é o princípio sem o qual a matéria estaria em perpétuo estado de divisão, e nunca adquiriria as qualidades que a gravidade lhe dá.
A matéria, como a entendemos, é ponderável, porém, considerada como fluido universal é tão etérea e subtil que é imponderável, apesar de ser o princípio da matéria pesada. Segue-se, daí, que “a gravidade é uma propriedade relativa. Fora das esferas de atracção dos mundos, não há peso, do mesmo modo que não há alto nem baixo”.
Todos os corpos são formados de um só elemento primitivo, que se modifica para dar origem aos corpos chamados simples.
Este elemento primitivo é que determina as diversas propriedades que a matéria apresenta, devido às modificações que as suas moléculas elementares sofrem por efeito da sua união, em certas circunstâncias. Esta matéria elementar é susceptível de experimentar todas as modificações e de adquirir todas as propriedades, de onde se pode dizer que tudo está em tudo. Dessa forma, “o oxigénio, o hidrogénio, o azoto, o carbono e todos os corpos que consideramos simples são meras modificações de uma substância primitiva. Na impossibilidade que ainda encontramos em remontar, a não ser pelo pensamento, a esta matéria primária, esses corpos são para nós verdadeiros elementos e podemos, sem maiores consequências, tê-los como tais, até nova ordem.”
O espaço universal é ilimitado e infinito. Todavia, o homem não poderá compreendê-lo nesta pequenina esfera terrena. Por mais distante que a imaginação coloque o limite do espaço, a razão diz que além deste limite alguma coisa há, e assim, gradativamente, até ao infinito, porquanto, embora essa alguma coisa fosse o vazio absoluto, ainda seria o espaço. E os espíritos afirmam que no universo não há o vácuo absoluto; o que nos parece vazio está ocupado por matéria que escapa aos sentidos e aos instrumentos humanos.
“Quer a matéria exista de toda a eternidade, como Deus, quer tenha sido criada numa época qualquer, é evidente, segundo o que se passa quotidianamente à nossa vista, que são temporárias as transformações da matéria e que dessas transformações resultam diferentes corpos, que incessantemente nascem e se destroem.
“Como produto que são da aglomeração e da transformação da matéria, os diversos mundos hão-de ter tido, como todos os corpos materiais, começo, e terão fim, na conformidade de leis que desconhecemos. Pode a ciência, até certo ponto, formular as leis que lhes presidiram a formação e remontar ao estado primitivo deles. Toda a teoria filosófica em contradição com os factos que a ciência comprova é necessariamente falsa, a menos que prove estar em erro a ciência.”
“O universo abrange a infinidade dos mundos que vemos e dos que não vemos, todos os seres animados e inanimados, todos os astros que se movem no espaço, assim como os fluidos que o enchem.”
A razão leva-nos a concluir que o Universo não pode ter-se formado por si mesmo, nem por obra do acaso, mas que há-de ser obra de Deus. Deus criou o Universo pela sua vontade omnipotente, caracterizada nas belas palavras da Génese bíblica – “Deus disse: Faça-se a luz, e a luz foi feita.”
Quanto ao modo de formação dos mundos, o que poderemos compreender é que eles formam-se pela condensação da matéria disseminada no espaço. Deus renova os mundos como renova os seres vivos; assim, um mundo completamente formado poderá desaparecer, e a matéria que o compõe disseminar-se de novo no espaço.
3. Formação dos seres vivos — princípio vital
Houve tempo em que não existiam seres vivos na Terra; logo, eles tiveram um começo. Cada espécie foi aparecendo à medida que o globo adquiria as condições necessárias à sua existência.
a) Formação dos seres vivos
A Terra continha os germes dos seres vivos, “que aguardavam o momento favorável para se desenvolverem. Os princípios orgânicos congregaram-se, desde que cessou a actuação da força que os mantinha afastados, e formaram os germes de todos os seres vivos. Estes germes permaneceram em estado latente de inércia, como a crisálida e as sementes das plantas, até ao momento propício ao surto de cada espécie. Os seres de cada uma destas reuniram-se, então, e multiplicaram-se.”
Os elementos orgânicos, antes da formação da Terra, achavam-se em estado fluídico no espaço, no meio dos espíritos, ou em outros planetas, à espera da criação da Terra para começarem existência nova em novo globo.
A espécie humana encontrava-se entre os elementos orgânicos contidos no globo terrestre, e veio a seu tempo. Foi o que deu lugar a que se dissesse que o homem se formou do limo da terra.
Quanto à época do aparecimento do homem e dos seres vivos na Terra todos os cálculos humanos são quiméricos.
“O princípio das coisas está nos segredos de Deus. Entretanto, pode dizer-se que os homens, uma vez espalhados na Terra, absorveram em si mesmos os elementos necessários à sua própria formação, para os transmitir segundo as leis da reprodução. O mesmo se deu com as diferentes espécies de seres vivos.”
O homem surgiu em muitos pontos do globo, e em várias épocas, o que também constitui uma das causas da diversidade das raças, além dos factores do clima, da vida e dos costumes. Mais tarde, dispersando-se os homens por climas diferentes e aliando-se os de uma aos de outras raças, novos tipos se formaram.
Emmanuel, no seu livro “A Caminho da Luz”, revela que “as formas de todos os reinos da natureza terrestre foram estudadas e previstas” sob a orientação sábia do Cristo, que coordenava o trabalho de numerosas assembleias de operários espirituais. Acrescenta ele: “Os fluidos da vida foram manipulados, de modo a se adaptarem às condições físicas do planeta, encenando-se as construções celulares segundo as possibilidades do ambiente terrestre, tudo obedecendo a um plano preestabelecido (…) Uma camada de matéria gelatinosa envolvera o orbe terreno nos seus mais íntimos contornos. Essa matéria, amorfa e viscosa, era o celeiro sagrado das sementes da vida. O protoplasma foi o embrião de todas as organizações do globo terrestre, e, se essa matéria, sem forma definida, cobria a crosta solidificada do planeta, em breve a condensação da massa dava origem ao surgimento do núcleo, iniciando-se as primeiras manifestações dos seres vivos. Os primeiros habitantes da Terra, no plano material, são as células albuminóides, as amebas e todas as organizações unicelulares, isoladas e livres, que se multiplicam prodigiosamente na temperatura tépida dos oceanos.”
b) Princípio vital
Os seres orgânicos são os que têm em si uma fonte de actividade íntima, que lhes dá a vida. Nessa classe estão os homens, os animais e as plantas.
Seres inorgânicos são todos os que carecem de vitalidade, de movimentos próprios e que se formam apenas pela agregação da matéria. Tais são os minerais, a água, o ar, etc.
A força que une os elementos da matéria nos corpos orgânicos e inorgânicos é a mesma. A matéria que compõe esses corpos também é a mesma, porém, nos corpos orgânicos está animalizada, pela sua união com o princípio vital.
A vida é um efeito devido à acção de um agente sobre a matéria que é o princípio vital. Esse agente, sem a matéria, não é a vida, do mesmo modo que a matéria não pode viver sem esse agente. Ele dá vida a todos os seres que o absorvem e assimilam.
“Combinando-se sem o princípio vital, o oxigénio, o hidrogénio, o azoto e o carbono unicamente teriam formado um mineral ou corpo inorgânico; o princípio vital, modificando a constituição molecular desse corpo, dá-lhe propriedades especiais. Em lugar de uma molécula mineral, tem-se uma molécula de matéria orgânica.”
O princípio vital tem por fonte o fluido universal. É o que chamamos fluido magnético, ou fluido eléctrico animalizado. É o intermediário, o elo existente entre o espírito e a matéria. Ele é um só para todos os seres vivos, mas modificado segundo as espécies. É ele que lhes dá movimento e actividade e os distingue da matéria inerte, porquanto o movimento da matéria não é vida. Esse movimento ela o recebe, não o dá.
A actividade do princípio vital é alimentada durante a vida pela acção do funcionamento dos órgãos, do mesmo modo que o calor, pelo movimento de rotação de uma roda. Cessada aquela acção, por motivo da morte, o princípio vital extingue-se, como o calor, quando a roda deixa de girar. Mas o efeito produzido por esse princípio sobre o estado molecular do corpo subsiste, mesmo depois dele extinto, como a carbonização da matéria subsiste à extinção do calor.
A causa da morte dos seres orgânicos é o elemento dos órgãos. Morto o ser orgânico, os elementos que o compõem sofrem novas combinações, de que resultam novos seres, os quais haurem na fonte universal do princípio da vida e da actividade, absorvem-no e assimilam-no, para novamente o restituírem a essa fonte, quando deixarem de existir.
Os órgãos se impregnam, por assim dizer, desse fluido vital e esse fluido dá a todas as partes do organismo uma actividade que os põe em comunicação entre si, nos casos de certas lesões, e normaliza as funções momentaneamente perturbadas. Mas, quando os elementos essenciais ao funcionamento dos órgãos estão destruídos, ou muito profundamente alterados, o fluido vital se torna impotente para lhes transmitir o movimento da vida, e o ser morre.
A quantidade de fluido vital não é absoluta em todos os seres orgânicos. Varia segundo as espécies e não é constante, quer em cada indivíduo quer nos indivíduos de uma espécie. Alguns acham-se, por assim dizer, saturados desse fluido, enquanto outros possuem-no em quantidades apenas suficientes. Daí, alguns terem uma vida mais activa, mais tenaz e, de certa forma, superabundante.
A quantidade de fluido vital esgota-se. Pode tornar-se insuficiente para a conservação da vida se não for renovada, pela absorção e assimilação das substâncias que o contêm.
O fluido vital transmite-se de um indivíduo para outro. Aquele que o tiver em maior porção pode dá-lo a quem o tenha a menos, e em certos casos prolongar a vida prestes a extinguir-se.
5.º CADERNO — O MUNDO DOS ESPÍRITOS
A segunda parte de «O Livro dos Espíritos» trata do chamado mundo espírita, ou dos espíritos. Nela, o codificador do espiritismo — Allan Kardec — procurou situar todos os assuntos que dizem respeito aos seres que habitam esse fascinante mundo, ou seja, os espíritos.
A contribuição desse estudo é de vital importância para a elucidação de inúmeras questões atinentes ao modo de vida que levaremos após deixarmos o corpo físico, as relações dos espíritos entre si e com os encarnados, a reencarnação, as ocupações dos espíritos, a hierarquia existente entre eles, etc.
Neste caderno deter-nos-emos a examinar os seguintes itens:
SUMÁRIO
«Os espíritos são os seres inteligentes da criação. Eles povoam o Universo, fora do mundo material.
Os espíritos são individualizações do princípio inteligente, como os corpos são individualizações do princípio material».
O nosso planeta começou a oferecer possibilidade de surgimento da vida quando as grandes convulsões telúricas se atenuaram.
É nos seres inferiores que o princípio espiritual se elabora, se individualiza pouco a pouco e ensaia para a vida.
As características gerais dos espíritos das três ordens são as seguintes:
Nos imperfeitos – predominância da matéria sobre o espírito; nos bons – predominância do espírito sobre a matéria; nos espíritos puros – nenhuma influência da matéria.
A existência de um elemento intermediário entre o espírito e o corpo físico é admitida desde a mais remota Antiguidade.
A união do espírito ao corpo físico dá-se no momento da concepção.
O perispírito é uma aquisição do espírito na sua longa marcha pelos caminhos da evolução biológica.
O perispírito é a matriz espiritual do corpo físico.
O perispírito é o sustentador das formas físicas dos seres vivos.
O perispírito retrata o nosso estado mental.
No mundo espiritual, o espírito age com maior liberdade, tendo as percepções que tinha quando encarnado e outras que o corpo físico não permite.
As sensações de frio ou calor que alguns espíritos dizem sentir é a lembrança do que sofreram durante a vida.
ANOTAÇÕES E INDICAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS:
- (1) Kardec, Allan – “O Livro dos Espíritos”, Questões: 43-44-45-79-93-100 a 113-244-249-540 – 1.ª edição – Edicel-Editora Cultural Espírita Lda.
- (2) Kardec, Allan – “A Génese”, Cap. XIV, n.º 7, 9 e 10. 18.ª edição (popular) Federação Espírita Brasileira.
- (3) Luiz, André – “Evolução em Dois Mundos”, psicografia de Francisco Cândido Xavier, 1.ª parte, Cap. II – 3.ª edição – Federação Espírita Brasileira.
- (4) Emmanuel – “Emmanuel”, psicografia de Francisco Cândido Xavier, pág. 127 – 7.ª edição – Federação Espírita Brasileira.
1. Origem e natureza dos espíritos
«Podemos dizer que os espíritos são os seres inteligentes da criação. Eles povoam o Universo, fora do mundo material». Esta é a definição dada pelos espíritos em resposta à questão n.º 76 de «O Livro dos Espíritos», seguindo-se breve comentário de Allan Kardec: «A palavra espírito é aqui empregada para designar os seres extracorpóreos e não mais o elemento inteligente universal».
«Os espíritos são individualizações do princípio inteligente, como os corpos são individualizações do princípio material; a época e a maneira dessa formação é que desconhecemos».
Podemos deduzir, dos ensinamentos acima, que a natureza do espírito não é a mesma da matéria. A posição da doutrina espírita é bem definida quanto à origem do espírito e da matéria. No capítulo 11, n.º 6, de «A Génese», ele desenvolve o seguinte raciocínio:
«O princípio espiritual teria a sua fonte no elemento cósmico universal? Não seria apenas uma transformação, um modo de existência deste elemento, como a luz, a electricidade, o calor, etc.?».
Se assim fosse, o princípio espiritual passaria pelas vicissitudes da matéria; extinguir-se-ia, pela desagregação, como o princípio vital; o ser inteligente só teria uma existência momentânea, como o corpo, e com a morte voltaria ao nada, ou – o que viria a dar no mesmo – ao Todo Universal. Seria, numa palavra, a sanção das doutrinas materialistas».
Sobre o que não paira a menor dúvida é acerca da união do princípio espiritual à matéria, e, em estágios mais avançados, já o espírito individualizado, que se serve da matéria como elemento indispensável ao seu progresso… «É assim que tudo serve, tudo se encadeia na natureza, desde o átomo primitivo até ao arcanjo, pois mesmo este último começou pelo átomo. Admirável lei de harmonia, de que o vosso espírito limitado ainda não pode abarcar o conjunto».
Nem todos os espíritos tiveram o seu início aqui na Terra. Todavia, o nosso planeta começou a oferecer a possibilidade de surgimento da vida quando as grandes convulsões telúricas se atenuaram, dando condições para que o princípio espiritual, em obediência aos ditames divinos, desse origem ao surgimento das formas mais rudimentares de vida. Daí para a frente, ao longo de milénios, a imensa cadeia de seres que existem, ou que existiram, estabeleceu-se, servindo cada espécie de filtro de transformismo para o espírito, na sua marcha ascensional no rumo da perfeição.
Pode parecer contraditório que, estudando o mundo dos espíritos, entremos em considerações sobre a vida na Terra. Todavia, ao tratarmos da origem e natureza dos espíritos, não poderíamos fazê-lo de outro modo, já que, tanto nas obras básicas, como noutras, de autores encarnados e desencarnados de reconhecido valor, e que demonstram profundo respeito pela doutrina, é enfatizada a marcha do espírito pelos escalões inferiores da natureza. Transcrevemos as questões n.º 607 e 607-a) de «O Livro dos Espíritos», para darmos uma ideia dessa posição. «Ficou dito que a alma do homem, na sua origem, se assemelha ao estado de infância da vida corpórea, que a sua inteligência apenas desponta, e que ela ensaia para a vida. Onde cumpre o espírito essa primeira fase? «Numa série de existências que precederam o período a que chamais de humanidade».
« – Parece, assim, que a alma teria sido o princípio inteligente dos seres inferiores da criação?
– Não dissemos que tudo se encadeia na natureza, e tende à unidade? É nesses seres, que estais longe de conhecer inteiramente, que o princípio inteligente se elabora, se individualiza pouco a pouco, e ensaia para a vida, como dissemos. É, de certa maneira, um trabalho preparatório, como o da germinação, a seguir ao qual o princípio inteligente sofre uma transformação, e se torna espírito. É então que começa para ele o período de humanidade, e com este a consciência do seu futuro, a distinção do bem e do mal e a responsabilidade dos seus actos. Como depois do período da infância vem o da adolescência, depois a juventude, e por fim a idade madura. Nada há, de resto, nessa origem, que deva humilhar o homem. Os grandes génios sentem-se humilhados por terem sido fetos informes no ventre materno? Se alguma coisa deve humilhá-los, é a sua inferioridade perante Deus, e a sua impotência para sondar a profundidade dos seus desígnios e a sabedoria das leis que regulam a harmonia do Universo. Reconhecei a grandiosidade de Deus nessa admirável harmonia que faz a solidariedade de todas as coisas da Natureza. Crer que Deus pudesse ter feito qualquer coisa sem objectivo, e criar seres inteligentes sem futuro, seria blasfemar contra a sua bondade, que se estende sobre todas as criaturas».
2. Perispírito
«Como a semente de um fruto é envolvida pelo perisperma, o espírito, propriamente dito, é revestido de um envoltório que, por comparação, se pode chamar perispírito».
«O perispírito, ou corpo fluídico dos espíritos, é um dos produtos mais importantes do fluido cósmico. É uma condensação deste fluido em torno de um foco inteligente, ou alma».
«Vimos que o corpo carnal tem igualmente a sua origem nesse mesmo fluido, transformado e condensado em matéria tangível. No perispírito, a transformação molecular opera-se de modo diferente, pois o fluido conserva a sua imponderabilidade e as suas qualidades etéreas. O corpo perispiritual e o corpo carnal têm, pois, a sua origem no mesmo elemento primitivo. Ambos são matéria, ainda que em dois estados diferentes».
a) Histórico
A existência de um elemento intermediário entre o espírito e o corpo físico é admitida desde a mais remota Antiguidade. No Egipto (5000 anos a. C.) já se acreditava na existência de um corpo para o espírito, denominado kha. Na Índia, no “Rig-Veda”, livro sagrado dos vedas, encontramos referências ao perispírito, com o nome de linga-sharira. Para Confúcio era o «corpo aeriforme». Na Grécia, os filósofos adoptavam uma variada nomenclatura para defini-lo: «veículo leve», «corpo luminoso», «carro subtil da alma». Paracelso chamou-lhe corpo astral, ou evestrum. Leibnitz denominava-o de «corpo fluídico». Paulo de Tarso refere-se ao perispírito nas suas epístolas, chamando-lhe corpo espiritual, ou corpo incorruptível. Modernamente, como consequência de algumas deduções evidentes a favor da sua existência por parte de alguns cientistas, o perispírito é chamado modelo organizador biológico (MOB), corpo bioplasmático, etc.
b) Natureza e propriedades
«A natureza do envoltório fluídico está sempre em relação com o grau de adiantamento moral do espírito. … Alguns há, portanto, cujo envoltório fluídico, se bem que etéreo e imponderável em relação à matéria tangível, ainda é por demais pesado, se assim nos podemos exprimir, em relação ao mundo espiritual, para não permitir que eles saiam do meio que lhes é próprio. Nessa categoria devem ser incluídos aqueles cujo perispírito é tão grosseiro que eles o confundem com o corpo carnal, razão por que continuam a crer-se vivos. Esses espíritos, cujo número é avultado, permanecem na superfície da Terra, como os encarnados, julgando-se entregues às suas ocupações terrenas. Outros, um pouco mais desmaterializados, não o são, contudo, suficientemente para se elevarem acima das regiões terrestres».
… «O envoltório perispirítico de um espírito modifica-se com o progresso moral que este realiza em cada encarnação, embora ele encarne no mesmo meio; … os espíritos superiores, encarnando, excepcionalmente, em missão, num mundo inferior, têm um perispírito menos grosseiro do que o dos indígenas desse mundo».
Sabemos que a união do espírito (espírito mais perispírito) ao corpo físico tem início no momento da concepção. Essa ligação permite que o perispírito se constitua numa verdadeira matriz espiritual, orientando o desenvolvimento do futuro ser. É o espírito Emmanuel quem nos diz: «… e espanta ao embriologista a lei organogenética que estabelece a ideia directora do desenvolvimento fetal, desde a união do espermatozóide ao óvulo, especificando os elementos amorfos do protoplasma; nos domínios da vida, essa ideia directriz conserva-se inacessível até hoje aos nossos processos de indagação e análise, porquanto esse desenho invisível não está subordinado a nenhuma determinação físico-química, porém, unicamente ao corpo espiritual preexistente, em cujo molde se realizam todas as acções plásticas da organização, e sob cuja influência se efectuam todos os fenómenos endosmóticos».
Um estudo profundo do perispírito, seguindo-se ao trabalho magistral da codificação kardequiana, é desenvolvido por Gabriel Delanne no seu livro «A Evolução Anímica», publicado em 1885. Apesar do avanço dos conhecimentos científicos, podemos observar que as modernas pesquisas nada mais têm feito do que comprovar o valor da referida obra em relação a tão palpitante tema. É nesse livro que encontramos referência às dúvidas e argumentos do notável fisiologista francês Claude Bernard, ao examinar o desenvolvimento celular, o embrião e o ser já formado. «O que diz essencialmente com o domínio da vida, e não pertence à química, nem à física, nem ao que mais possamos imaginar, é a ideia directriz dessa actuação vital. Em todo o germe vivo há uma ideia dirigente, a manifestar-se e a desenvolver-se na sua organização. Depois, no curso de toda a sua vida, o ser permanece sob a influência dessa força criadora, até que morre, quando ela não se pode efectivar. É sempre o mesmo princípio de conservação do ser que lhe reconstitui as partes vivas, desorganizadas pelo exercício, por acidentes ou enfermidades». O ilustre fisiologista, contemporâneo de Kardec, não fala em perispírito, mas imagina a sua existência, quando fala de uma ideia directriz e desenho ideal de um organismo ainda invisível.
No estudo da referida obra de Gabriel Delanne fica evidenciado que o perispírito é uma aquisição do espírito na sua longa marcha pelos caminhos desta evolução biológica. Essa evolução está claramente definida no capítulo XI da Segunda parte de «O Livro dos Espíritos» e vem completar-se com o trabalho dos grandes naturalistas do século XIX, de entre os quais se destaca a figura de Charles Darwin, cujo trabalho principal, «A Origem das Espécies», foi publicado em 1859, dois anos após a publicação de «O Livro dos Espíritos».
O conhecimento do perispírito faz luz sobre vários pontos obscuros da referida obra, que, apesar de notável, analisa a evolução do ponto de vista simplesmente material, deixando de lado o elemento mais importante no mecanismo da vida, ou seja, o espírito, para o qual as formas vivas são apenas filtros de transformismo, tendo em vista a sua superior finalidade.
Para finalizar, citamos algumas propriedades do perispírito, entre tantas, por certo, que não podemos ainda compreender.
1. Matriz espiritual do corpo físico
Pela revelação, ficamos a saber que a união do espírito ao corpo se opera no momento da concepção, portanto, quando se forma a célula ovo. Pelo raciocínio somos levados a concluir que apenas os elementos constitutivos dos cromossomas, ou seja, o ácido desoxirribonucleico (ADN), ácido ribonucleico (ARN) e proteínas seriam insuficientes para desencadearem o maravilhoso fenómeno da vida. É necessária a presença da ideia directriz de Claude Bernard, para nós o perispírito, orientando e disciplinando o desenvolvimento celular.
2. Sustentador das formas físicas dos seres vivos
Sabemos que a renovação celular é uma constante em todos os seres vivos. No caso da espécie humana, ao cabo de mais ou menos oito anos, há uma renovação total das células, exceptuando as células nervosas ou neurónios. Como entender-se que persista a fixidez da espécie, a memória e os demais actos necessários à actividade vital, diante de tão surpreendente renovação? Graças, claro, à acção directiva do perispírito, que não só orienta a formação do ser como sustenta a sua forma, até que ocorra a desencarnação.
3. Retrata o nosso estado mental
Por ser um organismo estruturado num outro espaço, sofre, decisivamente, a acção da nossa mente, definindo a nossa posição no concerto evolutivo. Após a morte do corpo físico, de acordo com o seu peso específico, gravitaremos até às regiões afins com o nosso modo de ser.
4. Papel na mediunidade
No mecanismo da mediunidade é fundamental a acção do perispírito, seja pela capacidade de exteriorização que os médiuns possuem, seja pela combinação do fluido perispiritual do médium com o fluido perispiritual dos espíritos.
3. Diferentes ordens de espíritos
«Observações preliminares — A classificação dos espíritos baseia-se no grau de adiantamento deles, nas qualidades que já adquiriram e nas imperfeições de que ainda terão de despojar-se. Esta classificação, aliás, nada tem de absoluta. Apenas no seu conjunto cada categoria apresenta carácter definido. De um grau a outro a transição é insensível e, nos limites extremos, os matizes apagam-se, como nos reinos da natureza, como nas cores do arco-íris, ou também como nos diferentes períodos da vida do homem…
Os espíritos, em geral, admitem três categorias principais, ou três grandes divisões. Na última, a que fica na parte inferior da escala, estão os espíritos imperfeitos, caracterizados pela predominância da matéria sobre o espírito e pela propensão para o mal. Os da segunda caracterizam-se pela predominância do espírito sobre a matéria e pelo desejo do bem: são os bons espíritos. A primeira, finalmente, compreende os espíritos puros, os que atingiram o grau supremo da perfeição.
«Esta divisão pareceu-nos perfeitamente racional e com caracteres bem positivados. Só nos restava pôr em relevo, mediante subdivisões em número suficiente, os principais matizes do conjunto.
«Com o auxílio desse quadro, fácil será determinar a ordem, assim como o grau de superioridade ou de inferioridade dos que possam entrar em relações connosco e, por conseguinte, o grau de confiança ou de estima que mereçam. É, de certo modo, a chave da ciência espírita, porquanto só ele pode explicar as anomalias que as comunicações apresentam, esclarecendo-nos acerca das desigualdades intelectuais e morais dos espíritos.
TERCEIRA ORDEM – ESPÍRITOS IMPERFEITOS
«Caracteres gerais – Predominância da matéria sobre o espírito. Propensão para o mal. Ignorância, orgulho, egoísmo e todas as paixões que lhes são consequentes.
«Têm a intuição de Deus, mas não o compreendem.
«Nem todos são essencialmente maus. Em alguns há mais leviandade, irreflexão e malícia do que verdadeira maldade. Alguns não fazem o bem nem o mal, mas, pelo simples facto de não fazerem o bem, já denotam a sua inferioridade. Outros, ao contrário, comprazem-se no mal, e rejubilam quando uma ocasião se lhes depara de praticá-lo.
«… Seja, porém, qual for o grau que tenham alcançado de desenvolvimento intelectual, as suas ideias são pouco elevadas e mais ou menos abjectos os seus sentimentos.
«… Todo o espírito que, nas suas comunicações, trai um mau pensamento pode ser classificado na terceira ordem.
«Podem compor cinco classes principais:
«Décima classe – espíritos impuros – São inclinados ao mal, de que fazem o objecto das suas preocupações. Como espíritos, dão conselhos pérfidos, sopram a discórdia e a desconfiança e mascaram-se de todas as maneiras para melhor enganar. Ligam-se aos homens de carácter bastante fraco para cederem às suas sugestões, a fim de induzi-los à perdição, satisfeitos por conseguirem retardar-lhes o adiantamento, fazendo-os sucumbir nas provas por que passam.
«Nas manifestações, dão-se a conhecer pela linguagem. A trivialidade e a grosseria das expressões, nos espíritos como nos homens, é sempre indício de inferioridade moral, senão também intelectual. As suas comunicações exprimem a baixeza dos seus pendores e, se tentam iludir, falando com sensatez, não conseguem sustentar por muito tempo esse papel, e acabam sempre por se traírem.
«Quando encarnados, os seres vivos que eles constituem mostram-se propensos a todos os vícios geradores das paixões vis e degradantes: a sensualidade, a crueldade, a felonia, a hipocrisia, a cupidez, a avareza sórdida. Fazem o mal por prazer, as mais das vezes sem motivo e, por ódio ao bem, quase sempre escolhem as suas vítimas entre as pessoas honestas.
«Nona classe – espíritos levianos – São ignorantes, maliciosos, irreflectidos e zombeteiros. Metem-se em tudo, a tudo respondem, sem se incomodarem com a verdade. Gostam de causar pequenos desgostos e ligeiras alegrias, de intrigar, de induzir maldosamente em erro, por meio de mistificações e de espertezas. A esta classe pertencem os espíritos vulgarmente tratados por duendes, trasgos, gnomos, diabretes. Acham-se sob a dependência dos espíritos superiores, que muitas vezes os empregam, como fazemos com os nossos servidores.
RESUMO DA ESCALA ESPÍRITA
Ordem |
Características gerais |
Classe |
Denominação |
Características particulares |
Terceira Espíritos imperfeitos |
Predominância da matéria sobre o espírito |
|
|
|
10.ª |
Impuros |
Inclinados ao mal. |
||
9.ª |
Levianos |
Ignorantes, maliciosos, irreflectidos, zombeteiros. |
||
8.ª |
Pseudo-sábios |
Conhecimentos amplos. Não sabem o que julgam saber. |
||
7.ª |
Neutros |
Inércia: não fazem bem nem mal. |
||
6.ª |
Batedores/ perturbadores |
Manifestam-se pela mediunidade de efeitos físicos. |
||
Segunda Bons espíritos |
Predominância do espírito sobre a matéria |
5.ª |
Benévolos |
A bondade é a qualidade dominante. |
4.ª |
Sábios |
Conhecimentos muito amplos e esclarecidos. |
||
3.ª |
De sabedoria |
Qualidades morais elevadas. |
||
2.ª |
Superiores |
Sabedoria, ciência e bondade. |
||
Terceira Espíritos puros |
Nenhuma influência da matéria |
1.ª |
Espíritos puros |
Superioridade intelectual e moral absoluta |
«Nas suas comunicações com os homens, a linguagem de que se servem é, amiúde, espirituosa e faceta, mas quase sempre sem profundeza de ideias. Aproveitam-se das esquisitices e dos ridículos humanos e apreciam-nos, mordazes e satíricos. Se tomam nomes supostos, é mais por malícia do que por maldade.
«Oitava classe – espíritos pseudo-sábios – Dispõem de conhecimentos bastante amplos, porém, crêem saber mais do que realmente sabem. Tendo realizado alguns progressos, sob diversos pontos de vista, a linguagem deles aparenta um cunho de seriedade, de natureza a iludir, no que diz respeito às suas capacidades e luzes. Mas, em geral, isso não passa do reflexo dos preconceitos e ideias sistemáticas que nutriam na vida terrena. É uma mistura de algumas verdades com os erros mais profundos, através dos quais penetram a presunção, o orgulho, o ciúme e a obstinação, de que ainda não puderam despir-se.
«Sétima classe – espíritos neutros – Nem bastante bons para fazerem o bem, nem bastante maus para fazerem o mal. Pendem tanto para um como para o outro e não ultrapassam a condição comum da humanidade, quer no que concerne à moral quer no que toca à inteligência. Apegam-se às coisas deste mundo, de cujas grosseiras alegrias sentem saudades.
«Sexta classe – espíritos batedores e perturbadores – Estes espíritos, propriamente falando, não formam uma classe distinta pelas suas qualidades pessoais. Podem caber em todas as classes da terceira ordem. Manifestam geralmente a sua presença por efeitos sensíveis e físicos, como pancadas, movimento e deslocamento anormal de corpos sólidos, agitação do ar, etc. Parecem ser os agentes principais das vicissitudes dos elementos do globo, quer actuem sobre o ar, a água, o fogo, os corpos duros, quer nas entranhas da terra.
Reconhece-se que esses fenómenos não derivam de uma causa fortuita, ou física, quando denotam carácter intencional e inteligente. Todos os espíritos podem produzir tais fenómenos, mas os de ordem elevada deixam-nos, de ordinário, como atribuições dos subalternos, mais aptos para as coisas materiais do que para as da inteligência; quando julgam úteis as manifestações desse género, lançam mão destes últimos como seus auxiliares.
SEGUNDA ORDEM – BONS ESPÍRITOS
«Caracteres gerais – Predominância do espírito sobre a matéria; desejo do bem. As suas qualidades e poderes para o bem estão em relação com o grau de adiantamento que hajam alcançado; uns têm a ciência, outros a sabedoria e a bondade. Os mais adiantados reúnem o saber às qualidades morais. Não estando ainda completamente desmaterializados, conservam mais ou menos, conforme a categoria que ocupem, os traços da existência corporal, assim na forma da linguagem como nos hábitos, entre os quais se descobrem mesmo algumas das suas manias. De outro modo, seriam espíritos perfeitos.
«Compreendem Deus e o infinito, e já gozam da felicidade dos bons. São felizes pelo bem que fazem e pelo mal que impedem…
«Como espíritos, suscitam bons pensamentos, desviam os homens da senda do mal, protegem na vida os que se lhes mostram dignos de protecção e neutralizam a influência dos espíritos imperfeitos sobre aqueles a quem não é grato sofrê-la.
«Quando encarnados, são bondosos e benevolentes com os seus semelhantes. Não os move o orgulho, nem o egoísmo ou a ambição. Não experimentam ódio, rancor, inveja ou ciúme, e fazem o bem pelo bem…
«Podem ser divididos em quatro grupos principais:
«Quinta classe – espíritos benévolos – A bondade é neles a qualidade dominante. Apraz-lhes prestar serviço aos homens e protegê-los. Limitados, porém, são os seus conhecimentos.
«Quarta classe – espíritos sábios – Distinguem-se pela amplitude dos seus conhecimentos. Preocupam-se menos com as questões morais do que com as de natureza científica, para as quais têm maior aptidão. Entretanto, só encaram a ciência do ponto de vista da sua utilidade, e jamais dominados por quaisquer paixões próprias dos espíritos imperfeitos.
«Terceira classe – espíritos de sabedoria – As qualidades morais da ordem mais elevada são o que os caracteriza. Sem possuírem ilimitados conhecimentos, são dotados de uma capacidade intelectual que lhes faculta juízo recto sobre os homens e as coisas.
«Segunda classe – espíritos superiores – Esses reúnem em si a ciência, a sabedoria e a bondade. A linguagem que empregam exala sempre a benevolência; é uma linguagem invariavelmente digna, elevada e, muitas vezes, sublime. A sua superioridade torna-os mais aptos do que os outros a darem-nos noções exactas sobre as coisas do mundo incorpóreo, dentro dos limites do que é permitido ao homem saber. Comunicam-se, complacentemente, com os que procuram de boa-fé a verdade e cuja alma já está bastante desprendida das ligações terrenas para compreendê-la. Afastam-se, porém, daqueles a quem só a curiosidade impele, ou que, por influência da matéria, fogem à prática do bem.
«Quando, por excepção, encarnam na Terra, é para cumprir missão de progresso, e então oferecem-nos o tipo de perfeição a que a humanidade pode aspirar neste mundo.
PRIMEIRA ORDEM – ESPÍRITOS PUROS
«Caracteres gerais – Nenhuma influência da matéria. Superioridade intelectual e moral absolutas, em relação aos espíritos de outras ordens.
«Primeira classe – classe única – Os espíritos que a compõem percorreram todos os graus da escala e despojaram-se de todas as impurezas da matéria. Tendo alcançado a soma de perfeição de que é susceptível a criatura, não têm mais que sofrer provas, nem expiações. Não estando mais sujeitos à reencarnação em corpos perecíveis, realizam a vida eterna no seio de Deus.
«Gozam de inalterável felicidade, porque não se acham submetidos às necessidades, nem às vicissitudes da vida material. Essa felicidade, porém, não é a da ociosidade monótona, a transcorrer em perpétua contemplação. Eles são os mensageiros e os ministros de Deus, cujas ordens executam para a manutenção da harmonia universal… Assistir os homens nas suas aflições, concitá-los ao bem ou à expiação das faltas, que os conservam distanciados da suprema felicidade, constitui para eles ocupação gratíssima. São designados, às vezes, pelo nome de anjos, arcanjos ou serafins.»
Apresentamos o quadro sinóptico da escala espírita na página seguinte.
. Percepções, sensações e sofrimentos dos espíritos
No mundo espiritual o espírito age com maior liberdade, conservando as percepções que tinha quando encarnado, e tendo outras que o corpo físico não lhe permite. Não queremos dizer com isso que o espírito, pelo simples facto de passar para o mundo espiritual, sofra profundas transformações no seu modo de ser e de agir, mas apenas que o corpo físico actua como um véu e limita as suas possibilidades.
Em relação ao conhecimento, ele é proporcional ao nível de evolução de cada um. Os espíritos inferiores não sabem mais do que os homens. A ideia que fazem do princípio das coisas, do passado e do futuro, varia de acordo com o grau de elevação de cada espírito. O mesmo ocorre em relação à compreensão de Deus: «Os espíritos superiores vêem-no e compreendem-no; os espíritos inferiores sentem-no e adivinham-no».
A vista dos espíritos não é circunscrita, como nos seres corpóreos, constituindo-se numa faculdade geral. Aqueles que, todavia, ainda se encontram presos mentalmente aos quadros da vida material, continuarão a ter limitadas as suas percepções visuais, como se ainda estivessem no plano físico.
«Todas as percepções são atributos do espírito, e fazem parte do seu ser. Quando ele se reveste de um corpo material, elas manifestam-se pelos meios orgânicos; mas no estado de liberdade já não estão localizadas».
Em relação à música e às belezas naturais, prevalece ainda a posição evolutiva do espírito na apreciação das mesmas. Esclarecem-nos os espíritos que a música celeste não pode ser comparada à nossa música.
Comunicando-se connosco, alguns espíritos dizem sentir fadiga, necessidade de repouso, frio ou calor.
Nas questões n.º 254 e 255 de «O Livro dos Espíritos» encontramos a explicação:
«Não podem sentir fadiga como a entendeis, e portanto não necessitam do repouso corporal, pois não possuem órgãos, em que as forças tenham de ser restauradas. Mas o espírito repousa, no sentido de não permanecer numa actividade constante. Ele não age de maneira material porque a sua acção é toda intelectual, e o seu repouso é todo moral. Há momentos em que o seu pensamento diminui de actividade e não se dirige a um objecto determinado; este é um verdadeiro repouso, mas não se pode compará-lo ao do corpo. A espécie de fadiga que os espíritos podem provar está na razão da sua inferioridade, pois quanto mais se elevam de menos repouso necessitam».
