Dr. Leocadio Jose Correia – Perfil
PERFIL BIOGRÁFICO DO Dr. Leocádio José Correia
Edição « MUNDO ESPÍRITA »
Curitiba – Paraná
1967
ESPECIALMENTE TRAÇADO PELO DR. DIRCEU DE LACERDA, PARA A REVISTA MÉDICA DO PARANÁ, E PUBLICADO NO N. 8 – ANO XI – DE AGOSTO DE 1943. Homenagem do editor Curitiba – Paraná – Janeiro 1967 Devidamente autorizada a publicação pela Ass. Médica do Paraná
EXPLICAÇÃO NECESSÁRIA Frequentemente chegam a Federação Espírita do Paraná, pedidos de dados biográficos do Dr. Leocádio José Correia. Isto nos levou a considerar que por melhor que fosse nosso desejo de atender, não dispúnhamos de mais valiosos subsídios do que aqueles que foram publicados pela Revista Médica do Paraná, de autoria do Dr. Dirceu de Lacerda, esplendido jornalista paranaense e que nesse trabalho consagrou-se excelente biógrafo. Por esse motivo, recorremos a família do Dr. Dirceu de Lacerda solicitando permissão para publicar sob nossa responsabilidade e para distribuição gratuita o trabalho do valoroso homem de letras, visto como o mesmo já pertence ao número dos falecidos, muito embora figure na galeria dos imortais pela presença constante no mundo das letras e de sua natureza de espírito imortal, segundo a nossa crença. Tendo recebido a necessária autorização, vamos pois dar publicidade pela terceira vez ao perfil biográfico do Dr. Leocádio José Correia, traçado pelo Dr. Dirceu de Lacerda, ilustre médico paranaense, publicado em 1943 pela revista médica do Paraná e editado por “prata da casa”, no mesmo ano sob responsabilidade do Dr. Leocádio Cisneros Correia, ilustre filho do nosso biografado. Nossos agradecimentos à família do Dr. Dirceu de Lacerda pela gentileza de seu gesto, com as mais sentidas homenagens dos dirigentes da federação espírita do Paraná, ao autor deste excelente trabalho. Na ausência de um trabalho que encerre traços da vida post morten do espírito que animou a personalidade do Dr.Leocádio José Correia, hoje grandemente conhecido no meu espírita brasileiro e até mesmo no exterior, damos a publicidade deste Perfil Biográfico na certeza de que o mesmo satisfaz plenamente a procura que há de dados biográficos dos que conhecem por sua atuação no ambiente mediúnico espírita. Pois o trabalho retrata em forma sobeja sua vida intelectual, moral, pública e profissional, o bastante para inferir-se de sua justeza de caráter e de homem de bem, tal qual os predicados que revela aos que tem aventura de conhecê-lo apenas, através da legítima mediunidade. Curitiba, Janeiro de 1967. João Ghignone Presidente da Federação Espírita do Paraná. DR. LEOCADIO JOSÉ CORREIA 16-2-1848 À 18-5-1886 Caminhou na vida como um espartano: heróico, cheio de rasgos de singular altruísmo, pondo a inteligência ao lado das palpitações do seu sensibilíssimo coração. Nunca a síntese de uma frase disse tanto. Leocádio Correia caminhou na vida como um espartano. Médico e artista, viveu dentro desse grande sonho, que é a Beleza imortalizada pelos gregos. E viveu tão pouco! Mas, não passou em vão. Ficou a Luz do relâmpago. O esplendor de luz! * * * Leocádio Correia foi um menino diferente dos outros. Diferente, porque punha a sua inteligência à serviço das travessuras. Devia ter feito na infância coisas do arco da velha…era o cabeça do grupo… E quando um grupo é norteado por uma cabeça privilegiada, esse grupo merece respeito… Leocádio Correia, peralta, foi sempre um bom estudante. Dividia sempre bem o tempo: hora certa para o estudo, hora certa para travessuras… Na classe primária não vacilava nas argüições. E naquele tempo, o ensino era acompanhado por uma palmatória odiosa… Leocádio Correia ia avançando. No curso secundário surpreendia os mestres. A literatura o fascinava. E o estudo do latim o enlevava. Quase sacerdote Concluindo o curso de preparatórios, a sua família percebeu certos pendores do jovem latinista para a vida eclesiástica. O seminário de São Paulo era famoso. Leocádio Correia ingressou, então, na famosa casa de ensino bandeirante. Um futuro brilhante, no púlpito, se descortinava. O dia da primeira unção vinha próximo. Leocádio Correia, sentiu então, que não era aquele o seu caminho. Manoel José Correia e D. Gertrudes Pereira Correia, não contrariaram o filho, sorriram apenas. Um sorriso que era uma benção. Em busca de uma esmeralda E Leocádio Correia tomou novo rumo, aquele que se constituía o seu supremo anseio – ser médico. Estamos em 1867. Leocádio Correia é acadêmico de medicina. Não esconde as emoções que se sente ao penetrar em uma casa de ensino superior, faz amizades e se faz respeitado. Estuda e põe toda alma nos livros. Avança no curso como um espartano. É o mesmo menino brioso, que Paranaguá viu brincar nas suas ruas. Surpreende, também os grandes mestres da medicina. As aulas que escuta ficam na memória, como se fossem gravadas no buril. Torres Homem, mestre entre os mestres, se empolga pelo discípulo. Leocádio Correia, recompõe as suas aulas sem tomar apontamentos ou sinais taquigráficos. “Não era minha intenção publicar essas lições; porém entre os meus discípulos há um que dispõem de rara habilidade de poder extractar fielmente os discursos que ouve, sem servir-se para isso dos sinais de taquigrafia; esse moço que se chama Leocádio Correia e que tem sempre tomado as minhas lições, tomou estas, que aparecem hoje publicadas”. É preciso dizer mais alguma coisa do acadêmico parnanguara? Torres Homem disse tudo. Vinte de dezembro de 1873. É noite. A faculdade de medicina se ilumina. É a maior festa do ano. Colação de grau! A cerimônia é emocionante na beleza de sua apoteose. Duas vozes se levantam na sala repleta, aristocrata. – Leocádio José Correia. – presente! A um canto da sala, um casal olha o filho, que se levanta em busca da esmeralda. Olha e nada vê. As lágrimas ofuscam a visão…
