O vidente que não quer ver
Uma multidão. No meio de tanta gente, seria verdade que alguns podem ter dons? As pessoas têm pressa, nem olham para o lado ou não prestam atenção em quem passa. Problemas, sentimentos, preocupações são pequenas sutilezas que passam despercebidas. Mas você já imaginou como seria encontrar um desconhecido que com um simples olhar se diz capaz de revelar coisas da sua vida que nem você sabia?
De Joinville, litoral norte de Santa Catarina, o Globo Repórter recebeu uma mensagem eletrônica surpreendente: “Meu nome é Vanildo Selhorst Danielski. A questão é que eu gostaria de contatar-lhes porque meu pai tem um dom espiritual que transcende as questões mais misteriosas deste mundo”. Quem escreveu é um rapaz de 16 anos. Ele fala do pai. “Ele, no olhar para uma pessoa, devassa através de seu dom a vida e os problemas corporais e espirituais da mesma”, continuou.
O que estaria por trás do apelo de um filho? A equipe de reportagem do Globo Repórter percorreu um longo caminho para tentar desvendar e entender a mensagem, tão verdadeira e ao mesmo tempo tão enigmática.
O empresário Vanildo Danielski, pai do rapaz, foi encontrado trabalhando na pequena loja onde a família vende as molduras que fabrica. Ele é o homem que teria os tais poderes. Agitado, recebeu a todos ansioso. Nem foram apresentados e ele já começou a falar sem parar.
“Sua energia já está toda comigo. Essa dorzinha aqui (no abdômen) que você tem, essa fisgada, já está comigo. Essa ansiedade de querer saber as coisas rapidamente já está comigo. Às vezes você tem um formigamento pelo corpo, tipo um arrepio. Isso já está comigo”, disse ele para a repórter Cláudia Gaigher.
Depois de dorzinha ser fisgada, ansiedade. Acertou de cara.
“Essa dor cansada é falta de postura”, continuou.
Mas ele acabara de conhecer a repórter. Como, então, sabia que ela estava com tudo aquilo?
“Porque já está comigo”, explicou. “Inclusive, você pode ver como meu estômago já está crescendo. É porque você tem facilidade de ter aquela queimação, azia, e inchar como estou agora”, descreveu Vanildo.
Deve ser difícil captar tudo isso das pessoas.
“Sim. E outra coisinha: você tem rinite alérgica também”, concluiu o empresário.
Como explicar que apenas com um olhar ele acertou quase tudo? E o mais curioso: Vanildo conta que as energias negativas que vê e sente nas pessoas passam para ele e prejudicam sua saúde. Por isso, gostaria de se livrar do dom.
“Isso me faz muito mal. Eu não quero ver”, diz.
A equipe de reportagem do Globo Repórter foi atrás de alguém que já passou pelo olhar implacável de Vanildo: a aposentada Lia Fuchter.
“Ele falou que eu tinha um problema muito sério na coluna. Eu duvidei, porque eu não fui lá por causa da minha coluna. Fui por causa da minha comadre, que estava com um problema no joelho. Com certeza, eu tinha problema na coluna, porque logo em seguida começou a aparecer. O problema atacava muito as minhas pernas e eu não sabia que vinha da coluna”, conta a aposentada.
E o problema era sério. A radiografia da coluna de dona Lia é, para ela, a maior prova dos poderes de Vanildo. Hoje, duas cirurgias depois, ele tem seis pinos que ajudam a sustentar os ossos enfraquecidos.
E não foi difícil encontrar outras testemunhas ali mesmo, na oficina onde a família trabalha. Clientes foram ao local pela segunda vez para comprar porta-retrato. Eles não conheciam o outro lado de Vanildo. O Globo Repórter resolveu, então, fazer um teste.
Globo Repórter – Olá, tudo bem? Vocês vieram comprar um porta-retratos?
Dalina Flores, dona de casa – Isso.
Globo Repórter – Nós somos do Globo Repórter e estamos aqui parar conversar com Vanildo porque ele tem um dom muito especial de olhar para as pessoas e descobrir o que elas pensam, sentem, têm. Eu queria saber se vocês já ouviram falar dele.
Dalina Flores – Sinceramente, não.
O casal aceitou ouvir o que Vanildo tinha a dizer. E ele não perdeu tempo e disparou um monte de informações.
Vanildo – Rinite alérgica com toda certeza.
Dalina Flores – Tenho.
Vanildo – E quanto tempo faz que a senhora trocou seus óculos?
Dalina Flores – Dois anos.
Vanildo – Já está na hora de trocá-los, porque já não estão mais valendo. A senhora continua coçando a vista.
Dalina Flores – Continuo.
Vanildo – E outra coisa repercute, pode ser pela haste: a senhora sente coceira nos dois ouvidos também.
Dalina Flores – Tenho bastante.
Vanildo – E esse “bichinho” na garganta incomoda?
Dalina Flores – Incomoda.
Vanildo – E, depois, é bom a senhora andar bastante descalça, por causa do calor que tem nos pés.
Dalina Flores – É verdade. Pega fogo.
Do homem, Vanildo não disse muita coisa, apenas que ele é teimoso. O aposentado Carlos Flores ficou muito desconfiado.
“Eu sou aquele cara que fica sempre com o pé atrás. Na minha opinião, não acho tanto que seja um dom. Acho que isso é mais treinamento e técnica”, afirmou.
Dona Dalina tem outra opinião. “Eu fiquei bem impressionada. Mas, no momento, deixa quieto. É melhor não saber mais”, disse.
É porque desde que começou a prever, Vanildo não tem um histórico de boas previsões. A primeira da qual ele se lembra aconteceu quando ainda era um menino e ganhava uns trocados como entregador de cucas, um tipo de pão doce bem tradicional no Sul do Brasil. Ele previu a morte de uma cliente.