Em relação às sensações de frio ou calor o que existe é «a lembrança do que sofreram durante a vida, e algumas vezes tão penosa como a própria realidade. Frequentemente, é uma comparação que fazem, para exprimirem a sua situação. Quando se lembram do corpo experimentam uma espécie de impressão, como quando se tira uma capa e algum tempo depois ainda se pensa estar com ela».
Na questão n.º 257 de «O Livro dos Espíritos» Allan Kardec apresenta um «ensaio teórico sobre a sensação nos espíritos». Recomendando a consulta do estudo aludido, transcrevemos aqui um trecho do mesmo, que julgamos importante para resumir o que atrás já foi dito: «Vemos, pois, as deduções que podemos tirar dos factos, quando atentamente observados. Durante a vida, o corpo recebe as impressões exteriores e transmite-as ao espírito, por intermédio do perispírito, que constitui, provavelmente, o que se costuma chamar fluido nervoso. O corpo, estando morto, não sente mais nada, porque não possui espírito nem perispírito. O espírito, desligado do corpo, experimenta a sensação, mas como esta não lhe chega por um canal limitado torna-se geral. Como o perispírito é apenas um agente de transmissão, pois é o espírito que possui a consciência, deduz-se que se pudesse existir perispírito sem espírito ele não sentiria mais do que um corpo morto. Da mesma maneira, se um espírito não tivesse perispírito seria inacessível a todas as sensações penosas: é o que acontece com os espíritos completamente purificados. Sabemos que quanto mais o espírito se purifica mais eterizada se torna a essência do perispírito, de maneira que a influência material diminui à medida que o espírito progride, ou seja, à medida que o perispírito se torna menos grosseiro».
6.º CADERNO — DA PLURALIDADE DAS EXISTÊNCIAS
Os espíritos que seguem o caminho do bem nem por isso são espíritos perfeitos… precisam adquirir a experiência e os conhecimentos indispensáveis…
SUMÁRIO
1. OBJECTIVO DA ENCARNAÇÃO
Deus impõe aos espíritos a encarnação, com o objectivo de os fazer chegar à perfeição e colaborar, na parte que lhes toca, na obra da criação. Todos os espíritos são criados simples e ignorantes e instruem-se nas lutas e tribulações da vida corporal.
Os anjos, arcanjos, querubins, serafins são a representação, para os homens, daquelas almas que, pelo seu esforço, já atingiram a elevação espiritual. Os espíritos que seguem o caminho do bem nem por isso são espíritos perfeitos… precisam adquirir a experiência e os conhecimentos indispensáveis para alcançar a perfeição.
Os espíritos não podem conservar-se eternamente nas ordens inferiores, embora dependendo deles o progredirem mais ou menos rapidamente em busca da perfeição. Podem permanecer estacionários durante algum tempo, porém não retrogradam.
A encarnação é necessária para o duplo progresso – moral e intelectual – do espírito.
Uma só existência corporal é insuficiente para o espírito adquirir todo o bem que lhe falta e eliminar o mal que lhe sobra. Deus concede ao espírito tantas encarnações quantas as necessárias para ele atingir a perfeição.
Com a pluralidade das existências explica o homem todas as aparentes anomalias da vida humana; as diferenças sociais; as mortes permaturas; a desigualdade de aptidões intelectuais e morais. Desaparecem os preconceitos de raça e de casta, pois o mesmo espírito pode tornar a nascer rico ou pobre, capitalista ou proletário, chefe ou subordinado, livre ou escravo, homem ou mulher.
A reencarnação é um processo de aperfeiçoamento espiritual. Não há experiência reencarnatória sem motivo.
O pensamento reencarnacionista está inscrito na oração: Nascer, morrer, renascer ainda, progredir sempre, tal é a lei.
Os espíritos melhoram-se evitando o mal e praticando o bem.
2. REENCARNAÇÃO
2.1. JUSTIÇA DA REENCARNAÇÃO
A reencarnação é a única forma racional por que se pode admitir a reparação das faltas cometidas e a evolução gradual dos seres.
Todos os espíritos tendem para a perfeição, e Deus lhes faculta os meios de alcançá-la, proporcionando-lhes as provações da vida corporal.
Se a sorte do homem se fixasse irrevogavelmente depois da morte, não seria uma única a balança em que Deus pesa as acções de todas as criaturas e não haveria imparcialidade no tratamento que a todas dispensa.
A doutrina da reencarnação é a única que corresponde à ideia que formamos da justiça de Deus para com os homens que se acham em condição moral inferior; a única que pode explicar o futuro e firmar as nossas esperanças, pois oferece-nos os meios de resgatarmos os nossos erros, por novas provações. A razão no-la indica e os espíritos a ensinam.
2.2. REENCARNAÇÃO E RESSURREIÇÃO
A reencarnação fazia parte dos dogmas dos judeus, sob o nome de ressurreição. Criam eles que um homem que vivera podia reviver, sem saberem precisamente de que maneira o facto poderia dar-se.
A ressurreição dá ideia de voltar à vida o corpo que já está morto, o que a ciência demonstra ser materialmente impossível. A reencarnação é a volta da alma, ou espírito, à vida corpórea, mas noutro corpo, especialmente formado para ele, e que nada tem de comum com o antigo. A ressurreição podia ser aplicada a Lázaro, mas não a Elias, nem aos outros profetas.
2.3. REENCARNAÇÃO E METEMPSICOSE
O espírito não pode encarnar num corpo de animal, como entende a doutrina da metempsicose, pois isso seria retrogradar, e o espírito não retrograda. É falsa a ideia da metempsicose no sentido da transmigração directa da alma do animal para o homem, e reciprocamente, o que implicaria a ideia de uma retrogradação.
A reencarnação funda-se na marcha ascendente da natureza e na progressão do homem, dentro da sua própria espécie, o que em nada lhe diminui a dignidade.
Emmanuel explica que a doutrina da metempsicose surgiu com os egípcios, como reminiscência do seu doloroso degredo na face obscura do mundo terreno.
Pitágoras foi o primeiro personagem que introduziu na Grécia a doutrina dos renascimentos da alma. Ele tinha duas doutrinas: a reservada aos iniciados, que frequentavam os mistérios, e outra destinada ao povo, que deu nascimento ao erro da metempsicose.
2.4. REVISÃO HISTÓRICA SOBRE A TEORIA DAS VIDAS SUCESSIVAS
A doutrina das vidas sucessivas, ou reencarnação, é também chamada palingenesia, de duas palavras gregas – palin, de novo, e genesis, nascimento.
Foi formulada nos albores da civilização, na Índia. Os povos da Ásia e da Grécia acreditaram na imortalidade da alma e procuravam saber se fora criada no momento do nascimento ou se existia antes.
Nos Vedas e no Bhagavad Gita encontram-se citações sobre a pluralidade das vidas. A religião da Pérsia, o mazdeísmo, apresentava uma concepção muito elevada, a da redenção final, após várias provas expiatórias.
Platão apresenta, no Fedon, a teoria das vidas sucessivas, na afirmação “aprender é recordar”.
A escola neo-platónica de Alexandria, com Plotino, Porfírio e Jâmblico, ensinava a reencarnação.
Os romanos, através de Virgílio e Ovídio, falam das vidas sucessivas.
Os gauleses praticavam a religião dos druidas e acreditavam na unidade de Deus e nas vidas sucessivas.
Descartes, Leibnitz e Kant tiveram certa intuição dessa doutrina.
O bramanismo, o budismo, o druidismo, o islamismo baseiam-se na crença das vidas sucessivas.
O cristianismo primitivo não abriu excepção à regra. Orígenes, Clemente de Alexandria e a maior parte dos cristãos dos primeiros séculos admitiam a doutrina da palingenesia.
2.5. A REENCARNAÇÃO NA BÍBLIA E NOS EVANGELHOS
A ideia das vidas anteriores era geralmente admitida entre os hebreus.
A Bíblia e os Evangelhos apresentam inúmeras citações que indicam a doutrina das vidas sucessivas.
Isaías, cap. XXVI, v.19: “Aqueles do vosso povo a quem a morte foi dada viverão de novo; aqueles que estavam mortos em meio a mim ressuscitarão”.
Job, cap. XIV, v.10 a 14: “Quando o homem está morto, vive sempre; acabando os dias da minha existência terrestre, esperarei, porquanto a ela voltarei de novo”.
S. Mateus, cap. XVI, v.13 a 17 – S. Marcos, cap. VIII, v. 27 a 30: “… porque uns diziam que João Baptista ressuscitara dentre os mortos; outros que aparecera Elias; e outros que um dos antigos profetas ressuscitara…”.
S. Mateus, cap. XVII, v.10 a 13; S. Marcos, cap. IX, v.11 a 13: “… É verdade que Elias há-de vir e restabelecer todas as coisas, mas eu vos declaro que Elias já veio e eles não o conheceram e o trataram como lhes aprouve… Então seus discípulos compreenderam que fora de João Baptista que ele falara”.
S. João, cap. III, v.1 a 12: “… Jesus lhe respondeu: “Em verdade, em verdade, digo-te, ninguém pode ver o reino de Deus se não nascer de novo”.
Disse-lhe Nicodemos: “Como pode nascer um homem já velho? Pode tornar a entrar no ventre de sua mãe, para nascer segunda vez?”. Retorquiu-lhe Jesus: … “Não te admires de que eu te haja dito ser preciso que nasças de novo”…
Respondeu-lhe Nicodemos: “Como pode isso fazer-se?”. Jesus lhe observou: “Pois quê! És mestre em Israel e ignoras estas coisas?”…
Esta última observação de Jesus demonstra que a reencarnação era ensinada aos intelectuais da época.
Existiam ensinos secretos, reservados aos iniciados, que foram compilados nas diferentes obras dos hebreus e que constituem a Cabala.
Sob o nome de ressurreição, era a reencarnação ponto de uma das crenças fundamentais dos judeus.
Sem o princípio da preexistência da alma e da pluralidade das existências são ininteligíveis, na sua maioria, as máximas do Evangelho. Somente o princípio da reencarnação dará a essas máximas o sentido verdadeiro.
2.6. REENCARNAÇÃO E EVOLUÇÃO ANÍMICA
O princípio inteligente, distinto do princípio material, individualiza-se e elabora-se, passando pelos diversos graus da animalidade. É aí que a alma ensaia para a vida e desenvolve, pelo exercício, as suas primeiras faculdades. Chegada ao grau de desenvolvimento que esse estado comporta, ela recebe as faculdades especiais que constituem a alma humana.
O que constitui o homem espiritual não é a sua origem são os atributos especiais de que ele se apresenta dotado ao entrar na humanidade. Por haver passado pela fieira da animalidade, o homem não deixaria de ser homem; já não seria animal, como o fruto não é a raiz, como o sábio não é o feto informe que o pôs no mundo.
Uma cadeia ascendente e contínua liga todas as criações, o mineral ao vegetal, o vegetal ao animal, e este ao ente humano…
A alma elabora-se no seio dos organismos rudimentares. No animal está apenas em estado embrionário; no homem adquire conhecimento e não mais pode retrogradar.
A finalidade da alma é o desenvolvimento de todas as faculdades a ela inerentes. Para consegui-lo, ela é obrigada a encarnar grande número de vezes na Terra, a fim de acendrar as suas faculdades morais e intelectuais. É mediante uma evolução ininterrupta, a partir das formas de vida mais rudimentares, até à condição humana, que o princípio pensante conquista, lentamente, a sua individualidade. Chegado a esse estágio, cumpre-lhe fazer eclodir a sua espiritualidade, dominando os instintos remanescentes da sua passagem pelas formas inferiores, a fim de elevar-se, na série das transformações, para destinos sempre mais altos.
2.7. REENCARNAÇÃO E EVOLUÇÃO DO HOMEM
À medida que o espírito se purifica, o corpo que o reveste aproxima-se igualmente da natureza espírita. Torna-se-lhe menos densa a matéria… menos grosseiras se lhe fazem as necessidades físicas.
Da purificação do espírito decorre o aperfeiçoamento moral para os seres que eles constituem, quando encarnados.
Quanto menos material o corpo, menos sujeito às vicissitudes que o desorganizam. Quanto mais puro o espírito, menos paixões a miná-lo.
3. DA VOLTA DO ESPÍRITO, EXTINTA A VIDA CORPORAL, À VIDA ESPIRITUAL
No intervalo das existências corporais o espírito torna a entrar no mundo espiritual. Aí é feliz ou desgraçado, conforme o bem ou o mal que fez.
O estado corporal é transitório e passageiro. O estado espiritual é o estado definitivo do espírito. É neste estado, sobretudo, que o espírito colhe os frutos do progresso realizado pelo trabalho da encarnação.
A situação da alma, depois da morte, é regida por uma lei de justiça infalível, segundo a qual os seres se encontram em condições de existência que são rigorosamente determinadas pelo seu grau evolutivo e pelos esforços que faz para melhorar.
A morte do corpo físico é que determina a partida do espírito, não é a partida do espírito que causa a morte do corpo. Por um efeito contrário, a união do perispírito e da matéria carnal, que se efectuara sob a influência do princípio vital do gérmen, cessa desde que esse princípio deixa de actuar, em consequência da desorganização do corpo.
Essa separação pode ser rápida, fácil, suave e insensível ou poderá ser lenta, laboriosa, horrivelmente penosa, conforme o estado moral do espírito.
Durante a vida, o espírito está preso ao corpo pelo seu perispírito. A morte é a destruição do corpo, somente, não a desse outro invólucro, que do corpo se separa quando cessa neste a vida orgânica.
A actividade intelectual e moral, a elevação dos pensamentos operam um começo de desprendimento, mesmo durante a vida do corpo.
Na agonia, a alma, algumas vezes, já tem deixado o corpo; nada mais há que a vida orgânica.
Por ocasião da morte, tudo, a princípio, é confuso. De algum tempo precisa a alma para entrar no conhecimento de si mesma. A lucidez das ideias e a memória do passado lhe voltam à medida que se apaga a influência da matéria que ela acaba de abandonar.
Muito variável é o tempo que dura a perturbação que se segue à morte.
A perturbação que se segue à morte nada tem de penosa para o homem de bem; para aquele cuja consciência ainda não está pura, a perturbação é cheia de ansiedade e de angústias, que aumentam à medida que ele da sua situação se compenetra.
A alma desencarnada procura, naturalmente, as actividades que lhe eram predilectas nos círculos da vida material.
O homem desencarnado procura, ansiosamente, no espaço, as aglomerações afins com o seu pensamento, de modo a continuar o mesmo género de vida abandonado na Terra. Daí a necessidade de encararmos todas as nossas actividades no mundo como tarefa de preparação para a vida espiritual, sendo indispensável à nossa felicidade, além do sepulcro, que tenhamos um coração sempre puro.
O conhecimento do espiritismo grande influência tem na duração mais ou menos longa da perturbação espiritual após a morte, pois o espírito já antecipadamente compreendia a sua situação. Mas a prática do bem e a consciência pura são o que maior influência exercem.
ANOTAÇÕES E INDICAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS:
- (1) AMORIM, Deolindo – O ESPIRITISMO E AS DOUTRINAS ESPIRITUALISTAS, Cap. VI, 3.ª edição, Livraria Ghignone Editora.
- (2) DELANNE, Gabriel – A REENCARNAÇÃO, Cap. I e XIV, edição da Federação Espírita Brasileira.
- (3) DELANNE, Gabriel – A EVOLUÇÃO ANÍMICA, Introdução, 4.ª Edição da Federação Espírita Brasileira.
- (4) DENIS, León – DEPOIS DA MORTE, Parte Segunda, XI – 8.ª edição da Federação Espírita Brasileira.
- (5) DENIS, León – O PROBLEMA DO SER, DO DESTINO E DA DOR, Segunda Parte, Cap. XIII e XVII, 11.ª edição da Federação Espírita Brasileira.
- (6) DENIS, León – O ALÉM E A SOBREVIVÊNCIA DO SER, “Estudos sobre a reencarnação ou as vidas sucessivas”, 3.ª edição da Federação Espírita Brasileira.
- (7) EMMANUEL – A CAMINHO DA LUZ, psicografia de Francisco Cândido Xavier, Cap. III, 4.ª edição da Federação Espírita Brasileira.
- (8) EMMANUEL – O CONSOLADOR, psicografia de Francisco Cândido Xavier, questão n.º 148, 4.ª edição da Federação Espírita Brasileira.
- (9) KARDEC, Allan – O LIVRO DOS ESPÍRITOS, Parte Segunda, Cap. II e Cap. XI, 44.ª edição da Federação Espírita Brasileira.
- (10) KARDEC, Allan – O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO, Cap. IV, 77.ª edição da Federação Espírita Brasileira.
- (11) KARDEC, Allan – O CÉU E O INFERNO, 1.ª Parte, Cap. III, 23.ª edição (popular) da Federação Espírita Brasileira.
- (12) KARDEC, Allan – A GÉNESE, Cap. I e XI, 19.ª Edição (popular) da Federação Espírita Brasileira.
- (13) MELO, Mário Cavalcanti de e IMBASSAHY, Carlos – REENCARNAÇÃO E SUAS PROVAS, Primeira Parte, pág. 34 da 1.ª edição da Livraria da Federação Espírita do Paraná.
1. OBJECTIVO DA ENCARNAÇÃO
Deus impõe aos espíritos a encarnação, com o objectivo de fazê-los chegar à perfeição, passando pelas vicissitudes da existência corporal…
“Visa ainda outro fim a encarnação: o de pôr o espírito em condições de suportar a parte que lhe toca na obra da criação. Para executá-la é que, em cada mundo, toma o espírito um instrumento, de harmonia com a matéria essencial desse mundo, a fim de aí cumprir, daquele ponto de vista, as ordens de Deus. É assim que, concorrendo para a obra geral, ele próprio se adianta…”.
“Todos são criados simples e ignorantes, e instruem-se nas lutas e tribulações da vida corporal. Deus, que é justo, não podia fazer felizes a uns, sem fadigas e trabalhos, por conseguinte, sem mérito”.
Daí concluir-se que os seres considerados eleitos – anjos, arcanjos, querubins e serafins – são a representação das almas que já atingiram, pelo seu esforço, graus de elevação espiritual, passando, como não poderia deixar de ser, pelos mesmos estágios inferiores da escala evolutiva.
“… O atrasado possui inclinação para o mal, inteligência limitada; regozija-se com a violência, compraz-se na vida viciosa. Quando deixa o corpo, os sentimentos acompanham-no. Com a evolução, ele vai-se modificando. As lutas do mundo, os sofrimentos, através das vidas, é que lhe vão aprimorando a alma.”
“A Terra é como uma escola e um hospital. Vê-se o aluno ir progredindo, à medida que muda de classe; a sua cultura é função do tempo e do estudo; quando o corpo se debilita vai a um centro de saúde, onde o médico lhe retempera e restitui as forças.
“Assim é a Terra para o incipiente. Ele aporta aqui como selvagem ou bárbaro. E continua a sua peregrinação, curando-se no hospital planetário, com a terapêutica do sofrimento, ilustrando-se com as lições que recebe de vida em vida, até que, inteiramente puro, fica livre das vidas materiais e entra para o nirvana dos budistas ou para as regiões de paz; a felicidade consiste nessa tranquilidade dos justos; não a podemos perceber nem vislumbrar, porque nunca a possuímos, envoltos nos turbilhões, na azáfama, no nevoeiro, nas paixões violentas desse mundículo onde nos encontramos atolados”.
Os espíritos que seguem o caminho do bem chegam mais depressa aos níveis mais elevados de aperfeiçoamento intelectual e afectivo; sendo as aflições da vida fruto da imperfeição do espírito, quanto menos imperfeições menos tormentos. Aquele que não for invejoso, nem ciumento, nem avarento, nem ambicioso, não sofrerá as torturas que se originam dessas imperfeições.
“Os espíritos que desde o princípio seguem o caminho do bem nem por isso são espíritos perfeitos. Não têm, é certo, maus pendores, mas precisam de adquirir a experiência e os conhecimentos indispensáveis para alcançar a perfeição. Podemos compará-los a crianças que, seja qual for a bondade de seus instintos naturais, necessitam de se desenvolver, e esclarecer e que não passam, sem transição, da infância à madureza”.
Depende dos espíritos o progredirem mais ou menos rapidamente em busca da perfeição, conforme o desejo que têm de alcançá-la e a submissão que testemunham à vontade de Deus. Os espíritos não podem conservar-se eternamente nas ordens inferiores; mudam de ordem mais rápida ou demoradamente, porém não podem degenerar. À medida que avançam, compreendem o que os distancia da perfeição. O espírito ao concluir uma prova fica com a ciência que daí lhe veio, e não a esquece. Pode permanecer estacionário durante algum tempo, porém não retrograda.
“A encarnação é necessária ao duplo progresso moral e intelectual do espírito: ao progresso intelectual pela actividade obrigatória do trabalho; ao progresso moral pela necessidade recíproca dos homens entre si. A vida social é a pedra de toque das boas ou más qualidades.
“A bondade, a maldade, a doçura, a violência, a benevolência, a caridade, o egoísmo, a avareza, o orgulho, a humildade, a sinceridade, a franqueza, a lealdade, a má-fé, a hipocrisia, numa palavra, tudo o que constitui o homem de bem, ou perverso, tem por móvel, por alvo e por estímulo as relações do homem com os seus semelhantes…
“Uma só existência corporal é manifestamente insuficiente para o espírito adquirir todo o bem que lhe falta e eliminar o mal que lhe sobra.
“Deus, que é soberanamente justo e bom, concede ao espírito tantas encarnações quantas as necessárias para atingir o seu objectivo: a perfeição.
“Para cada nova existência de permeio à matéria entra o espírito com o cabedal adquirido nas anteriores, em aptidões, conhecimentos intuitivos, inteligência e moralidade. Cada existência é, assim, um passo avante no caminho do progresso.
“A encarnação é inerente à inferioridade dos espíritos, deixando de ser necessária desde que estes, transpondo-lhe os limites, ficam aptos para progredir no estado espiritual, ou nas existências corporais de mundos superiores, que nada têm da materialidade terrestre. Da parte destes a encarnação é voluntária, tendo por fim exercer sobre os encarnados uma acção mais directa e tendente ao cumprimento da missão que lhes compete junto dos mesmos. Desse modo, aceitam abnegadamente as vicissitudes e sofrimentos da encarnação”. (11)
A pluralidade das existências, cujo princípio Jesus estabeleceu no Evangelho, sem todavia definir, como a muitos outros, é uma das mais importantes leis reveladas pelo espiritismo, pois demonstra-lhe a realidade e a necessidade do progresso. Com esta lei, o homem explica todas as aparentes anomalias da vida humana; as diferenças de posição social; as mortes prematuras que, sem a reencarnação, tornariam inúteis à alma as existências breves; a desigualdade de aptidões intelectuais e morais, pela ancianidade do espírito que, mais ou menos, aprendeu e progrediu, e traz, nascendo, o que adquiriu nas suas existências anteriores…
“Com a reencarnação desaparecem os preconceitos de raça e de casta, pois o mesmo espírito pode tornar a nascer rico ou pobre, capitalista ou proletário, chefe ou subordinado, livre ou escravo, homem ou mulher. De todos os argumentos invocados contra a injustiça da servidão e da escravidão, contra a sujeição da mulher à lei do mais forte, nenhum há que prime, em lógica, ao facto material da reencarnação. Se, pois, a reencarnação funda numa lei da natureza o princípio da fraternidade universal, também funda na mesma lei o da igualdade dos direitos sociais e, por conseguinte, o da liberdade…
“Sem a preexistência da alma, a doutrina do pecado original não seria somente irreconciliável com a justiça de Deus, que tornaria todos os homens responsáveis pela falta de um só, seria também um contra-senso, e tanto menos justificável quanto, segundo essa doutrina, a alma não existia na época a que se pretende fazer que a sua responsabilidade remonte. Com a preexistência, o homem traz, ao renascer, o germe das suas imperfeições, dos defeitos de que se não corrigiu, e que se traduzem pelos instintos naturais e pelos pendores para tal ou tal vício. É esse o seu verdadeiro pecado original, cujas consequências, naturalmente, sofre, mas com a diferença capital de que sofre a pena de suas próprias faltas, e não das de outrem; e com outra diferença, ao mesmo tempo consoladora, animadora e soberanamente equitativa, de que cada existência lhe oferece os meios de se redimir, pela reparação, e de progredir, quer despojando-se de alguma imperfeição quer adquirindo novos conhecimentos, e assim até que, suficientemente purificado, não necessite mais da vida corporal e possa viver exclusivamente a vida espiritual, eterna e bem-aventurada”.
“A reencarnação é um processo de aperfeiçoamento espiritual. A volta do espírito à vida corporal tem um objectivo, não é “acção do acaso”, nem “capricho dos céus”… Não há experiência reencarnatória sem motivo, ensina o espiritismo…
“O aspecto moral da reencarnação deve merecer sempre uma consideração muita lúcida, justamente porque esse aspecto se reflecte na vida familiar, nas relações profissionais, na vida social, enfim. … A noção de uma única existência não nos daria uma visão real de justiça no tempo e no espaço. A reencarnação não é, portanto, simples questão de crença, mas um princípio lógico, assim nós o entendemos, pois abre à inteligência inquiridora uma perspectiva de justiça muito mais ampla, através de existências diversas”.
“Em relação ao espiritismo, o pensamento reencarnacionista está expresso em: Nascer, morrer, renascer ainda, progredir sempre, tal é a lei.
Allan Kardec formulou aos espíritos a questão inscrita em “O Livro dos Espíritos” sob n.º 196, cuja resposta apresenta a súmula dos objectivos da encarnação:
“Não podendo os espíritos aperfeiçoar-se a não ser por meio das tribulações da existência corpórea, segue-se que a vida material seja uma espécie de crisol, ou de depurador, por onde têm que passar todos os seres do mundo espírita para alcançarem a perfeição?
“Sim, é exactamente isso. Eles melhoram-se nessas provas, evitando o mal e praticando o bem; porém, somente ao cabo de mais ou menos longo tempo, conforme os esforços que empreguem; somente após muitas encarnações sucessivas, ou depurações, atingem a finalidade para que tendem.
“A obrigação que tem o espírito encarnado de prover ao alimento do corpo, à sua segurança, ao seu bem-estar, força-o a empregar as suas faculdades em investigações, a exercitá-las e desenvolvê-las. Útil , portanto, ao seu adiantamento é a sua união com a matéria.
“Daí o constituir uma necessidade a encarnação. Além disso, pelo trabalho inteligente que ele executa em seu proveito, sobre a matéria, auxilia a transformação e o progresso material do globo que lhe serve de habitação”…
2. REENCARNAÇÃO
2.1. JUSTIÇA DA REENCARNAÇÃO
“A reencarnação, afirmada pelas vozes de além-túmulo, é a única forma racional por que se pode admitir a reparação das faltas cometidas e a evolução gradual dos seres. Sem ela, não se vê sanção moral satisfatória e completa; não há possibilidade de conceber a existência de um ser que governe o universo com justiça.
“Se admitirmos que o homem vive actualmente pela primeira vez neste mundo, que uma única existência terrestre é o quinhão de cada um de nós, a incoerência e a parcialidade, forçoso seria reconhecê-lo, presidem à repartição dos bens e dos males, das aptidões e das faculdades, das qualidades nativas e dos vícios originais.
“Todos os espíritos tendem para a perfeição, e Deus lhes faculta os meios de alcançá-la, proporcionando-lhes as provações da vida corporal. A sua justiça, porém, concede-lhes realizar, em novas existências, o que não puderam fazer ou concluir numa primeira prova.
“Não obraria Deus com equidade, nem de acordo com a sua bondade, se condenasse para sempre os que talvez hajam encontrado, oriundos do próprio meio em que foram colocados e alheios à vontade que os animava, obstáculos ao seu melhoramento. Se a sorte do homem se fixasse irrevogavelmente depois da morte não seria uma única a balança em que Deus pesa as acções de todas as criaturas e não haveria imparcialidade no tratamento que a todas dispensa.
“A doutrina da reencarnação, isto é, a que consiste em admitir para o espírito muitas existências sucessivas, é a única que corresponde à ideia que formamos da justiça de Deus para com os homens que se acham em condição moral inferior; a única que pode explicar o futuro e firmar as nossas esperanças, pois oferece os meios de resgatarmos os nossos erros, por novas provações. A razão no-la indica e os espíritos a ensinam.
“O homem que tem consciência da sua inferioridade haure consoladora esperança na doutrina da reencarnação. Se crê na justiça de Deus, não pode contar que venha a achar-se, para sempre, em pé de igualdade com os que mais fizeram do que ele. Sustém-no, porém, e reanima-lhe a coragem a ideia de que aquela inferioridade não o deserda eternamente do supremo bem e que, mediante novos esforços, dado lhe será conquistá-lo. Quem é que, ao cabo da sua carreira, não deplora haver tão tarde ganho uma experiência de que já não mais pode tirar proveito? Entretanto, essa experiência tardia não fica perdida; o espírito a utilizará em nova existência”.
2.2. REENCARNAÇÃO E RESSURREIÇÃO
“A reencarnação fazia parte dos dogmas dos judeus, sob o nome de ressurreição. Só os saduceus, cuja crença era a de que tudo acaba com a morte, não acreditavam nisso. As ideias dos judeus sobre esse ponto, como sobre muitos outros, não eram claramente definidas, porque apenas tinham vagas e incompletas noções acerca da alma e da sua ligação com o corpo.
Criam eles que um homem que vivera poderia reviver, sem saberem precisamente de que maneira o facto poderia dar-se. Designavam pelo termo ressurreição o que o espiritismo, mais judiciosamente, chama reencarnação. Com efeito, a ressurreição dá ideia de voltar à vida o corpo que já está morto, o que a ciência demonstra ser materialmente impossível, sobretudo quando os elementos desse corpo já se acham desde há muito tempo dispersos e absorvidos.
A reencarnação é a volta da alma, ou espírito, à vida corpórea, mas em outro corpo, especialmente formado para ele, e que nada tem de comum com o antigo. A palavra ressurreição podia, assim, aplicar-se a Lázaro, mas não a Elias, nem aos outros profetas. Se, portanto, segundo a crença deles, João Baptista era Elias, o corpo de João não podia ser o de Elias, pois João fora visto criança e seus pais eram conhecidos. João, pois, podia ser Elias reencarnado, porém, não ressuscitado”.
2.3. REENCARNAÇÃO E METEMPSICOSE
“Poderia encarnar num animal o espírito que animou o corpo de um homem?”. Allan Kardec submete aos espíritos a questão, inscrevendo-a sob n.º 612 em “O Livro dos Espíritos”, para averiguar a veracidade ou não de certas afirmações populares que informavam poderem as almas retornar à Terra num corpo de animal para pagamento de infracções cometidas contra a Lei.
Esclarecem os espíritos: “Isso seria retrogradar, e o espírito não retrograda. O rio não remonta à sua nascente”.
E o codificador comenta: “Seria verdadeira a metempsicose, se indicasse a progressão da alma, passando de um estado inferior a outro superior, onde adquirisse desenvolvimentos que lhe transformassem a natureza. É, porém, falsa no sentido de transmigração directa da alma do animal para o homem, e reciprocamente, o que implicaria a ideia de um retrocesso…”.
“A reencarnação, como os espíritos a ensinam, funda-se, ao contrário, na marcha ascendente da natureza e na progressão do homem, dentro da sua própria espécie, o que em nada lhe diminui a dignidade. O que o rebaixa é o mau uso que ele faz das faculdades que Deus lhe outorgou para que progrida”.
Emmanuel explica como nasceu entre os egípcios a doutrina da metempsicose: “… O grande povo dos faraós guardava a reminiscência do seu doloroso degredo na face obscura do mundo terreno. E tanto lhe doía semelhante humilhação que, na lembrança do pretérito, criou a teoria da metempsicose, acreditando que a alma de um homem podia regressar ao corpo de um irracional, por determinação punitiva dos deuses. A metempsicose era o fruto da sua amarga impressão, a respeito do exílio penoso que lhe fora infligido no ambiente terrestre”.
“Pitágoras foi o primeiro que introduziu na Grécia a doutrina dos renascimentos da alma, doutrina que havia conhecido em suas viagens ao Egipto e à Pérsia. Ele tinha duas doutrinas, uma reservada aos iniciados, que frequentavam os mistérios, e outra destinada ao povo; esta última deu nascimento ao erro da metempsicose. Para os iniciados, a ascensão era gradual e progressiva, sem regressão às formas inferiores, enquanto ao povo, pouco evoluído, se ensinava que as almas ruins deviam renascer em corpos de animais…”.
“O vulgo não quer ver hoje na metempsicose mais do que a passagem da alma humana para o corpo de seres inferiores. Na Índia, no Egipto e na Grécia ela era considerada, de um modo mais geral, como transmigração das almas para outros corpos humanos. Tendemos a crer que a descida da alma à animalidade num corpo inferior não era, como a ideia do Inferno, no catolicismo, mais do que um espantalho, destinado, no pensamento dos antigos, a apavorar os maus. Qualquer retrocesso desta espécie seria contrário à justiça, à verdade; além de que o desenvolvimento do organismo, ou perispírito, vedando ao ser humano a possibilidade de continuar a adaptar-se às condições da vida animal, torná-la-ia, aliás, impossível”
2.4. REVISÃO HISTÓRICA SOBRE A TEORIA DAS VIDAS SUCESSIVAS
“A doutrina das vidas sucessivas, ou reencarnação, é também chamada palingenesia, de duas palavras gregas – palin, de novo, genesis, nascimento. O que há de mais notável é que, desde os albores da civilização, ela foi formulada, na Índia, com uma precisão que o estado intelectual dessa época longínqua não fazia pressagiar.
“Com efeito, desde a mais alta Antiguidade, os povos da Ásia e da Grécia acreditaram na imortalidade da alma, e mais ainda, muitos procuravam saber se essa alma fora criada no momento do nascimento ou se existia antes.
“A Índia é, muito provavelmente, o berço intelectual da humanidade, e é interessante que se encontrem nos vedas e no Bhagavad Gita passagens como as que se seguem: “Assim como se deixam as vestes gastas para usar vestes novas, também a alma deixa o corpo usado para revestir novos corpos”…
“Os mundos voltarão a Brama, ó Arjuna, mas aquele que me atingiu não deve mais renascer”…
“Encontra-se no mazdeísmo, religião da Pérsia, uma concepção muito elevada, a da redenção final concedida a todas as criaturas, depois de haverem, entretanto, experimentado as provas expiatórias, que devem conduzir a alma humana à sua felicidade final…”.
“Na Grécia vai-se encontrar a doutrina das vidas sucessivas nos poemas órficos; era a crença de Pitágoras, de Sócrates, de Platão, de Apolónio e de Empédocles. Com o nome de metempsicose falam dela muitas vezes nas suas obras, em termos velados, porque, em grande parte, estavam ligados pelo juramento iniciático; contudo, ela é afirmada com clareza no último livro da “República”, em “Fedra”, em “Timeu” e em “Fedon”.
“Platão adopta a ideia pitagórica da palingenesia. Ele fundou-a em duas razões principais, expostas no “Fedon”. A primeira é que, na natureza, a morte sucede à vida, e, sendo assim, é lógico admitir que a vida sucede à morte, porque nada pode nascer do nada, e se os seres que vemos morrer não devessem mais voltar à Terra tudo acabaria por se absorver na morte. Em segundo lugar, o grande filósofo baseia-se na reminiscência, porque, segundo ele, aprender é recordar.
“A escola neoplatónica de Alexandria ensina a reencarnação, precisando, ainda, as condições, para a alma, dessa evolução progressiva.
“Para Plotino, a alma comete faltas, é condenada a expiá-las, recebendo punições em infernos tenebrosos; depois, é obrigada a passar a outro corpo, para recomeçar suas provas…
“Porfírio não crê na metempsicose, ainda mesmo como punição das almas perversas e, segundo ele, a reencarnação só se opera no género humano.
“Segundo Jâmblico, a justiça de Deus não é a justiça dos homens. O homem define a justiça sob o ponto de vista da sua vida actual e do seu estado presente. Deus define-a relativamente às nossas existências sucessivas e à universalidade das nossas vidas.
“Entre os romanos, que receberam a maior parte dos seus conhecimentos da Grécia, Virgílio exprime claramente a ideia da palingenesia… Diz também Ovídio que a sua alma, quando for pura, irá habitar os astros que povoam o firmamento, o que estende a palingenesia até aos outros mundos semeados no espaço.
“Os gauleses praticavam a religião dos druidas, acreditavam na unidade de Deus e nas vidas sucessivas.
“Durante todo o período da Idade Média, a doutrina palingenésica ficou velada, porque era severamente proscrita pela Igreja, então toda-poderosa… Foi preciso chegar aos tempos modernos, e à liberdade de pensar e de discutir publicamente, para que a verdade das vidas sucessivas pudesse renascer à grande luz da publicidade”.
“Descartes, Leibnitz e Kant tiveram uma certa intuição destes factos (caracteres dissemelhantes dos gémeos e terem os meninos-prodígio talentos que os pais não possuíam); Descartes, sobretudo, na sua teoria das ideias inatas…
“Todas estas religiões se basearam na crença nas vidas sucessivas: o bramanismo, o budismo, o druidismo, o islamismo. O cristianismo primitivo não abriu excepção à regra. Traços desta doutrina se nos deparam no Evangelho. Os padres gregos Orígenes, Clemente de Alexandria e a maior parte dos cristãos dos primeiros séculos admitiam-na…”.
«Ainda que em tempos remotos grandes pensadores cristãos tenham aceite a doutrina das vidas sucessivas, como Orígenes, Agostinho, Francisco de Assis, Jerónimo, entre inúmeros outros pensadores religiosos e leigos, antigos e modernos, muitos mantêm-se na obstinada negativa de quem concluiu sem estudar, como o que não viu e não gostou.»
Segundo Leslie D. Weatherhead, da Igreja Anglicana de Londres (The Case for Reencarnation, de Leslie D. Weatherhead, Londres, 1958), o conceito das vidas sucessivas foi rejeitado pela Igreja Católica no Concílio de Constantinopla, em 553, por votação, na qual a reencarnação perdeu por 3 a 2. O que realmente aconteceu foi que um sínodo local condenou os ensinamentos de Orígenes acerca da preexistência da alma, em 553, na cidade de Constantinopla, crê-se que até por imposição política do imperador Justiniano, a cuja esposa desagradava a ideia de poder reencarnar como escrava, se maltratasse os escravos, como então se ensinava.
2.5. A REENCARNAÇÃO NA BÍBLIA E NOS EVANGELHOS
Entre os hebreus, a ideia das vidas anteriores era geralmente admitida.
