Curas – A Gênese
CURAS – A GÊNESE – CAPÍTULO XIV
31. – O fluido universal, como se viu, é o elemento primitivo do corpo carnal e do perispírito, que dele não são senão transformações. Pela identidade de sua natureza, este fluido, condensado no perispírito, pode fornecer ao corpo os princípios reparadores; o agente propulsor é o Espírito, encarnado ou desencarnado, que infiltra num corpo deteriorado uma parte da substância de seu envoltório fluídico. A cura se opera pela substituição de uma molécula sã a uma molécula malsã. O poder curador está, pois, em razão da pureza da substância inoculada; ele depende ainda da energia da vontade, que provoca uma emissão fluídica mais abundante, e dá ao fluido uma maior força de penetração; enfim, as intenções que animam aquele que quer curar, quer seja homem ou Espírito. Os fluidos que emanam de uma fonte impura são como substâncias medicinais alteradas.
32. – Os efeitos da ação fluídica sobre as enfermidades são extremamente variados, segundo as circunstâncias; esta ação, algumas vezes, é lenta e reclama um tratamento continuado, como no magnetismo comum; de outras vezes, ela é rápida como uma corrente elétrica. Há pessoas dotadas de uma força tal que elas operam, sobre certos enfermos, curas instantâneas pela só imposição das mãos, ou mesmo só por um ato da vontade. Entre os dois pólos extremos desta faculdade, há nuanças ao infinito. Todas as curas deste gênero são variedades do magnetismo e não diferem senão pelo poder e a rapidez da ação. O princípio é sempre o mesmo: é o fluido que desempenha o papel de agente terapêutico, e cujos efeitos estão subordinados à sua qualidade e às circunstâncias especiais.
33. – A ação magnética pode se produzir de várias maneiras:
1º Pelo próprio fluido do magnetizador; é o magnetismo propriamente dito, oumagnetismo humano, cuja ação está subordinada ao poder e, sobretudo, à qualidade do fluido;
2º Pelo fluido dos Espíritos agindo diretamente, e sem intermediário, sobre um encarnado, seja para curar ou acalmar um sofrimento, seja para provocar o sono sonambúlico espontâneo, seja para exercer, sobre o indivíduo, uma influência física ou moral qualquer. É o magnetismo espiritual, cuja qualidade está em razão das qualidades do Espírito (10).
3º Pelos fluidos que os Espíritos despejam sobre o magnetizador e ao qual este serve de condutor. É o magnetismo misto, semi-espiritual ou, querendo-se, humano-espiritual. O fluido espiritual, combinado com o fluido humano, dá a este as qualidades que lhe faltam. O concurso dos Espíritos, em semelhante circunstância, é por vezes espontâneo, mas, o mais freqüentemente, é provocado pelo pedido do magnetizador.
34. – A faculdade de curar por influência fluídica é muito comum, e pode se desenvolver pelo exercício; mas a de curar instantaneamente, pela imposição das mãos, é mais rara, e o seu apogeu pode ser considerado como excepcional. Entretanto, foram vistos em diversas épocas, e quase entre todos os povos, indivíduos que a possuíam em grau eminente. Nestes últimos tempos, viram-se vários exemplos notáveis, cuja autenticidade não pode ser contestada. Uma vez que estas espécies de cura repousam sobre um princípio natural, e que o poder de operá-las não é um privilégio, é que elas não saem da Natureza e não têm de miraculosas senão a aparência (11).