Na sua velha Paranaguá Leocádio Correia se instala na terra natal. Abre consultório. E não há mais descanso. E a luta de todas horas. É o sofrimento que pede alivio. É o consolo, que só chega com o médico. Leocádio Correia atende a todos, porque a dor não faz escolhas… O seu nome se espalha por toda cidade e por todo o município. Os chamados se multiplicam. É o único para atender os doentes da cidade e mais os de Guaratuba, Guaraqueçaba, Antonina e Morretes. Mas, não parava aí a atividade clínica do jovem esculápio. Os cargos de Inspetor do Porto de Paranaguá, médico da Santa Casa e Inspetor Escolar lhe foram confiados. E não era possível recusar, alegar fadiga. Médico de província não tem tempo para um cansaço… O hábito se torna uma segunda natureza… Leocádio Correia logo se adapta aquela vida atribulada, cheia de tormentos, repleta de inquietação pelos que sofriam. A pobreza passou a fazer parte cotidiana das suas preocupações. Percorria os casebres mais humildes, independente de seu chamado. Abria as portas e indagava: – há alguma coisa de novo? – não, doutor. Muito obrigado. E que Deus o ajude! E assim na população paupérrima da cidade, a figura de Leocádio Correia se elevou num ídolo. Só na população paupérrima? Não. Era, também ídolo dos ricos. Os Adversários políticos
Numa cidade pequena ( e é fácil avaliar o tamnaho de Paranaguá daquele tempo), o médico raramente pode fugir da política. A política é uma fatalidade.E fatalidade recreativa… Leocádio Correia não pode fugir da fatalidade. Espírito brilhantíssimo e, sobretudo, independente, mergulhou na política. Tomou atitudes, mas atitudes dentro de elegância, que era o traço marcante da sua personalidade. E fez adversários. Fez discursos inflamados, e fez ainda mais adversários…Idealista, combatia e não recuava. A escravatura era uma ignomínia, o seu verbo incendiado seria, na tribuna e na imprensa, um grito contra a página, que manchava a nossa história. Mas, os adversários, pobres mortais, adoeciam. Mande chamar o Dr. Leocádio. Não estou me sentindo bem. Será que ele vem? Pensavam, aflitas, as esposas. E o Leocádio ia. Ia sempre. A sua ciência pairava muito alto. E a política era apenas uma fatalidade recreativa… O adversário aliviado, restituído à alegria de viver, acabava reconhecendo que o medico tinha razão, mas até certo ponto… E aí estava o segredo da idolatria. Leocádio correia não guardava ódios. Se combatia era por temperamento… Via as coisas erradas e não calava. O PROBLEMA DO ENSINO Inspetor escolar verificou num relance as falhas do ensino. Podia silenciar. O silencio é cômodo… O silêncio é a arma secreta da inutilidade disfaraçada… Leocadio Correia veio à luta. E transformou as falhas do ensino numa campanha de repercussão nacional. Eleito deputado estadual levou o assunto para as bancadas do Congresso. Dissecou o ensino sem piedade. Não deixou pedra sobre pedra. Os seus discursos eram mesmo de alto poder explosivo… * * * A vida atribulada da clinica, os cargos que exigiam a sua atenção constante, pareciam ocupar todo o tempo do médico. Mas não era assim. Leocádio Correia se metia em tudo e para tudo conseguia um instante… Sociável por índole, todas as reuniões festivas exigiam a sua presença. Se era um baile de gala, aparecia no salão envergando uma casaca impecável. Se era festa de arte, o seu verbo constituía o maximo atrativo da reunião. Poeta de fina estirpe, compunha e interpretava. Fascinava os auditórios. Poucas vezes um homem consegue ser tão grande no tempo e no espaço. Não se pode dizer, com certeza, se Leocádio Correia foi maior ontem do que hoje. O poeta, o orador e o médico se confundiam na beleza do verso, no rendilhado da frase lírica, no brilho do diagnóstico, quando surpreendia os sintomas , que desenhavam o quadro mórbido. No verso, a sua predileção era pela sátira e pelo humorismo. Os dois gêneros que exigem do poeta qualidades priilegiadas. JORNALISTA E TEATRÓLOGO Jornalista de têmpera, filólogo, a sua pena esteve sempre a serviço das grandes causas. “o Itiberê”, folha que dirigiu com fulgor, era uma trincheira de idealismo. Conhecedor profundo do “metier”, compenetrado da verdadeira função do jornalista, na vida social, foi digno da confiança e dos aplausos, do seu povo. As suas palavras definindo a sua orientação da imprensa refletem bem o seu programa de ação: “Os jornais são os refletores das aspirações do povo e o homem que se sente com vocação para o exercício das suas faculdades nessa ingrata, porém alevantada missão, deve em beneficio da coletividade, torna-se um campeão dos direitos populares nas ingentes lutas jornalísticas”. Os problemas sociais merecem de sua pena causticante, os mais desassombrados artigos. Evitava as polêmicas estéreis que longe de aclarar as idéias, lançam a confusão e desvirtuam o verdadeiro sentido dos temas em estudo. O teatro mereceu, também, os cuidados de Leocádio Correia. Estimulava os moços a escrever peças, cujo os ensaios dirigia. Foi tanta a sua atividade, tão eficiente o seu papel na orientação dos que se dedicavam as letras, que