A crença nos renascimentos da alma encontra-se indicada em inúmeras passagens da Bíblia, de forma mais ou menos velada, porém, claramente nos evangelhos.
Em Isaías, cap. XXVI, v. 19, encontramos: Aqueles do vosso povo a quem a morte foi dada viverão de novo; aqueles que estavam mortos em meio a mim ressuscitarão. Despertai do vosso sono e entoai louvores a Deus, vós que habitais o pó…
É também muito explícita esta passagem de Isaías: “Aqueles do vosso povo a quem a morte foi dada viverão de novo”. Se o profeta houvera querido falar da vida espiritual, se houvera pretendido dizer que aqueles que tinham sido executados não estavam mortos em espírito, teria dito “ainda vivem”, e não “viverão de novo”. No sentido espiritual, seria um contra-senso, pois implicaria uma interrupção na vida da alma. No sentido da regeneração moral, seria a negação das penas eternas, pois estabelece, em princípio, que todos os que estão mortos viverão”.
E Job, no cap. XIV, v. 10 a 14, na versão da Igreja grega, assim escreve: Quando o homem está morto, vive sempre; acabando os dias da minha existência terrestre, esperarei, porquanto a ela voltarei de novo.
“…O princípio da pluralidade das existências acha-se claramente expresso… A versão da Igreja grega é mais explícita, se é que isso é possível. “Acabando os dias da minha existência terrena, esperarei, porquanto a ela voltarei, ou voltarei à existência terrestre. Isto é tão claro como se alguém dissesse: “Saio de minha casa, mas a ela tornarei”.
Em várias passagens dos Evangelhos aparece claramente a ideia da reencarnação, sendo referida pelos evangelistas, demonstrando que era ponto de uma das crenças fundamentais dos judeus.
1. “Jesus, tendo vindo às cercanias de Cesareia de Filipe, interrogou assim seus discípulos: “Que dizem os homens em relação ao Filho do Homem? Quem dizem que eu sou?”. Eles lhe respondem: “Dizem uns que és João Baptista; outros, que Elias; outros, que Jeremias, ou algum dos profetas”. Perguntou-lhes Jesus: “E vós, quem dizeis que eu sou?”. Simão Pedro, tomando a palavra, respondeu: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo”… (S. Mateus, cap.XVI, vv. 13 a 17; S. Marcos, cap. VIII, vv. 27 a 30).
2. “Nesse interim, Herodes, o Tetrarca, ouvira falar de tudo o que fazia Jesus, e seu espírito se achava em suspenso – porque uns diziam que João Baptista ressuscitara dentre os mortos; outros que aparecera Elias; e outros que um dos antigos profetas ressuscitara. Disse então Herodes: “Mandei cortar a cabeça a João Baptista; quem é então esse de quem ouço dizer tão grandes coisas?” E ardia por vê-lo. (S. Marcos, cap. VI, vv. 14 a 16; S. Lucas, cap. IX, vv. 7 a 9).
3. “Após a transfiguração, os seus discípulos então o interrogaram desta forma: “Porque dizem os escribas ser preciso que antes volte Elias?”. Jesus lhes respondeu: “É verdade que Elias há-de vir e restabelecer todas as coisas, mas eu vos declaro que Elias já veio e eles não o conheceram e o trataram como lhes aprouve. É assim que farão sofrer o Filho do Homem”. Então seus discípulos compreenderam que fora de João Baptista que ele falara”. (S. Mateus, cap. XVII, vv. 10 a 13; S. Marcos, cap. IX, vv. 11 a 13).
“A ideia de que João Baptista era Elias e de que os profetas podiam reviver na Terra está em muitas passagens dos Evangelhos, notadamente nas acima reproduzidas (n.º 1, 2 e 3). Se fosse errónea essa crença, Jesus não houvera deixado de a combater, como combateu tantas outras”.
Ainda o Evangelho de S. João apresenta afirmação mais categórica do Cristo com referência à doutrina das vidas sucessivas: Ora, entre os fariseus, havia um homem chamado Nicodemos, senador dos judeus, que veio à noite ter com Jesus e lhe disse: “Mestre, sabemos que vieste da parte de Deus para nos instruir como um doutor, porquanto ninguém poderia fazer os milagres que fazes se Deus não estivesse com ele”. Jesus lhe respondeu: “Em verdade, em verdade, te digo, ninguém pode ver o reino de Deus se não nascer de novo”.
Disse-lhe Nicodemos: “Como pode nascer um homem já velho? Pode tornar a entrar no ventre de sua mãe, para nascer segunda vez?”
Retorquiu-lhe Jesus: “Em verdade, em verdade, te digo: Se um homem não renasce da água e do espírito, não pode entrar no reino de Deus. O que é nascido da carne é carne e o que é nascido do espírito é espírito. Não te admires de que eu te haja dito ser preciso que nasças de novo…”
Respondeu-lhe Nicodemos: “Como pode isso fazer-se? – Jesus lhe observou: “Pois quê! És mestre em Israel e ignoras estas coisas?”… (S. João, cap. III, vv. 1 a 12).
“Esta última observação do Cristo mostra bem que ele se surpreendeu não conhecesse um mestre em Israel a reencarnação, porque ela era ensinada como doutrina secreta aos intelectuais da época.
“Uma das provas que se pode apresentar é a de que existiam ensinos ocultos ao comum dos homens, e que foram compilados nas diferentes obras que constituem a Cabala.
“No ensino secreto, reservado aos iniciados, proclamava-se a imortalidade da alma, as vidas sucessivas e a pluralidade dos mundos habitados.
“Não há dúvida de que, sob o nome de ressurreição, o princípio da reencarnação era ponto de uma das crenças fundamentais dos judeus, ponto que Jesus e os profetas confirmaram de modo formal; donde se segue que negar a reencarnação é negar as palavras do Cristo. Um dia, porém, as suas palavras, quando forem meditadas sem ideias preconcebidas, reconhecer-se-ão autorizadas quanto a esse ponto, bem como em relação a muitos outros.
“A essa autoridade, do ponto de vista religioso, se adita, do ponto de vista filosófico, a das provas que resultam da observação dos factos. Quando se trata de remontar dos efeitos às causas, a reencarnação surge como de necessidade absoluta, como condição inerente à humanidade; numa palavra: como lei da natureza…
“Sem o princípio da preexistência da alma e da pluralidade das existências são ininteligíveis, na sua maioria, as máximas do Evangelho, razão por que têm dado lugar a tão contraditórias interpretações. Somente esse princípio lhes restituirá o sentido verdadeiro”.
2.6. REENCARNAÇÃO E EVOLUÇÃO ANÍMICA
“Tomando-se a humanidade no grau mais ínfimo da escala espiritual, perguntar-se-á se é aí o ponto inicial da alma humana.
“Na opinião de alguns filósofos espiritualistas, o princípio inteligente, distinto do princípio material, individualiza-se e elabora-se, passando pelos diversos graus da animalidade. É aí que a alma se ensaia para a vida e desenvolve, pelo exercício, as suas primeiras faculdades. Esse seria para ela, por assim dizer, o período de incubação. Chegada ao grau de desenvolvimento que esse estado comporta, ela recebe as faculdades especiais que constituem a alma humana. Haveria assim filiação espiritual do animal para o homem, como há filiação corporal.
“Este sistema, fundado na grande lei de unidade que preside à criação, corresponde, forçoso é convir, à justiça e à bondade do Criador; dá uma saída, uma finalidade, um destino aos animais, que deixam então de formar uma categoria de seres deserdados, para terem, no futuro que lhes está reservado, uma compensação para os seus sofrimentos. O que constitui o homem espiritual não é a sua origem: são os atributos especiais de que ele se apresenta dotado ao entrar na humanidade, atributos que o transformam, tornando-o um ser distinto, como o fruto saboroso é distinto da raiz amarga que lhe deu origem. Por haver passado pela fieira da animalidade, o homem não deixaria de ser homem; já não seria animal, como o fruto não é a raiz, como o sábio não é o feto informe que o pôs no mundo”.
“O sentimento da justiça absoluta diz-nos também que o animal, tanto quanto o homem, não deve viver e sofrer para o nada. Uma cadeia ascendente e contínua liga todas as criações; o mineral ao vegetal, o vegetal ao animal, e este ao ente humano…
” A alma elabora-se no seio dos organismos rudimentares. No animal está apenas em estado embrionário; no homem adquire o conhecimento, e não mais pode retrogradar. Porém, em todos os graus ela prepara e conforma o seu invólucro. As formas sucessivas que reveste são a expressão do seu valor próprio. A situação que ocupa na escala dos seres está em relação directa com o seu estado de adiantamento”.
“A finalidade da alma é o desenvolvimento de todas as faculdades a ela inerentes. Para consegui-lo, ela é obrigada a encarnar grande número de vezes, na Terra, a fim de acendrar suas faculdades morais e intelectuais, enquanto aprende a senhorear e governar a matéria. É mediante uma evolução ininterrupta, a partir das formas de vida mais rudimentares, até à condição humana, que o princípio pensante conquista, lentamente, a sua individualidade. Chegado a esse estágio, cumpre-lhes fazer eclodir a sua espiritualidade, dominando os instintos remanescentes da sua passagem pelas formas inferiores, a fim de elevar-se, na série das transformações, para destinos sempre mais altos”.
“No dia em que a alma, libertando-se das formas animais e chegando ao estado humano, conquistar a sua autonomia, a sua responsabilidade moral, e compreender o dever, nem por isso atinge o seu fim ou termina a sua evolução. Longe de acabar, agora é que começa a sua obra real; novas tarefas a chamam. As lutas do passado nada são ao lado das que o futuro lhe reserva. Os seus renascimentos em corpos carnais se sucederão…”.
2.7. REENCARNAÇÃO E EVOLUÇÃO DO HOMEM
“Quando o espírito tem de encarnar num corpo humano em vias de formação, um laço fluídico, que mais não é do que uma expansão do seu perispírito, liga-o ao germe que o atrai com uma força irresistível, desde o momento da concepção. À medida que o germe se desenvolve, o laço encurta-se. Sob a influência do princípio vital – material do germe -, o perispírito, que possui certas propriedades da matéria, une-se, molécula a molécula, ao corpo em formação, donde o poder dizer-se que o espírito, por intermédio do seu perispírito, se enraíza, de certa maneira, nesse gérmen, como uma planta na terra. Quando o gérmen chega ao seu pleno desenvolvimento, completa é a união; nasce então o ser para a vida exterior”.
“À medida que o espírito se purifica, o corpo que o reveste aproxima-se igualmente da natureza espírita. Torna-se-lhe menos densa a matéria, deixa de rastejar penosamente pela superfície do solo, menos grosseiras se lhe fazem as necessidades físicas, não mais sendo preciso que os seres vivos se destruam mutuamente para se nutrirem. O espírito acha-se mais livre, e tem, das coisas longínquas, percepções que desconhecemos. Vê com os olhos do corpo o que só pelo pensamento entrevemos.
“Da purificação do espírito decorre o aperfeiçoamento moral para os seres que eles constituem, quando encarnados. As paixões animais enfraquecem-se e o egoísmo cede lugar ao sentimento de fraternidade. Assim é que, nos mundos superiores ao nosso, se desconhecem as guerras, carecendo de objecto os ódios e as discórdias, porque ninguém pensa em causar dano ao seu semelhante. A intuição que seus habitantes têm do futuro, a segurança que uma consciência isenta de remorsos lhes dá, fazem com que a morte nenhuma apreensão lhes cause. Encaram-na de frente, sem temor, como simples transformação.
“A duração da vida, nos diferentes mundos, parece guardar proporção com o grau de superioridade física e moral de cada um, o que é perfeitamente racional. Quanto menos material o corpo, menos sujeito às vicissitudes que o desorganizam. Quanto mais puro o espírito, menos paixões a miná-lo. É essa ainda uma graça da Providência, que desse modo abrevia os sofrimentos”.
3. DA VOLTA DO ESPÍRITO, EXTINTA A VIDA CORPORAL, À VIDA ESPIRITUAL
“No intervalo das existências corporais o espírito torna a entrar no mundo espiritual, onde é feliz ou desgraçado segundo o bem ou o mal que fez.
“Uma vez que o estado espiritual é o estado definitivo do espírito e o corpo espiritual não morre, deve ser esse também o seu estado normal. O estado corporal é transitório e passageiro. É no estado espiritual, sobretudo, que o espírito colhe os frutos do progresso realizado pelo trabalho da encarnação; é também nesse estado que se prepara para novas lutas e toma as resoluções que há-de pôr em prática na sua volta à humanidade.
“O estudo das comunicações espíritas provou-nos, de maneira irrefutável, que a situação da alma, depois da morte, é regida por uma lei de justiça infalível, segundo a qual os seres encontram-se em condições de existência que são rigorosamente determinadas pelo seu grau evolutivo e pelos esforços que faz para melhorar.
“As nossas relações com o Além ensinaram-nos, ainda, que não existe Inferno, nem Paraíso, mas que a lei moral impõe sanções inelutáveis àqueles que a violaram, enquanto reserva a felicidade aos que se esforçaram por praticar o bem, sob todas as formas”.
“Por um efeito contrário, a união do perispírito e da matéria carnal, que se efectuara sob a influência do princípio vital do germe, cessa desde que esse princípio deixa de actuar, em consequência da desorganização do corpo. Mantida que era por uma força actuante, tal união desfaz-se logo que essa força deixa de actuar. Então, o perispírito desprende-se, molécula a molécula, conforme se unira, e ao espírito é restituída a liberdade. Assim, não é a partida do espírito que causa a morte do corpo; esta é que determina a partida do espírito.
“O espiritismo, pelos factos cuja observação ele faculta, dá a conhecer os fenómenos que acompanham essa separação, que às vezes é rápida, fácil, suave e insensível, ao passo que doutras é lenta, laboriosa, horrivelmente penosa, conforme o estado moral do espírito, e pode durar meses inteiros”.
“… A alma desprende-se gradualmente, não se escapa como um pássaro cativo a que se restitua subitamente a liberdade. Aqueles dois estados tocam-se e confundem-se, de sorte que o espírito solta-se pouco a pouco dos laços que o prendiam. Estes laços se desatam, não se quebram.
“Durante a vida, o espírito acha-se preso ao corpo pelo seu envoltório semimaterial, ou perispírito. A morte é a destruição do corpo, somente, não a desse outro invólucro, que do corpo se separa quando cessa neste a vida orgânica. A observação demonstra que no instante da morte o desprendimento do perispírito não se completa subitamente; que, ao contrário, opera-se gradualmente e com uma lentidão muito variável conforme os indivíduos. Em alguns é bastante rápida, podendo dizer-se que o momento da morte é mais ou menos o da libertação. Noutros, naqueles, sobretudo, cuja vida foi toda material e sensual, o desprendimento é muito menos rápido, durando, algumas vezes, dias, semanas e até meses, o que não implica existir, no corpo, a menor vitalidade, nem a possibilidade de volver à vida, mas uma simples afinidade com o espírito, afinidade que guarda sempre proporção com a preponderância que, durante a vida, o espírito deu à matéria. É, com efeito, racional conceber-se que quanto mais o espírito se tenha identificado com a matéria tanto mais penoso lhe seja separar-se dela; ao passo que a actividade intelectual e moral, a elevação dos pensamentos operam um começo de desprendimento, mesmo durante a vida do corpo, de modo que, chegando a morte, ele é quase instantâneo. Tal o resultado dos estudos feitos em todos os indivíduos que se têm podido observar por ocasião da morte. Essas observações provam ainda que a afinidade persistente entre a alma e o corpo, em certos indivíduos, é às vezes muito penosa, porquanto o espírito pode experimentar o horror da decomposição. Este caso, porém, é excepcional e peculiar a certos géneros de vida e a certos géneros de morte. Verifica-se com alguns suicidas.
“Na agonia, a alma, algumas vezes, já tem deixado o corpo; nada mais há que a vida orgânica. O homem já não tem consciência de si próprio; entretanto, ainda lhe resta um sopro de vida orgânica. O corpo é a máquina que o coração põe em movimento. Existe enquanto faz circular nas veias o sangue, para o que não necessita da alma”.
“Por ocasião da morte, tudo, a princípio, é confuso. De algum tempo precisa a alma para entrar no conhecimento de si própria. Ela acha-se como que aturdida, no estado de uma pessoa que despertou de profundo sono e procura orientar-se sobre a sua situação. A lucidez das ideias e a memória do passado voltam-lhe à medida que se apaga a influência da matéria que ela acaba de abandonar, e à medida que se dissipa a espécie de névoa que lhe obscurece os pensamentos.
Muito variável é o tempo que dura a perturbação que se segue à morte. Pode ser de algumas horas, como também de muitos meses e até de muitos anos. Aqueles que, desde quando ainda viviam na Terra, se identificam com o estado futuro que os aguardava, são os em que menos longa ela é, porque esses compreendem imediatamente a posição em que se encontram.
“Aquela perturbação apresenta circunstâncias especiais, de acordo com os caracteres dos indivíduos e, principalmente, com o género de morte. Nos casos de morte violenta, por suicídio, suplício, acidente, apoplexia, ferimentos, etc., o espírito fica surpreendido, espantado e não acredita estar morto. Obstinadamente, sustenta que não o está. No entanto, vê o seu próprio corpo, reconhece que esse corpo é seu, mas não compreende que se ache separado dele. Acerca-se das pessoas a quem estima, fala-lhes e não percebe por que elas não o ouvem. Semelhante ilusão prolonga-se até ao completo desprendimento do perispírito. Só então o espírito se reconhece como tal e compreende que não pertence mais ao número dos vivos. Este fenómeno explica-se facilmente. Surpreendido de improviso pela morte, o espírito fica atordoado com a brusca mudança que nele se operou; considera ainda a morte como sinónimo de destruição, de aniquilamento. Ora, porque pensa, vê, ouve, tem a sensação de não estar morto. Mais lhe aumenta a ilusão o facto de se ver com um corpo semelhante, na forma, ao precedente, mas cuja natureza etérea ainda não teve tempo de estudar. Julga-o sólido e composto como o primeiro e, quando se lhe chama a atenção para esse ponto, admira-se de não poder palpá-lo… Certos espíritos revelam essa particularidade, se bem que a morte não lhes tenha sobrevindo inopinadamente. Todavia, sempre mais generalizada se apresenta entre os que, embora doentes, não pensavam em morrer. Observa-se, então, o singular espectáculo de um espírito assistir ao seu próprio enterro como se fora o de um estranho, falando desse acto como de coisa que lhe não diz respeito, até ao momento em que compreende a verdade.
“A perturbação que se segue à morte nada tem de penosa para o homem de bem, que se conserva calmo, semelhante em tudo a quem acompanha as fases de um tranquilo despertar. Para aquele cuja consciência ainda não está pura, a perturbação é cheia de ansiedade e de angústias, que aumentam à proporção que ele da sua situação se compenetra.
“Nos casos de morte colectiva tem sido observado que todos os que perecem ao mesmo tempo nem sempre tornam a ver-se logo. Presas da perturbação que se segue à morte, cada um vai para seu lado, ou só se preocupa com os que lhe interessam”.
“A alma desencarnada procura, naturalmente, as actividades que lhe eram predilectas nos círculos da vida material, obedecendo aos laços afins, tal qual se verifica nas sociedades do vosso mundo.
“As vossas cidades não se encontram repletas de associações, “de grémios”, de classes inteiras que se reúnem e se sindicalizam para determinados fins, conjugando idênticos interesses de vários indivíduos? Aí não se abraçam os agiotas, os políticos, os comerciantes, os sacerdotes, objectivando cada grupo a defesa dos seus interesses próprios?
“O homem desencarnado procura, ansiosamente, no espaço, as aglomerações afins com o seu pensamento, de modo a continuar o mesmo género de vida abandonado na Terra, mas, tratando-se de criaturas apaixonadas e viciosas, a sua mente reencontrará as obsessões da materialidade, quais as do dinheiro, álcool, etc., obsessões que se tornam o seu martírio moral a cada hora, nas esferas mais próximas da Terra.
“Daí a necessidade de encararmos todas as nossas actividades no mundo como tarefa de preparação para a vida espiritual, sendo indispensável à nossa felicidade, além do sepulcro, que tenhamos um coração sempre puro”.
Na questão 165 de “O Livro dos Espíritos”, Allan Kardec faz a seguinte indagação: “O conhecimento do espiritismo exerce alguma influência sobre a duração, mais ou menos longa, da perturbação?”. Os espíritos responderam, taxativamente: Influência muito grande, pois o espírito já antecipadamente compreendia a sua situação. Mas a prática do bem e a consciência pura são o que maior influência exercem”.
4. EVIDÊNCIAS DA REENCARNAÇÃO
Podemos enumerar quatro tipo de evidências da reencarnação: os meninos-prodígio, as crianças que se lembram de vidas anteriores, as comunicações mediúnicas e as terapias médicas e psicológicas que usam regressão de memória. Destas quatro evidências, as últimas três são evidências científicas.
Quanto aos meninos-prodígio, poderemos interrogar-nos de onde vêm tantos conhecimentos? Como compreender, por exemplo, que uma criança de sete anos de idade esteja licenciada em física, uma outra de 11 anos licenciada em matemática, outras de dois ou três anos de idade que falem seis línguas diferentes, sem nunca terem aprendido? Não havendo explicação nesta existência física, de duas uma: ou Deus privilegia uns seres em detrimento de outros ou então todos tiveram as mesmas oportunidades, começando simples e ignorantes, e foram palmilhando o seu roteiro evolutivo, uns esforçando-se mais que outros, e daí a dissemelhança evolutiva presente no nosso planeta. Assim sendo, os meninos-prodígio seriam pessoas com grande cabedal de conhecimentos trazido de vidas anteriores e que nesta existência carnal têm a capacidade de ter acesso a essa informação que trazem do passado.
As crianças que se lembram de vidas anteriores têm proporcionado investigações espantosas aos cientistas de todo o mundo. Refira-se, por exemplo, os estudos rigorosamente científicos levados a cabo pelo prof. dr. Ian Stevenson, nos EUA, que estudou mais de 2000 casos de crianças que se lembravam de vidas anteriores (livro “20 Casos Sugestivos de Reencarnação”), o dr. Hemendras Nath Banerjee, na Índia, durante 25 anos, compilou mais de 1.100 casos por todo o mundo (livro «Vida Pretérita e Futura», Ed. Nórdica, Rio de Janeiro, Brasil, 2.ª edição, 1987), o eng.º Hernâni Guimarães Andrade, no Brasil, compilou vários casos de reencarnação (livro “Reencarnação no Brasil”, Ed. O Clarim, Brasil, 1986). De realçar que a grande maioria destes investigadores não é espírita. Investigaram casos onde a hipótese da reencarnação de pessoas recentemente falecidas é a única hipótese plausível e com base científica, de entre as restantes hipóteses de explicação.
Através das comunicações mediúnicas, houve espíritos que informaram que iriam reencarnar num determinado local, numa determinada família, e às vezes dando sinais ou características que a posteriori eram reconhecidos. Houve casos desses catalogados aquando das experiências de Allan Kardec (ver colecção da “Revista Espírita”, de Allan Kardec), bem como com o médium Francisco Cândido Xavier, em que pelo menos um dos casos está estudado pelo Instituto Brasileiro de Pesquisas Psicobiofísicas, do Brasil, pelo eng.º Hernâni Guimarães Andrade e sua equipa.
As terapias médicas que usam regressão de memória, com fins terapêuticos, têm sido a mais recente evidência científica da reencarnação. Veja-se as pesquisas da ar.ª Edith Fiore, nos EUA (livro “Já Vivemos Antes”, Ed. Europa-América, Portugal, 1978), do dr. Brian Weiss, nos EUA (livro «Muitas Vidas, Muitos Mestres»), da dr.ª Maria Júlia Prieto Peres (psiquiatra), no Brasil, do dr. Morris Netherton, nos EUA, da dr.ª Helen Wambach (livro «Recordando Vidas Passadas», Ed. Pensamento, São Paulo, Brasil, 1995), onde pessoas em estado de hipnose profunda, ou então em estados alterados de consciência, regridem a situações, a espaços temporais que identificam como sendo de outras existências carnais, bem como nos planos entre vidas (no mundo espiritual), dando muitas vezes pormenores exactos, que depois de pesquisados são confirmados pelos cientistas, como, por exemplo, locais, nomes, datas, entre outros, tudo isto relativamente a épocas muito remotas (veja-se as experiências da dr.ª Edith Fiore no seu livro acima referido).
Quando a reencarnação (que é defendida por cerca de 2/3 da população mundial, de acordo com estatísticas) for bem assimilada, a xenofobia deixará de existir, já que saberemos que poderemos reencarnar naquele país ou povo que agora rejeitamos ou odiamos. O racismo deixará de ter suporte, pois entenderemos que os espíritos não têm cor e que poderemos reencarnar na raça que agora repudiamos. A superioridade sexual deixará de existir, pois saberemos que tanto poderemos reencarnar como homem ou mulher, de acordo com as nossas necessidades evolutivas. A própria ecologia será privilegiada, pois o homem sabe que amanhã, quando voltar a este planeta, encontrá-lo-á como o deixou, recebendo assim o fruto dos desmandos de agora ou então da sua preservação.
A compreensão da reencarnação será a pedra-de-toque para que a sociedade se torne mais justa, mais fraterna e mais feliz.
7.º CADERNO — TRANSMIGRAÇÕES PROGRESSIVAS, PLURALIDADE DOS MUNDOS HABITADOS
Há, para o espírito, existências corporais de que ele nenhum resultado colhe, porque não as soube aproveitar, como existem aquelas em que ele bem aproveita, mas que nem por isso poderá passar da infância espiritual ao completo desenvolvimento.
SUMÁRIO
1. TRANSMIGRAÇÕES PROGRESSIVAS
A vida do espírito compõe-se de uma série de existências corpóreas, cada uma representando para ele oportunidade de progredir. Há, para o espírito, existências corporais de que ele nenhum resultado colhe, porque não as soube aproveitar, como existem aquelas em que ele bem aproveita, mas que nem por isso poderá passar da infância espiritual ao completo desenvolvimento. É-lhe necessário realizar inúmeras encarnações em mundos diversos.
Ninguém, por um proceder impecável na vida actual, poderá transpor todos os graus da escala do aperfeiçoamento e tornar-se espírito puro, sem passar pelos graus intermediários.
Ao espírito cumpre progredir em ciência e em moral.
A marcha dos espíritos é progressiva, jamais retrógrada. Eles elevam-se gradualmente na hierarquia e não descem da categoria a que ascenderam.
Chegado ao termo que a Providência lhe assinou à vida na erraticidade, o próprio espírito escolhe as provas a que deseja submeter-se para apressar o seu adiantamento. Tais provas estão sempre em relação com as faltas que lhe cumpre expiar. Se delas triunfa, eleva-se; se sucumbe, tem que recomeçar.
Mergulhado na vida corpórea, perde o espírito, momentaneamente, a lembrança das suas existências anteriores, como se um véu as cobrisse. Conserva algumas vezes vaga consciência dessas vidas, que, mesmo em certas circunstâncias, lhe podem ser reveladas; porém, só os espíritos superiores, espontaneamente, fazem tais revelações, e sempre com um fim útil e nunca para satisfazer a vaidade, o orgulho ou a vã curiosidade.
As existências futuras, essas em nenhum caso podem ser reveladas, pela razão de que dependem do modo por que o espírito se sairá da existência actual e da escolha que ulteriormente faça.
O esquecimento das faltas praticadas não constitui obstáculo à melhoria do espírito, porquanto, se é certo que este não se lembra delas com precisão, não menos certo é que a circunstância de as ter conhecido na erraticidade e de haver desejado repará-las o guia, por intuição, e lhe dá a ideia de resistir ao mal – é a voz da consciência.
As vicissitudes da vida corpórea constituem expiações das faltas do passado e, simultaneamente, provas em relação ao futuro. Depuram-nos e elevam-nos, se as suportarmos resignados e sem murmurar.
2. PLURALIDADE DOS MUNDOS HABITADOS
Deus povoou de seres vivos os mundos, concorrendo todos esses seres para o objectivo final da Providência. Acreditar que só os haja no planeta que habitamos seria duvidar da sabedoria de Deus, que não fez coisa alguma inútil.
As condições de existência dos seres que habitam os diferentes mundos hão-de ser adequadas ao meio em que lhes cumpre viver.
2.1. ESTUDO HISTÓRICO
Remontando às primeiras páginas dos anais históricos da humanidade, encontra-se a ideia da pluralidade dos mundos habitados, ou religiosa, pela transmigração das almas e seu estado futuro, ou astronómica, simplesmente pela habitabilidade dos astros. Todos os povos, e principalmente os hindus, chineses e árabes conservaram até aos nossos dias tradições teogónicas em que se reconhece a pluralidade das habitações humanas nos mundos que brilham por cima da nossa cabeça.
Os Vedas, génese antiga dos hindus, professavam a doutrina da pluralidade das habitações da alma humana nos astros.
O Egipto, berço da filosofia asiática, tinha ensinado aos seus sábios esta antiga doutrina.
A maior parte das seitas gregas ensinaram-na, ou abertamente, a todos os discípulos sem distinção, ou em segredo, aos iniciados da filosofia.
Thales, Anaximandro, Anaximene, Empédocles, Aristarco, Leucipo, e outros, ensinaram a pluralidade dos mundos habitados.
Anaxágoras ensinou a habitabilidade como artigo de crença filosófica; partidário do movimento da Terra, suscitou invejosos e fanáticos, que o perseguiram, e quase o assassinaram, por afirmar que o Sol era maior que o Peloponeso.
Pitágoras, Epicuro e a sua escola, Metródoro de Lampsaque, Anaxarque e Lucrécio também contribuíram com as suas afirmações favoráveis à pluralidade dos mundos habitados.
Com o astrónomo polaco Copérnico, que derrubou a teoria da Terra como centro do Universo, abriram-se novos campos ao pensamento. Com a Terra colocada em seu devido lugar a possibilidade de vida noutros planetas passava a ter um fundamento científico.
Com o auxílio do telescópio tornou-se claro que os planetas eram corpos celestes bastante parecidos com a Terra, e Giordano Bruno afirmou que seres vivos habitam esses mundos.
Nos séculos XVI e XVII, sábios, filósofos e escritores consagraram bom número de livros ao problema da vida no universo.
Na segunda metade do século XIX, Camille Flamarion lança o livro “A Pluralidade dos Mundos Habitados”, que ganha enorme popularidade.
O russo Constantin Tsiolkovski, pai da astronáutica, foi um ardoroso defensor da pluralidade dos mundos habitados.
O homem, ao colocar em órbita, em 1957, o primeiro satélite artificial, inaugurou uma etapa inteiramente nova na história da ideia da pluralidade dos mundos habitados, operando uma revolução na consciência de todos nesta fase inicial de uma nova era da história humana, era do estudo directo e, algum dia, da conquista do cosmo.
2.2. PERSEGUIÇÃO RELIGIOSA À DOUTRINA DOS MUNDOS HABITADOS
A interpretação errónea dos livros sagrados sobre a imobilidade da Terra e a aceitação dogmática do pensamento de Tertuliano, segundo o qual “não havia necessidade de nenhuma ciência depois do Cristo, e de nenhuma prova depois do Evangelho”, encobriram durante muitos séculos a doutrina da pluralidade dos mundos habitados.
Havia necessidade da religião oficial combater essa doutrina, porque vinha contrariar os seguintes dogmas:
2.2.1. A ENCARNAÇÃO DE DEUS SOBRE A TERRA
Não sendo a Terra mais do que um átomo insignificante no conjunto do universo, sobre o que se fundaria o privilégio de haver recebido em sua habitação o próprio Eterno, que não desdenhara descer a encarnar-se num pouco de poeira terrestre?
2.2.2. A CRIAÇÃO DOS ASTROS NA GÉNESE BÍBLICA
A doutrina da pluralidade dos mundos habitados viria trazer problemas inúmeros para a interpretação do livro de Moisés, que afirma terem sido os astros criados somente no quarto dia da criação, para iluminar a Terra e marcar-lhe o tempo e as estações do ano.
Não sendo mais a Terra o privilegiado centro do universo, como conciliar a ideia que só depois de formar o planeta é que, no quarto dia, teria o Criador formado o Sol e a Lua? Daí o combate renhido da religião dogmática à doutrina dos muitos mundos habitados.
2.2.3. DESCENDÊNCIA ADÂMICA
Com a doutrina da vida em planetas incontáveis cairia por terra a doutrina de um único casal, únicas criaturas do universo, criado à imagem e semelhança de Deus para povoar a Terra.
Havendo outros mundos e outros habitantes longe da Terra, por certo não descenderiam de Adão, e como tal Deus houvera criado em outros lugares e em outros tempos as suas criaturas, que deveriam lutar, sofrer, aprender, progredir na grande marcha evolutiva que se constitui lei do universo, sem ligação alguma com o pecado original do casal primitivo.
2.2.4. A PARADA DO SOL E DA LUA
Desaparecendo o suposto privilégio da Terra, por ser igual a milhões e milhões de outros mundos, também desapareceria o interesse do Senhor em aquinhoar um povo em detrimento do outro, e como, girando a Terra em torno do Sol, poderia o Senhor parar este, para que o dia se prolongasse? Tais argumentos colocavam em risco a credibilidade das escrituras sagradas, se interpretadas segundo o texto, merecendo então perseguição sistemática as doutrinas heliocêntricas da pluralidade dos mundos habitados.
2.2.5. A SALVAÇÃO DA HUMANIDADE PELO SANGUE DE JESUS
O dogma afirma que o Cristo deu a sua vida em holocausto, para que o seu sangue lavasse a alma do homem, manchada pelo pecado original.
Com a doutrina da pluralidade dos mundos habitados, existindo então humanidades que não estariam vinculadas ao primeiro casal da Terra, já não haveria lógica na salvação pelo sangue derramado do Cordeiro Divino. Para que esse dogma continuasse a vigorar entre os crentes não poderia haver outro mundo habitado além da Terra.
2.3. HÁ MUITAS MORADAS NA CASA DO MEU PAI
A casa do Pai é o Universo. As diferentes moradas são os mundos que circulam no espaço infinito e oferecem, aos espíritos que neles encarnam, moradas correspondentes ao adiantamento dos mesmos.
Muito diferentes umas das outras são as condições dos mundos, quanto ao grau de adiantamento ou de inferioridade dos seus habitantes.
Nos mundos inferiores a existência é toda material, reinam as paixões, sendo quase nula a vida moral.
À medida que a vida moral se desenvolve diminui a influência da matéria, de tal maneira que, nos mundos mais adiantados, a vida é, por assim dizer, toda espiritual.
Nos mundos intermediários misturam-se o bem e o mal.
Sem fazer uma classificação absoluta, mas baseados no estado em que se acham e a destinação que trazem, os mundos podem ser: primitivos, destinados às primeiras encarnações da alma humana; de expiação e provas, onde domina o mal; de regeneração, nos quais as almas que ainda tem que expiar haurem novas forças; ditosos, onde o bem sobrepuja o mal; celestes ou divinos, habitação dos espíritos depurados, onde reina exclusivamente o bem.
A Terra pertence à categoria dos mundos de expiação e provas.
2.4. UNIVERSO INFINITO, PROVA RACIONAL DA EXISTÊNCIA DE OUTROS MUNDOS HABITADOS
Não se pode olvidar, nos argumentos em estudo que falam da pluralidade dos mundos habitados, a vastidão do universo, que se torna cada vez mais ampla à medida que o homem vai melhorando a técnica de explorá-la, descobrindo novos planetas, sistemas solares, galáxias, etc.
Com o avanço da astronomia e da astrofísica evidencia-se um universo infinito, e afirmar que só a Terra poderia ser habitada seria afirmar que a humanidade é uma excepção dentro das leis naturais ou divinas.
Allan Kardec, em “A Génese”, tratando da Orografia Geral, mostra quão insignificante é o papel da Terra no universo infinito, para ser o único planeta a servir de encarnação às criaturas.
“Sabendo-se que a Terra nada é, ou quase nada, no sistema solar; que este nada é, ou quase nada, na Via Láctea; esta, por sua vez, nada, ou quase nada, na universalidade das nebulosas, e essa própria universalidade bem pouca coisa é dentro do imensurável infinito, começa-se a compreender o que é o globo terrestre.”
** Os antigos conheciam apenas sete planetas, pois Neptuno foi descoberto no dia 23 de Setembro de 1846, por Johann Gottfried Galle; e Plutão, em Março de 1930, por C. Tombaugh, do observatório Lowell, em Flagstaff, Arizona.
ANOTAÇÕES E INDICAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS:
- (1) ALMEIDA, João Ferreira, A BÍBLIA SAGRADA (tradução) Génesis de Moisés, cap. 1, v. 14 a 19, Josué, cap. X, v. 12 e 53, 31.ª impressão, Imprensa Bíblica Brasileira (1975).
- (2) ASIMOV, Isaac, O UNIVERSO, 3.ª edição, Edições Bloch.
- (3) FLAMMARION, Camille, A PLURALIDADE DOS MUNDOS HABITADOS, Livro 1, cap. 1 e Apêndice A, edição B.L. Garnier (1878).
- (4) HERMANN, Joachin, ASTRONOMIA, “O universo é o limitado”, pág. 278, 1.º edição, Editora Círculo do livro S/A.
- (5) KARDEC, Allan, O LIVRO DOS ESPÍRITOS, Parte 2.ª, cap. V, questão 191; cap.VII, questão 399; Parte 1.ª cap.III, questões 55 a 58; 44.ª edição da Federação Espírita Brasileira.
- (6) KARDEC, Allan, O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO, cap. III, 77.ª edição da Federação Espírita Brasileira.
- (7) KARDEC, Allan, A GÉNESE, cap. V, item 13 e cap. VI, item 32 a 36, 19.ª edição (popular) da Federação Espírita Brasileira.
- (8) PAUWELS, Louis e, O HOMEM ETERNO, Terceira Parte, cap. I, Edição Difusão
- (9) BERGIER, Jacques, Europeia do Livro, São Paulo.
1. Transmigrações progressivas
“A vida do espírito, no seu conjunto, apresenta as mesmas fases que observamos na vida corporal. Ele passa, gradualmente, do estado de embrião ao de infância, para chegar, percorrendo sucessivos períodos, ao de adulto, que é o da perfeição, com a diferença de que para o espírito não há declínio, nem decrepitude, como na vida corporal; que a sua vida, que teve começo, não terá fim; que imenso tempo lhe é necessário, do nosso ponto de vista, para passar da infância espiritual ao completo desenvolvimento; e que o seu processo se realiza não num único mundo, mas vivendo ele em mundos diversos.