CAPÍTULO XV – OS MILAGRES DO EVANGELHO SUPERIORIDADE DA NATUREZA DE JESUS 1. – Os fatos narrados no Evangelho e que foram até aqui considerados como miraculosos, pertencem, na maioria, à ordem dosfenômenos psíquicos, quer dizer, daqueles que têm por causa primeira as faculdades e os atributos da alma. Aproximando-os daqueles que estão descritos e explicados no capítulo precedente, reconhece-se, sem dificuldade, que há entre eles identidade de causa e de efeito. A história mostra-os análogos em todos os tempos e em todos os povos, pela razão que, desde que há almas encarnadas e desencarnadas, os mesmos efeitos devem ter-se produzido. Pode-se, é verdade, contestar sobre este ponto a veracidade da história; mas hoje eles se produzem sob os nossos olhos, por assim dizer, à vontade, e por indivíduos que nada têm de excepcional. Só o fato da reprodução de um fenômeno, em condições idênticas, basta para provar que é possível e submetido a uma lei, e que, desde então, não é mais miraculoso. O princípio dos fenômenos psíquicos repousa, como se viu, sobre as propriedades do fluido perispiritual, que constitui o agente magnético; sobre as manifestações da vida espiritual, durante a vida e depois da morte; enfim, sobre o estado constitutivo dos Espíritos e o seu papel como força ativa da Natureza. Estes elementos conhecidos, e seus efeitos constatados, têm por conseqüência fazer admitir a possibilidade de certos fatos que eram rejeitados quando se lhes atribuía uma origem sobrenatural. 2. – Sem nada prejulgar sobre a natureza do Cristo, que não entra no quadro desta obra examinar, e não o considerando, por hipótese, senão um Espírito superior, não se pode impedir de reconhecer nele um daqueles de ordem mais elevada, e que está colocado, pelas suas virtudes, bem acima da Humanidade terrestre. Pelos imensos resultados que ele produziu, a sua encarnação neste mundo não poderia ser senão uma dessas missões que não são confiadas senão aos mensageiros diretos da Divindade para o cumprimento de seus desígnios. Supondo que ele não fosse o próprio Deus, mas um enviado de Deus para transmitir a sua palavra, ele seria mais do que um profeta, porque seria um Messias divino. Como homem, tinha a organização dos seres carnais; mas como Espírito puro, desligado da matéria, deveria viver a vida espiritual mais do que a vida corpórea, da qual não tinha as fraquezas. A superioridade de Jesus sobre os homens não se prendia às particularidades de seu corpo, mas às de seu Espírito, que dominava a matéria de maneira absoluta, e à de seu perispírito, haurida na parte mais quintessenciada dos fluidos terrestres. (Cap. XIV, nº 9). Sua alma não devia prender-se ao corpo senão pelos laços estritamente indispensáveis; constantemente desligado, devia dar-lhe uma dupla vista não somente permanente, mas de uma penetração excepcional e bem de outro modo superior àquela que se vê entre os homens comuns. Deveria ser do mesmo modo em todos os fenômenos que dependem dos fluidos perispirituais ou psíquicos. A qualidade destes fluidos lhe dava uma imensa força magnética, secundada pelo desejo incessante de fazer o bem. Nas curas que ele operava, agia como médium? Pode-se considerá-lo como um poderoso médium curador? Não; porque o médium é um intermediário, um instrumento de que se servem os Espíritos desencarnados. Ora, o Cristo não tinha necessidade de assistência, ele que assistia os outros; agia, pois, por si mesmo, em virtude de seu poder pessoal, assim como podem fazê-lo os encarnados em certos casos e na medida de suas forças. Que Espírito, aliás, ousaria insuflar-lhe seus próprios pensamentos e encarregá-lo de transmiti-los? Se recebesse um influxo estranho, este não poderia ser senão de Deus; segundo a definição dada por um Espírito, ele era médium de Deus. CURAS PERDA DE SANGUE. 