Paranaguá foi, durante muito tempo uns dos maiores centros literários do Brasil. Influenciado pelo entusiasmo envolvente de Leocádio Correia, Leôncio Correia(*) escreveu um drama “ Talento e ouro”, que subiu à cena no Teatro Santa Cecina, alcançando inigualável sucesso. E não esqueçamos de dizer que a platéia parnanguara, culta, era exigente e difícil de contentar. (*) Leôncio Correia era irmão de Leocádio Correia e tornou-se espírita em vida, chegando a ser vice-presidente da atual Liga Espírita da Guanabara. Alguns fatos pitorescos Leocádio Correia tem na sua vida inúmeros fatos pitorescos que dizem bem da sua personalidade. Certa vez foi atender uma doente num casebre. Gente humilde, que mal tinha para os alimentos. O médico examinou a paciente e receitou, sentindo nos olhos do marido toda uma história de angústia. Acalmou o marido aflito prometendo que o remédio viria logo. Não tinha dinheiro? Dava-se um jeito. Quando o marido foi agradecer a visita, o médico ponderou: – Vá agradecer o boticário, foi ele que mandou o remédio. Era assim a bondade do esculápio. Acudia os doentes e tinha uma técnica especial para fazer o farmacêutico colaborar nas suas obras de caridade. “ “ “ O circo estava armado na praça. E não se falava em outra coisa. Durante o dia o palhaço saíra à rua, arrastando uma chusma de garotos, que respondia, em coro, às suas perguntas… Ia ser um sucesso. Veio gente de toda parte. Mal escureceu, o circo foi se enchendo, enchendo… Não tinha um lugar vazio. Quando o palhaço entrou no picadeiro foi um delírio nas gerais… O palhaço iniciou o espetáculo fazendo charadas para o público decifrar. Uma charada para se decifrar, rapidamente, não é coisa fácil e avultam as dificuldades, quando se trata de charada de circo… Lançada a primeira charada, um espectador deu em seguida a resposta. Veio a segunda e a resposta rápida, exata. Na quinta charada, o palhaço entre surpreso e intrigado não se conteve: – Não me é estranho o timbre da voz que me responde. O cavaleiro poderia fazer a fineza de me responder o seu nome? – Chamo-me Leocádio Correia. O palhaço, terminado o seu número, mudou de indumentária e se encaminhou para as gerais, onde estava Leocádio Correia. O palhaço e o médico logo se estreitaram num grande abraço. A assistência, comovida contemplava aquela cena estranha. Só depois o público ficou sabendo de tudo. O palhaço Polidoro, do célebre Circo Ferraz, tinha sico estudante de medicina e colega de turma de Leocádio Correia. O destino, implacável, o atirou a um picadeiro. “ “ “ O Doutor Casemiro dos Reis Gomes e Silva, juíz municipal de Antonina, visitando Paranaguá encontrou-se com Leôncio Correia. O magistrado, que trazia nas mãos um número de “O Itiberê”, abordou Leôncio Correia com estas palavras: – Você, menino, deve se matricular num seminário. O Paraná se orgulharia do ilustre prelado, porque ou muito me engano ou você está talhado para ser o nosso novo Mont’Alverne… Leôncio Correia espantou-se. – Mas estes artigos não são meus. São do Leocádio Correia! Quando burilava suas magníficas páginas sobre a Semana Santa, Leocádio Correia assinava apenas L. Correia. E daí o equivoco. Mal sabia a magistrado que Leocádio Correia estivera na iminência de ser, efetivamente, um novo Mont’Alverne… E VIVEU TÃO POUCO Leocádio Correia nasceu no dia 16 de fevereiro de 1848, na cidade de Paranaguá onde faleceu no dia 18 de maio de 1886. Tinha apenas 38 anos, quando a morte o arrebatou. A cidade, golpeada de surpresa, quase descrendo do brutal desenlace, se cobriu de luto na mais emocionante das homenagens. O dia 15 de maio foi o começo do fim. O médico deixou de atender os clientes e ardia em febre. Era uma forma gravíssima de impaludismo. Três dias apenas e tudo estava consumado. Os seus funerais falaram alto do ídolo que tombava. Milhares de pessoas, vindas do município e das cidades mais próximas, acompanharam o seu corpo até o ultimo leito. Era a gratidão transformada na mais enternecedora apoteose. * * * Leocádio Correia exerceu a sua profissão no curto lapso de 13 anos. No ano seguinte após a formatura consorciou-se com sua prima-irmã Carmela Cisneiros Correia, advindo dessa união os seguintes filhos: Leocádio Cisneiros Correia, Lucídio Cisneiros Correia e Clara Correia Alves Araújo. RELATÓRIOS VALIOSÍSSIMOS No período compreendido entre os anos de 1876 a 1880, Leocádio Correia ocupou o cargo de Inspetor de Saúde do Porto de Paranaguá. Os seus relatórios, escritos de próprio punho e enviados semestralmente ao Dr. Rodrigo Otávio de Oliveira Menezes, presidente da província, são documentos históricos valiosíssimos. Leocádio Correia não se limitava a relatar apenas o que observava na sua cidade e no seu porto. Incluía nos seus trabalhos, minuciosos, os próprios mapas demógrafo-sanitários das principais cidades da província. Era auxiliado nessa estafante empreitada por seus colegas correspondentes: Manoel Pedro Santos Lima (Lapa), José Justino de Melo (Antonina), Azevedo Monteiro (Morretes), José Franco Grilo (Antonina) e José Joaquim Franco Vale (Curitiba). Quando as cidades não possuíam médicos , tais como Castro, Guarapuava, Ponta Grossa, Palmeira e São José dos Pinhais, os delegados de polícia ou párocos desempenhavam a função de clínicos… Está claro que os comunicados dos delegados de Polícia eram recebidos com certas reservas. Sim, porque algum delegado arbitrário, por exemplo, poderia autuar um bacilo em flagrante delito!