A vida do espírito, pois compõe-se de uma série de existências corpóreas, cada uma das quais representa para ele uma ocasião de progredir, do mesmo modo que cada existência corporal se compõe de uma série de dias, em cada um dos quais o homem obtém um acréscimo de experiência e de instrução. Mas assim como na vida do homem há dias que nenhum fruto produzem, na do espírito há existências corporais de que ele nenhum resultado colhe, porque não as soube aproveitar.” *
Ninguém, por um proceder impecável na vida actual, poderá transpor todos os graus da escala do aperfeiçoamento e tornar-se espírito puro, sem passar por graus intermediários.
…”O que o homem julga perfeito longe está da perfeição. Há qualidades que lhe são desconhecidas e incompreensíveis. Poderá ser tão perfeito quanto o comporte a sua natureza terrena, mas isso não é a perfeição absoluta. Dá-se com o espírito o que se verifica com a criança que, por mais precoce que seja, tem de passar pela juventude, antes de chegar à idade da madureza; e também com o enfermo que, para recobrar a saúde, tem que passar pela convalescença. Além disso, ao espírito cumpre progredir em ciência e moral. Se somente se adiantou num sentido importa que se adiante no outro, para atingir o extremo superior da escala. Contudo, quanto mais o homem se adiantar na sua vida actual tanto menos longas e penosas lhe serão as provas que se seguirem.”
Nas suas novas existências poderá um homem descer mais baixo do que esteja na actual, somente do ponto de vista social, mas não como espírito.
“A marcha dos espíritos é progressiva, jamais retrograda. Eles elevam-se gradualmente na hierarquia e não descem da categoria a que ascenderam. Nas suas diferentes existências corporais podem descer como homens, não como espíritos. Assim, a alma de um potentado da Terra pode mais tarde animar o mais humilde obreiro, e vice-versa; por isso é que, entre os homens, as categorias estão, frequentemente, na razão inversa da elevação das qualidades morais. Herodes era rei e Jesus carpinteiro.”
Aquele que pensa em perseverar no mau caminho, baseado na possibilidade de melhorar-se em outra existência, poderá corrigir-se mais tarde, está equivocado, em nada crê, e a ideia de um castigo eterno não o refrearia mais do que qualquer outra, porque a sua razão a repele, e semelhante ideia induz à incredulidade, a despeito de tudo. Se unicamente meios racionais se tivessem empregado para guiar os homens não haveria tantos cépticos. De facto, um espírito imperfeito poderá, durante a vida corporal, pensar como dizes; mas liberto que se veja da matéria pensará de outro modo, pois logo verificará que fez cálculo errado e, então, sentimento oposto a esse trará ele para a sua nova existência. É assim que se efectua o progresso, e essa é a razão por que, na Terra, os homens são desigualmente adiantados. Uns já dispõem de experiências que a outros faltam, mas que adquirirão pouco a pouco. Deles depende o acelerar-se o progresso ou retardá-lo indefinidamente.
“O homem que ocupa uma posição má deseja trocá-la o mais depressa possível. Aquele que se acha persuadido de que as tribulações da vida terrena são consequência das suas imperfeições, procurará garantir para si uma nova existência menos penosa, e esta ideia o desviará mais depressa da senda do mal do que a do fogo eterno, em que não acredita…
“Se uma única existência tivesse o homem e se, extinguindo-se-lhe ela, a sua sorte ficasse decidida para a eternidade, qual seria o mérito de metade do género humano, que morre na infância, para gozar, sem esforços, da felicidade eterna, e com que direito se acharia isenta das condições, às vezes tão duras, a que se vê submetida a outra metade? Semelhante ordem de coisas não corresponderia à justiça de Deus. Com a reencarnação, a igualdade é real para todos. O futuro a todos toca, sem excepções e sem favor para quem quer que seja. Os retardatários só de si mesmos se podem queixar. Forçoso é que o homem tenha o merecimento de seus actos, como tem deles a responsabilidade…
“Chegado ao termo que a Providência lhe assinou à vida na erraticidade, o próprio espírito escolhe as provas a que deseja submeter-se para apressar o seu adiantamento, isto é, escolhe meios para adiantar-se, e tais provas estão sempre em relação com as faltas que lhe cumpre expiar. Se delas triunfa, eleva-se; se sucumbe, tem que recomeçar.
“O espírito goza sempre do livre-arbítrio. Em virtude dessa liberdade é que escolhe, quando desencarnado, as provas da vida corporal e que, quando encarnado, decide fazer, ou não, uma coisa e procede à escolha entre o bem e o mal. Negar ao homem o livre-arbítrio seria reduzi-lo a condição de máquina.
“Mergulhado na vida corpórea, perde o espírito, momentaneamente, a lembrança de suas vidas anteriores, como se um véu as cobrisse. Todavia, conserva algumas vezes vaga consciência dessas vidas, que, mesmo em certas circunstâncias, lhe podem ser reveladas. Esta revelação, porém, só os espíritos superiores espontaneamente lha fazem, com um fim útil, nunca para satisfazer a vã curiosidade…
“As existências futuras, essas em nenhum caso podem ser reveladas, pela razão de que depende do modo por que o espírito se sairá da existência actual e da escolha que ulteriormente faça.
“O esquecimento das faltas praticadas não constitui obstáculo à melhoria do espírito, porquanto se é certo que este não se lembra delas com precisão, não menos certo é que a circunstância de as ter conhecido na erraticidade e de haver desejado repará-las o guia, por intuição, e lhe dá a ideia de resistir ao mal, ideia que é a voz da consciência, tendo a secundá-la os espíritos superiores que o assistem, se atende às boas inspirações que lhe dão.
“O homem não conhece os actos que praticou nas suas existências pretéritas, mas pode sempre saber qual o género de faltas de que se tornou culpado e qual o cunho predominante do seu carácter. Bastará então julgar do que foi, não pelo que é, mas pelas suas tendências.
“As vicissitudes da vida corpórea constituem expiação das faltas do passado e, simultaneamente, provas em relação ao futuro. Depuram-nos e elevam-nos, se as suportamos resignados e sem murmurar.
“A natureza dessas vicissitudes e das provas que sofremos também nos podem esclarecer acerca do que fomos e do que fizemos, do mesmo modo que neste mundo julgamos dos actos de um culpado pelo castigo que lhe infringe a lei. Assim, o orgulhoso será castigado no seu orgulho, mediante a humilhação de uma existência subalterna; o mau rico, o avarento, pela miséria; o que foi cruel para os outros, pelas crueldades que sofrerá; o tirano, pela escravidão; o mau filho, pela ingratidão de seus filhos; o preguiçoso, por um trabalho forçado, etc.”
2. Pluralidade dos mundos habitados
Os globos que se movem no espaço são habitados?
– Sim, e o homem terreno está longe de ser, como supõe, o primeiro em inteligência, em bondade e em perfeição. Entretanto, há homens que se têm por espíritos muito fortes e que imaginam pertencer a este pequenino globo o privilégio de conter seres racionais. Orgulho e vaidade! Julgam que só para eles criou Deus o universo.
“Deus povoou de seres vivos os mundos, concorrendo todos esses seres para o objectivo final da Providência. Acreditar que só os haja no planeta que habitamos seria duvidar da sabedoria de Deus, que não fez coisa inútil. Certo, a esses mundos há-de ele ter dado um destino mais sério do que o de nos recrearem a vista. Aliás, nada há, nem na posição, nem no volume, nem na constituição física da Terra, que possa induzir à suposição de que ela goze o privilégio de ser habitada, com exclusão de tantos milhares de milhões de mundos semelhantes.
“As condições de existência dos seres que habitam os diferentes mundos hão-de ser adequadas ao meio em que lhes cumpre viver. Se jamais tivéssemos visto peixes, não compreenderíamos que pudesse haver seres que vivessem dentro de água. Assim acontece em relação aos outros mundos que, sem dúvida, contêm elementos que desconhecemos. Não vemos na Terra as longas noites polares iluminadas pela electricidade das auroras boreais? Que há de impossível em ser a electricidade, nalguns mundos, mais abundante do que na Terra e desempenhar neles uma função de ordem geral, cujos efeitos não podemos compreender? Bem pode suceder, portanto, que esses mundos tragam em si mesmos as fontes de calor e luz necessárias aos seus habitantes.”
2.1. ESTUDO HISTÓRICO
Esta crença íntima que nos mostra o universo como um vasto império em que a vida se desenvolve sob as formas mais variadas, em que milhares de nações vivem simultaneamente na extensão dos céus, parece contemporânea do estabelecimento da inteligência humana sobre a Terra… Todos os povos, e principalmente os hindus, chineses e árabes, conservaram até aos nossos dias tradições teogónicas, em que se reconhece, entre os dogmas antigos, aquele da pluralidade das habitações humanas nos mundos que brilham por cima da nossa cabeça; e remontando às primeiras páginas dos anais históricos da humanidade encontra-se esta mesma ideia, ou religiosa, pela transmigração das almas e seu estado futuro, ou astronómica, simplesmente pela habitabilidade dos astros.
“Os livros mais antigos que possuímos, os Vedas, génese antiga dos hindus, professam a doutrina da pluralidade das habitações da alma humana nos astros; … para nos atermos à doutrina da pluralidade dos mundos, e à Antiguidade histórica e clássica, que é a única que podemos estudar com algum fundamento de certeza, notaremos, primeiramente, que o Egipto, berço da filosofia asiática, tinha ensinado aos seus sábios esta antiga doutrina. Talvez os egípcios não a estendessem então senão aos sete planetas principais e à Lua, que chamavam de terra etérea; seja como for, é notório que professavam altamente esta crença.*
“A maior parte das seitas gregas ensinaram-na, ou abertamente, a todos os discípulos sem distinção, ou em segredo, aos iniciados da filosofia…
“Os filósofos da mais antiga seita grega, a seita jónica, cujo instituidor, Thales, acreditava que as estrelas eram formadas da mesma substância que a Terra, perpetuaram no seu seio as ideias da tradição egípcia, implantadas na Grécia. Anaximandro e Anaximene, sucessores imediatos do chefe da escola, ensinaram a pluralidade dos mundos, doutrina que foi mais tarde espalhada por Empédocles, Aristarco, Leucipo e outros… Anaxágoras ensinou a habitabilidade como artigo de crença filosófica… Partidário famoso do movimento da Terra, é notável que a sua opinião suscitasse em redor dele invejosos e fanáticos e que, por haver dito que o Sol era maior que o Peloponeso, fosse perseguido e quase assassinado…
“O primeiro dos gregos que teve nome de filósofo, Pitágoras, ensinava ao público a imobilidade da Terra e o movimento dos astros em redor dela, e aos seus adeptos privilegiados declarava a sua crença no movimento da Terra como planeta e na pluralidade dos mundos…
“A escola de Epicuro ensinou a pluralidade dos mundos; e a maior parte dos seus adeptos não compreendiam somente os corpos planetários debaixo do título de mundos habitáveis, porém, acreditavam ainda na habitabilidade de uma multidão de corpos celestes disseminados no espaço… Metródoro de Lampsaque, entre outros, achava que seria tão absurdo reconhecer um só mundo habitado no espaço infinito como dizer que não poderia crescer mais do que uma espiga de milho num campo vasto. Anaxarque dizia a mesma coisa a Alexandre, o Grande, admirando-se, quando havia tantos mundos habitados, de ter ele ocupado, com a sua glória, somente um…
“Um grande número de sectários da escola epicurista, entre os quais citaremos Lucrécio, acreditou não só na pluralidade como, ainda mais, na infinidade dos mundos. Afirmava ele: “Todo este universo visível não é único na natureza, e devemos crer que há, em outras regiões do espaço, outras terras, outros seres e outros homens…”. E acrescentava: “Se as inúmeras ondas criadoras se agitam e nadam, sob mil formas variadas e através do oceano do espaço infinito, não teriam produzido, na sua luta fecunda, senão o orbe Terra e a sua abóbada celeste? É crível que além deste mundo uma vasta aglomeração de elementos se condene a um ocioso repouso? Não, não; se os princípios geradores deram nascimento às massas donde saíram o céu, as ondas, a Terra e seus habitantes, devemos convir que, no resto do vácuo, os elementos da matéria engendraram um sem-número de seres animados, de mares, de céus e terras, e semearam o espaço de mundos semelhantes àquele que se balança, debaixo dos nossos passos, nas ondas aéreas.”
“Em seguida, e isto durou um milénio e meio, a religião cristã, vitoriosa, deveria estabelecer a Terra, conforme os ensinamentos de Ptolomeu, como centro do universo, cerceando o aprofundamento das teorias da multiplicidade dos mundos habitados. Foi o grande astrónomo polaco Copérnico quem, depois de haver derrubado o sistema de Ptolomeu, pela primeira vez demonstrou à humanidade o verdadeiro lugar que lhe competia. Estando a Terra “colocada em seu devido lugar”, a possibilidade de vida em outros planetas passava a ter um fundamento científico. As primeiras observações feitas com o auxílio do telescópio, com as quais inaugurava Galileu uma nova era para a astronomia, inflamaram a imaginação dos contemporâneos. Tornou-se claro que os planetas eram corpos celestes bastante parecidos com a Terra. E isto levava naturalmente à formulação da pergunta: Porque haveria o nosso Sol de ser o único astro acompanhado de um séquito de planetas? O grande pensador Giordano Bruno exprimiu essas audaciosas ideias revestindo-as de uma forma clara e inequívoca: “Existe uma infinidade de sóis e de terras girando em torno de seus sóis, tal como os nossos sete planetas giram em torno do nosso Sol… seres vivos habitam esses mundos.” Foram cruéis as represálias da Igreja Católica: declarado herege pelo Santo Ofício, Bruno morreu queimado, em Roma, no Campo dei Fiori, no dia 17 de Fevereiro de 1600…
“Na segunda metade do século XVI, e durante o século XVII, sábios, filósofos e escritores consagraram um bom número de livros a esse problema, no universo. Enumeremos Cyrano de Bergerac, Fontenelle, Huygens, Voltaire….
“Vejamos o sábio russo Lomonossov, vejamos Kant, Laplace, Herschel, e haveremos de observar que a ideia da pluralidade dos mundos habitados se difundiu absolutamente por toda a parte, sem que ninguém, ou quase ninguém, nos meios científicos e filosóficos, se atrevesse a levantar a voz contra ela. Poucos foram os que se dispuseram a alertar a opinião geral contra a concepção que apresentava todos os planetas como outros tantos focos de vida, e de vida consciente.
“Na segunda metade do século XIX, o livro de Flamarion “La Pluralité des Mondes Habités” conheceu enorme popularidade: somente na França, foi trinta vezes reeditado em vinte anos, tendo sido traduzido para vários idiomas. Partindo de posições idealistas, Flamarion admitia ser a vida o objectivo final da formação dos planetas. Revelando um apurado senso de humor e redigidos em estilo muito vivo, embora algo rebuscado, os seus livros causaram excelente impressão sobre os seus conterrâneos. O leitor actual impressiona-se, sobretudo, pela desproporção existente entre a quantidade insignificante de conhecimentos exactos sobre a natureza dos corpos celestes (a astrofísica mal acabara de nascer) e o tom incisivo adoptado pelo autor para afirmar a pluralidade dos mundos habitados… Flamarion dirigia-se mais à sensibilidade que ao raciocínio.
“O russo Constantin Tsiolkovski, pai da astronáutica, foi um ardoroso defensor dos mundos habitados. Reproduziremos apenas algumas das suas frases: “Será lícito imaginar uma Europa povoada e as outras partes do mundo não?”. E de seguida: “Os diversos planetas apresentam as diversas fases da evolução dos seres vivos. O que foi a humanidade há alguns milhares de anos, o que virá a ser dentro de alguns milhões de anos, tudo isto poderemos aprender interrogando os planetas…”.
“A história da pluralidade dos mundos habitados está intimamente ligada à das concepções cosmogónicas. Assim, durante a primeira terça parte do século XX, quando tinha livre curso a hipótese cosmogónica de Jeans, segundo a qual o Sol devia o seu cortejo de planetas a uma catástrofe cósmica extremamente rara (o semichoque de duas estrelas), a maioria dos sábios considerava a vida como um fenómeno excepcional no universo.
A nossa galáxia conta mais de cem biliões de estrelas: parecia bastante improvável, portanto, que nela não se encontrasse pelo menos uma – sem falar no Sol – que não contasse com um sistema planetário. A derrocada da teoria de Jeans, depois de 1930, e a ascensão da astrofísica, têm grandes probabilidades de nos levar à conclusão de que existem na nossa galáxia sistemas planetários em grande quantidade, constituindo o sistema solar mais uma regra do que uma excepção no mundo dos astros. Contudo, ainda não está suficientemente demonstrada esta tão provável suposição.
“A União Soviética, ao colocar em órbita, no dia 4 de Outubro de 1957, o primeiro satélite artificial da Terra, inaugurou uma etapa inteiramente nova na história da ideia da pluralidade dos mundos habitados. A partir de então foram rápidos os progressos obtidos no estudo e na conquista do espaço circum-terrestre, coroado pelos voos dos cosmonautas soviéticos e, posteriormente, pelos americanos. Os homens tomaram subitamente consciência do facto de habitarem um minúsculo planeta solto na imensidão do espaço cósmico. Todos, é claro, tinham aprendido um pouquinho de astronomia na escola… e, teoricamente, ninguém ignorava a situação da Terra no cosmo; a actividade prática, no entanto, continuava dirigida por um geocentrismo espontâneo. Por este motivo nunca será demasiado insistir em recordar a revolução esperada na consciência dos homens nesta fase inicial de uma nova era da história humana, era do estudo directo e, algum dia, da conquista do cosmo.
“Assim, o problema da existência de vida em outros mundos saiu do campo da abstracção, para adquirir uma significação concreta. Estará resolvido experimentalmente, dentro de alguns anos, na parte referente aos planetas do sistema solar… (Introdução do trabalho de Slklovski, director do Instituto de Astronomia da Universidade de Moscovo, citado por Pauwels e Bergier)”.
“A partir de Copérnico e Galileu, as velhas cosmogonias deixaram para sempre de subsistir. A astronomia só podia avançar, não recuar. A história diz das lutas que esses homens de génio tiveram de sustentar contra os preconceitos e, sobretudo, contra o espírito de seita, interessado em manter erros sobre os quais se tinham fundados crenças supostamente firmadas em bases inabaláveis. Bastou a invenção de um instrumento de óptica para derrocar uma construção de muitos milhares de anos….”.
2.2. PERSEGUIÇÃO RELIGIOSA À DOUTRINA DOS MUNDOS HABITADOS
Para tolher o progresso da ciência, coibir a liberdade de pensamento e combater a doutrina da pluralidade dos mundos habitados, que vinha colocar em descrédito a interpretação literal dos livros sagrados, a religião tomou como estandarte as palavras de Tertuliano: “Não temos necessidade de nenhuma ciência depois do Cristo, nem de nenhuma prova depois do Evangelho; quem crê nada mais deseja; a ignorância é boa, em geral, para que não se chegue a conhecer o que é inconveniente.”
A interpretação errónea dos livros sagrados sobre a imobilidade da Terra cobria já com um véu espesso os olhos dos homens desejosos de conhecer, e a aceitação tácita do pensamento de Tertuliano, reverenciado por muitos como sentença, encobriu a doutrina da pluralidade dos mundos habitados durante séculos e séculos. Da parte da religião havia necessidade de um ferrenho combate a essa doutrina, porque contrariava os seus dogmas. Analisemos esses dogmas.
2.2.1. A ENCARNAÇÃO DE DEUS SOBRE A TERRA
Essa doutrina traria aos teólogos enorme dificuldade para responder à questão: “A Terra que habitamos, não sendo mais do que um átomo insignificante na universalidade dos mundos, sobre o que fundaria o privilégio com que a gratificaram de ter sido o objecto especial da complacência divina, de haver recebido em sua habitação o próprio Eterno, que não desdenhara descer a encarnar-se num pouco de poeira terrestre?
“…O homem, criatura que Deus fez à sua imagem, peca e cai logo no primeiro dia da sua existência; Deus, cheio de uma bondade compassiva, desce Ele próprio para levantá-lo. Eis aí uma crença muito doce e consoladora para o homem, que pode apresentar sem demasiados mistérios, o que os espíritos mais simples podem aceitar e compreender. Porém, já não é assim desde que a revelação astronómica faz perder à Terra e ao homem todo o seu prestígio, ao mesmo tempo que eleva Deus a uma altura inacessível. Esta Terra privilegiada, que digo eu, esta Terra única, estava outrora envolvida numa auréola resplandecente; porém, um belo dia os nossos olhos abriram-se, olhámo-la na face, esta Terra cercada de glória, e repentinamente a sua auréola brilhante dissipa-se, o palácio dos homens perdeu a sua riqueza aparente, afundou-se na obscuridade, e logo uma multidão de outras terras apareceu atrás dele, enchendo espaços sem fim. Desde então o aspecto do mundo modificou-se, e com ele crenças que até então pareciam estar solidamente fundadas.
“Desde a época de Copérnico e Galileu sentira-se, em toda a sua profundidade, as dificuldades que o novo sistema do mundo ia suscitar contra o dogma do Verbo encarnado; e não obstante… não se deve ver somente um negócio de ciúme ou de jesuitismo no memorável processo de Galileu. Não é a pessoa do ilustre toscano que tiveram em vista, porém os princípios que ele defendia… O movimento da Terra, uma vez demonstrado, a Igreja deveria desde então interpretar num sentido figurado as passagens das Escrituras que lhe são contrárias.”
2.2.2. A CRIAÇÃO DOS ASTROS NA GÉNESE BÍBLICA
A doutrina da pluralidade dos mundos habitados viria a trazer problemas inúmeros para a interpretação do Génesis, de Moisés, que afirma terem sido os astros criados somente no quarto dia da criação, para iluminar a Terra e marcar-lhe o tempo e as estações do ano.
“E disse Deus: Haja luminares na expansão dos céus, para haver separação entre o dia e a noite; e sejam eles para sinais e para tempos determinados e para dias e para anos.
“E sejam para luminares na expansão dos céus, para alumiar a Terra. E assim foi.
“E fez Deus os dois grandes luminares; o luminar maior para governar o dia, e o luminar menor para governar a noite; e fez as estrelas.
“E Deus os pôs na expansão dos céus para alumiar a Terra.
“E para governar o dia e a noite, e para fazer separação entre a luz e as trevas. E viu Deus que era bom.
“E foi a tarde e a manhã do dia quarto.”
(Génesis, Moisés, cap. I, v. 14 a 19)
A Terra, não sendo mais privilegiada de entre as demais obras da criação universal, colocaria em posição difícil aqueles que ainda lutavam para que os livros sagrados fossem interpretados segundo a letra, e não conforme o espírito, que vivifica. Demonstrando a astronomia que os mundos se sucedem ao infinito e que a Terra gravita em torno do Sol, como conciliar a ideia de que só depois de formar este planeta, no quarto dia, teria o Criador criado o Sol e a Lua? Surgiu, então, a necessidade do combate sem tréguas da religião dogmática à doutrina dos mundos habitados.
2.2.3. A DESCENDÊNCIA ADÂMICA
Com a pluralidade dos mundos habitados cairia por terra a doutrina de um único casal, criado à imagem e semelhança de Deus, para povoar toda a Terra, e únicas criaturas do universo. Também a doutrina do pecado original estaria invalidada.
Havendo outros mundos e outros habitantes longe da Terra, por certo não descenderiam de Adão, e como tal Deus houvera criado, noutros lugares e noutro tempo, as suas criaturas, que também deveriam lutar, sofrer, aprender, progredir na grande marcha evolutiva, que se constitui lei do universo. E essas criaturas ligação nenhuma teriam com o “pecado original” do casal primitivo, que afirmam ser herança “inesgotável” dos viventes da Terra.
2.2.4. A PARADA DO SOL E DA LUA
“Então Josué falou ao Senhor no dia em que o Senhor deu os amorreus na mão dos filhos de Israel, e disse, aos olhos dos israelitas: Sol, detém-te em Gibeão, e tu, Lua, no vale da Aijalom.
“E o Sol se deteve, e a Lua parou, até que o povo se vingou de seus inimigos. Isto não está escrito no livro de Recto? O Sol, pois, deteve-se no meio do céu, e não se apressou a pôr-se, quase um dia inteiro.” (Josué, cap. 10, v. 12 e 13)
As observações da astronomia contrariam a passagem acima; comprovando que a Terra é que se move ao redor do Sol, só poderiam gerar revoltas e perseguições, como as sofridas por Giordano Bruno e Galileu Galilei.
Desaparecendo o suposto privilégio da Terra, por ser igual a milhões e milhões de mundos, também desapareceria a ideia de um povo eleito, em detrimento de outros, e mesmo girando a Terra em redor do Sol não poderia o Senhor parar este, para que o dia se prolongasse até que a batalha fosse vencida.
Tais argumentos colocariam em risco a credibilidade das escrituras sagradas, daí as perseguições às teorias heliocêntricas e da pluralidade dos mundos habitados.
2.2.5. A SALVAÇÃO DA HUMANIDADE PELO SANGUE DE JESUS
Diz o dogma que o Cristo deu a sua vida em holocausto para que o seu sangue lavasse a alma do homem, manchada pelo pecado original.
Com a doutrina da pluralidade dos mundos habitados, existindo então comunidades que não estariam vinculadas ao pecado original, cometido pelo primeiro casal da Terra, já não haveria lógica na salvação pelo sangue derramado do Cordeiro Divino.
Para que esse dogma continuasse a vigorar entre os crentes não poderia haver outro mundo habitado além da Terra, e toda a humanidade deveria descender do casal inicial e trazer consigo a mácula da desobediência perpetrada por eles à ordem do Senhor e necessitar do sangue de Jesus para redimi-los.
2.3. HÁ MUITAS MORADAS NA CASA DE MEU PAI
“Não se turbe o vosso coração. Crede em Deus, crede também em mim. Há muitas moradas na casa de meu Pai; se assim não fosse já vo-lo teria dito, pois me vou para vos preparar o lugar.” (S. João, cap. XIV, v. 1)
“A casa do Pai é o Universo. As diferentes moradas são os mundos que circulam no espaço infinito e oferecem, aos espíritos que neles encarnam, moradas correspondentes ao adiantamento dos mesmos espíritos…
“Do ensino dado pelos espíritos resulta que muito diferentes umas das outras são as condições dos mundos, quanto ao grau de adiantamento ou de inferioridade dos seus habitantes. Entre eles há os que são inferiores à Terra, física e moralmente; outros, da mesma categoria que o nosso; e outros que lhe são mais ou menos superiores em todos os aspectos. Nos mundos inferiores, a existência é toda material, reinam soberanas as paixões, sendo quase nula a vida moral. À medida que esta se desenvolve, diminui a influência da matéria, de tal maneira que, nos mundos mais adiantados, a vida é, por assim dizer, toda espiritual.
“Nos mundos intermediários misturam-se o bem e o mal, predominando um ou outro, segundo o grau de adiantamento da maioria de quem os habita. Embora se não possa fazer, dos diversos mundos, uma classificação absoluta, pode-se, contudo, em virtude do estado em que se acham e da destinação que trazem, tomando por base os matizes mais adiantados, dividi-los, de modo geral, como segue: mundos primitivos, destinados às primeiras encarnações da alma humana; mundos de expiação e provas, onde domina o mal; mundos de regeneração, nos quais as almas que ainda têm que expiar haurem novas forças, repousando das fadigas das lutas; mundos ditosos, onde o bem sobrepuja o mal; mundos celestes ou divinos, habitações de espíritos depurados, onde exclusivamente reina o bem. A Terra pertence à categoria dos mundos de expiação e provas, razão por que aí vive o homem a braços com tantas misérias.”
2.4. UNIVERSO INFINITO – EVIDÊNCIA RACIONAL DA EXISTÊNCIA DE OUTROS MUNDOS HABITADOS
Buscando argumentos racionais que justifiquem a doutrina da pluralidade dos mundos habitados não se pode olvidar a vastidão do universo, com os seus incontáveis planetas, sistemas solares, galáxias, etc.
Com o avanço da astronomia e da astrofísica evidencia-se um universo infinito, e afirmar que só a Terra teria o “privilégio” de possuir uma humanidade seria condenar essa humanidade a ser excepção dentro das leis naturais ou divinas.
A ideia de ser o universo infinito surgiu com Filipo Giordano Bruno, um ex-monge dominicano de 52 anos de idade, que foi queimado publicamente depois de passar sete anos no cárcere por causa das suas ideias heréticas e por se recusar a abjurar as suas crenças diante da Inquisição romana.
“Ao contrário de Galileu Galilei, que, alquebrado, alguns anos mais tarde abjurou a teoria de Copérnico (continuando, porém, a desenvolver com os seus discípulos uma moderna cosmologia, no seu exílio em Arcetri, perto de Florença), Giordano Bruno não pôde ser convencido pela Inquisição a abjurar as suas teorias. Estas não se resumiam apenas na defesa do sistema de Copérnico, que irritava a Igreja, mas incluíam também a sua opinião de que o universo não era limitado por um invólucro, mas sim formado por uma quantidade infinita de estrelas, sendo imensuravelmente grande…”. (4)
No cap. VI de “A Génese”, de Allan Kardec, temos um trecho da comunicação de Galileu a Camille Flamarion.
Nele encontra-se o seguinte: “…Com efeito, a Via Láctea é uma campina matizada de flores solares e planetárias, que brilham em toda a sua extensão. O nosso Sol e todos os corpos que o acompanham fazem parte desse conjunto de globos radiosos que formam a Via Láctea. Mau grado as suas proporções gigantescas, relativamente à Terra, e à grandeza do seu império, ele, o Sol, ocupa inapreciável lugar em tão vasta criação. Podem contar-se por uma trintena de milhões os sóis que, à sua semelhança, gravitam nessa imensa região, afastados uns dos outros mais de cem mil vezes o raio da órbita terrestre.**
“Por esse cálculo aproximativo se pode julgar da extensão de tal região sideral e da relação que existe entre o nosso sistema planetário e a universalidade dos sistemas que ela contém. Pode-se igualmente julgar da exiguidade do domínio solar e, a fortiori, do nada que é a nossa pequenina Terra…
“Assim, fica-se a conhecer a posição que o nosso Sol ou a Terra ocupam no mundo das estrelas. Ainda maior peso ganharão estas considerações se reflectirmos sobre a própria Via Láctea que, na imensidade das criações siderais, não representa mais do que um ponto insensível e inapreciável, vista de longe, porquanto ela não é mais do que uma nebulosa estelar, entre os milhões das que existem no espaço. Se ela nos parece mais vasta e mais rica do que as outras é pela única razão de que nos cerca e se desenvolve em toda a sua extensão sob os nossos olhares, ao passo que as outras, sumidas nas profundezas insondáveis, mal se deixam entrever.
“Ora, sabendo-se que a Terra nada é, ou quase nada, no sistema solar; que este nada é, ou quase nada, na Via Láctea; esta, por sua vez, nada, ou quase nada, na universalidade das nebulosas, e essa própria universalidade bem pouca coisa dentro do imensurável infinito, começa-se a compreender o que é o globo terrestre.”
* Hoje sabe-se que há centenas de biliões de sóis na Via Láctea (“Universo – A Grande Enciclopédia para todos” – Editora Delta – Editora Três – Edição 1973).
8.º CADERNO — AS LEIS MORAIS I
A terceira parte de “O Livro dos Espíritos” trata das leis morais. Antes de entrarmos no estudo pormenorizado de cada uma, vejamos o significado de lei e de moral.
Diz-se que lei é uma regra necessária e obrigatória, que preside à relação de dois ou mais fenómenos, relação esta constante e invariável; também se pode entender como lei o conjunto de normas emanadas de um poder maior e soberano, estabelecendo uma obrigação que se impõe por si mesma. Entende-se por moral tudo aquilo que diz respeito ao procedimento, que pertence ao domínio do espírito, da inteligência e dos bons costumes; diz-se que a moral é a luz condutora da consciência, formando um corpo de preceitos e regras, para dirigir as acções dos homens segundo a justiça para consigo próprio e para com os outros.
O enfoque espírita aceita estas colocações e desdobra-as, qualificando-as de acordo com uma ordem de sequência que fecha exactamente o ciclo de uma espiral evolutiva, “começando” pela lei divina ou natural, “terminando” na perfeição moral, passando pelas leis de adoração, do trabalho, da reprodução, da conservação, da destruição, da sociedade, do progresso, de igualdade e de liberdade, de justiça, amor e caridade.
Parece uma escada ascensional formada de degraus que começam num ponto ideal, a princípio, e fecham em circuito sobre si próprios, finalizando, em projecção, num ponto comum e igual, levando, porém, como carga, todo um processo de evolução, de crescimento, de madureza, de individualização consciencial.
SUMÁRIO – AS LEIS MORAIS
São regras constantes e invariáveis, que emanam de Deus e que têm por finalidade auxiliar o desenvolvimento consciencial do espírito. O espiritismo coloca-as numa sequência crescente, tendo como início um ponto a partir do qual elas se desenvolvem em espiral (símbolo da evolução), fechando ciclos que as incluem, e a cada ciclo o espírito as retoma num nível superior, desenvolvendo-as em si próprio, e assim sucessivamente, na direcção de um aperfeiçoamento infinito, que significa o alargamento da consciência.
1. DA LEI DIVINA OU NATURAL
É o princípio imanente e transcendente do universo — é a presença de Deus na criação. Por ser eterna, é imutável, e é percebida pelas pessoas à medida que crescem consciencialmente.
Ela está apropriada ao elemento que abrange — elemento material (leis físicas) e elemento espiritual (leis morais) – e também ao nível de evolução do mundo em que é aplicada. Para ajudar à sua dinamização nas consciências individuais, de tempos a tempos encarnam espíritos superiores no seio da humanidade, que a vivem de modo integral, servindo de catalisadores para os homens que as mantêm ainda embrionárias. Tal fenómeno faz parte do mecanismo da lei de evolução.
Alguns, no entanto, não dão cumprimento integral à sua missão, misturando as suas coisas pessoais com aspectos da lei maior, o que exige dos seus seguidores um permanente estado de alerta e de análise crítica.
O modelo mais perfeito até hoje é Jesus – sublime catalisador da consciência humana.
O bem é a aplicação da lei divina na medida da consciência individual (de cada um) e o mal é a sua ausência, após o seu conhecimento. Os níveis de responsabilidade moral decorrem do nível de consciência individual e o bem não se manifesta apenas pelas acções grandiosas, mas pela singeleza de ser útil no momento adequado.
A vontade do homem, clareada pela sua consciência, é que o impele a buscar a perfeição, através do amor a Deus (respeitando a lei natural) e ao semelhante, concretizando o preceito “Faz aos outros o que gostarias que te fizessem”.
2. DA LEI DA ADORAÇÃO
Para o espiritismo a adoração a Deus significa acção constante no bem. Deixa, assim, de ser atitude passiva, para tornar-se acção construtiva no caminho do próximo. Pode, no entanto, ser mistificada pela intenção vaidosa, mas este que assim a pratica recebe de acordo com a lei de causa e efeito.
A linguagem da lei da adoração é a linguagem silente do coração.
A oração é um acto dinâmico de sensibilização interior e de movimentação de energias subtis, que tornam o homem mais senhor de si, vencendo os seus instintos perturbadores, promovendo-se à condição de dínamo vivo de forças espirituais, que fluem naturalmente dos seus actos.
A prece é um processo que a consciência humana usa para mergulhar nas fontes inesgotáveis do Poder Maior, com vistas a desenvolver-se e equipar-se convenientemente, a fim de resistir às influências negativas a que está sujeita pela sua própria pequenez espiritual. Serve como émulo a incentivar consciências para deixarem as faixas inferiores do sofrimento, pois é veículo de transfusão energética à distância.
A adoração a Deus é o acto da consciência transformado em acção útil a favor do semelhante.
3. DA LEI DO TRABALHO
O trabalho é meio de desenvolvimento dos potenciais intelectual e moral do espírito. Tem a finalidade de trazer o bem-estar e a felicidade à criatura humana.
Não deve ser encarado como um castigo, nem tão-pouco usado como meio de exploração esclavagista, mas deve ser, antes, meio de troca de benefícios recíprocos, auxiliando ao entendimento e à fraternidade entre as sociedades, grupos e homens entre si. O limite do trabalho está na aceitação do repouso como elemento de refazimento das forças e no cuidado para não se cair no abuso, excedendo as próprias forças, o que configurará suicídio, quando auto-imposto, ou escravização ignóbil, quando aplicado por outrem.
Os mais velhos têm o direito de repouso no final da sua existência, pelo muito que fizeram em prol das gerações novas, que devem aproveitar-lhes o amadurecimento, e testemunhar-lhes amor e reconhecimento, através dos cuidados que eles merecem.
4. DA LEI DA REPRODUÇÃO
É por ela que a humanidade se renova nos seus bens e patrimónios, sejam materiais, culturais ou espirituais.
O crescimento geométrico da humanidade é uma ameaça ao crescimento aritmético da produtividade e dos bens que o homem utiliza, mas a lei divina provê o próprio homem de meios e recursos que, quando utilizados, instalarão na Terra um novo modelo de relação entre os povos, baseado no respeito mútuo, na fraternidade e no amor.
A lei da reprodução permite ao homem transmitir aos seus descendentes o seu aprendizado, que ganhará novas dimensões a partir da contribuição criativa destes, os quais transmitirão os resultados das suas conquistas aos seus sucessores, e assim sucessivamente, criando a história da humanidade.
Todo o embaraço à marcha da natureza é contrário à lei geral. Todavia, a acção inteligente do homem é um instrumento de que Deus dispõe para restabelecer o equilíbrio, podendo regular a reprodução, quando necessário.
O casamento é veículo da reprodução ordenada e educativa, que tem por finalidade restabelecer as bases seguras de uma civilização activa e elevada, voltada para os seus interesses espirituais de desenvolvimento moral.
O celibato, como medida defensiva da reprodução, é meio egoísta de vida e só é aceite quando dele decorrem benefícios colectivos, quando é espontâneo, quando não se reveste de qualquer tipo de fuga, sinais característicos de alma doente.
5. DA LEI DA CONSERVAÇÃO
Por terem que defender a sua vida material — instrumento de evolução do princípio inteligente individualizado — os homens, seja instintiva seja racionalmente, desenvolvem meios de conservação, caindo, no entanto, amiudadamente, em excessos e supérfluos.
