Longo Reinado (dinheiro)
ADOLPHO MARREIRO JÚNIOR
Dentre os fatores que mais contribuíram para que a Humanidade galgasse o elevado patamar do desenvolvimento intelectual, científico e tecnológico destaca-se um que se transformou no supremo ídolo do ser humano.
Ressalvando-se as exceções, todos o amam, desejam e disputam por meios honestos ou criminosos.
Esse ídolo não é outro senão o “Rei Dinheiro”, cujos súditos contam-se por bilhões dispersos pelos cinco continentes.
Quanto à sua origem, vejamos o que nos informa o escritor e antropólogo norte-americano Jack Weatherd em seu livro intitulado A História do Dinheiro: “[…] o dinheiro nasceu a aproximadamente 3.000 anos, na Lídia (Ásia Menor), e, em sua longa trajetória, das conchas passou pelo sal, moeda e papel, antes de chegar ao cartão ou à senha”. Conviveu com o nascimento, ascensão e derrocada de impérios e reinados, revoluções e guerras, catástrofes e epidemias, períodos de farturas e de misérias, sobrevivendo a todas às transformações pelas quais tem passado a Humanidade até os dias atuais.
O seu fascínio induz bilhões de pessoas, diariamente, em todo o mundo, a pensarem muito mais nele do que no Deus de suas religiões.
Conseqüentemente, o mandamento maior que todos, com exceções, repetimos, cumprem prazerosamente é este: “Amarás o Senhor Dinheiro acima de todas as coisas, de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento e aos lucros como a ti mesmo”.
Pela ambição do que podem adquirir com ele, não raro, corrompem-se políticos e religiosos, cientistas e militares, juízes e advogados, empresários, desportistas, artistas e serviçais.
Torna-se cada vez mais raro encontrar segmentos das atividades humanas imunes às tentações do dinheiro.
O homem esquecido de sua origem divina deixou-se contaminar pelo vírus do espírito de lucros e vantagens em tudo o que faz, indiferente às necessidades mínimas de seus semelhantes. Pouco lhe importa se a sua fortuna foi ou é construída sobre o comércio de alimentos, remédios, vestuários ou educação, a qual deveria ser gratuita e garantida pelos governos.
Dir-se-ia que o capitalismo, embora sobrevivendo um pouco mais do que o comunismo, caminha também para inevitável derrocada, porque foi arquitetado sobre uma filosofia de vida enganosa e perversa, que só beneficia pequena parcela da Humanidade.
Nesse sistema nada se vende sem que o comprador pague o dobro do valor dos produtos necessários ou supérfluos, enriquecendo os “geniais” artistas publicitários, exímios na arte de seduzir os consumidores.
A voracidade pelo dinheiro é milenar. Tanto é, que o consagrado Apóstolo Paulo nos deixou em sua Primeira Epístola a Timóteo, capítulo 6, versículo 10, esta sábia advertência:
“Porque o amor do dinheiro é a raiz de toda espécie de males; e nessa cobiça alguns se desviaram da fé e se transpassaram a si mesmos com muitas dores”.
Neste momento, se movimentam pelo planeta milhões de pessoas ansiosas, trocando dinheiro por fazendas, gado, residências, barcos, pacotes turísticos, obras de arte, vantagens políticas, drogas, armas, etc.
O dinheiro, em si, não é culpado de coisa alguma. Por conta de sua neutralidade, presta-se indiferentemente aos bons ou maus empreendimentos.
Se ele tem sido a causa de grandes tragédias, isso se deve unicamente ao atraso moral da Humanidade, sendo essa a mais gritante característica de um mundo expiação.
Todavia, não podemos esquecer que o dinheiro tem sido o instrumento bendito que permitiu à Humanidade edificar suas civilizações com tudo de bom e de belo que elas possuíram para felicidade dos povos.