… Manoel Pedro Santos Lima, num dos seus comunicados faz referência a duas epidemias na terra lapeana , uma de febre puerperal em 1876 e no ano seguinte, outra de cólera nostra. A título de curiosidade transcrevemos o quadro do obituário da cidade de lapa, em 1879: Lesões do coração……………………..19 Afecções pulmonares agudas………..8 Croup………………………………………2 Coqueluche……………………………….1 Aneurisma da aorta…………………….1 Amolecimento cerebral………………..3 Tubérculos pulmonares………………..2 Glicosúria…………………………………2 Hepatite……………………………………1 Mortes súbitas…………………………..16 Mordedura de cobra……………………2 Cancro no seio………………………….1 Não especificadas……………………..107 Condições dos mortos: Livres………………………………………151 Escravos…………………………………7 Ingênuos…………………………………8 Convém acentuar que os relatórios de Leocádio Correia são estudos profundos sobre as diversas entidades mórbidas, além da sua valiosa contribuição. Se não deixou obras de medicina, os seus relatórios bastam para consagrá-lo. Inspetor de saúde do Porto, médico da Santa Casa, Inspetor escolar, tinha ainda que atender os doentes de Guaratuba, Guaraqueçaba, Morretes e Antonina. Resta ainda frisar os períodos de epidemia, em que acumulava os encargos de clínico e sanitarista, este último mais penoso, porque várias medidas urgentes exigiam sempre a sua presença. Não era só curar. Era preciso antes de mais nada jugular e debelar as epidemias. Além de deputado estadual, cargo que honrou sobremodo, nunca arrefeceu o seu entusiasmo pelas letras. O Congresso Estadual regurgitava nos dias de Leocádio Correia. Natural que isto acontecesse. O esculápio parnanguara foi um dos maiores oradores do Brasil. Falava de improviso. E a frase saía lapidada, cheia de música. * * * O grande clínico patrício vinha, naturalmente, fazendo as suas observações dos casos mórbidos dignos de estudo definitivo. Não tomava apontamentos. Dispensava tal recurso, quem recompunha de memória as aulas magistrais de Torres Homem. Leocádio Correia, forte de físico e de espírito, longe estava de imaginar a brevidade de sua existência. Se escrevesse sobre medicina os seus trabalhos seriam tão valiosos quanto a sua tese de doutoramento sobre Litotricia. É um trabalho escrito em linguagem castiça e de alto saber cientifico. Mas o esculápio não é grande somente pelos trabalhos que publica. O seu nome avulta e se agiganta, quando o tempo, que tudo apaga, respeita e conserva o seu esplendor. Faz pouco mais de maio século que Leocádio Correia desapareceu. E, no entanto, a sua vida ainda palpita e freme e se projeta através do tempo. Palpita na ternura mágica da saudade, na devoção que consola, na exaltação que imortaliza. * * * Paranaguá recorda a memória de Leocádio Correia apenas com o seu nome numa das ruas da cidade. É pouco. É muito pouco. A homenagem urbana nem sempre alcança o seu sentido exato. Há muitos nomes de heróis, perdidos em ruas intransitáveis… Tais homenagens representam quase uma ironia ao herói. Deslustram a sua memória. Foi o que aconteceu, há algum tempo, em nossa Capital. Um médico procurou um auto, ali na praça Tiradentes. Era para ir ver um doente, na Rua Pasteur. _ Rua Pasteur?!… E o chauffeur, aterrado se encolheu no volante… _ Não é possível, doutor, choveu muito no mês passado!… ………………………………………………….. Mas o que é um herói? Os dicionários não estão bem de acordo… Parece que foram os gregos que deram o nome de herói aos homens divinizados. No sentido depreciativo, o herói é um individuo pouco recomendável, malandro… Não é fácil, na hora que passa, saber quando acaba a divinização e quando começa a malandragem!… * * * Leocádio Correia mereceu muito pouco de sua terra. Podeis argumentar, caros parnaguaras, que Leocádio Correia teve ao morrer homenagens jamais prestadas a um homem público. È verdade. Está certo. Mas, um homem público, raramente, teria competência para salvar a sua cidade de tantas epidemias. De pleno acordo? Muito bem. Quando a febre amarela, o impaludismo, a varíola, a febre tifóide surgiam e a cidade sentia a angústia do luto irreparável, era a sua ciência, que novamente trazia a serenidade. Durante os 13 anos que viveu como medico e como artista, a sua vida foi toda devotada à vida da cidade. Não havia sacrifício que não fizesse pelo seu povo. Cansaço, repouso? Não pensava na sua saúde, quando a morte rondava a sua gente. Não havia pobre que batesse em vão a sua porta. No doente pobre e no doente rico, distinguia apenas o sofrimento. A sua caridade tinha a elegância do silêncio. * * * Não, caros parnaguaras! A verdade não deve aparecer sob o manto diáfano da fantasia… Um nome numa rua é pouco, quando esse nome é maior do que a cidade. Foi, durante esses treze anos que Paranaguá viveu o período áureo de sua história. Era um dos maiores centros literários do Brasil. E deveu esse fulgor ao espírito criador de Leocádio Correia. As obras literárias do grande e incomparável médico andam esparsas pelos jornais e revistas da época. É tempo de reuni-las em volume. São jóias que não perdem a cintilação. Será um orgulho para as terras de Fernando Amaro lançar esse volume. Um orgulho e uma honra. Reviver glórias que passaram. Dizer que foi berço de poetas e de médicos ilustríssimos. Repetir os seus recantos imortalizados pela poesia. Nesse dia, Paranaguá será digna da memória do seu filho. * * * Leocádio Correia! 13 anos de Medicina e de Arte. Médico e sonhador! Sonhador. A medicina é bem um sonho. É a ânsia da perfeição. A perfeição de Deus. Deus, na síntese eterna da Beleza! DIRCEU DE LACERDA
