Jesus Cristo: sempre muito à frente de nós
ANSELMO FERREIRA VASCONCELOS
Narra o apóstolo Marcos que, menos de 48 horas após a hedionda crucificação do inolvidável Rabi da Galiléia, Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago, e Salomé foram visitar o sepulcro onde jazia seu corpo sem vida, objetivando aplicar-lhe ungüentos e aromas, consoante as tradições da época. No entanto, lá chegando notaram que a câmara havia sido aberta – a pesada porta de pedra que selava a entrada fora removida. Embora receosas, decidiram assim mesmo entrar para averiguar e, ao fazê-lo, deparam-se já no interior com um jovem que trajava alva e comprida roupa – especulamos que provavelmente fosse uma entidade desencarnada de alta hierarquia.
Obviamente, as referidas senhoras se assustaram. Mas o desconhecido personagem, percebendo o forte impacto emocional que a sua presença nelas houvera causado, busca acalmá-las. Assim sendo, rapidamente as esclarece que Jesus não mais ali se encontrava.
Mais ainda, que já havia ressuscitado e, pontualmente, recomenda-lhes: “Mas ide, dizei a seus discípulos, e a Pedro, que ele vai adiante de vós para a Galiléia; lá o vereis, como ele vos disse”.
(Marcos, 16:7.) Afora o aspecto histórico referente à citada passagem, há também importantes aspectos exegéticos que pretendemos resgatar no presente texto. Afirma Emmanuel:
É raro encontrarmos discípulos decididos à fidelidade sem mescla, nos momentos que a luta supera o âmbito normal.1
A colocação do nobre mentor suscita imediata reflexão a respeito do que o Cristo representa e/ou significa em nossas vidas e o que dele somos verdadeiramente. Em outras palavras, é o Cristo alguém com quem, de fato, nos identificamos?
Supondo que a resposta seja positiva, o que dele, de concreto, procuramos imitar ou assimilar? Ou será que lá no fundo apenas o admiramos, mas não temos ainda forças e disciplina para viver seus ensinamentos na intensidade desejada?
Entretanto, se já nos consideramos pertencentes à categoria de discípulos, respondamos (para nós mesmos): o que nos faz assim pensar? Em outros termos, quais as virtudes morais que já possuímos?
Quais os defeitos e imperfeições que eliminamos em nossa personalidade? Que progressos espirituais já alcançamos na presente encarnação? Será que na hora em que as coisas vão mal (aparentemente fora de controle), em que as ásperas provas se nos apresentam, nos postamos como verdadeiros cristãos ou esquecemos tudo? Infelizmente, “[…] em se elevando a experiência para maiores demonstrações de coragem, valor e fé […]” 2 o nosso estado de ânimo altera-se substancialmente.
Em conseqüência, “[…] Converte-se a segurança em indecisão, a alegria em desalento”.3
Muitos resmungam, outros se decepcionam, outros tantos ainda blasfemam e emitem pesados impropérios, desperdiçando oportunidades cuidadosamente preparadas pelo plano espiritual em favor deles mesmos. Pouquíssimos se lembram de que Jesus recebeu incompreensão, ingratidão, desprezo e violência no mais alto grau; que carregou a própria cruz; que jamais solicitou ou obteve privilégios especiais; que exemplificou até a morte, com absoluta perfeição, os seus ensinamentos. E aqueles que realmente o seguiram (os seus discípulos sinceros) sofreram as mais atrozes perseguições e humilhações, pagando até mesmo com as suas próprias vidas.
Estudo conduzido pela Fundação Getúlio Vargas dá à Doutrina Espírita a 7a posição no ranking das religiões. Ou seja, precisamente 1,44% da população brasileira expressaram-lhe preferência religiosa.4 Não causa estranheza tal resultado, pois, diferentemente de outras abordagens religiosas, o Espiritismo não ameaça, não excomunga, não expurga.
Em contrapartida, apela para a razão, o bom senso e o raciocínio.
Em troca, dá esclarecimentos provindos de fontes altamente confiáveis, isto é, Jesus e os Espíritos de escol que administram este planeta. Fundamentalmente, o Espiritismo desperta nas criaturas bem-intencionadas forças interiores poderosas que são necessárias às suas transformações para o bem. Como tais conquistas não são ainda prioridades aos humanos, vivemos numa civilização desespiritualizada.
Mas “não nos cabe esquecer que, nas primeiras providências do apostolado divino, Jesus sempre se adiantou aos companheiros nos testemunhos santificantes”.5 Eis o desafio que sempre devemos estar prontos a enfrentar – testemunhos edificantes –, o que faz muitos tremerem só de pensar.No entanto, não alcançaremos o progresso espiritual se não nos dispusermos a encarar tais momentos com coragem, ânimo e confiança na providência.