A própria Terra oferece meios para a sua sobrevivência, desde que trabalhada com respeito, medida e perícia.
Os defeitos da organização social e a ambição de grupos têm feito o homem topar com a infelicidade no trato das coisas da própria Terra. O uso abusivo de substâncias tóxicas, com vista a melhorar a qualidade e quantidade dos produtos da Terra, tem trazido ao homem consequências incontáveis no campo económico e da saúde, frutos do egoísmo e da imprudência.
Os bens da Terra devem ser estendidos a todos os habitantes, e não a pequenas minorias, que se privilegiam graças à utilização de expedientes exploratórios, mantendo a grande massa em condições de subalternidade e sub-humanidade.
O egoísmo, por um lado, a indolência e a acomodação, por outro, formam triste quadro de miséria e de fome em que a humanidade se submerge.
Tais obstáculos e impedimentos são meios de estimular os homens, primeiro para o altruísmo, e, segundo, para o trabalho e cooperação.
O trabalho deve ser visto e exercitado como meio de desenvolvimento e não como instrumento de consumo. Trabalhando, o homem desenvolve o seu património intelectual, moral e espiritual e deve produzir apenas o necessário para a sua subsistência e conforto, não precisando de criar necessidades artificiais para consumir o que produziu, e que apenas dá lucro a uma pequena minoria de produtores gananciosos.
Toda as vezes que o homem ultrapassa o limite do necessário, ingressando no campo do abuso e do excesso, desencadeia mecanismos dolorosos, que o conduzem ao caminho do equilíbrio.
6. DA LEI DA DESTRUIÇÃO
Toda e qualquer destruição é apenas aparente, pois no universo tudo se transforma.
Na vida animal e vegetal a auto e a heterodestruição objectivam duas finalidades: a) Manutenção do equilíbrio na reprodução; b) Possibilitar as diversas metamorfoses pelas quais todo o ser vivo deve passar.
Na natureza existem mecanismos reguladores que evitam os excessos que levariam à extinção. A natureza oferece meios de preservação e conservação aos seres vivos, a fim de que a destruição não se dê antes do tempo, prejudicando assim o desenvolvimento do princípio inteligente.
Paga alto preço aquele que se excede na destruição da vida, em qualquer nível de manifestação.
Os flagelos destruidores, que tanto afectam o homem, têm uma finalidade que escapa à percepção comum do homem, que apenas enxerga em derredor; geralmente tem uma finalidade regeneradora moral colectiva, obrigando o homem a realizar em poucos anos o que pela sua indolência habitual levaria séculos. É uma forma de aceleração do progresso, na medida em que o homem abdica do seu livre-arbítrio, buscando-o através do esforço, do trabalho e do bem ao semelhante. Os flagelos são contragolpes que a própria natureza oferece ao homem que pauta as suas atitudes pelo egoísmo e pela vaidade.
A guerra é um exemplo típico do mecanismo de crescimento pela dor; ela deixará de existir quando os homens aprenderem a respeitar os direitos do semelhante e quando as oligarquias esclavagista de qualquer natureza cederem lugar a grupos dirigentes que saibam usar a justiça social, utilizando o amor ao próximo. É pela guerra que a alternância do poder se estabelece, dando hipótese a que o mecanismo servo-senhor se inverta quantas vezes forem necessárias, até ao aprendizado completo da faculdade de saber mandar e de saber obedecer.
Todo o assassínio é uma agressão à lei da conservação, mas as penas advindas são proporcionais ao móbil do acto e à sua intenção, cabendo às leis divinas a avaliação definitiva. O aborto enquadra-se neste princípio.
A crueldade é um traço característico da inferioridade do espírito que a comete; identifica os espíritos ainda em estado embrionário, mas que um dia ainda assumirão inteiramente o desenvolvimento das suas potencialidades divinas — património comum a todas as criaturas.
A pena de morte é um resquício da mentalidade vingativa do homem, que não se apercebeu ainda de que a marginalidade é fruto do seu descaso com o próximo. Não resolvendo as causas determinantes do mal — falta de educação, de saúde e de justiça social — sofre-lhes as consequências. Como não se preocupa em atender convenientemente à criança (causa), tem que tentar corrigir o adulto (efeito). Mas com a pena de morte essa correcção torna-se impossível.
Somente a Deus cabe dispor da vida da criatura, não sendo correcto o homem matar o seu semelhante. A pena de morte torna-se hedionda quando o homem a aplica em nome de Deus, intitulando-se seu representante; isso é uma forma mascarada de exteriorizar os seus instintos homicidas, escondendo-se sob a capa da religião.
ANOTAÇÕES E INDICAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS
KARDEC, Allan, O LIVRO DOS ESPÍRITOS, 3.ª Parte – cap. 1 a 6 – 36.ª edição (popular) da Federação Espírita Brasileira, traduzido do título original francês “LE LIVRE DES SPIRITES”, editado em Paris em 18/4/1857.
1. DA LEI DIVINA OU NATURAL
É a lei de Deus, tendo-o como princípio imanente e transcendente do universo, causa e meta, princípio e finalidade; é lei também dita natural porque Deus, estando em tudo, e tudo em Deus, a natureza está prenhe de Deus, que está presente na energia que se transforma em matéria, tanto quanto no espírito que se transforma em consciência, porque nada existe sem ser em Deus.
Por ser uma lei natural é infeliz o que dela se afasta, não por desconhecê-la, mas por repudiá-la.
Sendo uma consequência da sua presença, ela é eterna e imutável quanto ao tempo e espaço, mas percebida pelos homens na medida em que evoluem e dilatam o seu universo consciencial.
Conforme seja considerada, a lei natural tanto rege fenómenos da matéria, sendo estudada pelo homem ligado às ciências académicas, na física, química, biologia, astronomia, etc., como fenómenos do espírito, relacionado com o seu criador – Deus – ou com os seus semelhantes – outros homens e seres da natureza: animais, vegetais, minerais – formando as leis morais.
A lei natural, ou divina, está apropriada para cada mundo, na faixa da sua evolução, embora seja a mesma sob o ponto de vista universal. Todos um dia a compreenderão, embora muitos a conheçam e não a consigam entender nem respeitar, sofrendo as consequências desse desrespeito.
Como está insculpida na consciência da criatura, ela é tanto mais compreendida quanto mais aperfeiçoado (evoluído) o ser, facilitando os seus maus instintos o esquecimento. Para tanto a bondade divina providencia, de tempos a tempos, a vinda de espíritos superiores, que a encarnam em extensão e profundidade. Vivendo-a exemplarmente, servem como modelos catalisadores da mudança de costumes de uma população, de uma sociedade, da humanidade toda, dependendo do raio de acção de tais missionários.
Alguns falham, não conseguindo dar bom termo às suas tarefas e, entre os ensinamentos reais e verdadeiros, misturam os seus erros e fantasias, obrigando assim os seus seguidores a permanentemente exercitarem a análise e a crítica.
Na Antiguidade, eram conhecidos como profetas, e os verdadeiros eram os que não apenas sobressaíam pelas palavras, mas os que testemunhavam pelo exemplo vivo. Entre todos os que até hoje vieram ao encontro do homem o mais perfeito foi Jesus, que conseguiu, na sua longa jornada evolutiva, incorporar de tal forma as leis divinas que as vivia naturalmente, respirando-as e transudando-as através dos seus actos.
É o modelo mais perfeito que o homem tem, e hoje os seus ensinamentos, vertidos em forma simbólica ou através de histórias, têm, pelo espiritismo, uma explicação mais lógica e coerente com a época e os conhecimentos actuais, fugindo das características da Antiguidade, quando os princípios das leis divinas e naturais eram tidos como mistérios, abertos apenas a alguns iniciados.
A doutrina espírita, com o seu corpo de ensinamentos, vem popularizar o conhecimento antes fechado às grandes massas, que tinham de se contentar em seguir de olhos vendados os seus pretensos mestres que, gozando da possibilidade do poder, abusavam da ignorância do povo, impingindo-lhe crendices e temores infundados, misturando conceitos de bem e de mal.
Para a doutrina espírita, a moral tem a ver com o procedimento, isto é, a ideia transformada em acção e em maneira de ser, visando o bem comum.
O bem seria a aplicação, nos limites do conhecimento e da possibilidade, das leis divinas, e o mal a ausência da aplicação destas leis ou, no caso contrário, a agressão a estas mesmas leis. Por intuição o homem sabe o que é a lei divina, bastando para isso não se deixar dominar pelos seus interesses egoístas e vaidosos. Na máxima cristã de não fazer aos outros o que não quer que lhe façam, e mais, fazer aos outros o que gostaria que lhe fizessem, está o resumo de tudo. O mal não é uma criação activa de Deus, que se apresenta no homem como parte da sua natureza; ele é a negação do bem que cumpre ser desenvolvido pelo homem, é a resistência criada pelo homem para a sua própria libertação e crescimento.
Na medida em que o homem se desenvolve e sabe quanto bem deve fazer, e se omite, não se esforçando por concretizá-lo, mais responsável se torna perante as leis divinas pelo mal que pratique. Este tanto pode ser caracterizado pelas acções contrárias ao bem quanto simplesmente pela ausência deste. Por isso, o nível de responsabilidade da consciência ignorante não é o mesmo que o do homem dito esclarecido, pois, dependendo das circunstâncias, como da falta de ocasião de praticá-lo, só o simples desejo de perpetrá-lo já dá ao homem um sentimento de responsabilidade pelas suas consequências.
Todos podem praticar o bem, porque ele não consiste em o indivíduo considerar-se grandioso nos actos de caridade, mas, simplesmente, em tornar-se útil no nível evolutivo em que está.
Há mérito em se resistir ao mal que provém do meio em que se vive e, às vezes, isso ocorre como uma provação das nossas forças, podendo também o mal exercer um arrastamento forte sobre o carácter do indivíduo, mas nunca irresistível, pois a vontade é soberana em quaisquer circunstâncias, não se podendo atribuir ao meio a responsabilidade de actos que a consciência aprova ou não.
A lei natural, tratando-se do comportamento do homem em relação ao seu semelhante, é a do amor ao próximo como a si mesmo.
2. DA LEI DE ADORAÇÃO
Todos compreendem, mesmo que inconscientemente, que acima de tudo existe um princípio criador, um ente supremo, Deus, que rege o universo e as suas criaturas em todos os níveis de evolução.
O reconhecimento e a evolução do pensamento da criatura ao criador caracteriza a adoração, que faz parte da lei natural, pois é um sentimento inato, que se manifesta de formas diferentes.
A adoração interior é a verdadeira, é a do coração, mas a exterior, como bom exemplo, tem o seu valor relativo, desde que não seja uma acção falsa, nem tão-pouco mistificatória.
A adoração a Deus faz-se através do amor dedicado ao semelhante, sem afectação e publicidade, num processo de autopromoção provocada pelo orgulho e pela vaidade. É hipócrita todo aquele que cifra a sua atitude em actos exteriores e espalhafatosos, cuidando de manter uma imagem de pureza e superioridade. Ele cria, fermentando em torno de si, grupos de admiradores fanáticos, mas, na intimidade, demonstra os seus interesses rasteiros de aparecer como figura especial em função da caridade que imagina prodigalizar.
A adoração a Deus é singela, simples, silenciosa e espontânea. Não necessita de arroubos nem de fanfarras que anunciem a intenção do fiel. A linguagem conhecida por Deus é a do coração.
A vida contemplativa, inerte, apenas de reflexão, é um desperdício, pois o potencial do homem deixa de ser usado em benefício do semelhante. A verdadeira adoração é a que nasce da acção útil em favor do outro, desenvolvendo assim os potenciais riquíssimos que a criatura humana possui e ainda disso não se deu conta.
A prece não deve ser confundida com uma adoração contemplativa, pois no acto de orar mobilizamos recursos de natureza interior que nos permitem enfrentar dificuldades sem nos abatermos, tanto quanto encontramos inspiração para novos cometimentos realizados a favor dos nossos semelhantes.
A prece feita com o coração e a alma torna o homem mais senhor de si, podendo lutar contra os seus próprios instintos maus, que o levam a ligações pouco felizes com entidades perturbadas e perturbadoras. A prece funciona como um escudo de protecção contra a invasão do mal de fora, que sempre se fundamenta no mal de dentro da criatura, que assim se vê presa de influências perniciosas e deletérias.
A eficácia da prece, contudo, dá-se quando quem ora consegue sair da sua concha de egoísmo e, descendo do seu pedestal de orgulho, passa a tratar o seu semelhante com amor e carinho, através de acções benéficas. A prece, pois, é uma forma do homem se carregar de energias e canalizá-las para o bem geral e, consequentemente, para o seu próprio bem.
De nada adianta orar, seja louvando seja pedindo perdão das faltas, se o indivíduo não procede a nenhuma mudança na sua maneira de ser, nem tão-pouco adianta simular uma atitude de adoração a Deus com a finalidade de diminuir as dores e provas que cada um deve passar, em função dos seus próprios desacertos, e da necessidade de ultrapassar barreiras próprias e naturais do processo evolutivo (de crescimento espiritual).
A prece, nestas ocasiões, serve como um elemento de motivação para enfrentarmos com dignidade e elevação as provas, mas nunca as diminuindo ou afastando-as do nosso caminho, pois o que mesquinhamente achamos um grande mal, dentro da nossa visão efémera e limitada, na origem geral das coisas, pode ser um bem.
A prece não muda os desígnios de Deus, mas dá-nos uma visão mais clara de como devemos agir, e, quando oramos por terceiros, não os eximimos dos seus sofrimentos, porém transmitimos-lhes o nosso sentimento amoroso, alcançando-os onde estejam, servindo a nossa prece como um refrigério às suas almas, e, a algumas, como um toque para a sua renovação interior, para abandonarem uma posição de inércia, trocando-a por uma de acção a favor de outros sofredores maiores que elas próprias. Forma-se, assim, uma sequência de relações simpáticas e de gratidão entre os espíritos, que aos poucos despertarão para o sentimento de amor recíproco e alcançarão, dessa forma, as recomendações de Cristo.
POLITEÍSMO
Incapaz, por falta de desenvolvimento das suas ideias, o homem atribuía, a princípio, tudo o que não conseguia explicar à acção de deuses que se espalhavam pela natureza, a fim de atender-lhe os pedidos ou vingar-se, se não fossem reverenciados como desejavam. Para o homem primitivo, os deuses disputavam o poder entre si e chegavam a guerrear para mostrarem as suas forças.
O termo deus, a princípio, não significava o Senhor da Natureza, mas todo o ser existente fora das condições da humanidade. Confundiam-se os espíritos nas suas várias escalas evolutivas e as suas relações com os deuses. Era apenas uma questão de palavras, mas que, até hoje, através da devoção dos fiéis, se vê, amiúde, a prática politeísta.
Com o cristianismo houve uma orientação segura quanto à definição de Deus como o Pai amoroso e vigilante, sempre pronto para auxiliar seus filhos a redimirem-se, deixando de lado a imagem grosseira de um Deus vingativo e cruel, irado e sujeito a alterações de humor, conforme o procedimento das criaturas humanas.
A doutrina de Moisés deu-nos como avanço cultural religioso a noção do Deus único, soberano e poderoso, exercendo tal poder sobre tudo e todos no universo.
SACRIFÍCIOS
O facto dos homens primitivos ainda estarem mais influenciados pelos instintos, não tendo desenvolvido o senso moral, é que fez com que procurassem mostrar o seu respeito e devoção às divindades através de sacrifícios, principalmente de criaturas humanas, que valiam mais do que um simples animal que, a princípio, era objecto de escolha para tal. Como admitiam que o valor da crença era proporcional ao valor do que era sacrificado, procuravam agradar a Deus através dos sacrifícios humanos. Essa prática não era realizada propriamente por crueldade, mas originada de uma ideia errónea de querer agradar ao Pai.
Sem dúvida que, com o correr do tempo, os abusos instalaram-se e inimigos comuns e particulares passaram a ser executados com a desculpa de se estar fazendo uma obra piedosa, e de adoração a Deus.
Uma época remanescente desta fase obscurantista foi a Idade Média, na qual centenas de milhares de pessoas foram imoladas para “terem as suas almas salvas”, desencadeando, através do mecanismo da lei de causa e efeito, acontecimentos que até hoje ocorrem no mundo, até ao restabelecimento final da ordem e da justiça nas consciências.
Deus julga os sacrifícios pela intenção, e à medida que os homens evoluíram deixaram tais práticas, mantendo-as apenas a nível simbólico.
O melhor sacrifício perante os olhos de Deus não é a sua defesa, nem dos seus ensinamentos, através de lutas e guerras fratricidas, em que se pretende impor aos outros uma doutrina, mas sim através de uma acção amorosa, compreensiva, procurando ajudar o semelhante, seja de que forma for, minorando-lhe os sofrimentos e auxiliando-o a sair da escuridão da ignorância.
A melhor forma de adorar a Deus é trabalhar a favor da melhoria individual e do grupo em que se vive.
3. DA LEI DO TRABALHO
A necessidade do trabalho é lei da natureza, isto é, é intrínseco no homem ter que trabalhar, para desenvolver o seu potencial intelectual e moral. Tanto é trabalho o do corpo quanto o da inteligência e, como resultado, temos uma aplicação moral desse trabalho, revertendo para o próprio indivíduo e para aqueles que o cercam, aumentando o seu património material e espiritual, do qual deve usufruir para a sua felicidade.
Enquanto o trabalho animal é puramente instintivo e condicionado, o do homem é racional e criativo, permitindo-lhe desenvolver os seus potenciais divinos, pois não visa apenas a conservação do corpo e os bens materiais. O homem evoluído faz do trabalho um meio para atingir os seus fins espirituais de socialização.
O trabalho existe em função das necessidades que, quanto menos materiais forem mais, inclinam o homem para um trabalho menos penoso sob o ponto de vista físico. As necessidades materiais exigem um trabalho material, as espirituais um espiritual.
Quanto mais meios o homem possui para a sua manutenção e sustento mais obrigação moral tem de ser útil aos semelhantes, pois usar o que possui só para o seu gozo, caracteriza-o como egoísta e involuído. A posse de bens que extrapolem as suas necessidades obriga-o a ser útil aos semelhantes, sob pena de converter-se num entrave para o progresso moral e social do meio e da sociedade em que vive, podendo, de futuro, encontrar-se impossibilitado de desenvolver uma função voluntariamente desprezada, tendo que viver às expensas do trabalho alheio, sofrendo o peso dos limites que ele mesmo procurou.
Na sociedade actual, o trabalho dos pais a favor dos filhos (de uma maneira geral de uma geração anterior para uma sucessora) deve receber, como recíproca, uma acção de ajuda mútua, estabelecendo uma cadeia natural de trocas, que estabilize a sociedade. O mais velho ajudando a criança a ser adulta; esta, alcançando a maturidade e o seu mais alto potencial produtivo, deverá ajudar e amparar os que por ela tanto fizeram, e voltar-se também para as novas gerações, que precisam de ajuda e exemplos, e assim sucessivamente.
LIMITE DO TRABALHO – REPOUSO
O repouso, além de ter um papel na reparação das energias físicas, também serve como elemento importante na indução do espírito a procurar a liberdade da inteligência, alcançando a vertente da criatividade, fugindo, assim, do estreito anel das condições reflexas e limitantes de um trabalho rotineiro.
O limite do trabalho é o das forças e todo o abuso que se cometa será considerado suicídio indirecto, se for autonomamente imposto pelo próprio interessado, ou escravidão vil, se da responsabilidade de um terceiro. Tanto uma como a outra atitude configuram uma transgressão da lei de Deus.
Num meio social que leva em conta a lei de produção e consumo uma faixa etária nova é responsável pelo trabalho que assegura o bem-estar dos mais velhos, que já não podem produzir, mas que têm o direito de viver e gozar dignamente a sua velhice, e também é responsável pela educação dos mais novos, que se prepararam para contribuir a favor da sociedade e do mundo.
Por isso é que a lei da reprodução é importante na manutenção deste fluxo interminável, do qual são geradas as sociedades e a própria humanidade.
4. DA LEI DE REPRODUÇÃO
Evidentemente, a lei de reprodução é uma lei da natureza, que assim provê, permanentemente, a renovação do património humano, não só de bens materiais, mas culturais e espirituais que, em conjunto, formam a humanidade.
Sempre crescendo geometricamente, a população do globo terrestre ameaça chegar a um nível em que as condições da Terra não permitirão a todos viver. O fantasma da sobrepopulação e da saturação angustia o homem de hoje, que apenas vê “um canto do quadro da natureza, não podendo julgar da harmonia do conjunto”. Há mecanismos naturais que impedirão a implosão da Terra por excesso de população e escassez de meios e recursos de sobrevivência.
Velhas raças são apenas lembranças históricas que deram lugar a novas raças, que envelhecerão e terão que ser substituídas. Uma visão limitada não permite que entendamos com clareza os desígnios da Providência, que se fazem sem ou com o nosso conhecimento, e sem ou com o nosso consentimento.
Embora as raças possam ser substituídas, os espíritos que as encarnam são os mesmos seres em processo de evolução. Da força bruta dos nossos ancestrais primitivos evoluiu a força da inteligência, que consegue sobrepor-se aos elementos naturais, tirando-lhes, de maneira progressiva, a força, aplicando-a em benefício próprio e colectivo, o que não conseguem os animais.
Deus manifesta-se no homem através da sua inteligência, que é colocada ao serviço do aperfeiçoamento da própria natureza, dela extraindo forças capazes de o ajudarem no seu bem-estar e a realizar o progresso, que se torna meritório de acordo com a intenção dada pelos seus construtores.
OBSTÁCULOS À REPRODUÇÃO
A natureza é regulada por leis gerais, mas a acção inteligente do homem pode alterá-las, desde que o faça de acordo com as suas necessidades e sem abuso.
Esta acção inteligente do homem é que o distingue dos animais, porque ele age com conhecimento de causa, regulando os mecanismos da reprodução, conforme os seus desejos e necessidades, provendo, com esta regulação, a um bem-estar social, económico e moral. Desde que o faça visando somente a sua sensualidade mostrará quanto ainda é material, já que predominam os valores do corpo sobre os da alma.
CASAMENTO E CELIBATO
O casamento é um progresso na marcha da humanidade e a sua abolição seria uma regressão à vida animal.
Através do casamento os seres estabelecem entre si um vínculo de solidariedade fraterna, aprendendo a cooperar com o seu semelhante, abrindo mão de interesses pessoais e egoísticos.
A indissolubilidade do casamento é uma lei humana, que contraria a natureza, que pré-estabelece a união geral dos seres, sem a formação fechada, permanente, de grupos que se enquistam e isolam dos demais. A estabilidade do casamento é dada pela união dos interesses dos cônjuges e pela sintonia espiritual que deve haver entre eles.
O celibato voluntário, procurado ou imposto a si mesmo como um estado meritório e de perfeição espiritual, não passa de uma grande mentira egoísta, desagradando às leis naturais e enganando o mundo, muitas vezes escondendo problemas de desajustes pessoais de ordem moral e sexual. O celibato torna-se meritório quando o seu móbil é o sacrifício pessoal, voltado para o bem da humanidade, mas sem qualquer ideia egoísta de autopromoção, nem tão-pouco compensado com outras práticas que adulteram a natureza da criatura humana, descaracterizando-a sexualmente. O celibatarismo deve ser aceite quando é espontâneo e não se reveste de qualquer tipo de compensação, elevando o homem acima da sua condição material. Ele só é verdadeiro quando não pesa para quem o vive e para quem não precisa de utilizar outros mecanismos de acção sexual para justificá-lo.
POLIGAMIA
A poligamia é uma lei humana, nascida muito mais da sensualidade do que da afeição real, sendo a sua abolição um progresso.
Se fosse uma lei natural, deveria, com o tempo, ter-se universalizado, o que não ocorreu, por diversas razões. Ainda é encontrada no nosso mundo como remanescente de épocas passadas, estando sujeita a uma legislação especial, apropriada a certos costumes tradicionais, que o aperfeiçoamento social irá, aos poucos, modificando.
5. DA LEI DA CONSERVAÇÃO
É uma lei da natureza que todos os seres vivos possuem em diferentes graus, desde o maquinal, instintivo, até ao nível raciocinado.
Porque os seres vivos têm necessidade de viver para cumprimento dos desígnios da Providência Divina, sentem instintivamente a lei de conservação como parte natural de sua constituição.
Os meios de conservação dados por Deus ao homem nem sequer são entendidos, principalmente os meios que a Terra lhe proporciona, que devem ser utilizados na medida do necessário, de forma sustentada, evitando o supérfluo. Quando o próprio necessário não é alcançado pelo homem no trato da terra isso deve-se à imperícia do próprio homem, que não respeita as leis naturais.
Os esbanjamentos dos recursos materiais demonstram que o homem, no afã de satisfazer as suas fantasias, torna-se imprevidente no uso, caindo no abuso, tendo que sofrer, nos dias de penúria.
“A natureza não pode ser responsável pelos defeitos da organização social, nem pelas consequências da ambição e do amor-próprio.”
GOZO DOS BENS TERRENOS
Os bens da Terra devem ser entendidos como tudo o que o homem pode gozar neste mundo, e quando o homem não alcança este gozo não pode, nem deve, acusar a natureza como imprevidente, senão reconhecer que é dele a responsabilidade pelo seu sofrimento, por não saber regrar o seu viver.
Se uns têm tanto e outros têm pouco, ou nada, deve-se reconhecer, por um lado, a existência do egoísmo que impede qualquer atitude altruísta e, por outro lado, a indolência e a acomodação, pois quem realmente busca e se esforça, por pouco que tenha, sempre está fadado a conseguir mais e melhor, se não ficar apenas a reclamar, sem produzir. Os obstáculos e impedimentos, o mais das vezes, têm apenas a finalidade de experimentar a constância, a paciência e a firmeza.
Se cada um aprender a ocupar o seu lugar, não ocupando o espaço do semelhante, a organização social tende a apresentar-se de forma equilibrada e estável.
Os esforços dos vários povos que se utilizam de técnicas científicas para o aperfeiçoamento moral provam que o homem, utilizando a inteligência, pode melhorar o seu padrão de vida, desde que não caia em círculos egoístas e de opressão a terceiros. Estes, quando existem, geram condições de sofrimento futuro, devido à infracção da lei.
A necessidade de subsistência gera no homem a exigência do trabalho, que não deve ser escravo nem explorador. E qualquer tipo de malefício e crime que se cometa contra o próximo sempre gerará uma falta do tipo lesa-natureza com as consequências decorrentes. À medida que as sociedades e os mundos se diferenciam evolutivamente a alimentação está em relação directa com a sua natureza, havendo, nos mundos mais elevados, ainda necessidade de alimentação, que não seria bastante substanciosa para os nossos estômagos ainda grosseiros.
O gozo dos bens terrenos é um direito consequente à necessidade de viver e serve para experimentar o homem, desenvolvendo-lhe a razão, preservando-o dos excessos e abusos, educando-o, desta forma. Todas as vezes que o homem ultrapassa o limite do necessário incide no excesso, amargando o gosto da saciedade e perdendo o estímulo do prazer, punindo-se, desta forma, automaticamente.
NECESSÁRIO E SUPÉRFLUO
O homem ponderado estabelece o limite do necessário pela intuição e pela experiência, conquanto a própria natureza estabeleça a linha divisória do uso e do abuso, conhecendo-se este pelos resultados nefastos dele decorrentes.
Sem saúde e sem força o homem não consegue desenvolver convenientemente o seu trabalho, que tem como finalidade prover as necessidades do corpo, sendo natural o seu desejo de bem-estar, desde que não conseguido a custa de outrem.
PRIVAÇÕES VOLUNTÁRIAS – MORTIFICAÇÕES
Todo e qualquer esforço que se faça para a privação dos gozos inúteis desprende o homem das suas paixões materiais, elevando a sua alma, que se dignifica ainda mais quando o homem abdica dos seus prazeres para fazer a felicidade do semelhante, através do auxílio fraternal.
A utilização de medidas simuladas, com a finalidade de apenas crescer perante os olhos humanos, além de não trazer nenhum auxílio espiritual para o homem ainda o coloca como ser hipócrita que, com máscaras, procura impressionar o seu semelhante. A privação, por exemplo, de certos alimentos, é tomada como prova de superioridade, embora a constituição do homem exija, para a manutenção das suas forças e da sua saúde, a ingestão de proteínas animais, somente sendo coerente esta privação se for séria e útil, isto é, se não for apenas para sobressair, com o uso de sentimentos de falsa superioridade.
Todo e qualquer sofrimento que não seja natural, portanto criado pelo próprio homem com a finalidade de agradar a Deus, não leva a nada, porque, no fundo, está apenas a atender ao seu egoísmo; mortifica-se inutilmente.
Melhor faria se usasse as suas energias para atender ao semelhante que sofre dificuldades, exercitando o seu desprendimento em acções que resultassem em algo útil para alguém, e não apenas fustigando o seu corpo, de maneira egoísta.
6. DA LEI DA DESTRUIÇÃO
Ao que chamamos destruição nem sempre o é; não passa de uma forma de regeneração, de transformação, pois vivemos num universo em que “nada se cria, nada se perde, tudo se transforma.”
DESTRUIÇÃO NECESSÁRIA E DESTRUIÇÃO ABUSIVA
Os seres vivos, para se alimentarem, “destroem-se” reciprocamente, seguindo esta aparente destruição dois fins:
1) Manutenção do equilíbrio na reprodução, que poderia tornar-se excessiva, quebrando a dinâmica de interdependência que existe entre os seres;
2) Utilização dos despojos do invólucro exterior, que sofre a destruição. Esse invólucro é simples acessório; a parte essencial do ser pensante é o princípio inteligente, que não se destrói, mas se elabora nas metamorfoses diversas por que passa.
Os meios de preservação de que a própria natureza é dotada têm a finalidade de evitar que a destruição se dê antes do tempo, o que inibiria o desenvolvimento do princípio inteligente.
O medo inconsciente do homem pela morte é a manifestação do instinto de conservação animal; é a manifestação inconsciente da necessidade que o seu espírito tem de se desenvolver. Por isso, deve enfrentar as provações da vida sem apelar para a fuga das reclamações, das acusações indevidas, nem tão-pouco aspirar à morte física como forma de resolver os problemas que o alcançam.
A necessidade de destruição, para estabelecer o equilíbrio ecológico e psicológico, é proporcional à natureza dos mundos, cessando quando o físico e o moral se acham mais depurados do que aqui na Terra; são características de mundos mais adiantados que o nosso. Mesmo aqui na Terra, à medida que há uma maior depuração, o sentimento de preservação sobrepuja o de destruição, dando ao homem melhor posição no seu desenvolvimento intelectual e moral.
O direito de destruição sobre os animais, bem como sobre os vegetais, está regulado pela sua necessidade, pagando o homem alto preço por qualquer abuso que cometa denotando apenas a predominância dos seus instintos bestiais destrutivos.
Quando a destruição dos animais é evitada, por excesso de escrúpulo ou por imposição religiosa, o facto em si louvável, passa a ser apenas manifestação supersticiosa, pois o homem excede-se de outra maneira. Só é válida quando aceite interiormente, sem riscos para seu bem-estar ou sobrevivência, e sem revolta.
FLAGELOS DESTRUIDORES
Os flagelos destruidores são permitidos por Deus na medida em que os resultados que deles advêm, e que nem sempre são vistos, admitidos e aceites pelo homem, os levam a uma regeneração moral, dando advento a uma melhor ordem, que se realiza em poucos anos, em vez de alguns séculos.
São meios de aceleração do progresso da humanidade que, pelas dificuldades, se vê obrigada a mudar a maneira de agir. Tais meios, porém, são de excepção, pois, regularmente, o homem tem, como meio de progredir, o conhecimento do bem e do mal, que, não sendo convenientemente usado, resulta em medidas de excepção, tomadas pela lei de equilíbrio que rege a vida das pessoas, dos grupos, da sociedade, das nações e da humanidade.
Pelo facto dos espíritos preexistirem e sobreviverem a tudo, eles formam o mundo real. Os seus corpos físicos e o meio físico no qual eles desenvolvem as suas potencialidades espirituais são meros instrumentos de aperfeiçoamento do verdadeiro eu espiritual. Portanto, quaisquer flagelos que nos atinjam, enquanto encarnados e pelo tempo que for, nada mais serão que meios de educação para a eternidade.
Paciência, resignação, abnegação, desinteresse, amor ao próximo, são sentimentos que caracterizam o homem livre do egoísmo. A forma pela qual eles são conquistados é secundária, tanto podendo ser por adopção como pelo sofrimento que advém da não adopção.
Grande parte dos flagelos são resultantes da imprevidência e do abuso, como se fossem um contragolpe às manifestações orgulhosas e cheias de vaidade do homem.
GUERRAS
As guerras, por exemplo, são o resultado da predominância da natureza animal sobre a espiritual, pois nascem e são fomentadas pelos interesses egoístas de grupos que lutam pelo poder e escravizam e subjugam para mantê-lo.
A guerra desaparecerá da Terra quando os homens compreenderem a justiça e praticarem a lei de Deus — amar ao próximo como a si mesmo e a Deus acima de todas as coisas (Deus como símbolo de harmonia e de equilíbrio).
A guerra ainda existe na Terra como uma forma usada pelos segmentos da sociedade discordantes e conflitantes entre si — mecanismo servo e senhor — para haver uma libertação do que se encontra escravizado e explorado, dando-lhes possibilidade de progresso e também manejo do mundo, colocando o que estava na posição de senhor como obrigado a sair da sua função de bem-estar para a de luta e trabalho, que levarão todos ao progresso. A alternância destas duas posições — mando e submissão — é que ensina o homem, na sua viagem pelas diversas encarnações, a desenvolver o equilíbrio e o amor ao semelhante.
ASSASSÍNIO
No caso de assassínio, o mal está em que uma vida de expiação ou de missão foi interrompida pela morte imposta, mas o grau de culpabilidade de quem assim agiu está na intenção com que o cometeu; cada tipo tem a sua pena conforme a sua especificidade intencional. Nos casos de legítima defesa, só a necessidade de assim agir, baseada na impossibilidade total de preservar a vida sem atentar contra a vida do agressor, é que tem a escusa divina. Nas guerras o homem não é culpado quando constrangido à força, mas qualquer crueldade, como qualquer gesto de bondade e humanidade, pesarão no seu julgamento.
O aborto, mesmo o protegido pela legislação humana, é considerado um crime, variando a penalidade conforme a intenção que o motive.
CRUELDADE
A natureza ainda inferior do homem adiciona à destruição a crueldade, que vem a ser uma maneira materialista de ser, pois apenas experimentam as necessidades da vida do corpo os que agem cruelmente por não se darem conta da continuidade da vida em outros níveis. A crueldade deriva da falta de aplicação do senso moral, que gradativamente se desenvolve nos seres, cumprindo aos homens bons, já moralizados, pelas suas acções anularem a influência dos maus e pelos seus exemplos auxiliarem a transformação gradativa dessas criaturas.
O desenvolvimento moral enfraquece o domínio das faculdades puramente animais, que predominam nos homens inferiores. Assim se abafa e neutraliza a sobreexcitação dos instintos materiais a favor do senso moral ainda incipiente dos pouco evoluídos. No meio dos bons, às vezes aparece uma “ovelha desgarrada”, que nada mais é que um espírito inferior, disposto esperançosamente a melhorar, mas, não tendo estrutura, deixa-se levar pela predominância da sua natureza primitiva. Porém, com a sucessiva passagem em diversas experiências corporais, neste ou noutros mundos, todos os espíritos estão fadados a desenvolver as suas potencialidades divinas, que são atributos inalienáveis de todo o ser criado por Deus.
PENA DE MORTE
Terá o homem o direito de tirar a vida de outro homem, mesmo que este tenha tirado a vida a alguém?
A pena de morte é contrária à lei de Deus, e a sua manutenção é traço do atraso espiritual dos povos que a mantêm e sustentam. Há outro meio de evitar que um elemento perigoso ponha em risco a vida de outras pessoas; de resto, matando o seu corpo não se está a livrar a sociedade da sua influência má, negativa e revoltada, pois, como espírito, continuará associado ao meio criminoso, inspirando criaturas frágeis, que funcionam como instrumentos de acção em busca de vingança e satisfação dos seus instintos cruéis. Procurar, de todas as formas, regenerar o criminoso, tentando reparar um mal que começou a ser feito quando ele foi relegado ao abandono e à marginalidade, na infância, reconhecendo que a maior parte da criminalidade surge por falta de educação e condições sociais mínimas, em face do desequilíbrio existente na má distribuição dos bens e da riqueza, que são acumulados egoisticamente por pequenos grupos, que passam a vida inteira preocupados em fazê-los crescer e preservando-os, como único meio de satisfação e felicidade. A marginalidade é a cobrança social que a própria lei de causa e efeito promove, pela falta de investimento na educação e nas condições básicas de sobrevivência.
Nota-se, igualmente, grande número de criminosos e assaltantes que agem de maneira refinada e elegante, escapando quase sempre das malhas da lei humana, mas que jamais poderão escapar das leis divinas, que estão presentes em todas as situações de vida.
A pena de morte imposta a quem matou não encontra fundamento e justificação na lei divina, porque somente o Criador pode dispor da vida da criatura.
Geralmente, quem foi causa de sofrimento para o seu semelhante virá a enfrentar situações em que sofrerá o que tenha feito outrem sofrer, pois a leis matemáticas inscritas nos mecanismos da consciência individual ditam a essa mesma consciência que qualquer equilíbrio rompido deve ser recomposto com o trabalho de quem o desajustou. Quando a pena de morte é imposta em nome de Deus comete-se um verdadeiro sacrilégio, pois, orgulhosamente, o homem autopromove-se à criação divina de distribuidor da justiça, colocando-se, assim, distante da compreensão verdadeira de Deus. Vaidosamente, o homem coloca-se na condição de substituto de Deus, sobrecarregando o seu espírito com todos os males que assim promover.
9.º CADERNO — AS LEIS MORAIS II
Continuando as nossas considerações sobre as leis morais, que levam o ser à perfeição moral, não percamos de vista o enfoque geral dado no módulo anterior, de que as mesmas, como foram colocadas na obra “O Livro dos Espíritos”, formam uma sequência de crescente importância, como se representassem uma estrutura organizacional que possibilita ao espírito crescer evolutivamente em torno da linha do princípio e finalidade, passando por elas como por etapas subsequentes, que se entrosam dinamicamente, fazendo com que a consciência abranja, cada vez mais, um raio maior, figurado na espiral.