ESPECIALMENTE TRAÇADO PELO DR. DIRCEU DE LACERDA, PARA A REVISTA MÉDICA DO PARANÁ, E PUBLICADO NO N. 8 – ANO XI – DE AGOSTO DE 1943. Homenagem do editor Curitiba – Paraná – Janeiro 1967 Devidamente autorizada a publicação pela Ass. Médica do Paraná
EXPLICAÇÃO NECESSÁRIA Frequentemente chegam a Federação Espírita do Paraná, pedidos de dados biográficos do Dr. Leocádio José Correia. Isto nos levou a considerar que por melhor que fosse nosso desejo de atender, não dispúnhamos de mais valiosos subsídios do que aqueles que foram publicados pela Revista Médica do Paraná, de autoria do Dr. Dirceu de Lacerda, esplendido jornalista paranaense e que nesse trabalho consagrou-se excelente biógrafo. Por esse motivo, recorremos a família do Dr. Dirceu de Lacerda solicitando permissão para publicar sob nossa responsabilidade e para distribuição gratuita o trabalho do valoroso homem de letras, visto como o mesmo já pertence ao número dos falecidos, muito embora figure na galeria dos imortais pela presença constante no mundo das letras e de sua natureza de espírito imortal, segundo a nossa crença. Tendo recebido a necessária autorização, vamos pois dar publicidade pela terceira vez ao perfil biográfico do Dr. Leocádio José Correia, traçado pelo Dr. Dirceu de Lacerda, ilustre médico paranaense, publicado em 1943 pela revista médica do Paraná e editado por “prata da casa”, no mesmo ano sob responsabilidade do Dr. Leocádio Cisneros Correia, ilustre filho do nosso biografado. Nossos agradecimentos à família do Dr. Dirceu de Lacerda pela gentileza de seu gesto, com as mais sentidas homenagens dos dirigentes da federação espírita do Paraná, ao autor deste excelente trabalho. Na ausência de um trabalho que encerre traços da vida post morten do espírito que animou a personalidade do Dr.Leocádio José Correia, hoje grandemente conhecido no meu espírita brasileiro e até mesmo no exterior, damos a publicidade deste Perfil Biográfico na certeza de que o mesmo satisfaz plenamente a procura que há de dados biográficos dos que conhecem por sua atuação no ambiente mediúnico espírita. Pois o trabalho retrata em forma sobeja sua vida intelectual, moral, pública e profissional, o bastante para inferir-se de sua justeza de caráter e de homem de bem, tal qual os predicados que revela aos que tem aventura de conhecê-lo apenas, através da legítima mediunidade. Curitiba, Janeiro de 1967. João Ghignone Presidente da Federação Espírita do Paraná. DR. LEOCADIO JOSÉ CORREIA 16-2-1848 À 18-5-1886 Caminhou na vida como um espartano: heróico, cheio de rasgos de singular altruísmo, pondo a inteligência ao lado das palpitações do seu sensibilíssimo coração. Nunca a síntese de uma frase disse tanto. Leocádio Correia caminhou na vida como um espartano. Médico e artista, viveu dentro desse grande sonho, que é a Beleza imortalizada pelos gregos. E viveu tão pouco! Mas, não passou em vão. Ficou a Luz do relâmpago. O esplendor de luz! * * * Leocádio Correia foi um menino diferente dos outros. Diferente, porque punha a sua inteligência à serviço das travessuras. Devia ter feito na infância coisas do arco da velha…era o cabeça do grupo… E quando um grupo é norteado por uma cabeça privilegiada, esse grupo merece respeito… Leocádio Correia, peralta, foi sempre um bom estudante. Dividia sempre bem o tempo: hora certa para o estudo, hora certa para travessuras… Na classe primária não vacilava nas argüições. E naquele tempo, o ensino era acompanhado por uma palmatória odiosa… Leocádio Correia ia avançando. No curso secundário surpreendia os mestres. A literatura o fascinava. E o estudo do latim o enlevava. Quase sacerdote Concluindo o curso de preparatórios, a sua família percebeu certos pendores do jovem latinista para a vida eclesiástica. O seminário de São Paulo era famoso. Leocádio Correia ingressou, então, na famosa casa de ensino bandeirante. Um futuro brilhante, no púlpito, se descortinava. O dia da primeira unção vinha próximo. Leocádio Correia, sentiu então, que não era aquele o seu caminho. Manoel José Correia e D. Gertrudes Pereira Correia, não contrariaram o filho, sorriram apenas. Um sorriso que era uma benção. Em busca de uma esmeralda E Leocádio Correia tomou novo rumo, aquele que se constituía o seu supremo anseio – ser médico. Estamos em 1867. Leocádio Correia é acadêmico de medicina. Não esconde as emoções que se sente ao penetrar em uma casa de ensino superior, faz amizades e se faz respeitado. Estuda e põe toda alma nos livros. Avança no curso como um espartano. É o mesmo menino brioso, que Paranaguá viu brincar nas suas ruas. Surpreende, também os grandes mestres da medicina. As aulas que escuta ficam na memória, como se fossem gravadas no buril. Torres Homem, mestre entre os mestres, se empolga pelo discípulo. Leocádio Correia, recompõe as suas aulas sem tomar apontamentos ou sinais taquigráficos. “Não era minha intenção publicar essas lições; porém entre os meus discípulos há um que dispõem de rara habilidade de poder extractar fielmente os discursos que ouve, sem servir-se para isso dos sinais de taquigrafia; esse moço que se chama Leocádio Correia e que tem sempre tomado as minhas lições, tomou estas, que aparecem hoje publicadas”. É preciso dizer mais alguma coisa do acadêmico parnanguara? Torres Homem disse tudo. Vinte de dezembro de 1873. É noite. A faculdade de medicina se ilumina. É a maior festa do ano. Colação de grau! A cerimônia é emocionante na beleza de sua apoteose. Duas vozes se levantam na sala repleta, aristocrata. – Leocádio José Correia. – presente! A um canto da sala, um casal olha o filho, que se levanta em busca da esmeralda. Olha e nada vê. As lágrimas ofuscam a visão…