“Quando eu cheguei em casa, disse para minha mãe: ‘Sabe quem morreu?’. Ela disse: ‘Não, meu filho’. Respondi: ‘A dona Maria Francisca’. Ela deu um ataque. Quase a matei. Na véspera, quando disse para minha mãe que ela iria morrer, eu apanhei. Claro que ela não acreditou. Ela nem sabia que eu tinha esse dom”, lembra Vanildo.
Uma vida enxergando coisas, descobrindo aquilo que muita gente tenta esconder ou não quer saber. Vanildo nem precisa encontrar com as pessoas para descobrir que algo não está bem.
“O mais interessante é que ele consegue devassar o segredo até de pessoas que não vê”, escreveu o filho dele.
Foi o caso da dona de cada Antônia Huber. Hoje, ela virou cliente, mas na primeira vez que encontrou Vanildo ficou com raiva. Ele disse que os exames que o marido dela estava fazendo iriam revelar um câncer na próstata.
“Ao cabo de uma semana, eu peguei os exames. Ele tinha que ser operado com urgência porque estava com dois tumores malignos na próstata. Quando ele falou isso tudo, não acreditei”, dispara dona Antônia.
Hoje, ela agradece o alerta e não duvida de mais nada. “Depois, fui fazendo os exames e tudo aconteceu como ele falou. Meu marido tinha que ser operado com urgência – e foi. Foi um alerta. Eu sinto que ele tem um dom mesmo. Ele é obrigado a falar. Eu acho que se ele não revelar o que sente, até fica ruim”, comenta.
Essa é a maior preocupação da família. Mulher e filhos acham que as visões têm um preço caro demais: a saúde do pai.
“Já teve vezes que ele ficou doente. Chegou até cair no hospital. Por causa da pressão alta das pessoas, a dele também subiu”, conta a costureira Janete Danielski.
Para se fortalecer, Vanildo busca o contato com a natureza.
“Ele diz que tem anjos que sopram no ouvido dele ou espíritos, quem sabe. Eu acho que é Deus”, diz Janete.
“Eu realmente creio que seja uma habilidade sensorial que todos nós possuímos, mas que em algumas pessoas é mais aguçada. Acredito nisso. E ele consegue transformar isso em sensações e, depois, em palavras”, diz o filho Vanildo Selhorst Danielski.
“Por favor, é muito importante para todos nós da família, já que também queremos ter maiores esclarecimentos sobre este dom que tanto nos fascina e intriga”, agradeceu o jovem na mensagem eletrônica enviada ao Globo Repórter.
De Joinville para a Capital Federal em busca de explicações.
O Globo Repórter convidou Vanildo para conhecer um centro de pesquisas na Universidade de Brasília (UnB).
O encontro foi com o professor Álvaro Tronconi, um cientista com um currículo respeitável. Doutor em física, estudou magnetismo na Universidade de Oxford, na Inglaterra, e hoje ensina e pesquisa nanotecnologia na UnB. Ele é o coordenador do Núcleo de Estudos dos Fenômenos Paranormais.
“Talvez eu diga alguma coisa que o senhor não goste”, advertiu Vanildo. Esse é o jeito dele. Logo começa a falar – e muito.
“Com toda certeza, o senhor tem problema de coluna e falta de circulação”, revelou.
“O senhor seria capaz de especificar onde seria esse problema?”, perguntou o professor Álvaro Tronconi.
“Dor terçada, nesta região (apontando para a lombar), e dores de estresse nesta região aqui (nos ombros)”, descreveu Vanildo.
O encontro dura algumas horas. Tempo suficiente para convencer o professor de que há mesmo algo diferente em Vanildo.
“Na nossa convivência no Núcleo de Estudos dos Fenômenos Paranormais na UnB, temos visto esse quadro se repetir. Há estudos que mostram que as pessoas que apresentam algum tipo de sensibilidade e alegam ver coisas, são capazes de fazer diagnóstico, apresentam mesmo essa instabilidade emocional. Ficam muito ansiosas”, diz Álvaro Tronconi.
Mas e a história da coluna do professor?
“Eu realmente tenho problema na coluna, na vértebra S2”, confirmou. “Ele apontou inclusive o local certo”.
Vanildo foi convidado a participar do estudo na UnB junto com outros sensitivos. As pesquisas de paranormalidade hoje consideram esses poderes mais uma entre muitas capacidades humanas. Uma nova inteligência surgindo, assim como a inteligência matemática, artística, corporal. Muitas pessoas estariam desenvolvendo a inteligência parapsíquica, outrora conhecida por intuição, sexto sentido.
“Este é mais um estágio da evolução do ser humano. Se é um estágio evolutivo, é porque as necessidades da nossa evolução estão requerendo esse novo atributo do ser humano. Então, isso é encarado como sendo uma evolução mental do ser humano”, explicou Álvaro Tronconi.
Como essa nova inteligência funciona e em que área do cérebro ela se manifesta são grandes mistérios para a ciência desvendar. Mas o professor já considera normal o que até agora foi chamado de paranormal. Um alívio para Vanildo.
“Até mesmo porque quem apresenta uma sensitividade igual à dele e considera que isso não é normal pode desenvolver uma patologia em função disso”, afirma Álvaro Tronconi.
Muitos videntes são rejeitados por amigos e parentes. Então, para quem tem um potencial semelhante, o conselho do professor é tentar conter os impulsos da mente sem pôr em risco a saúde. Para isso, é fundamental ter hábitos saudáveis, apoio da família e controle da ansiedade. Vanildo voltou para casa animado. Ele está no caminho certo
Globo Repórter 11/04/08