A cada volta da espiral teríamos um ciclo completo. Só se seguiria novo ciclo após o indivíduo ter percorrido todas as etapas que correspondem às diversas leis.
O espírito fica retido em cada ciclo até que possa ultrapassar evolutivamente todas as etapas, retornando a essas leis em ciclo mais amplo, como necessidade de aprendizado moral rumo à perfeição.
O equilíbrio entre as várias etapas, medido pela possibilidade de vivenciá-las na sua plenitude espiritual, é que dá oportunidade ao ser de adicionar ao seu aperfeiçoamento moral novos avanços, através de um novo ciclo, em que os mesmos princípios que fundamentam as chamadas leis morais deverão ser vivenciados, só que em dimensão superior e ainda não vivida.
SUMÁRIO – AS LEIS MORAIS (continuação)
Com fim didáctico, imaginamos o espírito a evoluir por ciclos (uma volta completa da espiral em torno do seu eixo – a linha do princípio e da finalidade), vencendo etapas (as leis morais) que, vivenciadas em conjunto, expandirão a consciência, permitindo-lhe um maior raio de acção, simbolizando a sua perfeição moral.
Da lei de sociedade
O ser humano desenvolve o seu psiquismo na relação com o outro. É na troca com o seu semelhante que desenvolve e aperfeiçoa as suas faculdades.
O isolamento total, além de ser contrário à lei natural, é a manifestação do mais puro egoísmo – o egocentrismo. O isolamento parcial, quando serve para reflexões e aperfeiçoamento das faculdades do espírito, depois mobilizadas a favor do bem comum, é meritório.
A família é um meio pelo qual o espírito aprende a utilizar as suas faculdades, porque ela é uma micro-sociedade. No respeito aos familiares o homem aprende a respeitar os seus irmãos na humanidade.
Da lei do progresso
Do estado de simplicidade ao estado de pureza, o espírito evolui graças à lei do progresso, que o impulsiona como uma força natural, fazendo-o enfrentar as diversas atribulações.
O progresso moral torna-se o grande objectivo, e é alcançado à medida que o espírito aprende a discriminar os caminhos que deve conscientemente palmilhar, usando, para tanto, a sua capacidade intelectual.
Só valem, como componentes da evolução espiritual, os actos gerados a nível da consciência esclarecida, por ser a discriminação uma função da inteligência, o que coloca o progresso intelectual como base do progresso moral.
Por enquanto, devido ao seu atraso espiritual, o homem tem feito do conhecimento um veículo para a sua satisfação imediatista. Quando souber aplicá-lo com sabedoria, terá encontrado o caminho da evolução moral. O orgulho e o egoísmo têm sido, entre os homens, os maiores obstáculos à lei do progresso.
A existência de povos degenerados não contraria o progresso; apenas mostra que a lei de causa e efeito se faz presente, devolvendo aos semeadores o fruto amargo das suas semeaduras.
Pelas características próprias e pela influência dos costumes locais, a humanidade futura sempre será formada por nações diferentes, mas que se entenderão, graças ao princípio da evolução e da caridade.
A civilização, na Terra, passa por estágios de crescimento e desenvolvimento, como o próprio homem. Quando ela atingir a maturidade, veremos as nações a respeitarem-se mutuamente, não pretendendo interferir uma na liberdade da outra, ajudando-se fraternalmente, exercendo a justiça em toda a sua extensão.
A legislação humana procurará aproximar-se cada vez mais das leis naturais, que não abonam os privilégios de castas, de dirigentes, nem de minorias, mas que se estendem a todos, em igualdade de condições.
Grande influência tem o espiritismo na lei do progresso, pois é um instrumento valioso para o homem entender a sua natureza, o seu lugar no universo e o seu papel na ordem geral das coisas. Libertando o homem das ideias materialistas, promove-o a cidadão espiritual, colocando-o em condições de uma visão mais ampla acerca do seu próprio futuro, instruindo-o sobre como deve fazer para atingir a sua pureza espiritual.
Da lei de igualdade
Perante Deus, todos os homens são iguais. Estão em posições evolutivas diferentes, mercê do esforço de cada um e da época da sua criação.
A desigualdade de aptidões é fruto do desenvolvimento individual e o convívio grupal de pessoas com aptidões diferentes é um incentivo à ajuda mútua.
As desigualdades sociais são fruto de abusos do homem, e a desigualdade das riquezas é uma prova que nem sempre é superada. Os ricos, em vez de utilizarem o seu património na geração de trabalho, dignificando o homem, fazem da exploração dele uma fonte de aumento da sua riqueza, envolvendo-se, cada vez mais, no egoísmo e no orgulho destruidores. Os pobres, em vez de aproveitarem a oportunidade para o desenvolvimento dos seus potenciais de trabalho construtivo e dos sentimentos sadios, decorrentes do cumprimento dos seus deveres, perdem-se na revolta, na acomodação e na preguiça, acumulando, ainda mais, misérias e atrasos. É claro que entre estes dois extremos existem posições diversas.
O homem e a mulher têm os mesmos direitos perante Deus; porém, os preconceitos humanos colocam a mulher como oprimida e o homem como opressor. Ambos têm funções específicas que só alcançam o seu mais alto nível de desenvolvimento quando eles se associam.
Apesar do fausto dos túmulos, que pretende perpetuar a memória do morto, perante a morte todos os homens são iguais, cada um levando para o mundo espiritual a sua consciência, como resultado de todas as suas experiências.
Da lei de liberdade
A liberdade é um impulso natural, que provém do espírito, que almeja sair de onde está e ser o que ainda não é. Por ser criado, e não criar-se, sente-se escravo da criação e luta sempre para ser livre.
Pelo facto de no estado de simplicidade ser inteiramente inconsciente, a sua luta faz-se no sentido de consciencializar-se. Quanto mais consciente mais responsável.
A escravização de qualquer modalidade – do homem pelo homem, pela máquina, pela economia, pela política – contraria a lei de liberdade.
A liberdade de pensamento e de consciência é um direito inalienável do homem, servindo como aferidora do progresso e da civilização.
O livre-arbítrio é função do pensamento do espírito, podendo ser diferentemente enquadrado em razão de influências passadas, acumuladas em processos de abuso. A responsabilidade do acto é consequência directa do livre-arbítrio e do estado de consciência em que se encontre o espírito.
A fatalidade é decorrência natural da lei de causa e efeito e pode ser gerada com grande antecipação ou nos momentos que antecedem o acto.
A morte, como extinção da vida física, que depende do fluido vital, é fatal, podendo no entanto o seu momento ser modificado por antecipação ou retardamento, em que múltiplas situações se conjugam, principalmente de ordem espiritual. O mundo espiritual precede o mundo material.
A matéria só existe em função da existência do espírito; ela não teria finalidade se não fosse para servir de suporte à evolução do espírito. A imortalidade é do espírito e não da matéria, que é perecível, finita e transformável.
A fatalidade não deve servir de capa encobridora das responsabilidades do homem, que a usa para eximir-se da culpa.
O homem, sozinho ou em grupo, pode accionar mecanismos da lei de causa e efeito, gerando a fatalidade. Quando esta se abate sobre uma colectividade é porque as responsabilidades são grupais, mas sempre dela Deus tira um resultado proveitoso.
O homem, pelo seu presente, pode deduzir o seu futuro, desde que conheça as leis que regem a evolução. Como sempre é vítima de si mesmo, recebendo influências do seu passado ou do seu presente, cumpre-lhe, usando a sua inteligência, fugir do mal e praticar o bem, tornando-se bom, único caminho de crescimento espiritual.
A fatalidade nunca leva o homem a praticar o mal, que sempre nasce do seu desejo, seja por inferioridade, por vício ou por fraqueza.
Da lei de justiça, amor e caridade
A lei de justiça é intrínseca ao ser humano. Basicamente, está no respeito aos direitos do outro. É deformada pelo interesse pessoal, de grupos ou povos, servindo ao egoísmo e ao orgulho.
Ela deve prevalecer, para regular as acções entre os homens, baseada no respeito a uma hierarquia moral, que ainda, infelizmente, não vige na nossa sociedade.
O direito mais primário que o indivíduo detém é o da sua própria vida; daí o dever de preservá-la, e também a do próximo.
A propriedade verdadeira é a que o indivíduo consegue pelo seu trabalho, dedicação, sem prejuízo de outrem, devendo sempre contentar-se com o que possui, evitando desvairar-se à procura de acumular bens materiais.
Todo o acto de apropriação indébita, com ou sem violência mas sempre com astúcia, é considerado roubo.
A caridade, sendo o amor em acção, deve sempre ser dinâmica, e nunca paternalista. Não se pode confundir esmola com caridade. A caridade não é um acto, é uma virtude, que deve estar presente em todos os actos do ser humano.
O amor materno-filial e filial-materno é um dos primeiros modelos do amor entre os homens.
Serve como protótipo para o desenvolvimento do amor entre as pessoas, noutros níveis de relacionamento. Quem não aprendeu a amar a sua mãe ou o seu filho não saberá amar o seu semelhante; e quem não sabe amar o seu semelhante não pode afirmar que ama a Deus.
Da perfeição moral
A virtude é a força de resistência aos maus pendores; o vício é a aceitação e a repetição de actos que caracterizam os maus pendores, fruto do atraso e da ignorância do espírito.
Os bens que o espírito detém devem ser aplicados sempre em benefício de muitos, pois aquele que apenas usufrui para si das riquezas que possui denota o seu grau de atraso e de egoísmo.
A moral sem exercício é como semente sem fruto.
As paixões são forças vivas do espírito, que as deve dominar, para aplicá-las convenientemente a bem do seu progresso espiritual, porque quando é dominado por elas, geralmente, candidata-se a grandes derrocadas morais.
O egoísmo é um vício do espírito, dele derivam todos os outros; é a negação do amor ao próximo, único meio do indivíduo sair do seu ensimesmamento; é um traço de inferioridade do espírito. O personalismo é o filho dilecto do egoísmo.
Como a caridade é a mãe de todas as virtudes, só ela poderá enfrentar o pai de todos os vícios – o egoísmo.
Conhece-se o homem de bem pelos seus actos, tal como uma árvore pelos seus frutos, e não pelos títulos que se lhe pendurem nos galhos.
A prova pela qual o homem se melhora e o espírito evolui é a do conhecimento de si mesmo.
Conhecer-se a si próprio, ao meio que o rodeia, às leis que regulam o seu relacionamento com este meio e com os seus semelhantes, aplicando o conhecimento das leis morais em si mesmo, é o que leva o espírito à perfeição, tirando-o da inconsciência para a consciência plena.
* Toda esta sessão de estudo se baseia na 3.ª Parte, capítulos 7 a 12, de “O Livro dos Espíritos”, correspondendo as citações colocadas entre aspas ao texto da tradução da 36.ª edição da FEB.
ANOTAÇÕES E INDICAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS
KARDEC, Allan, “O Livro dos Espíritos”, 3.ª parte – cap. 7 a 12. – 36.ª edição (popular) da Federação Espírita Brasileira; traduzido do título original francês “Le Livre des Esprits”, editado em Paris em 18-4-1857.
7. Da lei de sociedade, necessidade da vida social
A vida de relação de qualquer pessoa com o seu semelhante é a base do desenvolvimento do psiquismo.
É na relação com o outro que desenvolvemos o nosso eu e as nossas potencialidades psíquicas. A vida social está na natureza do próprio homem, ficando o insulamento não apenas como uma manifestação do seu egoísmo tolo, mas como impossibilidade de progresso, por falta de ajuda mútua. Quem se isola candidata-se ao embrutecimento das suas faculdades psíquicas, que acabam por estiolar.
O homem, não sendo possuidor de todas as faculdades completas, no convívio com os outros promove, em troca, o aperfeiçoamento delas, assegurando o seu bem-estar e o seu progresso. No contacto com o seu semelhante educa-se e evolui; é na relação com o outro que desenvolve o seu psiquismo.
Vida de insulamento, voto de silêncio
Só mesmo a manifestação egoísta – manifestação de doença psíquica – é que explica, mas não justifica, o insulamento absoluto, visto que com isso não se tornam úteis a ninguém; nem mesmo com o argumento de que assim agem para não se contaminarem com as coisas perniciosas do mundo. Até mesmo os que procuram desculpa para o seu isolamento como forma de expiação agem contrariamente à lei de amor e caridade, sendo passíveis de condenação pelas leis sábias da vida, que conferem retorno na medida em que se dá.
É altamente meritório, no entanto, o recolhimento e o silêncio que propiciam reflexões superiores, pois colocam o homem em condições de trabalhar de maneira efectiva pelo seu semelhante, melhorando-lhe o nível de vida e de entendimento. Tal atitude é muito diferente do voto de silêncio, que é totalmente tido como sinal de virtude, e do insulamento, que impede o homem de fazer o bem, cumprindo a lei do amor e do progresso.
Laços de família
Os laços de família existem como uma característica humana da criatura que a distingue dos animais que exercem com as suas crias somente o instinto de protecção à sua espécie.
No homem, tal protecção, levada ao extremo, é responsável pela deformidade do desenvolvimento psicológico, criando dependências que denotam a falta de valores próprios, pois ficam estancados pela acção coerciva da dita protecção.
- Lei divina ou natural
- Lei de adoração
- Lei de trabalho
- Lei de reprodução
- Lei de conservação
- Lei de destruição
- Lei de sociedade
- Lei do progresso
- Lei de igualdade
- Lei de liberdade
- Lei de justiça, de amor e de caridade
- Da perfeição moral
No homem, havendo outras necessidades, como por exemplo o desenvolvimento moral, além das puramente materiais, que exigem cuidados para a sobrevivência, colocam-no em condição de exercer os laços de família consanguínea como um meio de aprender a amar, na vida social, os semelhantes como irmãos.
O relaxamento dos laços de família é tão pernicioso quanto o egocentrismo, que impede que se rompa o vínculo consanguíneo, como o de raça ou de casta, pois ambos levam ao egoísmo, uma das chagas da humanidade. Enquanto a supervalorização da família consanguínea prende a criatura no circuito fechado dos interesses mútuos, o relaxamento dos mesmos remete o indivíduo ao egoísmo pessoal e particular. No seio da família o homem aprende a amar o seu semelhante na sociedade.
8. Da lei do progresso, estado de natureza
O estado de natureza é o estado de simplicidade do espírito, é o seu ponto de partida, quer intelectual quer moral. É o início da sua caminhada através da linha do princípio e da finalidade, que lhe cumpre percorrer, accionado pelas diversas leis que se conjugam entre si com vista a permitir-lhe o desenvolvimento das potencialidades divinas.
É lei natural que esta evolução se dê, impedindo que o homem permaneça indefinidamente no seu estágio de infância espiritual, que de nada lhe valeria se fosse perpetuado. A permanência em tal estágio aparentemente lhe daria um estado de felicidade, que é a felicidade do bruto, como a do animal, cujos instintos estão inteiramente satisfeitos.
Havendo necessidade de evoluir – sair do estado de natureza empurrado pela lei natural – o homem cria uma série de atribulações próprias dos vários estágios pelos quais deva passar. Não podendo retrogradar, senão apenas estacionar por tempo determinado, é por isso responsabilizado no curso geral da sua vida imortal, criando para si embaraços e dificuldades que só o tempo bem aproveitado poderá resgatar.
Marcha do progresso
Está presente no homem a força que o destina para o grande amanhã, mas cumpre que pelo processo de relação com os outros e do aprendizado que faça, desenvolva este princípio. É da lei: aquele que mais se desenvolva ajude o menos desenvolvido, para não criar os grandes desníveis que acabam por gerar, na ausência da lei do amor, o mecanismo servo-senhor ou dominado-dominador.
O progresso moral, que é o grande objectivo do espírito, é uma conquista decorrente do progresso intelectual, porque, através deste último, a criatura humana aprende a discriminar os valores, para poder escolher o que mais lhe convém, usando a faculdade do livre-arbítrio.
A possibilidade de escolha, após o conhecimento discriminativo, é função da inteligência, que assim cria a responsabilidade do acto. A acção automática, instintiva ou imitativa, realizada sem a determinação da vontade, é acto casual, mecânico ou condicionado, que não tem valor moral e denota apenas um estado circunstancial do espírito.
Só passo a passo os povos conseguem atingir o progresso. Por enquanto, o homem tem usado o conhecimento para alimentar a sua inferioridade moral, gerando, como consequência, a necessidade do sofrimento, como instrumento da sua elevação moral. Um dia o homem equilibrará as duas forças, a intelectualidade e a moralidade, atingindo a sabedoria.
O progresso é uma força viva da natureza, não estando no homem o poder de sustê-lo pelas leis oriundas do seu egoísmo e orgulho; quando muito, embaraça-o, estando sempre a sofrer a sua acção construtiva. Os abalos físicos e morais que sofre a humanidade de tempos a tempos são a mostra da sua presença transformadora.
“. . . As revoluções morais, como as revoluções sociais, infiltram-se nas ideias, pouco a pouco; germinam durante séculos; depois, irrompem subitamente e produzem o desmoronamento do carunchoso edifício do passado, que deixou de estar em harmonia com as necessidades novas e com as novas aspirações” – comentário de Allan Kardec.*
Apesar do desenvolvimento material, ao observador desavisado parece que o homem, em vez de avançar, recua moralmente; no entanto, uma visão de conjunto mostra-nos que o homem do século XX é muito mais evoluído socialmente do que há séculos. É verdade que ainda estamos longe de equilibrar o progresso intelectual com o moral, mas a finalidade do homem na Terra é justamente essa. Às vezes é preciso “que o mal chegue ao excesso, para se tornar compreensível a necessidade do bem e das reformas”. O que ainda impede o homem de alcançar o seu destino é o orgulho e o egoísmo.
Povos degenerados
À primeira vista, alguns povos, depois de abalos profundos, caem num processo de degeneração, facto que aparentemente nega a lei do progresso. A explicação que a doutrina espírita nos fornece é a de que não são os mesmos espíritos que animam os descendentes de um povo que degenera; são espíritos menos evoluídos, que reencarnam aproveitando o meio ambiente que lhes é favorável, mas que não serão permanentemente atrasados, pois através dos tempos, das provações individuais e colectivas ressarcirão o seu passado, reabilitando-se através de mudanças que ocorrem na continuidade das suas múltiplas encarnações, pois todos os espíritos caminham para a mesma finalidade, que é a perfeição moral, e a nenhum Deus deserda. Tal como um indivíduo, que passa pelas fases da infância, juventude, maturidade e decrepitude, com os povos isso também ocorre”. … Aqueles cujas leis se harmonizam com as leis eternas do Criador viverão e servirão de farol aos outros povos”.
É utópico pensar que no futuro todos os povos, mercê da evolução espiritual, formarão apenas uma nação. A impossibilidade existe, porque a diversidade de costumes, que geram necessidades próprias, manterão a individualidade das nações. Mas o entendimento fraternal, executado através da lei de caridade, aproximará os povos e as nações, que saberão conviver em plano de ajuda mútua e de paz, mesmo que isso seja alcançado apenas num futuro distante.
Civilização
O conceito de civilização varia de acordo com o ângulo básico que se lhe dê. Se a entendermos como o conjunto de procedimentos que levam o homem a ter uma vida mais confortável, não se preocupando com os meios usados para atingir o conforto, teremos uma visão pragmática e imediatista, porque não dizer materialista.
Mas se considerarmos como civilização um conjunto de valores conquistados pelo esforço humano no campo das ideias e dos ideais, concretizados no respeito ao semelhante, na consecução de leis justas, que devolvem a paz de consciência ao ser, mesmo que o conforto material não seja atingido como meta principal, teremos uma visão idealista e cultural da civilização, porque não dizer espiritualista!
O homem inferior preocupa-se em primeiro lugar com o seu conforto material; o superior procura estar em paz com a sua consciência, buscando sempre auxiliar o seu semelhante, mesmo que isso lhe custe a renúncia a bens materiais.
Os indícios de uma civilização completa serão conhecidos pelo desenvolvimento moral dos que a compõem, que se tratarão irmamente, banindo o egoísmo e o orgulho, dando lugar à caridade cristã no relacionamento individual e entre as nações.
Também a civilização terrena passa por fases e períodos desde a infância até à maturidade.
“De duas nações que tenham chegado ao ápice da escala social, somente pode considerar-se a mais civilizada, na legítima acepção do termo, aquela onde existe menos egoísmo, menos cobiça e menos orgulho; onde os hábitos sejam mais intelectuais e morais do que materiais, onde a inteligência se puder desenvolver com maior liberdade; onde haja mais bondade, boa fé, benevolência e generosidade recíprocas; onde menos enraizados se mostrem os preconceitos de casta e de nascimento, pois tais preconceitos são incompatíveis com o verdadeiro amor ao próximo; onde as leis nenhum privilégio consagrem e sejam as mesmas tanto para o último como para o primeiro; onde com menos parcialidade se exerça a justiça; onde o fraco encontre sempre amparo contra o forte; onde a vida do homem, as suas crenças e opiniões sejam mais bem respeitadas; onde exista menor número de desgraçados; enfim, onde todo o homem de boa vontade esteja certo de não lhe faltar o necessário.”
Progresso da legislação humana
A legislação humana é uma criação das exigências sociais, pela não compreensão e devida aplicação das leis naturais que, por si só, bastariam para reger o comportamento do homem.
Elas vão-se depurando com o passar dos tempos, aperfeiçoando-se à medida que os homens compreendem a justiça como meio de regular a relação humana, e vão-se tornando mais estáveis à medida que se identificam com a lei natural.
O que se vê, contudo, é que, influenciado pelas paixões, o homem cria deveres e direitos imaginários, que acabam por servir aos interesses de grupos, em detrimento da maioria.
As leis severas e punitivas têm a finalidade de tentar reparar o erro cometido, embora “só a educação poderá reformar os homens, que, então, não precisarão mais de leis tão rigorosas”.
Influência do espiritismo no progresso
Os princípios doutrinários do espiritismo, por estarem na natureza, tornar-se-ão crença geral e marcarão uma era nova na história da humanidade, ocupando lugar entre os conhecimentos humanos.
A existência de um princípio criador e sustentador do universo – Deus; a existência e imortalidade de um principio inteligente individualizado – o espírito; a continuidade permanente e eterna da existência deste princípio em outros níveis dimensionais – a imortalidade do espírito; a possibilidade de sintonia entre os espíritos dos vários níveis dimensionais, com a consequente troca de influências – a comunicabilidade dos espíritos; o retomar de tarefas não terminadas, o resgate de dívidas contraídas e a necessidade de desenvolvimento constante, sob o ponto de vista espiritual – a reencarnação; a possibilidade da evolução se fazer não apenas na Terra, mas através dos biliões de planetas existentes no universo – a pluralidade dos mundos habitados; provam os pontos cardeais do espiritismo e estão na base de todas as discussões actuais promovidas pela ciência, que se arvora como representante do conhecimento, e não sabemos se demorará apenas mais do que duas gerações para que tais princípios fiquem devidamente aceites e comprovados.
Destruindo o materialismo, que volta o homem para os interesses apenas imediatos; libertando a sua mente para a adopção de princípios superiores; demostrando ao homem a continuidade da sua existência, passando por cima da morte como por uma estação intermediária na sua grande viagem cósmica pelo universo, perseguindo a perfeição, então o homem perceberá que o seu presente é fruto do passado e o futuro fatalmente será construído pelo seu presente, onde aplicará a acção não apenas buscando o seu conforto material e o seu bem-estar transitório, mas adoptando leis morais que unirão os homens solidariamente como irmãos.
Tal influência no progresso da humanidade já se fez sentir, embora de maneira ténue, mas firme e segura, e chegou à humanidade na época em que ela se apresentava com necessidade de recebê-la para não se afundar no materialismo esterilizante. O progresso de tal influência dar-se-á não somente pela multiplicação das manifestações espirituais, mas fundamentalmente pelo amadurecimento dos conhecimentos já existentes e pelo reconhecimento da mudança que o espiritismo opera na conduta do homem para com o seu semelhante.
9. Da lei de igualdade – igualdade natural
Todos os homens são iguais perante Deus, que os criou simples e ignorantes, e perante a lei natural, pois os direitos são para todos.
A desigualdade que vemos entre os homens é fruto da sua própria evolução e esforço, baseada no facto de cada um ser herdeiro de si mesmo ao longo de sua trajectória evolutiva, onde forja a sua superioridade espiritual.
Desigualdade das aptidões
O que à primeira vista pode parecer uma injustiça – a variedade e desigualdade de aptidões – é a prova maior da harmonia divina, expressa na sua lei do progresso, que coloca espíritos de condições evolutivas diferentes uns ao lado dos outros, com a finalidade de que o que estiver em situação pior encontre um modelo que lhe sirva de meio e estímulo para a sua melhoria.
A diversidade de aptidões facilita o desenvolvimento da solidariedade entre todos, pois aquilo que um não faz, faz o outro, e no final todos precisam uns dos outros, entendendo-se que só na troca é que se desenvolve o amor fraterno e o respeito mútuo.
Espíritos de planos superiores têm como finalidade servir de auxiliares do progresso, quando encarnam em mundos e meios inferiores, dando assim testemunho da sua compreensão e renúncia, desempenhando papel de real valor na ordem geral evolutiva.
Desigualdades sociais
As condições de desigualdade social são criadas pelo homem e não determinadas por Deus. Nascem geralmente do abuso no campo do egoísmo e do orgulho, que se atenuarão cada vez mais através do mecanismo reencarnatório que conduz ao progresso em todos os níveis. A única desigualdade natural é a do merecimento e dá origem a uma hierarquia moral natural ou cósmica.
Desigualdade das riquezas
É utopia a igualdade absoluta das riquezas, porque a diversidade das faculdades e dos caracteres logo a desfaria, pela força dos acontecimentos. O importante não é uma igualdade absoluta, mas uma distribuição equitativa, baseada na lei da justiça, de amor e de caridade, únicas capazes de anularem o egoísmo e o orgulho.
Geralmente, os grandes monopólios constroem-se à custa do trabalho diuturno e suarento de anónimos colaboradores que, por uma questão de justiça, devem receber pagamento pelos seus esforços, o que na sociedade actual nem sempre acontece. A exploração do trabalho de muitos enseja o enriquecimento ilícito de poucos, que perante as leis maiores candidatam-se a múltiplas dificuldades espirituais posteriores.
A riqueza deve servir para reparar injustiças e ajudar a colectividade a crescer, proporcionando-lhe o bem-estar, que “consiste em cada um empregar o seu tempo como lhe apraz e não na execução de trabalhos pelos quais nenhum gosto sente. Em tudo existe o equilíbrio; o homem é quem o perturba”. A miséria é fruto do egoísmo e da imprevidência da sociedade, por um lado, e da preguiça e da acomodação, por outro, e só a educação moral dos seus membros é que a eliminará definitivamente.
As provas da riqueza e da miséria
Tanto a prova da riqueza como a da miséria são concedidas por escolha do próprio espírito, que frequentemente nelas sucumbe.
Enquanto o pobre se perde em queixas, na revolta e até no crime, como tentativa de reparar uma injustiça social, o rico não menos se compromete espiritualmente, quando, esquecendo que quanto mais poder exerce maiores deveres e obrigações tem para com os seus semelhantes, apenas cuida de aumentar o seu património material, tornando-se egoísta, orgulhoso e insaciável. “Deus experimenta o pobre pela resignação, e o rico pelo emprego que dá aos seus bens e ao seu poder”.
Igualdade de direitos do homem e da mulher
Perante Deus e a lei natural o homem e a mulher têm direitos iguais, pois a ambos foi concedida a inteligência e a consciência de escolha do bem e do mal e também a faculdade de progredir.
A inferioridade com que a mulher é tratada provém de preconceitos milenares de que o homem, sendo muscularmente mais forte, tem o direito de oprimir e dominar a sua fragilidade. Deus, porém, forneceu a força para amparar e proteger e não para escravizar e esmagar. O homem e a mulher, por terem funções específicas, só podem suportar as provas e vencer juntos se mutuamente se ajudarem.
Perante a natureza, a importância da mulher é maior, porque ela cumpre o papel de fornecer aos descendentes as primeiras noções da vida. Têm muita razão todos os ramos da psicologia moderna que atribuem à mãe papel preponderante na psicologia do filho, determinando traços de personalidade que o acompanharão sempre, pelo resto da sua existência, podendo ou não ser manejados convenientemente pelo seu possuidor.
Uma legislação, para ser perfeitamente justa, deve consagrar os direitos igualitários do homem e da mulher, respeitando a diversidade de funções, para evitar uma confusão e sobreposição dos papéis que cabem a cada um e que geraria uma situação competitiva.
“Todo o privilégio a um ou a outro concedido é contrário à justiça. A emancipação da mulher acompanha o progresso da civilização. A sua escravização marcha a par da barbárie. Os sexos, além disso, só existem na organização física. Visto que os espíritos podem encarnar num e noutro, sob esse aspecto nenhuma diferença há entre eles. Devem, por conseguinte, gozar dos mesmos direitos”.
Igualdade perante o túmulo
“O túmulo é o ponto de reunião de todos os homens. Aí terminam, inelutavelmente, todas as distinções humanas. Em vão o rico tenta perpetuar a sua memória, mandando erigir faustosos monumentos. O tempo os destruirá, como lhe consumirá o corpo. Assim o quer a natureza. Menos perecível do que o seu túmulo será a lembrança das suas boas e más acções. A pompa dos funerais não o limpará das suas torpezas, nem o fará subir um degrau que seja na hierarquia espiritual.
10. Da lei de liberdade – liberdade natural
É da natureza do espírito a necessidade de se libertar. Como a liberdade absoluta não existe, a criatura vive situações em que deve obedecer.
Na raiz da obediência por imposição residem as primeiras sementes da rebeldia. Com a sua rebeldia o homem quebra a harmonia entre a sua consciência e a criação. Esta harmonia só será restabelecida pelo conhecimento, compreensão e observância da lei divina ou natural. Por ter, na sua intimidade (inconsciente), todos os germes das potencialidades divinas de que é dotado, o espírito busca libertar esse potencial, através da sua acção permanente, e tenta vivenciá-lo no consciente. Este é o caminho que o espírito realiza, através da linha do princípio e finalidade. Quanto mais livre do seu inconsciente mais responsável se torna o indivíduo pelo que faça; quanto mais sabe mais deve fazer. |
Escravidão
A escravidão de antigamente, reprovável em todos os sentidos, dá lugar à escravização moderna do homem pelo homem, do homem pela máquina, do homem pela economia, do homem pela política, etc.
Todo aquele que tira proveito do outro, usando-o egoisticamente para atingir os seus próprios fins, transgride a lei de liberdade, incorrendo numa forma de escravização.
A desigualdade natural das aptidões tem servido como desculpa para o domínio dos fracos pelos fortes, quando cumpriria a estes fornecerem meios e recursos para aqueles que crescem. Isso dá-se não apenas no palco individual, mas também no empresarial, entre os povos e as nações. Cada ser, individual e colectivamente falando, tem o direito de ser senhor de si próprio, sendo “contrária à lei de Deus toda a sujeição absoluta de um homem a outro.”
Liberdade de pensar
A liberdade de pensamento é uma condição básica para o espírito se sentir livre. A espontaneidade e a criatividade, que são factores espirituais, devem estar sempre presentes no pensamento da criatura, evitando que ela se “robotize”, apenas repetindo, em circuito fechado, o que lhe imprimem, através dos modernos meios de massificação.
Perante a lei divina o homem é responsável pelo que pensa e pelo que faz do seu pensamento.
Liberdade de consciência
Por ser a liberdade de consciência corolário da liberdade de pensar, “… é um dos caracteres da verdadeira civilização e do progresso”. “Assim como os homens, pelas suas leis, regulam as relações de homem para homem, Deus, pelas leis da natureza, regula as relações entre ele e o homem.”
Tem-se como claro que Deus se manifesta no homem através da consciência; quanto mais consciente é o homem, mais próximo está de Deus.
Por ser a crença manifestação do entendimento íntimo do espírito, ela sempre será respeitável quando conduzir o homem à prática do bem, e será reprovável qualquer atitude de repressão à crença de quem quer que seja, a menos que esta leve o indivíduo para a prática do mal. Neste caso, em vez da repressão deve-se utilizar o esclarecimento e a educação. “Se alguma coisa se pode impor, é o bem e a fraternidade. Mas não cremos que o melhor meio de fazê-los admitidos seja agir com violência. A convicção não se impõe.”
Uma doutrina será reconhecida como boa e útil quando fizer homens de bem, “…visto que toda a doutrina que tiver por efeito semear a desunião e estabelecer uma linha de separação entre os filhos de Deus não pode deixar de ser falsa e perniciosa.”
Livre-arbítrio
O livre-arbítrio é uma função do pensamento livre accionado pela vontade. Pode ser obstáculo, pelas predisposições instintivas, que são o acervo que o espírito traz de vidas anteriores. Quanto mais evoluído for o espírito mais facilmente manejará o seu livre-arbítrio, e quanto mais livre para agir mais responsável pelas consequências dos seus actos.
Devemos, porém, lembrar a influência que exerce a matéria, representada pelo corpo físico, sobre o espírito, embaraçando-lhe a manifestação, mas não determinando-lhe a acção, que é da responsabilidade exclusiva dele. É como se um raio luminoso fosse opacificado pelo meio que atravessa. É causa de sofrimento para o espírito mais evoluído o contacto com a matéria, que lhe impede a livre manifestação, servindo-lhe de limite à acção. O mau funcionamento dos órgãos do corpo físico pode, assim, ser um meio de punições para o espírito, por abusos cometidos anteriormente, que causam alterações perispirituais, correspondentes aos órgãos lesados. “O espírito, porém, sofre por efeito desse constrangimento, de que tem perfeita consciência. Está aí a acção da matéria.”
Porém, não exime de responsabilidade e nem serve de desculpa para os actos reprováveis a afirmação de que o indivíduo agiu de maneira equivocada, porque estava sob a acção de qualquer tipo de tóxico (álcool, cocaína, drogas, enfim), pois aí, em vez de uma, comete duas faltas: a de se envenenar voluntariamente e a de agir incorrectamente.
Fatalidade
A fatalidade é a consequência natural da lei de causa e efeito, quando todos os seus mecanismos amortecedores e compensadores não possam ser accionados, ou já se tenham esgotado, ficando o indivíduo à mercê da resposta inevitável do que tenha gerado.
Também a fatalidade pode ser a expressão da escolha que o próprio espírito faz ao encarnar, como prova física, ficando as chamadas provas morais na dependência do seu livre-arbítrio, em ceder ou resistir, às eventuais pressões que receba. As provas fatais, de uma forma geral, têm a finalidade de resgate para o espírito que se encontra em débito com a lei maior.
“Fatal, no verdadeiro sentido da palavra, só o instante da morte o é. Chegado esse momento, de uma forma ou doutra, a ele não podeis furtar-vos.” Isto quer dizer que todos os acontecimentos que o homem, para justificar os seus erros, rotula de fatais, podem ser modificados, com a acção do seu livre-arbítrio, desde que, com a devida antecipação, raciocine e actue de modo a fugir daquilo que lhe pareça já sem solução ou fatal.
A morte como extinção do fluido vital, que aviventa o corpo físico, libertando o espírito para a sua vida noutro plano, é fatal, podendo, no entanto, o seu momento ser modificado, por antecipação ou adiamento, em que múltiplas situações se conjugam. Quando todos estes mecanismos convergem para determinada hora, o homem tem que se render, depois de ter utilizado todos os meios para evitá-la, porque se trata de um fenómeno natural, de passagem de volta para o seu mundo original – o mundo espiritual.
A fatalidade da morte é a manifestação da superioridade do mundo espiritual sobre o material e não como muitos pensam, um desígnio preestabelecido de dia, hora e local, como situação fixa, inamovível e inexorável.
O homem, por mais que faça, jamais conseguirá imortalizar a vida na matéria, porque isso contrariaria a natureza da própria matéria, que é perecível, finita e secundária ao espírito. Com a capa da fatalidade muitos procuram esconder os seus próprios actos, procurando eximir-se da responsabilidade, contudo “… sempre confundis duas coisas muito distintas: os sucessos materiais da vida e os actos da vida moral. A fatalidade, que algumas vezes há, só existe em relação àqueles sucessos materiais cuja causa reside fora de vós e que não dependem da vossa vontade (vide flagelos destruidores, no 8.º caderno). Quanto aos vossos actos da vida moral, esses emanam sempre do próprio homem que, por conseguinte, tem sempre a liberdade de escolher. No tocante, pois, a esses actos, nunca há fatalidade.”
Se a fatalidade fosse uma lei que se sobrepusesse à do livre-arbítrio, não haveria, na acção do homem, nem mérito nem culpa, pois não haveria responsabilidade.
Diante da situação de dificuldade geral por que passa o mundo na actualidade, e lembrando que estamos numa época de fecho de ciclo evolutivo da humanidade, recordemos que nós mesmos escolhemos as nossas provas. “… Quanto mais rude ela for, e melhor a suportares, tanto mais te elevarás. Os que passam a vida na abundância e na ventura humana são espíritos pusilânimes, que permanecem estacionários. Assim, o número dos desafortunados é muito superior ao dos felizes deste mundo. Os espíritos, na sua maioria, procuram as pessoas que lhes sejam mais proveitosas. Eles vêem perfeitamente bem a futilidade das vossas grandezas e gozos. Acresce que a mais ditosa existência é sempre agitada, sempre perturbada, quanto mais não seja pela ausência da dor.”
Os homens, através da sua imprevidência e da sua luxúria, criam a fatalidade, que a Divindade utiliza para que eles resgatem as suas próprias dívidas.
Conhecimento do futuro
O conhecimento do futuro é vedado ao homem, para lhe permitir a continuidade no trabalho e na esperança, desenvolvendo assim os seus dotes espirituais, porque se conhecesse, por antecipação, o que viria a acontecer, simplesmente acomodar-se-ia, já que tudo estaria traçado e nada poderia modificar.
Quando, porém, ele precisa de executar uma tarefa especial, Deus poderá conceder-lhe esse conhecimento, ou então revelar-lhe o futuro, como uma prova pela qual deve passar.
Se Deus sabe por antecipação que o homem sucumbirá, que falhará nesta ou naquela situação de vida, porque permite tal prova? O facto é que o homem fabrica o seu próprio futuro e tem necessidade de enfrentar a escolha entre o bem e o mal. Em caso de quedas, estas servem para abater o seu orgulho e a sua vaidade, para desenvolver-lhe a humildade, a força de vontade, a constância no trabalho e a sua capacidade de recuperação.