Na sua velha Paranaguá Leocádio Correia se instala na terra natal. Abre consultório. E não há mais descanso. E a luta de todas horas. É o sofrimento que pede alivio. É o consolo, que só chega com o médico. Leocádio Correia atende a todos, porque a dor não faz escolhas… O seu nome se espalha por toda cidade e por todo o município. Os chamados se multiplicam. É o único para atender os doentes da cidade e mais os de Guaratuba, Guaraqueçaba, Antonina e Morretes. Mas, não parava aí a atividade clínica do jovem esculápio. Os cargos de Inspetor do Porto de Paranaguá, médico da Santa Casa e Inspetor Escolar lhe foram confiados. E não era possível recusar, alegar fadiga. Médico de província não tem tempo para um cansaço… O hábito se torna uma segunda natureza… Leocádio Correia logo se adapta aquela vida atribulada, cheia de tormentos, repleta de inquietação pelos que sofriam. A pobreza passou a fazer parte cotidiana das suas preocupações. Percorria os casebres mais humildes, independente de seu chamado. Abria as portas e indagava: – há alguma coisa de novo? – não, doutor. Muito obrigado. E que Deus o ajude! E assim na população paupérrima da cidade, a figura de Leocádio Correia se elevou num ídolo. Só na população paupérrima? Não. Era, também ídolo dos ricos. Os Adversários políticos
Numa cidade pequena ( e é fácil avaliar o tamnaho de Paranaguá daquele tempo), o médico raramente pode fugir da política. A política é uma fatalidade.E fatalidade recreativa… Leocádio Correia não pode fugir da fatalidade. Espírito brilhantíssimo e, sobretudo, independente, mergulhou na política. Tomou atitudes, mas atitudes dentro de elegância, que era o traço marcante da sua personalidade. E fez adversários. Fez discursos inflamados, e fez ainda mais adversários…Idealista, combatia e não recuava. A escravatura era uma ignomínia, o seu verbo incendiado seria, na tribuna e na imprensa, um grito contra a página, que manchava a nossa história. Mas, os adversários, pobres mortais, adoeciam. Mande chamar o Dr. Leocádio. Não estou me sentindo bem. Será que ele vem? Pensavam, aflitas, as esposas. E o Leocádio ia. Ia sempre. A sua ciência pairava muito alto. E a política era apenas uma fatalidade recreativa… O adversário aliviado, restituído à alegria de viver, acabava reconhecendo que o medico tinha razão, mas até certo ponto… E aí estava o segredo da idolatria. Leocádio correia não guardava ódios. Se combatia era por temperamento… Via as coisas erradas e não calava. O PROBLEMA DO ENSINO Inspetor escolar verificou num relance as falhas do ensino. Podia silenciar. O silencio é cômodo… O silêncio é a arma secreta da inutilidade disfaraçada… Leocadio Correia veio à luta. E transformou as falhas do ensino numa campanha de repercussão nacional. Eleito deputado estadual levou o assunto para as bancadas do Congresso. Dissecou o ensino sem piedade. Não deixou pedra sobre pedra. Os seus discursos eram mesmo de alto poder explosivo… * * * A vida atribulada da clinica, os cargos que exigiam a sua atenção constante, pareciam ocupar todo o tempo do médico. Mas não era assim. Leocádio Correia se metia em tudo e para tudo conseguia um instante… Sociável por índole, todas as reuniões festivas exigiam a sua presença. Se era um baile de gala, aparecia no salão envergando uma casaca impecável. Se era festa de arte, o seu verbo constituía o maximo atrativo da reunião. Poeta de fina estirpe, compunha e interpretava. Fascinava os auditórios. Poucas vezes um homem consegue ser tão grande no tempo e no espaço. Não se pode dizer, com certeza, se Leocádio Correia foi maior ontem do que hoje. O poeta, o orador e o médico se confundiam na beleza do verso, no rendilhado da frase lírica, no brilho do diagnóstico, quando surpreendia os sintomas , que desenhavam o quadro mórbido. No verso, a sua predileção era pela sátira e pelo humorismo. Os dois gêneros que exigem do poeta qualidades priilegiadas. JORNALISTA E TEATRÓLOGO Jornalista de têmpera, filólogo, a sua pena esteve sempre a serviço das grandes causas. “o Itiberê”, folha que dirigiu com fulgor, era uma trincheira de idealismo. Conhecedor profundo do “metier”, compenetrado da verdadeira função do jornalista, na vida social, foi digno da confiança e dos aplausos, do seu povo. As suas palavras definindo a sua orientação da imprensa refletem bem o seu programa de ação: “Os jornais são os refletores das aspirações do povo e o homem que se sente com vocação para o exercício das suas faculdades nessa ingrata, porém alevantada missão, deve em beneficio da coletividade, torna-se um campeão dos direitos populares nas ingentes lutas jornalísticas”. Os problemas sociais merecem de sua pena causticante, os mais desassombrados artigos. Evitava as polêmicas estéreis que longe de aclarar as idéias, lançam a confusão e desvirtuam o verdadeiro sentido dos temas em estudo. O teatro mereceu, também, os cuidados de Leocádio Correia. Estimulava os moços a escrever peças, cujo os ensaios dirigia. Foi tanta a sua atividade, tão eficiente o seu papel na orientação dos que se dedicavam as letras, que Paranaguá foi, durante muito tempo uns dos maiores centros literários