O cobiçado símbolo de trocas estratificou-se na consciência das massas. Trocá-lo por algum novo sistema mais adequado aos comportamentos evangélicos da nova Humanidade, ansiosamente esperada, é logo rejeitado como utopia.
É como se o dinheiro fosse insubstituível.
Nestes tempos de mudanças rápidas o dinheiro foi elevado a um requinte jamais imaginado em séculos anteriores: ele hoje é eletrônico, virtual e sem natureza corpórea. Corre o mundo com a velocidade da luz, passa de mão em mão e não pára em lugar algum.
Ele transformou o mundo em gigantesca arena onde a luta é de vida e morte e de todos contra todos. Aqueles que num momento são parceiros “amáveis”, no momento seguinte podem ser inimigos ferozes, pois o alvo é sempre o mesmo: chegar primeiro e fechar os negócios mais rentáveis.Nem se sabe o número de pessoas que passam a vida ganhando dinheiro com dinheiro, sem aplicá-lo em proveito da coletividade.
Entretanto, segundo supomos, o dinheiro foi inspiração divina ao homem primitivo, que precisava exercitar o hábito do trabalho. A sentença divina “comerás o pão com o suor de teu rosto” (Gênesis, 3:19) induziu-o, de forma penosa e compulsória, a libertar-se de sua natural indolência, cuja vida, se resumia em comer, beber, procriar, dormir e passear pelas florestas.
Nos albores de sua evolução o incipiente sistema comercial, baseado na troca de alimentos e objetos necessários à sobrevivência, satisfazia às pequenas comunidades.
Todavia, com o adensamento populacional, tornou-se impossível cobrir suas necessidades. Presume-se, então, que as Hostes Divinas socorreram as criaturas, inspirando-lhes um outro sistema baseado em escala de valores que, abrangendo do mínimo ao máximo, solucionou o complexo problema, permitindo ao homem adquirir tudo o que quisesse, bastando-lhe conquistar, com seu trabalho, os símbolos de trocas. Estava, a partir daí, inventado o dinheiro que, pouco a pouco, foi passando de servo a senhor dos humanos.
O homem bem cedo percebeu que todos os bens e prazeres da efêmera vida material, incluindo poder e notoriedade, estariam em suas mãos, dependendo da quantidade de dinheiro que possuísse.
Para tanto passou a trabalhar horas excessivas e, não raro, escravizando seus semelhantes.
Conseqüentemente, o dinheiro foi se transformando no maior agente exacerbador do feroz egoísmo humano, sendo que, ainda hoje, a Humanidade se divide em trabalho-egoísmo e trabalho-altruísmo que ainda congrega a minoria.
Outrossim, impulsionado pela lei divina do progresso, o trabalho–altruísmo irá se sobrepondo até alcançar o grau da sublimação, transformando o homem no anjo co-criador, assemelhando-se a Jesus que afirmou: “Eu vim para servir e não para ser servido”. (Mateus, 20:28.)
No momento, temos a impressão de que caminhamos para um caos: o homem, inventando a locomotiva do progresso, imprimiu-lhe velocidade semelhante à do trem-bala, e, agora, assustado, não sabe como frear a máquina nem até onde haverá trilhos para prosseguir a louca corrida. Mas, Deus nos inspirará a solução.
Estejamos certos de que somente pela sublimação do nosso trabalho, como instrumento do amor, forjaremos a única e verdadeira Aliança Espiritual, símbolo sagrado do nosso definitivo casamento com o Cordeiro de Deus, desfrutando das bem-aventuranças prometidas. Eis o nosso alvo supremo vislumbrado pelas nossas intuições.
E agora, imaginando que o “Rei Dinheiro” pudesse nos falar, como fazem os animais nas fábulas, provavelmente nos diria: “Meus queridos súditos! Meu reino não é eterno, porém, enquanto o vosso progresso moral não se nivelar ao intelectual, e até suplantá-lo, continuarei reinando, absoluto, em vossas almas!”.
Reformador março 2007