Se conhecesse o futuro em minúcias nada faria para evitá-lo, porque tudo já estaria escrito.
Sofrendo as consequências dos seus actos pela lei de causa e efeito, compreende que o futuro será fruto das suas acções e procura então evitar o mal e fazer o bem, que é o único caminho de crescimento espiritual.
Resumo teórico do móbil das acções humanas
O homem jamais é levado fatalmente à prática do mal. Ele, pelas circunstâncias da vida e do meio onde viva, pode encontrar maiores facilidades para a prática do mal, mas, em última instância, sempre tem a liberdade de agir, e o mal realizado sempre estará em relação directa com o nível de consciência em que a acção for praticada.
O conhecimento e a prática das leis que regem o comportamento fazem com que o homem progrida, e que os outros, que estão ligados a si, também progridam, pela influência benéfica que é capaz de transmitir.
A causa determinante dos nossos actos está no nosso livre-arbítrio, ou seja, na vontade livre de escolha, podendo sofrer a influência de espíritos, mas sem haver um arrastamento irreversível, senão uma verdadeira associação de propósitos. “Se dessa luta sai vencedor, ele eleva-se; se fracassa, permanece o que era, nem pior, nem melhor… Na razão da sua elevação, cresce-lhe a força moral, fazendo que dele se afastem os maus espíritos.”
11. Da lei de justiça, de amor e de caridade – justiça e direitos naturais
Faz parte da natureza intrínseca do espírito a noção e o sentimento de justiça, que se desenvolve à medida que o progresso moral avança.
A lei de justiça manifesta-se de maneira diferente entre os homens face à mistura das paixões e dos interesses pessoais e de grupos, que os caracteriza.
Basicamente, ela consiste em cada homem respeitar os direitos do outro, conforme o ensinamento cristão: “Fazei aos outros o que quereríeis que vos fizessem.”
Como o homem deve viver em sociedade, nascem-lhe obrigações de relacionamento, que prevêem respeito aos direitos do próximo. Na falta deste respeito surgem perturbações no meio social, que acabam por generalizar-se, dificultando até o bom relacionamento entre os povos e as nações.
Conquanto, à primeira vista, a atribuição de direitos iguais, a si e aos seus semelhantes, pudesse dar ideia de anarquia, tal facto não ocorreria, desde que aquele que tivesse valor fosse reconhecido pelo que não o tivesse. Estamos a falar de uma hierarquia natural, que nasce do bom senso e da responsabilidade dos que se acham num plano superior.
Bem diferente das hierarquias impostas e defendidas à custa da opressão e lutas destruidoras, que apenas geram revolta e vingança.
Direito de propriedade – roubo
A propriedade mais primária que o indivíduo possui, como direito natural, é a vida. Deve respeitá-la ao máximo, em si e no seu semelhante, e torna-se réu quando atenta contra a sua ou a do seu próximo, comprometendo-lhe a existência corporal.
O direito sobre a propriedade material é-lhe atribuído temporariamente, e dela deve fazer uso a benefício de todos.
A verdadeira propriedade é aquela que foi adquirida sem o prejuízo de outrem, devendo o homem contentar-se com o que possui, e não deixar-se levar de maneira desvairada, acumulando bens materiais, que no mais das vezes servem para estabelecer grandes lutas fratricidas entre os herdeiros.
O roubo pode ser considerado como sendo todo o acto de apropriação indébita, não apenas conseguida através da força e da violência, mas também da astúcia enganadora em qualquer acção que prejudique alguém.
Fortunas conseguidas através deste procedimento, que são louvadas pelos mesquinhos como obras de vivacidade e esperteza, quase sempre deixando atrás de si marcas de lágrimas e dores dos espoliados, devem ser consideradas como erigidas pelo roubo.
Caridade – o amor ao próximo
Caridade é o amor em acção. O verdadeiro sentido da caridade está na “benevolência para com todos, indulgência para com as imperfeições dos outros e perdão das ofensas”; portanto, não está apenas na ajuda material aos desafortunados sociais.
Está também presente no amor aos inimigos, que significa perdoar-lhes as ofensas, quase sempre nascidas da ignorância, do orgulho e da vaidade, retribuindo-lhes o mal com o bem.
É um erro fazer da caridade um sinónimo de esmola – consequência da miséria, que é uma chaga social, pois “uma sociedade que se baseie na lei de Deus e na justiça deve prover à vida do fraco, sem que haja para ele humilhação. Condenando-se a pedir esmola, o homem degrada-se, física e moralmente: embrutece.” Triste, ainda, a sociedade que não fornece meios de recuperação, pelo trabalho e pela educação, àqueles que são inclinados, por falta de recursos, à marginalidade e ao crime.
Faz mais caridade quem gera emprego e trabalho do que quem distribui bens de consumo. É mais caridoso dar ao homem meios para lutar pelo seu próprio pão do que encher-lhe o estômago com a esmola que avilta, deseduca, torna dependente e acomodado quem a recebe. “Quando quiseres dar alguma coisa a alguém, dá-lhe a cana em vez do peixe.”
Em tal relação podem estar presentes todos os sentimentos de que o homem é capaz de sofrer a influência, pois, sendo ela primária, serve de inspiração ao que cada um deve desenvolver no curso da sua existência infinita e imortal.
Para o filho, a mãe resume o veículo pelo qual aprende a conhecer e reconhecer o universo que o cerca; para a mãe, o filho é o veículo pelo qual ela pode expressar toda a gama de sentimentos resumidos no amor.
Cumpre aos pais darem aos filhos o melhor ensinamento da vida, através dos seus exemplos, não esquecendo que, através da reencarnação, espíritos com dívidas entre si, reúnem-se na mesma família, para se ajustarem mutuamente, podendo daí resultar atritos e incompreensões que só o amor, associado ao tempo, resolverá. Também devemos recordar que muitos desvios dos filhos se devem à negligência, acomodação e falta de preparação dos pais, que não têm forças suficientes para lhes modelar o carácter.
O amor materno e filial serve como protótipo das ligações afectivas que ocorrerão entre as criaturas na sociedade e vida afora, permitindo-lhes vivenciar os seus potenciais pelo infinito.
12. Da perfeição moral — as virtudes e os vícios
Para o homem comum, virtude é toda a resistência voluntária ao arrastamento dos maus pendores. A sublimidade da virtude é o sacrifício dos interesses pessoais a favor do bem do próximo.
“Só não têm que lutar aqueles em quem já o progresso se realizou. Esses lutaram outrora e triunfaram. Por isso é que os bons sentimentos nenhum esforço lhes custam, e as suas acções parecem-lhes simplicíssimas. O bem tornou-se-lhes um hábito”.
Vício vem a ser o arrastamento voluntário aos maus pendores, sem qualquer tipo de resistência; é uma fraqueza a que se entrega o espírito com a finalidade de satisfazer os seus interesses pessoais, sem preocupar-se com o prejuízo causado a outrem.
Um traço característico da imperfeição é o interesse pessoal colocado acima de qualquer outra coisa. “O verdadeiro desinteresse é ainda coisa tão rara na Terra que, quando se patenteia, todos o admiram, como se fosse um fenómeno.”
“O desinteresse é uma virtude, mas a prodigalidade irreflectida constitui sempre, pelo menos, falta de juízo. A riqueza, assim como não é dada a uns para ser aferrolhada num cofre-forte, também não o é a outros para ser dispersada ao vento. Representa um depósito, do qual uns e outros terão de prestar contas, porque terão de responder por todo o bem que poderiam ter feito e não fizeram, por todas as lágrimas que poderiam ter estancado com o dinheiro que deram aos que dele não precisavam.”
Os que fazem o bem a pensar em recompensa ou reconhecimento, nesta ou noutra vida, operam a serviço do orgulho e da vaidade, não merecendo, portanto, a condição de homens de bem.
A riqueza é um veículo que o homem deve utilizar para a prática do bem comum e geral, e não apenas para usufruí-la pessoalmente, em detrimento dos demais.
O conhecimento é um tipo de riqueza como outra qualquer, do qual o homem terá de prestar contas pela sua aplicação. O conhecimento dos defeitos alheios e a sua divulgação escandalosa é altamente censurável, devendo o que conhece os erros dos seus semelhantes evitar cometê-los, agindo de maneira oposta, para não incorrer nos mesmos. Quando a revelação de um mal não traga nenhum bem como consequência, é altamente culposa; mas o esclarecimento que se faça sobre ele, com vista a evitar-lhe a acção perniciosa, é um bem.
“Alguns autores publicaram belíssimas obras de grande moral, que auxiliam o progresso da humanidade, das quais, porém, nenhum proveito tiraram. Ser-lhes-á levado em conta, como espíritos, o bem que as suas obras tenham originado?”
“A moral sem as acções é o mesmo que a semente sem o trabalho. De que vos serve a semente se não a fazeis dar frutos que vos alimentem? Grave é a culpa desses homens, porque dispunham de inteligência para compreender. Não praticando as máximas que ofereciam aos outros, renunciaram a colher-lhes os frutos.”
Paixões
A paixão é a concentração de energia que proporciona um exagero de acção. Ela faz parte da natureza humana e, quando é bem direccionada, pode levar o homem a grandes realizações, como o pode levar também a grandes derrocadas. O segredo está em saber governá-la, para evitar qualquer prejuízo ao semelhante, o que acabará por reverter contra o seu possuidor.
Enquanto o homem a dirige, pode ser a alavanca de grandes conquistas; quando ela dirige o homem pode ser a escada de grandes abismos. O seu mal não está no uso, mas sim no abuso.
“Todas as paixões têm o seu princípio num sentimento, ou numa necessidade natural. O princípio das paixões não é, assim, um mal, pois assenta numa das condições providenciais da nossa existência”. “Toda a paixão que aproxima o homem da natureza animal afasta-o da natureza espiritual.”
“Todo o sentimento que eleva o homem acima da natureza animal denota predominância do espírito sobre a matéria e aproxima-o da perfeição.”
As más inclinações, o homem vence-as pelo exercício da vontade e através dos seus esforços, secundado pela ajuda eficaz da assistência espiritual que faça por merecer.
O egoísmo
É o pior de todos os vícios, e é de onde deriva todo o mal; é a verdadeira chaga da sociedade, porque é a anulação do amor ao semelhante. O egoísmo é o maior neutralizador das demais qualidades do homem; é a hipertrofia do interesse pessoal.
Por ser inerente à espécie humana, é um obstáculo ao reinado do bem na Terra, sendo característica da inferioridade do espírito. Dele somente se despoja à medida que se instrui acerca das coisas espirituais, e assim desprendem-se do valor material que dão às coisas e às pessoas, e melhoram-se nas relações sociais com o semelhante.
O endurecimento espiritual da humanidade é grande, sendo preciso que o mal derivado do egoísmo seja tão intenso que coloque a sobrevivência do homem em risco, a fim dele poder acordar para a realidade da vida de que deve prevalecer a solidariedade, que é fruto do respeito aos direitos dos outros. “…Então, o forte será o amparo e não o opressor do fraco, e não serão mais vistos homens a quem falta o indispensável, porque todos praticarão a lei de justiça. Esse é o reinado do bem, que os espíritos estão incumbidos de preparar.”
Sendo a mais enraizada dentre todas as imperfeições humanas, por derivar da influência da matéria sobre o espírito, o egoísmo oferece grande resistência à sua destruição.
Pelo facto do homem estar muito próximo da sua origem, o egoísmo está sempre presente nos seus actos, e somente quando a vida moral predominar sobre a material é que ele será vencido. O maior golpe que se pode dar ao egoísmo recai sobre o seu filho directo, o personalismo, que erige para o seu possuidor um pedestal onde ele assenta.
O fortalecimento do egoísmo também se deve ao facto de o homem ao experimentar o do seu semelhante, como defesa desenvolve o seu; daí a importância do exemplo, que gera modelos, não só na família, mas também na comunidade social. O homem deseja ser feliz, e natural é o sentimento que dá origem a esse desejo. Por isso é que trabalha incessantemente para melhorar a sua posição na Terra, que pesquisa as causas dos seus males, para remediá-los. Quando compreender bem que no egoísmo é que reside uma dessas causas, a que gera o orgulho, a ambição, a cupidez, a inveja, o ódio, o ciúme, que a cada momento o magoam; a que perturba todas as relações sociais, provoca as dissensões, aniquila a confiança; a que o obriga a manter-se constantemente na defensiva contra o seu vizinho; enfim a que dum amigo faz um inimigo, ele compreenderá também que esse vício é incompatível com a sua felicidade e, podemos mesmo acrescentar, com a sua própria segurança. E quanto mais haja sofrido por efeito desse vício, mais sentirá a necessidade de combatê-lo, como se combate a peste, os animais nocivos e todos os outros flagelos. O seu próprio interesse o induzirá a isso.
“O egoísmo é a fonte de todos os vícios, como a caridade é a de todas as virtudes. Destruir um e desenvolver a outra, tal deve ser o alvo de todos os esforços do homem, se quiser assegurar a sua felicidade neste mundo, tanto quanto no futuro.”
Caracteres do homem de bem
O homem de bem reconhece-se pela sua elevação espiritual, que é provocada pela compreensão da vida espiritual e pelas suas atitudes evidenciadas na prática da lei de Deus, ou seja, das leis morais.
O homem de bem é o que procura ser justo, amoroso, caritativo, fazendo aos outros o que gostaria que lhe fizessem.
É humanitário, bondoso e benevolente. Se é rico materialmente, encara a riqueza material como um depósito que Deus colocou nas suas mãos para gerar bem-estar ao maior número possível de pessoas através do trabalho engrandecedor.
É complacente com os que estão sob a sua dependência, usando a sua autoridade para lhes levantar o moral, e nunca para esmagá-los. Não é egoísta nem vingativo. É inteligente e respeitador em relação aos erros e direitos dos seus semelhantes.
Autoconhecimento
O meio prático e eficaz que o homem tem de se melhorar nesta vida, e resistir à atracção do mal, que reside nele próprio, é o de conhecer-se, de mergulhar nas profundezas da sua estrutura psicológica, mental e espiritual, e encarar-se face a face, corajosamente. Isto pode ser conseguido à medida que o homem interroga a própria consciência, passando diariamente em revista os seus actos quotidianos; quando ele questiona se fez todo o bem ao seu alcance, com as múltiplas oportunidades que a vida lhe concedeu naquele dia, e se pôde evitar os males que lhe acenaram.
Mas como pode o homem ser juiz de si próprio, quando procura sempre amenizar as suas faltas e engrandecer as suas pequenas boas acções? O meio de verificação infalível é questionar: como veria tais atitudes praticadas pelo seu semelhante? Como o julgaria?
Outro meio de aferir quanto ao valor da nossa conduta está na medida e na opinião que de nós fazem os nossos inimigos que, o mais das vezes, exceptuando os casos de inveja e antipatia gratuita, são instrumentos que Deus coloca no nosso caminho para advertência. Dizem com franqueza, e até com aspereza, o que o nosso melhor amigo evitaria dizer-nos.
A reflexão sobre todos esses elementos leva-nos, fatalmente, ao autoconhecimento. E é por este tipo de conhecimento que iremos aumentar o raio de acção da nossa consciência, agindo de maneira eficaz contra os males, fruto da nossa ignorância e da falta de prática das leis morais.
Conhecendo e praticando as leis morais, de maneira sistemática e ordenada, acrescentamos em nós os valores eternos e permanentes da perfeição moral, que nos levarão à pureza espiritual, para a qual fomos talhados, fechando o ciclo de evolução.
De Deus saímos simples e ignorantes (inconscientes), para Deus voltaremos sábios e puros, porque perfeitamente conscientes.
10.º CADERNO — DAS ESPERANÇAS E CONSOLAÇÕES
O homem terreno pode gozar apenas de uma felicidade incompleta, pois a vida foi lhe concedida para realizar uma evolução intelecto-afectiva e isso também passa por provas ou expiações. Contudo, depende dele abrandar os seus males e ser tão feliz quanto é possível na Terra.
SUMÁRIO
1. PENAS E GOZOS TERRENOS
1.1. Felicidade e infelicidade relativas
O homem terreno pode gozar apenas de uma felicidade incompleta, pois a vida proporciona-lhe sobretudo provas ou expiações. Porém, depende dele abrandar os seus males e ser tão feliz quanto é possível na Terra.
Na maioria das vezes o homem é o artífice da sua própria infelicidade, pois se praticasse a lei de Deus livrar-se-ia de muitos males.
A felicidade terrena é relativa à posição de cada pessoa. Porém, podemos dizer que a medida comum da felicidade para os homens está na seguinte fórmula: para a vida material é a posse do necessário e, para a vida moral, a consciência pura e a fé no futuro.
Os males que ferem o homem mais justo e que independem da sua maneira de agir devem ser encarados com resignação, pois isso representa uma prova que lhe será levada em conta, se a suportar com coragem e sem queixas.
Aos olhos dos que enxergam apenas o presente, certas pessoas parecem favorecidas pela fortuna sem a merecerem. Porém, a fortuna é uma prova mais perigosa do que a miséria.
Quando ao homem falta o necessário à vida e à saúde do corpo, não por culpa sua, mas ocasionada por outrem, a responsabilidade recairá sobre aquele que lhe houver dado causa.
No afastarem-se os homens de sua esfera intelectual e profissional propícia às suas inclinações e aptidões reside a causa de muitas decepções e desajustamentos. Depois, o amor-próprio impede, muitas vezes, que a pessoa recorra a uma profissão mais modesta, porém, mais adequada à sua vocação.
Com uma organização social mais justa e previdente ao homem, só por culpa sua poderia faltar o necessário. As suas faltas, todavia, frequentemente são resultado do meio em que se acha colocado. As classes sofredoras são mais numerosas na Terra por ser esta um planeta de expiação e provas. Porém, as classes chamadas felizes, na verdade, trazem ocultas aflições, concluindo-se que nenhuma é verdadeiramente feliz.
No mundo, muito amiúde, a influência dos maus sobrepuja a dos bons, por fraqueza destes. “Os maus são intrigantes e audaciosos, os bons são tímidos. Quando estes o quiserem, preponderarão.”
1.2. Perda dos entes queridos
A perda dos entes queridos constitui para o homem uma legítima causa de dor, que atinge indistintamente ricos e pobres, e representa uma prova ou expiação. Todavia, temos por vezes a consolação de podermos comunicar com eles através de médiuns, enquanto não dispusermos de meios mais directos e acessíveis aos nossos sentidos.
Os espíritos são sensíveis à lembrança e à saudade dos que lhes foram caros na Terra. As dores inconsoláveis e desarrazoadas atingem-nos penosamente, pois denotam falta de fé no futuro e de confiança em Deus, pois isto é um obstáculo ao adiantamento dos que os choram e também à sua reunião com estes. Normalmente o espírito é mais feliz no espaço que na Terra e lamentar que ele tenha deixado a vida corpórea é deplorar que seja feliz.
1.3. Decepções, ingratidão, afeições destruídas
Para o homem de coração, as decepções originadas da ingratidão e da fragilidade dos laços de amizade são também uma fonte de amargura. Devemos, porém, lastimar os ingratos porque são infelizes. A ingratidão é filha do egoísmo e o egoísta topará com corações insensíveis, como o seu próprio o foi.
O bem deve ser praticado sem exigências; a ingratidão é uma prova à nossa perseverança no exercício do bem. O ingrato será punido na proporção exacta do seu egoísmo.
A natureza deu ao homem a necessidade de amar e ser amado. É um grande gozo na Terra o homem encontrar corações afins. É a primícia da felicidade que o aguarda no mundo dos espíritos perfeitos, onde dominam o amor e a benignidade. Desse gozo está excluído o egoísta.
1.4. Uniões antipáticas
Os espíritos simpáticos buscam-se reciprocamente e procuram unir-se. Todavia, é muito frequente entre os encarnados na Terra existir a afeição só de um lado e o amor sincero se veja colhido com indiferença e até com repulsão.
Estas ocorrências, à luz das leis morais, constituem uma punição passageira. Além disso, muitos acreditam amar perdidamente porque julgavam pelas aparências e quando obrigados a viver com as pessoas amadas, passam a reconhecer que experimentaram apenas um encantamento.
Há duas espécies de afeição: a do corpo e a da alma. Com frequência as pessoas enganam-se e tomam uma pela outra.
A afeição da alma, quando pura e simpática, é duradoura; a do corpo é efémera. Daí vem que, muitas vezes, os que julgam amar-se com eterno amor passem a odiar-se, desde que a ilusão se desfaça.
A falta de simpatia entre seres destinados a viverem juntos constitui fonte de amargos dissabores, que envenenam toda a existência, e é essa uma das infelicidades de que os seres humanos quase sempre são a causa principal. Deus não constrange ninguém a permanecer junto dos que o desagradam.
1.5. Temor da morte
Para muitas pessoas, o temor da morte é uma causa de perplexidade. Porém, falta-lhes fundamento para semelhante temor. Isto provém da sua infância, quando procuraram persuadi-las de que há um inferno e um paraíso, e que mais certo é irem para o inferno, visto que também lhes disseram que o que existe na natureza constitui pecado mortal para a alma. Tornadas adultas, não podem admitir tal coisa e tornam-se materialistas, levadas a crer que além da vida presente nada mais há.
Ao justo, nenhum temor inspira a morte, porque, com fé, tem ele a certeza do futuro.
O homem carnal, preso à vida corpórea, centraliza a sua felicidade na satisfação fugaz de todos os seus desejos e, por isso, constantemente se angustia face às vicissitudes da vida. A morte o assusta; ele duvida do futuro porque tem de deixar no mundo todas as suas afeições e esperanças.
O homem moral, coloca-se acima das necessidades artificiais criadas pelas paixões, e já neste mundo experimenta gozos que o homem material desconhece. A moderação dos desejos dá-lhe calma e serenidade; ditoso pelo bem que faz, as decepções e contrariedades não deixam impressão dolorosa na sua alma.
1.6. Desgosto da vida, suicídio
O desgosto da vida que, sem motivos plausíveis, se apodera de certos indivíduos, nasce da ociosidade, da falta de fé e, também, da saciedade.
Para aquele que usa as suas faculdades com um fim útil e de acordo com as suas aptidões naturais, o trabalho nada tem de árido e a vida escoa-se mais rapidamente.
O homem não tem o direito de dispor da sua vida; só a Deus assiste esse direito. O suicídio voluntário constitui uma transgressão dessa lei. Nem sempre é voluntário o suicídio; o louco que se mata não sabe o que faz.
O suicídio decorrente do desgosto da vida é uma insensatez. O trabalho torna a existência menos pesada.
Os que se suicidam para fugirem às decepções deste mundo são “pobres espíritos” que não têm a coragem de suportar as vicissitudes da existência. Deus ajuda os que sofrem e não os que carecem de energia e de coragem.
Os que possam ter conduzido um infeliz ao desesperado acto do suicídio sofrerão as consequências de tal proceder; responderão como por um assassínio.
É considerado suicida aquele que, a braços com a maior penúria, se deixa morrer de fome. Porém, os que lhe foram causa, ou que teriam podido impedi-lo, são mais culpados do que ele, a quem a indulgência espera. Não pensemos, todavia, que seja totalmente absolvido, se lhe faltaram a firmeza, a perseverança e não usou toda a sua inteligência para sair do atoleiro. Ai dele, sobretudo, se o seu desespero nasce do orgulho.
O suicida que procura esse meio para escapar à vergonha de uma acção má é tão culpado como aquele causado pelo desespero. Isto porque o suicídio não apaga a falta; em vez de uma, haverá duas. Quando se teve a coragem de praticar o mal, é preciso ter-se a de lhe sofrer as consequências.
Outra loucura é o caso do que se mata para chegar mais depressa a uma vida melhor, pois retarda essa chegada e terá que pedir lhe seja permitido voltar, para concluir a vida, a que pôs termo sob domínio de uma ideia falsa.
O homem que perece vítima de paixões, consciente de que elas apressariam o seu fim, sem conseguir resistir-lhes, por tê-las tornado vício das necessidades físicas, comete um suicídio moral. É duplamente culpado, pois há nele falta de coragem e bestialidade, agravadas do esquecimento de Deus.
É também culpado perante a lei divina aquele que não aguarda o termo que Deus lhe marcou para a existência. Outrossim, mesmo no caso em que a morte é inevitável e em que a vida só é encurtada por alguns instantes, é sempre uma falta de resignação e de submissão à vontade do criador, que a tudo confere um fim útil.
Aqueles que não podem conformar-se com a perda de pessoas que lhes eram caras e que se matam na esperança de juntar-se a elas, muito diverso do que esperam é o resultado que colhem. Sofrerão aflições maiores do que as que pensaram abreviar e não terão a satisfação que esperavam.
Quanto ao estado do espírito, as consequências do suicídio são muito diversas. Não há penas determinadas e correspondem sempre às causas que o produziram. Uma consequência a que o suicida não pode escapar é ao desapontamento. Conforme as circunstâncias, alguns suicidas expiam a falta imediatamente, outros em nova existência, que será pior do que aquela cujo curso interromperam.
Os efeitos do suicídio não são idênticos. Há alguns, porém, que são comuns a todos os casos de morte violenta, consequentes da interrupção brusca da vida. Há, primeiro, a persistência prolongada e tenaz do laço que une o espírito ao corpo, devido a este laço estar na plenitude da sua força no momento em que se tenta parti-lo. Como decorrência desse brusco rompimento, advém o prolongamento da perturbação espiritual, seguindo-se a ilusão que o espírito conserva, por mais ou menos tempo, de que ainda pertence ao número dos vivos.
A afinidade que permanece entre o espírito e o corpo produz, em alguns suicidas, uma espécie de repercussão do estado do corpo no espírito, que, assim, a contragosto, sente os efeitos da decomposição, com uma sensação cheia de angústia e de horror, estado este que pode durar pelo tempo que devia durar a vida que sofreu interrupção.
2. PENAS E GOZOS FUTUROS
2.1. O nada, a vida futura
O homem tem instintivamente horror ao nada porque o nada não existe. Igualmente o homem possui o sentimento instintivo da vida futura, pois antes de encarnar o espírito conhecia todas essas coisas e a alma conserva vaga lembrança disso.
A ideia do nada repugna à razão. O homem, por mais despreocupado que seja durante a vida, chegado o momento supremo, pergunta a si mesmo o que vai ser dele e, sem o querer, guarda esperança.
Crer em Deus, sem admitir a vida futura, seria um contra-senso. A vida futura implica a conservação da nossa individualidade, após a morte.
2.2. Intuição das penas e gozos futuros
A crença com que deparamos entre todos os povos, na existência de penas e recompensas, origina-se do pressentimento da realidade, trazido ao homem pelo espírito que ele próprio é.
Os sentimentos que dominam os homens no momento da morte são: a dúvida, nos cépticos e empedernidos; o temor, nos culpados; a esperança, nos homens de bem.
A responsabilidade dos nossos actos é a consequência da realidade da vida futura. A razão e a justiça nos dizem que, na partilha da felicidade a que todos aspiram, não podem estar confundidos os bons e os maus. Não é possível que Deus queira que uns gozem, sem trabalho, de bens que outros só alcançam com esforço e perseverança. O sentimento inato que temos da justiça dá-nos a intuição das penas e recompensas.
2.3. Intervenção de Deus nas penas e recompensas
Deus ocupa-se, pessoalmente, com cada homem? Não é ele muito grande e nós muito pequeninos para que cada indivíduo em particular tenha, a seus olhos, alguma importância?
Deus ocupa-se com todos os seres que criou, por mais pequeninos que sejam. Nada, para a sua bondade, é destituído de valor.
Deus tem as suas leis a regerem todas as nossas acções. Se as violamos, nossa é a culpa. Quando um homem comete um excesso qualquer, Deus não profere contra ele um julgamento. Ele traçou um limite; as enfermidades, e muitas vezes a morte, são a consequência dos excessos. Eis aí a punição: é o resultado da infracção da lei.
Deus ainda nos previne e nos adverte sempre, através da inspiração dos bons espíritos, e ainda faculta ao homem recursos para reparar os seus erros concedendo-lhe novas existências.
2.4. Natureza das penas e gozos futuros
As penas e gozos da alma após a morte não são materiais, pois a alma não é matéria. Nada têm de carnal; entretanto, são mil vezes mais vivos do que os que experimentamos na Terra. O espírito liberto tem percepções muito maiores, pois a matéria não lhe reduz as sensações.
A ideia grosseira e absurda que o homem faz das penas e gozos da vida futura provém da falta de suficiente desenvolvimento da inteligência. Depende também do que lhe foi ensinado e aí há necessidade de uma reforma.
A felicidade dos bons espíritos consiste em conhecerem todas as coisas; em não sentirem ódio, nem ciúme, nem inveja, nem ambição, nem qualquer das paixões que ocasionam a desgraça dos homens. O amor que os une é-lhes fonte de suprema felicidade. Não experimentam as necessidades, nem os sofrimentos, nem as angústias da vida material. São felizes pelo bem que fazem. Contudo, a felicidade dos espíritos é proporcional à elevação de cada um. Entre os maus e os perfeitos há uma infinidade de graus em que os gozos são relativos ao estado moral.
Os sofrimentos dos espíritos inferiores são tão variados como as causas que os determinaram e proporcionais ao grau de inferioridade, como os gozos o são ao de superioridade. Podem resumir-se assim: invejarem o que lhes falta para serem felizes e não obterem; verem a felicidade e não a poderem alcançar; pesar, ciúme, raiva, desespero, motivados pelo que os impede de ser ditosos; remorsos, ansiedade moral indefinível. Desejam todos os gozos e não os podem satisfazer: eis o que os tortura.
2.5. Penas temporais
É verdade que a alma quando está reencarnada, as tribulações da vida fazem-na sofrer; porém, só o corpo sofre materialmente.
Falando de alguém que morreu, costumamos dizer que deixou de sofrer. Nem sempre isso exprime a realidade. Como espírito, está isento de dores físicas; mas tais sejam as faltas que tenha cometido, pode estar sujeito a dores morais mais agudas e pode vir a ser ainda mais desgraçado em nova existência. Todas as penas e tribulações da vida são expiação das faltas de outra existência, quando não a consequência das da vida actual.
É verdade que a alma quando está reencarnada, as tribulações da vida são para ela um sofrimento; porém, só o corpo sofre materialmente.
Falando de alguém que morreu, costumamos dizer que deixou de sofrer. Nem sempre isto exprime a realidade. Como espírito, está isento de dores físicas; mas tais sejam as faltas que tenha cometido, pode estar sujeito a dores morais mais agudas e pode vir a ser ainda mais desgraçado em nova existência. Todas as penas e tribulações da vida são expiação das faltas de outra existência, quando não a consequência das da vida actual.
À medida que se vão depurando, os espíritos passam a encarnar em mundos cada vez mais perfeitos, até que se tenham despojado totalmente da matéria e lavado de todas as impurezas. Nos mundos onde a existência é menos material do que neste, menos grosseiras são as necessidades e menos agudos os sofrimentos físicos.
2.6. Expiação e arrependimento
O arrependimento dá-se no estado espiritual, mas também pode ocorrer no estado corporal, quando a pessoa bem compreende a diferença entre o bem e o mal.
Como consequência do arrependimento no estado espiritual, o arrependido deseja uma nova encarnação para se purificar. O espírito acaba por compreender as imperfeições que o privam de ser feliz e, por isso, aspira a uma nova existência em que possa expiar as suas faltas.
O arrependimento no estado corporal faz com que, já na vida actual, o espírito progrida, se tiver tempo de reparar as suas faltas.
Homens que só têm o instinto do mal e parecem inacessíveis ao arrependimento, através das reencarnações, adquirirão o instinto do bem, pois é preciso que todos progridam e atinjam a meta. Uns gastam mais tempo do que outros, porque assim o querem.
O homem perverso, que não reconheceu as suas faltas durante a vida, sempre as reconhece depois da morte e, então, mais sofre, porque sente em si todo mal que praticou. Nem sempre o arrependimento é imediato. Há espíritos obstinados no mau caminho, mas cedo ou tarde ele virá. Deve-se entender que o espírito não se transforma subitamente, após a morte do corpo e conforme o género de vida que teve, poderá persistir em seus erros, nas suas falsas opiniões, nos seus preconceitos, até que se tenha esclarecido pelo estudo, pela reflexão e pelo sofrimento.
A expiação cumpre-se durante a existência corporal, mediante as provas a que o espírito se acha submetido e, na vida espiritual, pelos sofrimentos morais, inerentes ao estado de inferioridade do espírito.
2.7. Duração das penas futuras
A duração dos sofrimentos do culpado, na vida futura, não é arbitrária, pois Deus nunca obra caprichosamente e tudo, no universo, se rege por leis, em que a sua sabedoria e a sua bondade se revelam.
Assim, a duração dos sofrimentos do culpado baseia-se no tempo necessário para que melhore. À medida que progride e que os sentimentos se lhe depuram, os seus sofrimentos diminuem e mudam de natureza.
Para o espírito sofredor o tempo se afigura mais longo do que quando estava encarnado. Só para os espíritos que já chegaram a certo grau de purificação, o tempo, por assim dizer, se apaga diante do infinito.
Os sofrimentos do espírito não podem ser eternos, pois ele não poderá ser eternamente mau e jamais se arrepender. Deus não criou seres tendo por destino permanecerem perpetuamente votados ao mal; apenas criou a todos simples e ignorantes, tendo todos, no entanto, que progredir em tempo mais ou menos longo, conforme decorrer da vontade de cada um.
A lei sábia e magnânima subordina a duração das penas aos esforços do espírito. Jamais o priva do seu livre-arbítrio: se deste faz ele mau uso, sofre as consequências. Aí está toda a sublimidade da justiça unida à bondade, e aí também se encontra a verdade desta sentença: “A cada um segundo as suas obras.”
A ideia da eternidade das penas é blasfémia sobre a justiça e da bondade da Deus, germe fecundo da incredulidade, do materialismo e da indiferença que invadiram as criaturas humanas e, por isso, deve ser combatida.
2.5. Paraíso, inferno e purgatório
As penas e gozos são inerentes ao grau de perfeição dos espíritos. Cada um tira de si mesmo o princípio da sua felicidade ou da sua desgraça. E como eles estão por toda a parte, nenhum lugar circunscrito ou fechado existe especialmente destinado a uma ou outra coisa.
O inferno e o paraíso nada mais são do que simples alegoria. Por toda parte há espíritos ditosos e inditosos. Os espíritos de uma mesma ordem podem-se reunir por simpatia, mas podem fazê-lo onde queiram, quando são perfeitos. A localização absoluta das regiões das penas e das recompensas só na imaginação do homem existe. Provém da sua tendência a materializar e circunscrever as coisas, cuja essência infinita não compreende.
Entende-se por purgatório as dores físicas e morais; o tempo de expiação. É também uma alegoria, não é um lugar determinado; significa o estado dos espíritos imperfeitos que se acham em expiação até atingirem alguma purificação. Esta purificação, operando-se através das diversas reencarnações, o purgatório consistiria quando muito nas provas da vida corporal.
A palavra céu tem o sentido de espaço universal; são os planetas, as estrelas e todos os mundos superiores, onde os espíritos usam plenamente as suas faculdades, sem as tribulações da vida material, nem as angústias próprias da inferioridade.
ANOTAÇÕES E INDICAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS
- (1) KARDEC, Allan, O Livro dos Espíritos, 4ª. Parte. caps. I e II ; 33ª. Edição, 1974, da Federação Espírita Brasileira.
- (2) KARDEC, Allan, O Céu e o Inferno, 1ª Parte, caps. I e VII, 19.ª Edição, 1963, da Federação Espírita Brasileira.
- (3) KARDEC, Allan, O Evangelho Segundo o Espiritismo, caps. III e IV, 51ª Edição, da Federação Espírita Brasileira.
(*) Toda esta sessão de estudo baseia-se na 4.ª Parte, capítulos I e II, de “O Livro dos Espíritos”, tendo as citações sido colocadas entre aspas ” “, correspondem fielmente ao texto da 33.ª Edição da Federação Espírita Brasileira.
1. PENAS E GOZOS TERRENOS
Na maioria das vezes o homem é o artífice da sua própria infelicidade.
1.1. Felicidade e infelicidade relativas
Se praticasse a lei de Deus, livrar-se-ia de muitos males e gozaria da felicidade tão grande quanto o comporta a sua existência num plano grosseiro.
O homem ciente do seu destino futuro vê, na existência corpórea, apenas uma rápida passagem; ele consola-se facilmente depois de alguns aborrecimentos passageiros.
Recebemos, nesta vida, os efeitos das infracções que cometemos às leis da existência corpórea, pelos próprios males decorrentes dessas infracções e pelos nossos próprios excessos. Se remontamos, pouco a pouco, à origem do que chamamos infelicidade terrena, veremos esta como consequência de um primeiro desvio do caminho certo. Em virtude desse desvio inicial, entramos num mau caminho e, de consequência em consequência, caímos no infortúnio.
A felicidade terrena é relativa à posição de cada pessoa. Entretanto, podemos dizer que há uma medida comum de felicidade para todos os homens, expressa da seguinte forma: para a vida material, é a posse do necessário; para a vida moral, a consciência pura e a fé no futuro.
Todavia, a medida do necessário e do supérfluo varia segundo as pessoas. Há algumas que têm muito e acham que não têm aquilo de que necessitam, enquanto outras se contentam com o pouco. “O homem criterioso, a fim de ser feliz, olha sempre para baixo e não para cima, a não ser para elevar sua alma ao infinito.” *
Os males que dependem da maneira de agir, e que ferem o homem mais justo, devem ser encarados com resignação e sem queixas para se poder progredir. Este homem tira sempre uma consolação da sua própria consciência, que lhe dá a esperança de um futuro melhor.
Aos olhos de quem apenas vê o presente, certas pessoas parecem favorecidas pela fortuna sem o merecer. Porém, a fortuna é uma prova, geralmente mais perigosa do que a miséria.
De ordinário, os males da vida terrena estão relacionados directamente com as necessidades artificiais que criamos. Aquele que soubesse restringir os seus desejos, e olhasse sem inveja os que estivessem acima dele, livrar-se-ia de muitos desenganos nesta vida. O mais rico seria o que menos necessidades tivesse.
Deus permite que o mau prospere algumas vezes, mas a sua felicidade não é de causar inveja porque a pagará com lágrimas amargas. “Quando um justo é infeliz, isso representa uma prova que lhe será levada em conta, se a suportar com coragem.”