do Brasil. Influenciado pelo entusiasmo envolvente de Leocádio Correia, Leôncio Correia(*) escreveu um drama “ Talento e ouro”, que subiu à cena no Teatro Santa Cecina, alcançando inigualável sucesso. E não esqueçamos de dizer que a platéia parnanguara, culta, era exigente e difícil de contentar. (*) Leôncio Correia era irmão de Leocádio Correia e tornou-se espírita em vida, chegando a ser vice-presidente da atual Liga Espírita da Guanabara. Alguns fatos pitorescos Leocádio Correia tem na sua vida inúmeros fatos pitorescos que dizem bem da sua personalidade. Certa vez foi atender uma doente num casebre. Gente humilde, que mal tinha para os alimentos. O médico examinou a paciente e receitou, sentindo nos olhos do marido toda uma história de angústia. Acalmou o marido aflito prometendo que o remédio viria logo. Não tinha dinheiro? Dava-se um jeito. Quando o marido foi agradecer a visita, o médico ponderou: – Vá agradecer o boticário, foi ele que mandou o remédio. Era assim a bondade do esculápio. Acudia os doentes e tinha uma técnica especial para fazer o farmacêutico colaborar nas suas obras de caridade. “ “ “ O circo estava armado na praça. E não se falava em outra coisa. Durante o dia o palhaço saíra à rua, arrastando uma chusma de garotos, que respondia, em coro, às suas perguntas… Ia ser um sucesso. Veio gente de toda parte. Mal escureceu, o circo foi se enchendo, enchendo… Não tinha um lugar vazio. Quando o palhaço entrou no picadeiro foi um delírio nas gerais… O palhaço iniciou o espetáculo fazendo charadas para o público decifrar. Uma charada para se decifrar, rapidamente, não é coisa fácil e avultam as dificuldades, quando se trata de charada de circo… Lançada a primeira charada, um espectador deu em seguida a resposta. Veio a segunda e a resposta rápida, exata. Na quinta charada, o palhaço entre surpreso e intrigado não se conteve: – Não me é estranho o timbre da voz que me responde. O cavaleiro poderia fazer a fineza de me responder o seu nome? – Chamo-me Leocádio Correia. O palhaço, terminado o seu número, mudou de indumentária e se encaminhou para as gerais, onde estava Leocádio Correia. O palhaço e o médico logo se estreitaram num grande abraço. A assistência, comovida contemplava aquela cena estranha. Só depois o público ficou sabendo de tudo. O palhaço Polidoro, do célebre Circo Ferraz, tinha sico estudante de medicina e colega de turma de Leocádio Correia. O destino, implacável, o atirou a um picadeiro. “ “ “ O Doutor Casemiro dos Reis Gomes e Silva, juíz municipal de Antonina, visitando Paranaguá encontrou-se com Leôncio Correia. O magistrado, que trazia nas mãos um número de “O Itiberê”, abordou Leôncio Correia com estas palavras: – Você, menino, deve se matricular num seminário. O Paraná se orgulharia do ilustre prelado, porque ou muito me engano ou você está talhado para ser o nosso novo Mont’Alverne… Leôncio Correia espantou-se. – Mas estes artigos não são meus. São do Leocádio Correia! Quando burilava suas magníficas páginas sobre a Semana Santa, Leocádio Correia assinava apenas L. Correia. E daí o equivoco. Mal sabia a magistrado que Leocádio Correia estivera na iminência de ser, efetivamente, um novo Mont’Alverne… E VIVEU TÃO POUCO Leocádio Correia nasceu no dia 16 de fevereiro de 1848, na cidade de Paranaguá onde faleceu no dia 18 de maio de 1886. Tinha apenas 38 anos, quando a morte o arrebatou. A cidade, golpeada de surpresa, quase descrendo do brutal desenlace, se cobriu de luto na mais emocionante das homenagens. O dia 15 de maio foi o começo do fim. O médico deixou de atender os clientes e ardia em febre. Era uma forma gravíssima de impaludismo. Três dias apenas e tudo estava consumado. Os seus funerais falaram alto do ídolo que tombava. Milhares de pessoas, vindas do município e das cidades mais próximas, acompanharam o seu corpo até o ultimo leito. Era a gratidão transformada na mais enternecedora apoteose. * * * Leocádio Correia exerceu a sua profissão no curto lapso de 13 anos. No ano seguinte após a formatura consorciou-se com sua prima-irmã Carmela Cisneiros Correia, advindo dessa união os seguintes filhos: Leocádio Cisneiros Correia, Lucídio Cisneiros Correia e Clara Correia Alves Araújo. RELATÓRIOS VALIOSÍSSIMOS No período compreendido entre os anos de 1876 a 1880, Leocádio Correia ocupou o cargo de Inspetor de Saúde do Porto de Paranaguá. Os seus relatórios, escritos de próprio punho e enviados semestralmente ao Dr. Rodrigo Otávio de Oliveira Menezes, presidente da província, são documentos históricos valiosíssimos. Leocádio Correia não se limitava a relatar apenas o que observava na sua cidade e no seu porto. Incluía nos seus trabalhos, minuciosos, os próprios mapas demógrafo-sanitários das principais cidades da província. Era auxiliado nessa estafante empreitada por seus colegas correspondentes: Manoel Pedro Santos Lima (Lapa), José Justino de Melo (Antonina), Azevedo Monteiro (Morretes), José Franco Grilo (Antonina) e José Joaquim Franco Vale (Curitiba). Quando as cidades não possuíam médicos , tais como Castro, Guarapuava, Ponta Grossa, Palmeira e São José dos Pinhais, os delegados de polícia ou párocos desempenhavam a função de clínicos… Está claro que os comunicados dos delegados de Polícia eram recebidos com certas reservas. Sim, porque algum delegado arbitrário, por exemplo, poderia autuar um bacilo em flagrante delito!