Afinal, tem sido assim ao longo dos tempos com milhões de almas. Então, por que seria diferente conosco?
Por outro lado, “o Mestre está sempre fazendo o máximo na obra redentora, contando com o esforço dos cooperadores apenas nas particularidades minúsculas do celeste serviço…”.6 Tenhamos consciência de que por maior que seja o nosso empenho, esforço e trabalho na seara divina, ele é ínfimo e quase insignificante em face do que os nossos mentores (especialmente o Cristo) realizam.
Alerta-nos Emmanuel para não nos entregarmos à indecisão quando estivermos sozinhos ou quando as dificuldades aumentarem. Lembremo-nos de que a porta é estreita e as provas são indelegáveis.
Todos temos débitos e acertos a fazer com a Providência Divina.
Ninguém está vivendo agora neste mundo caótico, em que a Terra se transformou, à toa. Nenhum de nós passa ou passará pelo sofrimento reparador por desconsideração ou impiedade de Deus.
Diante disso, convida-nos o referido instrutor do Além a irmos confiantes e otimistas “[…] às provações salutares ou às tarefas dilacerantes que esperam por nosso concurso e ação […]”.7
Nesse sentido, cabe recordar o Espírito Humberto de Campos, quando nos informa que no início da fundação da Boa Nova, realizadas as primeiras pregações, instalou-se um clima de inquietação entre os discípulos.
Indagava-se por que se exigiam tamanhos sacrifícios dos iniciados?
Então, Jesus, que conhecia o íntimo de cada um, reuniu-os uma noite em Cafarnaum e falou-lhes longamente a respeito de fidelidade a Deus. Concluída a esclarecedora explanação, André perguntou-lhe como poderia ser fiel a Deus se se sentia doente.
Jesus, ao ouvir a dúvida que assaltava o citado discípulo, elucidou:
[…] Nos dias de calma, é fácil provar-se fidelidade e confiança.
Não se prova, porém, dedicação, verdadeiramente, senão nas horas tormentosas, em que tudo parece contrariar e perecer.
O enfermo tem consigo diversas possibilidades de trabalhar para nosso Pai, com mais altas probabilidades de êxito no serviço. Tateando ou rastejando, busquemos servir ao Pai que está nos céus, porque nas suas mãos divinas vive o Universo inteiro!…8
E arrematou:
André, se algum dia teus olhos se fecharem para a luz da Terra, serve a Deus com a tua palavra e com os ouvidos; se ficares mudo, toma, assim mesmo, a charrua, valendo-te das tuas mãos.
Ainda que ficasses privado dos olhos e da palavra, das mãos e dos pés, poderias servir a Deus com a paciência e a coragem, porque a virtude é o verbo dessa fidelidade que nos conduzirá ao amor dos amores!9
Terminada a explicação, André chorava copiosamente, e os outros, compelidos por poderosa força interior, expressaram – concomitantemente – o desejo de ser fiéis. E assim foi, pois todos, no devido tempo e em diferentes circunstâncias, provaram fidelidade a Deus. Portanto, quando as dificuldades nos visitarem, abençoemo-las, pois é chegada a hora da avaliação. Viemos à vida corporal exatamente para isto. Não nos desesperemos.
Jesus e amigos zelosos velam por nós. Não esperemos facilidades num mundo onde a ignorância constitui, por ora, o padrão predominante. Lembremos que toda atividade voltada ao bem é dificultada. A incompreensão e a falta de lucidez são ainda muito grandes na Terra, “[…] mas sigamos felizes no encalço das obrigações que nos competem, conscientes de que Jesus, amoroso e previdente, já seguiu adiante de nós…”.10
Referências:
1 XAVIER, Francisco C. Vinha de luz. Pelo Espírito Emmanuel. 26. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2007. Cap. 67, p. 155.
2Idem, ibidem.
3 Idem, ibidem.
4 NERI, M. C. A economia das religiões. Rio de Janeiro: FGV/IBRE, CPS, 2007. p. 16. Disponível em: http://www4.fgv.br/cps/simulador/site_ religioes2/REL2_texto_FGV_CPS_Fim%20_2 _.pdf. Acessado em: 23 mai. 2007.
5 AVIER, Francisco C. Vinha de luz. Pelo Espírito Emmanuel. 26. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2007. Cap. 67, p. 156.
6 dem, ibidem.
7Idem, ibidem.
8_. Boa nova. 11. ed. Pelo Espírito Humberto de Campos. 2. ed. especial. Rio de Janeiro: FEB, 2007. Cap. 6, p. 54.
9 Idem, ibidem. p. 54-55.
10_. Vinha de luz. Pelo Espírito Emmanuel. 26. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2007. Cap. 67, p. 156.
Reformador dezembro 2007