O homem só é verdadeiramente infeliz “quando sofre da falta do necessário à vida e à saúde do corpo. Todavia, pode acontecer que essa privação seja de sua culpa. Então, só tem que se queixar de si mesmo. Se for ocasionada por outrem, a responsabilidade recairá sobre aquele que lhe houver dado causa.”
Muitos dos males originam-se de não seguirmos a vocação que determina as nossas aptidões naturais. “Muitas vezes são os pais que, por orgulho ou avareza, desviam os seus filhos da senda que a natureza lhes traçou, comprometendo-lhes a felicidade. Por efeito desse desvio, responderão por eles.”
“Em afastarem-se os homens da sua esfera intelectual reside indubitavelmente uma das mais frequentes causas de decepção. A inaptidão para a carreira abraçada constitui fonte inesgotável de reveses. Depois, o amor-próprio, sobrevindo a tudo isso, impede que o que fracassou recorra a uma profissão mais humilde… Se uma educação moral o houvesse colocado acima dos tolos preconceitos do orgulho, jamais se teria deixado apanhar desprevenido.”
Há pessoas em cujo derredor reina a fartura e, apesar disso, encontram-se baldas de todos os recursos e têm diante de si apenas a perspectiva da morte. Todavia, ninguém deve reter a ideia de se deixar matar de fome. Achariam “sempre meio de se alimentar, se o orgulho não se colocasse entre a necessidade e o trabalho… Não há ofício desprezível; o seu estado não é o que desonra o homem.”
“Com uma organização social criteriosa e previdente ao homem, só por culpa sua pode faltar o necessário. Porém, as suas próprias faltas são frequentemente resultado do meio em que se acha colocado. Quando praticar a lei de Deus, terá uma ordem social fundada na justiça e na solidariedade e ele próprio também será melhor.”
Na sociedade, geralmente, as classes sofredoras são mais numerosas que as chamadas felizes. Mas, na verdade, nenhuma é perfeitamente feliz, pois, muitas vezes, há ocultas pungentes aflições. As classes a que chamamos “sofredoras são mais numerosas por ser a Terra lugar de expiação. Quando houver transformação em morada do bem e de espíritos bons, o homem deixará de ser infeliz aí e ela será para ele o paraíso terrestre.”
Diz-se que no mundo, muito amiúde, a influência dos maus sobrepõe-se à dos bons, por fraqueza destes. “Os maus são intrigantes e audaciosos, os bons são tímidos. Quando estes o quiserem, preponderarão.”
Algumas vezes os sofrimentos materiais independem da vontade do homem, que quase é o próprio causador deles. Porém, mais do que estes, os sofrimentos morais são gerados pelo orgulho ferido, pela ambição frustrada, pela ansiedade da avareza, pela inveja, pelo ciúme e todas as paixões que são torturas da alma.
“De ordinário, o homem só é infeliz pela importância que liga às coisas deste mundo… Se se colocar fora do círculo acanhado da vida material, se elevar os seus pensamentos para o infinito, que é seu destino, mesquinhas e pueris lhe parecerão as vicissitudes da humanidade, como o são as tristezas da criança que se aflige pela perda de um brinquedo que resumia a sua felicidade suprema.”
“Como civilizado, o homem raciocina sobre a sua infelicidade e a analisa. Por isso é que esta o fere. Mas, também, é-lhe facultado raciocinar sobre os meios de obter consolação e de os analisar. Essa consolação, ele a encontra no sentimento cristão, que lhe dá a esperança de melhor futuro – o espiritismo dá-lhe a certeza desse futuro.”
1.2. Perdas de entes queridos
A perda dos entes que nos são caros constitui para nós uma legítima causa de dor. Essa dor atinge o rico como o pobre e representa uma prova ou expiação.
Temos, porém, por vezes a consolação de nos comunicarmos com eles através dos médiuns, enquanto não dispusermos de outros meios mais directos e mais acessíveis aos nossos sentidos.
Os espíritos dos entes queridos, quando já se encontram em condições espirituais para isso, colocam-se ao nosso lado e respondem-nos, através das leis naturais da comunicação. Auxiliam-nos com os seus conselhos, testemunham-nos o afecto que nos guardam e a alegria que experimentam por nos lembrarmos deles.
O espírito é sensível à lembrança e às saudades dos que lhe eram caros na Terra. Porém, as dores inconsoláveis e desarrazoadas o tocam penosamente, pois nessa dor excessiva ele vê falta de fé no futuro e de confiança em Deus e, por isso, um obstáculo ao adiantamento dos que o choram e talvez à sua reunião com estes. O espiritismo dá-nos suprema consolação ao explicar-nos o porquê da vida!
“Estando o espiritismo mais feliz no Espaço que na Terra, lamentar que ele tenha deixado a vida corpórea, é deplorar que seja feliz…”.
“Pelas provas patentes que ministra da vida futura, da presença em torno de nós, daqueles a quem amamos, da continuidade da afeição e da solicitude que nos dispensavam; pelas relações que nos faculta manter com eles, a doutrina espírita oferece a suprema consolação por ocasião de uma das mais legítimas dores. Com o espiritismo, não há mais solidão, nem abandono: o homem, por muito insulado que esteja, tem sempre perto de si amigos com quem pode comunicar-se.”
1.3. Decepções, ingratidão, afeições destruídas
“Para o homem de coração, as decepções oriundas da ingratidão e da fragilidade dos laços da amizade são também uma fonte de amargura.” Porém, devemos lastimar os ingratos e os infiéis; serão muito mais infelizes. A ingratidão é filha do egoísmo e o egoísta topará com corações insensíveis, como o seu próprio o foi.
O bem deve ser praticado sem exigências; a ingratidão é uma prova à nossa perseverança no exercício do bem. Os ingratos serão punidos na proporção exacta do seu egoísmo. Por isso, o homem não deve endurecer o seu coração e tornar-se insensível ao topar com a ingratidão. Ao contrário, deve sentir-se feliz pelo bem que faz.
É verdade que a ingratidão lhe ulcera o coração. Porém, não deve preferir a felicidade do egoísta e tornar-se indiferente pela ingratidão que recebe. “Saiba, pois, que os amigos ingratos não são dignos de sua amizade e que se enganou a respeito deles. Assim sendo, não há de que lamentar o tê-los perdido. Mais tarde achará outros que saberão compreendê-los melhor.” Os ingratos merecem ser lastimados, pois bem triste se lhes apresentará o reverso da medalha.
“A natureza deu ao homem a necessidade de amar e de ser amado. Um dos maiores gozos que lhe é concedido na Terra é o de encontrar corações que com o seu simpatizem. Dá-lhe ela, assim, as primícias da felicidade que o aguarda no mundo dos espíritos perfeitos, onde tudo é amor e benignidade. Desse gozo está excluído o egoísta.”
1.4. Uniões antipáticas
Como podemos observar acima, os espíritos simpáticos buscam-se reciprocamente e procuram unir-se. Todavia, é muito frequente que entre os encarnados na Terra, a afeição exista só de um lado e o mais sincero amor se veja colhido com indiferença e até com repulsão. E, além disso, encontramos situações em que a mais viva afeição de dois seres se transforma em antipatia e mesmo em ódio.
Estas ocorrências, sob o ponto de vista da lei moral, constituem uma punição passageira. Além disso, “quantos não são os que acreditam amar perdidamente porque apenas julgam pelas aparências, e que, obrigados a viver com a pessoa amada, não tardam a reconhecer que só experimentaram um encantamento material!”.
“Não basta uma pessoa estar enamorada de outra que lhe agrada e em quem supõe belas qualidades. Vivendo realmente com ela é que poderá apreciá-la. Tanto assim que em muitas uniões que a princípio parecem destinadas a nunca ser simpáticas, acabam, os que as constituíram, depois de se haverem estudado bem e de bem se conhecerem, por votar-se, reciprocamente, duradouro e terno amor, porque assente na estima! Cumpre não esquecer de que é o espírito quem ama e não o corpo, de sorte que, dissipada a ilusão material, o espírito vê a realidade.”
“Há duas espécies de afeição: a do corpo e a da alma, acontecendo, com frequência, tomar-se uma pela outra. Quando pura e simpática, a afeição da alma é duradoura; efémera a do corpo. Daí vem que muitas vezes os que julgavam amar-se com eterno amor passam a odiar-se, desde que a ilusão se desfaça.”
A falta de simpatia entre seres destinados a viver juntos constitui igualmente fonte de amargos dissabores que envenenam toda a existência. Todavia, essa é uma das infelicidades de que os seres humanos, na maioria das vezes, são a causa principal. Primeiramente pelo erro das leis. Deus não constrange ninguém a permanecer junto dos que o desagradam. “Depois, nessas uniões, ordinariamente buscais a satisfação do orgulho e da ambição, mais do que a ventura de uma afeição mútua. Sofreis então as consequências dos vossos prejuízos.”
Nesse caso há quase sempre uma vítima inocente, o que lhe constitui uma dura expiação. “Mas, a responsabilidade da sua desgraça recairá sobre os que a tiverem causado. Se a luz da verdade já lhe houver penetrado a alma, em sua fé no futuro haurirá consolação. Todavia, à medida que os preconceitos se enfraquecerem, as causas dessas desgraças íntimas também desaparecerão.”
1.5. Temor da morte
“Para muitas pessoas, o temor da morte é uma causa de perplexidade.” Porém, falta-lhes fundamento para semelhante temor. Isto provém da infância, quando procuram persuadi-lo “de que há inferno e um paraíso e que mais certo é irem para o inferno, visto que também lhes disseram que o que está na natureza constitui pecado mortal para a alma! Sucede então que, tornadas adultas, essas pessoas, se algum juízo têm, não podem admitir tal coisa e se fazem materialistas. São assim levadas a crer que, além da vida presente, nada mais há.”
Quem tem fé tem a certeza do futuro. Quem tem esperança conta com uma vida melhor. Quem tem caridade sabe que não tem de temer o mundo para onde vai.
“O homem carnal, mais preso à vida corpórea do que à vida espiritual, tem na Terra penas e gozos materiais. A sua alma, constantemente preocupada e angustiada pelas vicissitudes da vida, conserva-se numa ansiedade e numa tortura aparentemente perpétuas. A morte o assusta porque ele duvida do futuro e porque tem de deixar no mundo todas as suas afeições e esperanças.”
“O homem moral, que se colocou acima das necessidades fictícias criadas pelas paixões, já neste mundo experimenta gozos que o homem material desconhece. A moderação dos seus desejos dá-lhe ao espírito calma e serenidade. Ditoso pelo bem que faz, não há para ele decepções e as contrariedades lhe deslizam por sobre a alma, sem nenhuma impressão dolorosa deixarem.”
1.6. Desgosto da vida, suicídio
O desgosto da vida que, sem motivos plausíveis, se apodera de certos indivíduos nasce da ociosidade, da falta de fé e, também, da saciedade.
“Para aquele que usa de suas faculdades, com fim útil e de acordo com as suas aptidões naturais, o trabalho nada tem de árido e a vida se escoa mais rapidamente. Ele lhe suporta as vicissitudes com tanta mais paciência e resignação, quanto obra com o fito da felicidade mais sólida e mais durável que o espera.”
O homem não tem o direito de dispor da sua vida; “só a Deus assiste esse direito. O suicídio voluntário é uma transgressão desta lei.”
Nem sempre o suicídio é voluntário. “O louco que se mata não sabe o que faz.”
O suicídio que decorre do desgosto da vida é uma insensatez. O trabalho torna a existência menos pesada.
Há os que se suicidam para fugirem às misérias e às decepções deste mundo. São “pobres espíritos que não têm a coragem de suportar as misérias da existência! Deus ajuda os que sofrem e não os que carecem de energia e coragem. As tribulações da vida são provas ou expiações. Felizes os que as suportam sem se queixar, porque serão recompensados! Ai, porém, daqueles que esperam a salvação do que, na sua impiedade, chamam acaso ou fortuna! O acaso ou a fortuna, para me servir da linguagem deles, podem com efeito, favorecê-los por um momento, mas para lhes fazer sentir mais tarde, cruelmente, a vacuidade dessas palavras.”
Os que hajam conduzido o infeliz do desesperado até ao suicídio sofrerão as consequências de tal proceder. “Ai deles! Responderão por um assassínio.”
“Pode ser considerado suicida aquele que, a braços com a maior penúria, se deixa morrer de fome. Mas, os que lhe foram causa, ou que teriam podido impedi-lo, são mais culpados do que ele a quem a indulgência espera. Todavia, não penseis que seja isto em absoluto, se lhe faltaram a firmeza e perseverança e se não usou de toda a sua inteligência para sair do atoleiro. Ai dele, sobretudo se o seu desespero nasce do orgulho.” Há pessoas que preferem morrer de fome a sacrificar o que chamam a sua posição social e se envergonhariam de dever a existência ao trabalho das suas mãos. “Haverá mil vezes mais grandeza e dignidade em lutar contra a adversidade, em afrontar a crítica de um mundo fútil e egoísta que só tem boa vontade para com aqueles a quem nada falta.”
“É tão reprovável como o que tem por causa o desespero o suicídio daquele que procura escapar à vergonha de uma acção má.” Isto porque “o suicídio não apaga a falta. Ao contrário, em vez de uma, haverá duas. Quando se teve a coragem de praticar o mal, é preciso ter-se a de lhe sofrer as consequências. Deus, que julga, pode, conforme a causa, abrandar os rigores da sua justiça.”
Outra loucura é o caso daquele que se mata, na esperança de chegar mais depressa a uma vida melhor, pois, assim agindo, “retarda a sua entrada num mundo melhor e terá que pedir para voltar, para concluir a vida a que pôs termo sob o influxo de uma ideia falsa. Uma falta, seja qual for, jamais abre a alguém o santuário dos eleitos.”
O sacrifício da vida, quando aquele que o faz visa salvar a de outrem, ou ser útil aos seus semelhantes, constitui uma atitude sublime, “conforme a intenção, e, em tal caso, o sacrifício da vida não constitui suicídio. Mas Deus opõe-se a todo o sacrifício inútil e não o pode ver de bom grado se tem o orgulho a manchá-lo. Só o desinteresse torna meritório o sacrifício e, não raro, quem o faz guarda oculto um pensamento que lhe diminui o valor aos olhos de Deus.”
O homem que perece vítima de paixões que ele sabia lhe haviam de apressar o fim, porém a que já não podia resistir, por havê-las o hábito mudado em verdadeiras necessidades físicas, comete um suicídio moral. Nesse caso é duplamente culpado. Há nele falta de coragem e bestialidade, acrescidas do esquecimento de Deus.
“É sempre culpado aquele que não aguarda o termo que Deus lhe atribuiu à existência.” É erro, portanto, alguém que vê diante de si um fim inevitável e horrível, querer abreviar de alguns instantes os seus sofrimentos e apressar voluntariamente a sua morte. E quem poderá estar certo de que, mau grado as aparências, esse termo tenha chegado; de que um socorro inesperado não venha no último momento?
Mesmo no caso em que a morte é inevitável e em que a vida só é encurtada alguns instantes, “é sempre uma falta de resignação e de submissão à vontade do criador.” A consequência de tal acto será “uma expiação proporcional, como sempre, à gravidade da falta, de acordo com as circunstâncias.”
Aqueles que não podem conformar-se com a perda de pessoas que lhes eram caras e se matam na esperança de juntar-se a elas, muito diverso do que esperam é o resultado que colhem. “Em vez de se reunirem ao que era objecto da sua afeição, dele se afastam por longo tempo, pois não é possível que Deus recompense um acto de covardia e o insulto que lhe fazem com o duvidarem de sua providência”. Sofrerão, com isso, aflições maiores do que as que pensavam abreviar e não terão a satisfação que esperavam.
Com relação ao estado do espírito, as consequências do suicídio são muito diversas. “Não há penas determinadas e, em todos os casos, correspondem sempre às causas que o produziram. Há, porém, uma consequência a que o suicida não pode escapar: é o desapontamento. Mas a sorte não é a mesma para todos; depende das circunstâncias. Alguns expiam a falta imediatamente, outros em nova existência que será pior do que aquela cujo curso interromperam.”
“A observação, realmente, mostra que os efeitos do suicídio não são idênticos. Alguns há, porém, comuns a todos os casos de morte violenta e que são a consequência brusca da vida. Há, primeiro, a persistência mais prolongada e tenaz do laço que une o espírito ao corpo, por estar quase sempre este laço na plenitude da sua força no momento em que é partido, ao passo que, no caso de morte natural, ele se enfraquece gradualmente e muitas vezes se desfaz antes que a vida se haja extinguido completamente. As consequências deste estado de coisas são o prolongamento da perturbação espiritual, seguindo-se a ilusão em que, durante mais ou menos tempo, o espírito se conserva de que ainda pertence ao número dos vivos.”
“A afinidade que permanece entre o espírito e o corpo produz, nalguns suicidas, uma espécie de repercussão do estado do corpo no espírito, que, assim, a seu mau grado, sente os efeitos da decomposição, donde lhe resulta uma sensação cheia de angústias e de horror, estado esse que também pode durar pelo tempo que devia durar a vida que sofre interrupção. Não é geral esse efeito; mas, em caso algum, o suicida fica isento das consequências da sua falta de coragem e, cedo ou tarde, expia, de um modo ou de outro, a culpa em que incorreu.”
“A religião, a moral, todas as filosofias condenam o suicídio como contrário às leis da natureza… Ao espiritismo estava reservado demonstrar, pelos exemplos dos que sucumbiam, que o suicídio não é uma falta, somente por constituir infracção a uma lei moral, mas também um acto estúpido, pois que nada ganha quem o pratica, antes o contrário é o que se dá.”
2. PENAS E GOZOS FUTUROS
O homem tem instintivamente horror ao nada, porque o nada não existe.
2.1. O nada, a vida futura
O homem tem instintivamente horror ao nada, porque o nada não existe.
O homem possui o sentimento instintivo da vida futura. Antes de encarnar o espírito conhecia todas essas coisas e a alma conserva vaga lembrança do que sabe e do que viu no estado espiritual.
É de todos os tempos a preocupação do homem com o seu futuro para lá do túmulo. Qualquer que seja a importância que o ligue à vida presente, não pode ele furtar-se a considerar quanto essa vida é curta e, sobretudo, precária. Que será dele após o instante fatal? Questão grave esta, porquanto não se trata de alguns anos apenas, mas da eternidade.
“A ideia do nada tem qualquer coisa que repugna à razão. O homem que mais despreocupado seja durante a vida, chegando o momento supremo pergunta a si mesmo o que vai ser dele e, sem o querer, espera.”
“Crer em Deus, sem admitir a vida futura, seria um contra-senso. O sentimento de uma existência melhor reside no foro íntimo de todos os homens e não é possível que Deus aí o tenha colocado em vão.”
“A vida futura implica a conservação da nossa individualidade, após a morte. Com efeito, que nos importaria sobreviver ao corpo, se a nossa essência moral houvesse de perder-se no oceano do infinito? As consequências, para nós, seriam as mesmas que se tivéssemos de desaparecer no nada.”
2.2. Intuição das penas e gozos futuros
A crença com que deparamos entre todos os povos, na existência de penas e recompensas, origina-se do pressentimento da realidade, trazido ao homem pelo espírito nele encarnado.
Os sentimentos que dominam os homens no momento da morte são: a dúvida, nos cépticos empedernidos; o terror, nos culpados; a esperança, nos homens de bem.
Uma vez que a alma traz ao homem o sentimento das coisas espirituais, os cépticos “são em número menor do que se julga. Muitos se fazem espíritos fortes, durante a vida, somente por orgulho. No momento da morte, porém, deixam de ser tão fanfarrões.”
“A responsabilidade dos nossos actos é a consequência da realidade da vida futura. Dizem-nos a razão e a justiça que, na partilha da felicidade a que todos aspiram, não podem estar confundidos os bons e os maus. Não é possível que Deus queira que uns gozem, sem trabalho, de bens que outros só alcançam com esforço e perseverança.”
“A ideia de que, mediante a sabedoria das suas leis, Deus nos dá da sua justiça e da sua bondade não nos permite acreditar que o justo e o mau estejam na mesma categoria a seus olhos, nem duvidar de que recebam, algum dia, uma recompensa ou um castigo, pelo bem ou pelo mal que tenham feito. Por isso é que o sentimento inato que temos da justiça nos dá a intuição das penas e recompensas futuras.”
2.3. Intervenção de Deus nas penas e recompensas
“Deus ocupa-se, pessoalmente, com cada homem? Não é ele muito grande e nós muito pequeninos para que cada indivíduo em particular tenha, aos seus olhos, alguma importância?”
“Deus ocupa-se com todos os seres que criou, por mais pequeninos que sejam. Nada, para a sua bondade, é destituído de valor.”
“Mas será necessário que Deus atente em cada um dos nossos actos, para nos recompensar ou punir? Esses actos não são, na sua maioria, insignificantes para ele?”
“Deus tem as suas leis a regerem todas as vossas acções. Se as violais, vossa é a culpa. Indubitavelmente, quando um homem comete um excesso qualquer, Deus não profere contra ele um julgamento, dizendo-lhe, por exemplo: Foste guloso, vou punir-te. Ele traçou um limite; as enfermidades e muitas vezes a morte são a consequência dos excessos. Eis aí a punição; é o resultado da infracção da lei. Assim em tudo.”
“Todas as nossas acções estão submetidas às leis de Deus. Nenhuma há, por mais insignificante que nos pareça, que não possa ser uma violação daquelas leis. Se sofremos as consequências dessa violação, só nos devemos queixar de nós mesmos, que desse modo nos fazemos os causadores da nossa felicidade, ou da nossa infelicidade futura.”
Deus é previdente e “nos adverte, a cada instante, de que estamos fazendo bem ou mal. Envia-nos os espíritos para nos inspirarem, porém não os escutamos.” E, além disso, “faculta sempre ao homem, concedendo-lhe novas existências, recursos para reparar os seus erros passados.”
2.4. Natureza das penas e gozos futuros
As penas e gozos da alma após a morte não podem ser materiais, pois a alma não é matéria. Nada têm de carnal as penas e gozos; entretanto, são mil vezes mais vivos do que os que experimentamos na Terra, porque o espírito, uma vez liberto, é mais impressionável, pois a matéria já não lhe reduz as sensações.
O homem faz uma ideia grosseira e absurda das penas e gozos da vida futura. Falta-lhe suficiente desenvolvimento da inteligência. A criança não compreende as coisas como o adulto. Isso depende também do que se lhe ensinou e aí há necessidade de uma reforma.
A felicidade dos bons espíritos consiste “em conhecerem todas as coisas; em não sentirem ódio, nem ciúme, nem inveja, nem ambição, nem qualquer das paixões que ocasionam a desgraça dos homens. O amor que os une é-lhes fonte de suprema felicidade. Não experimentam as necessidades, nem os sofrimentos, nem as angústias da vida material. São felizes pelo bem que fazem. Contudo, a felicidade dos espíritos é proporcional à elevação de cada um. Somente os puros espíritos gozam, é exacto, da felicidade suprema, mas nem todos os outros são infelizes. Entre os maus e os perfeitos há uma infinidade de graus em que os gozos são relativos ao estado moral…”.
Os sofrimentos dos espíritos inferiores “são tão variados como as causas que os determinam e proporcionais ao grau de inferioridade, como os gozos o são ao de superioridade. Podem resumir-se assim: invejarem o que lhes falta para ser felizes e não o obterem; verem a felicidade e não a poderem alcançar; pesar, ciúme, raiva, desespero, motivados pelo que os impede de ser ditosos; remorsos, ansiedade moral indefinível. Desejam todos os gozos e não os podem satisfazer; eis o que os tortura.”
A influência que os espíritos exercem uns sobre os outros depende das suas qualidades. Os bons exercem-na boa; os perversos procuram desviar da senda do bem os que lhe são influenciáveis. Assim, a morte não nos livra da tentação, porém, a acção dos maus espíritos é sempre menor sobre os outros espíritos do que sobre os homens, porque lhes falta o auxílio das paixões materiais.
“As paixões não existem materialmente, mas existem no pensamento dos espíritos atrasados. Os maus dão pasto a esses pensamentos, conduzindo as suas vítimas aos lugares onde se lhes ofereça o espectáculo daquelas paixões e de tudo o que as possa excitar.”
E nisso precisamente é que lhes está o suplício, pois essas paixões já não têm objecto real. Assim, “o avarento vê o ouro que lhe não é dado possuir; o devasso, orgias em que não pode tomar parte; o orgulhoso, honras que lhe causam inveja e de que não pode gozar.”
Quanto aos sofrimentos maiores a que os espíritos maus se vêem sujeitos, não há descrição possível da dor moral que constitui a punição de certos crimes. Mesmo o que as sofre tem dificuldade em dar delas uma ideia. Indubitavelmente, porém, a mais horrível consiste em pensarem que estão condenadas sem remissão.
Os espíritos inferiores compreendem a felicidade do justo, “e isso lhes é um suplício porque compreendem que estão dela privados por sua culpa. Daí resulta que o espírito, liberto da matéria, aspira à nova vida corporal, pois cada existência, se for bem empregada, abrevia um tanto a duração desse suplício. É então que procede à recolha das provas por meio das quais possa expiar suas faltas. Porque o espírito sofre por todo o mal que praticou, ou de que foi causa voluntária, por todo o bem que houvera podido fazer e não fez e por todo o mal que decorra de não haver feito o bem.”
“Os espíritos entre os quais há recíproca simpatia para o bem encontram na sua união um dos maiores gozos, uma fonte de felicidade, visto que não receiam vê-la turvada pelo egoísmo. Formam, no mundo inteiramente espiritual, famílias pela identidade de sentimentos. Na afeição pura e sincera a que se votam reciprocamente, têm um manancial de felicidade, porquanto lá não há falsos amigos, nem hipócritas.”
“A crença no espiritismo ajuda o homem a melhorar-se, firmando-lhe as ideias sobre certos pontos do futuro. Apressa o adiantamento dos indivíduos e das massas, porque faculta informação sobre o que seremos um dia. É um ponto de apoio, uma luz que nos guia. O espiritismo ensina o homem a suportar as provas com paciência e resignação, afasta-o dos actos que possam retardar-lhe a felicidade, mas ninguém diz que, sem ele, não possa ela ser conseguida.”
“Só o bem assegura a sorte futura. O bem é sempre o bem, qualquer que seja o caminho que a ele conduza.”
2.5. Penas temporais
“Não experimenta sofrimentos materiais o espírito que expia as suas faltas em nova existência? Será então exacto dizer-se que, depois da morte, só há para a alma sofrimentos morais?”
“É bem verdade que quando a alma está reencarnada, as tribulações da vida são um sofrimento, mas só o corpo sofre materialmente.”
“Falando de alguém que morreu, costumais dizer que deixou de sofrer. Nem sempre isto exprime a realidade. Como espírito, está isento de dores físicas; porém, tais sejam as faltas que tenha cometido, pode estar sujeito a dores morais mais agudas e pode vir a ser ainda mais desgraçado em nova existência. O mau rico terá que pedir esmola e se verá a braços com todas as privações oriundas da miséria; o orgulhoso, com todas as humilhações; o que abusa de sua autoridade e trata com desprezo e dureza os seus subordinados se verá forçado a obedecer a um superior mais ríspido do que o foi. Todas as penas e tribulações da vida são expiação das faltas de outra existência, quando não a consequência das da vida actual.”
A reencarnação da alma num mundo menos grosseiro “é a consequência de sua depuração, porquanto, à medida que se vão depurando, os espíritos passam a encarnar em mundos cada vez mais perfeitos, até que se tenham despojado totalmente da matéria e lavado de todas as impurezas.”
“Nos mundos onde a existência é menos material do que neste, menos grosseiras são as necessidades e menos agudos os sofrimentos físicos. Lá, os homens desconhecem as paixões más, que, nos mundos inferiores, os fazem inimigos uns dos outros.” Desconhecem os aborrecimentos que nascem da inveja, do orgulho e do egoísmo, causas do tormento da nossa existência terrestre.
2.6. Expiação e arrependimento
O arrependimento dá-se no estado espiritual, mas também pode ocorrer no estado corporal, quando a pessoa bem compreende a diferença entre o bem e o mal.
Como consequência do arrependimento no estado espiritual, o arrependido deseja uma nova encarnação para se purificar. “O espírito compreende as imperfeições que o privam de ser feliz e, por isso, aspira a uma nova existência em que possa expiar as suas faltas.”
O arrependimento no estado corporal faz com que, “já na vida actual, o espírito progrida, se tiver tempo de reparar as suas faltas. Quando a consciência o exprobra e lhe mostra uma imperfeição, o homem pode sempre melhorar-se.”
Há homens que só têm o instinto do mal e são inacessíveis ao arrependimento. Porém, “todo o espírito tem que progredir incessantemente. Aquele que, nesta vida, só tem o instinto do mal, terá noutra o do bem e é para isso que renasce muitas vezes, pois preciso é que todos progridam e atinjam a meta. A diferença está somente em que uns gastam mais tempo do que outros, porque assim o querem. Aquele que só tem o instinto do bem já se purificou visto que talvez tenha tido o do mal em anterior existência.”
“O homem perverso que não reconheceu as suas faltas durante a vida sempre as reconhece depois da morte e, então, mais sofre, porque sente em si todo o mal que praticou, ou de que foi voluntariamente a causa. Contudo, nem sempre o arrependimento é imediato. Há espíritos que se obstinam em permanecer no mau caminho, não obstante os sofrimentos por que passam. Porém, cedo ou tarde, reconhecerão errada a senda que tomaram e o arrependimento virá. Para esclarecê-los trabalham os bons espíritos. Também os encarnados poderão ajudá-los através dos trabalhos de desobsessão, da prece e do esclarecimento espiritual.
“Não se deve perder de vista que o espírito não se transforma subitamente, após a morte do corpo. Se viveu vida condenável, é porque era imperfeito. Ora, a morte não o torna imediatamente perfeito. Pode, pois, persistir com os seus erros, nas suas falsas opiniões, nos seus preconceitos, até que se tenha esclarecido pelo estudo, pela reflexão e pelo sofrimento.”
“A expiação cumpre-se durante a existência corporal, mediante as provas a que o espírito se acha submetido e, na vida espiritual, pelos sofrimentos morais, inerentes ao estado de inferioridade do espírito.”
O arrependimento durante a vida concorre para a melhoria do espírito, mas isto não é suficiente para anular as suas faltas; ele tem que expiar o seu passado.
Podemos já desde esta vida ir resgatando as nossas faltas, reparando-as. Porém, não creiamos que basta para isto algumas privações pueris ou a simples distribuição em esmolas do que possuímos, depois da morte, quando de nada mais precisaremos. “Deus não dá valor a um arrependimento estéril, sempre fácil, e que apenas custa o esforço de bater o peito. A perda de um dedo mínimo, quando se esteja prestando um serviço, apaga mais faltas do que o suplício da carne suportado durante anos, com objectivo exclusivamente pessoal.”
“Só por meio do bem se repara o mal e a reparação nenhum mérito apresenta se não atinge o homem nem no seu orgulho nem nos seus interesses materiais.”
“De que serve, para sua justificação, que restitua, depois de morrer, os bens mal adquiridos, quando se lhe tornaram inúteis e deles tirou todo o proveito?”
“De que lhe serve privar-se de alguns gozos fúteis, de algumas coisas supérfluas, se permanece integral o dano que causou a outrem?”
“De que lhe serve, finalmente, humilhar-se diante de Deus, se, perante os homens, conserva o seu orgulho?”.
2.7. Duração das penas futuras
A duração dos sofrimentos do culpado, na vida futura, não é arbitrária, pois “Deus nunca obra caprichosamente e tudo, no universo, se rege por leis, em que a sua sabedoria e a sua bondade se revelam.”
“Assim, a duração dos sofrimentos do culpado baseia-se no tempo necessário para que se melhore. Sendo o estado de sofrimento ou de felicidade proporcional ao grau de purificação do espírito, a duração e a natureza de seus sofrimentos dependem do tempo que ele gaste em melhorar-se. À medida que progride e que os sentimentos se lhe depuram, os seus sofrimentos diminuem e mudam de natureza.”
Para o espírito sofredor o tempo se afigura mais longo do que quando estava encarnado. Só para os espíritos que já chegaram a certo grau de purificação, o tempo, por assim dizer, se apaga diante do infinito.
Os sofrimentos do espírito não poderão ser eternos, pois ele não poderá ser eternamente mau e jamais se arrepender. “Deus não criou seres tendo por destino permanecerem votados perpetuamente ao mal. Apenas os criou a todos simples e ignorantes, tendo todos, no entanto, que progredir em tempo mais ou menos longo, conforme decorrer da vontade de cada um.”
“Mais ou menos tardia pode ser a vontade, porém, cedo ou tarde, ela aparece, por efeito da irresistível necessidade que o espírito sente de sair da inferioridade e de se tornar feliz. Eminentemente sábia e magnânima é, pois, a lei que rege a duração das penas, porquanto subordina essa duração aos esforços do espírito. Jamais o priva do seu livre-arbítrio: se deste faz ele mau uso, sofre as consequências.”
Desse modo, as penas jamais poderão ser eternas, coisa que o bom senso e a razão repelem, pois uma condenação perpétua, motivada por alguns momentos de erro, seria a negação da bondade de Deus.
Os antigos, na ignorância em que se achavam, consideravam o Senhor do Universo um Deus terrível, cioso e vingativo; atribuíam-lhe as paixões dos homens. Todavia, esse não é o Deus dos cristãos que considera o amor, a caridade, a misericórdia e o perdão, como virtudes principais. Poderia, pois, Deus carecer dessas qualidades, cuja posse prescreve, como dever, às suas criaturas? Não haverá contradição em lhe atribuir a bondade infinita e a vingança também infinita? Dizemos que, acima de tudo, ele é justo e que o homem não lhe compreende a justiça. Porém, a justiça não exclui a bondade e ele não seria bom se condenasse a eternas e horríveis penas a maioria das suas criaturas. “Aliás, em fazer com que a duração das penas dependa dos esforços do culpado está toda a sublimidade da justiça unida à bondade. Aí é que se encontra a verdade desta sentença: “A cada um segundo as suas obras.”
A ideia da eternidade das penas deve, pois, ser combatida, por ser blasfémia sobre a justiça e a bondade de Deus, germe fecundo da incredulidade, do materialismo e da indiferença que invadiram as massas, desde que as inteligências começaram a desenvolver-se.
2.8. Paraíso, inferno e purgatório
“As penas e gozos são inerentes ao grau de perfeição dos espíritos. Cada um tira de si mesmo o princípio da sua felicidade ou da sua desgraça. E como eles estão por toda parte, nenhum lugar circunscrito ou fechado existe especialmente destinado a uma ou outra coisa. Quanto aos encarnados, esses são mais ou menos felizes ou desgraçados conforme é mais ou menos adiantado o mundo em que habitam.”
O inferno e o paraíso, assim, nada mais são do que simples alegorias. Por toda a parte há espíritos ditosos e desditosos. Entretanto, os espíritos de uma mesma ordem reúnem-se por simpatia; mas podem reunir-se onde queiram, quando são perfeitos.
“A localização absoluta das regiões das penas e das recompensas só na imaginação do homem existe. Provém da sua tendência a materializar e circunscrever as coisas, cuja essência infinita não lhe é possível compreender.”
Por purgatório deve-se entender as dores físicas e morais: o tempo de expiação. “O que o homem chama purgatório é igualmente uma alegoria, devendo-se entender como tal não um lugar determinado, porém o estado dos espíritos imperfeitos, que se acham em expiação até alcançarem a purificação completa, que os levará à categoria dos espíritos bem-aventurados. Operando-se essa purificação por meio das diversas encarnações; o purgatório consiste nas provas da vida corporal.”
A palavra céu deve ser entendida no sentido de espaço universal; são os planetas, as estrelas e todos os mundos superiores, onde os espíritos usam plenamente das suas faculdades, sem as tribulações da vida material, nem as angústias peculiares à inferioridade.
“De acordo com a ideia restrita que se fazia outrora dos lugares das penas e das recompensas e, sobretudo, de acordo com a opinião de que a Terra era o centro do universo, de que o firmamento formava uma abóbada e que havia uma região das estrelas, o céu era situado no alto e o inferno em baixo. Daí as expressões: subir ao céu, estar no mais alto dos céus, ser precipitado no inferno. Hoje, que a ciência demonstrou ser a Terra apenas, entre tantos milhões de outros, um dos menores mundos, sem importância especial; que provou ser infinito o espaço, não haver alto nem baixo no universo, teve-se que renunciar a situar o céu acima das nuvens e o inferno nos lugares inferiores. Quanto ao purgatório, nenhum lugar lhe fora designado. Estava reservado ao espiritismo dar de tudo isso a explicação mais racional, mais grandiosa e, ao mesmo tempo, mais consoladora para a humanidade. Pode-se assim dizer que trazemos em nós mesmos o nosso inferno e o nosso paraíso. O purgatório, achamo-lo na encarnação, nas vidas corporais ou físicas.”
A última questão de “O Livro dos Espíritos”, de cuja resposta extraímos apenas as partes que nos interessam de momento, é a seguinte: “Poderá, um dia, implantar-se na Terra o reinado do bem?
“O bem reinará na Terra quando, entre os espíritos que a vêm habitar, os bons predominarem, porque, então, farão com que aí reinem o amor e a justiça, fonte do bem e da felicidade. Por meio do progresso moral e praticando as leis de Deus é que o homem atrairá para a Terra os bons espíritos e dela afastará os maus. Estes, porém, não a deixarão, senão quando daí estejam banidos o orgulho e o egoísmo.”
“Predita foi a transformação da humanidade e vos avizinhais do momento em que se dará, momento cuja chegada apressam todos os homens que auxiliam o progresso. Essa transformação se verificará por meio da encarnação de espíritos maus, que a morte vai ceifando dia a dia, e todos os que tentem deter a marcha das coisas serão daí excluídos, pois que viriam a estar deslocados entre os homens de bem, cuja felicidade perturbariam. Irão para mundos novos, menos adiantados, desempenhar missões penosas, trabalhando pelo seu próprio adiantamento, ao mesmo tempo que trabalharão pelo dos seus irmãos ainda mais atrasados.” Neste dado, poderemos perceber as alegorias do paraíso perdido, quando o homem veio para a Terra em condições análogas, e do pecado original, ao trazer em si o germe das suas paixões e os vestígios da sua inferioridade. Essa figura do “pecado original” prende-se, assim, à natureza ainda imperfeita do homem, que é responsável por si mesmo, pelas suas próprias faltas e não pelas de seus pais.