… Manoel Pedro Santos Lima, num dos seus comunicados faz referência a duas epidemias na terra lapeana , uma de febre puerperal em 1876 e no ano seguinte, outra de cólera nostra. A título de curiosidade transcrevemos o quadro do obituário da cidade de lapa, em 1879: Lesões do coração……………………..19 Afecções pulmonares agudas………..8 Croup………………………………………2 Coqueluche……………………………….1 Aneurisma da aorta…………………….1 Amolecimento cerebral………………..3 Tubérculos pulmonares………………..2 Glicosúria…………………………………2 Hepatite……………………………………1 Mortes súbitas…………………………..16 Mordedura de cobra……………………2 Cancro no seio………………………….1 Não especificadas……………………..107 Condições dos mortos: Livres………………………………………151 Escravos…………………………………7 Ingênuos…………………………………8 Convém acentuar que os relatórios de Leocádio Correia são estudos profundos sobre as diversas entidades mórbidas, além da sua valiosa contribuição. Se não deixou obras de medicina, os seus relatórios bastam para consagrá-lo. Inspetor de saúde do Porto, médico da Santa Casa, Inspetor escolar, tinha ainda que atender os doentes de Guaratuba, Guaraqueçaba, Morretes e Antonina. Resta ainda frisar os períodos de epidemia, em que acumulava os encargos de clínico e sanitarista, este último mais penoso, porque várias medidas urgentes exigiam sempre a sua presença. Não era só curar. Era preciso antes de mais nada jugular e debelar as epidemias. Além de deputado estadual, cargo que honrou sobremodo, nunca arrefeceu o seu entusiasmo pelas letras. O Congresso Estadual regurgitava nos dias de Leocádio Correia. Natural que isto acontecesse. O esculápio parnanguara foi um dos maiores oradores do Brasil. Falava de improviso. E a frase saía lapidada, cheia de música. * * * O grande clínico patrício vinha, naturalmente, fazendo as suas observações dos casos mórbidos dignos de estudo definitivo. Não tomava apontamentos. Dispensava tal recurso, quem recompunha de memória as aulas magistrais de Torres Homem. Leocádio Correia, forte de físico e de espírito, longe estava de imaginar a brevidade de sua existência. Se escrevesse sobre medicina os seus trabalhos seriam tão valiosos quanto a sua tese de doutoramento sobre Litotricia. É um trabalho escrito em linguagem castiça e de alto saber cientifico. Mas o esculápio não é grande somente pelos trabalhos que publica. O seu nome avulta e se agiganta, quando o tempo, que tudo apaga, respeita e conserva o seu esplendor. Faz pouco mais de maio século que Leocádio Correia desapareceu. E, no entanto, a sua vida ainda palpita e freme e se projeta através do tempo. Palpita na ternura mágica da saudade, na devoção que consola, na exaltação que imortaliza. * * * Paranaguá recorda a memória de Leocádio Correia apenas com o seu nome numa das ruas da cidade. É pouco. É muito pouco. A homenagem urbana nem sempre alcança o seu sentido exato. Há muitos nomes de heróis, perdidos em ruas intransitáveis… Tais homenagens representam quase uma ironia ao herói. Deslustram a sua memória. Foi o que aconteceu, há algum tempo, em nossa Capital. Um médico procurou um auto, ali na praça Tiradentes. Era para ir ver um doente, na Rua Pasteur. _ Rua Pasteur?!… E o chauffeur, aterrado se encolheu no volante… _ Não é possível, doutor, choveu muito no mês passado!… ………………………………………………….. Mas o que é um herói? Os dicionários não estão bem de acordo… Parece que foram os gregos que deram o nome de herói aos homens divinizados. No sentido depreciativo, o herói é um individuo pouco recomendável, malandro… Não é fácil, na hora que passa, saber quando acaba a divinização e quando começa a malandragem!… * * * Leocádio Correia mereceu muito pouco de sua terra. Podeis argumentar, caros parnaguaras, que Leocádio Correia teve ao morrer homenagens jamais prestadas a um homem público. È verdade. Está certo. Mas, um homem público, raramente, teria competência para salvar a sua cidade de tantas epidemias. De pleno acordo? Muito bem. Quando a febre amarela, o impaludismo, a varíola, a febre tifóide surgiam e a cidade sentia a angústia do luto irreparável, era a sua ciência, que novamente trazia a serenidade. Durante os 13 anos que viveu como medico e como artista, a sua vida foi toda devotada à vida da cidade. Não havia sacrifício que não fizesse pelo seu povo. Cansaço, repouso? Não pensava na sua saúde, quando a morte rondava a sua gente. Não havia pobre que batesse em vão a sua porta. No doente pobre e no doente rico, distinguia apenas o sofrimento. A sua caridade tinha a elegância do silêncio. * * * Não, caros parnaguaras! A verdade não deve aparecer sob o manto diáfano da fantasia… Um nome numa rua é pouco, quando esse nome é maior do que a cidade. Foi, durante esses treze anos que Paranaguá viveu o período áureo de sua história. Era um dos maiores centros literários do Brasil. E deveu esse fulgor ao espírito criador de Leocádio Correia. As obras literárias do grande e incomparável médico andam esparsas pelos jornais e revistas da época. É tempo de reuni-las em volume. São jóias que não perdem a cintilação. Será um orgulho para as terras de Fernando Amaro lançar esse volume. Um orgulho e uma honra. Reviver glórias que passaram. Dizer que foi berço de poetas e de médicos ilustríssimos. Repetir os seus recantos imortalizados pela poesia. Nesse dia, Paranaguá será digna da memória do seu filho. * * * Leocádio Correia! 13 anos de Medicina e de Arte. Médico e sonhador! Sonhador. A medicina é bem um sonho. É a ânsia da perfeição. A perfeição de Deus. Deus, na síntese eterna da Beleza! DIRCEU DE LACERDA