10. – Então, uma mulher, enferma com uma perda de sangue há doze anos, – que muito sofrera nas mãos de vários médicos, e que, tendo gasto todos os seu bens, com ele não recebera nenhum alívio, mas se achava cada vez pior, – tendo ouvido falar de Jesus, veio na multidão por trás, e tocou as suas vestes; porque ela dizia: Se eu puder tocar somente as suas vestes, estarei curada. – No mesmo instante, a fonte do sangue que ela perdia secou, e sentiu em seu corpo que estava curada dessa doença. No mesmo instante Jesus, conhecendo em si mesmo avirtude que dele saíra, retornou para o meio da multidão e disse: Quem tocou as minhas vestes? – Seus discípulos lhe disseram: Vedes que a multidão vos comprime de todos os lados, e perguntais quem vos tocou? – E ele olhava tudo ao seu redor para ver aquela que o tocara. Mas essa mulher, que sabia o que se passara com ela, tomada de medo e de pavor, veio se lançar aos seus pés, e lhe declarou toda a verdade. – E Jesus lhe disse: Minha filha, a vossa fé vos salvou; ide em paz, e sede curada de vossa doença. (São Marcos, cap. V, v. de 25 a 34). 11. – Estas palavras: “Conhecendo em si mesmo a virtude que dele saíra, são significativas; elas exprimem o movimento fluídico que se operou de Jesus para a mulher enferma; ambos sentiram a ação que acabara de se produzir. É notável que o efeito não foi provocado por nenhum ato da vontade de Jesus; ele não fez nem magnetização e nem imposição das mãos. A irradiação fluídica normal bastou para operar a cura. Mas por que essa irradiação se dirigiu para essa mulher, antes que para os outros, uma vez que Jesus não pensava nela, e que estava cercado pela multidão? A razão disso é bem simples. O fluido, sendo dado como matéria terapêutica, deve atingir a desordem orgânica para repará-la; pode ser dirigido sobre o mal pela vontade do curador, ou atraído pelo desejo ardente, a confiança, em uma palavra, a fé do enfermo. Com relação à corrente fluídica, o primeiro fato tem o efeito de uma bomba premente e o segundo de uma bomba aspirante. Algumas vezes, a simultaneidade dos dois efeitos é necessária, outras vezes, um só basta; foi o segundo que ocorreu nesta circunstância. Jesus tinha, pois, razão em dizer: “A vossa fé vos salvou.” Compreende-se aqui que a fé não é a virtude mística, tal como certas pessoas a entendem, mas uma verdadeira força atrativa, ao passo que aquele que não a tem opõe à corrente fluídica uma força repulsiva, ou pelo menos uma força de inércia, que paralisa a ação. Segundo isto, compreende-se que dois enfermos atingidos pelo mesmo mal, estando em presença de um curador, um pode ser curado e o outro não. Está aí um dos princípios mais importantes da mediunidade curadora e que explica, por uma causa muito natural, certas anomalias aparentes. (Cap. XIV, nº 31, 32, 33). CEGO DE BETSAIDA. 12. – Tendo chegado a Betsaida, levaram-lhe um cego que lhe pedia para tocá-lo. E, tomando o cego pela mão, levou-o para fora da povoação; colocou-lhe saliva sobre os olhos, e lhe tendo imposto as mãos, perguntou-lhe se via alguma coisa. – Esse homem, olhando, lhe disse: Vejo andar homens que parecem árvores. – Jesus lhe colocou ainda uma vez mais as mãos sobre os olhos, e ele começou a ver melhor; e, enfim, foi de tal modo curado, que via distintamente todas as coisas. Em seguida, ele o mandou para a sua casa, e lhe disse: Ide para a vossa casa; e se entrardes na povoação, não digais a ninguém o que vos ocorreu. (São Marcos, cap. VIII, v. de 22 a 26). 13. – Aqui, o efeito magnético está evidente; a cura não foi instantânea, mas gradual e em conseqüência de uma ação firme e reiterada, embora mais rápida do que na magnetização comum. A primeira sensação deste homem foi bem aquela que sentem os cegos em recobrando a luz; por um efeito de óptica, os objetos parecem de um tamanho desmesurado. PARALÍTICO. 14. – Jesus, tendo subido num barco, tornou a atravessar o lago e veio para a cidade (Cafarnaum). – E como se lhe apresentassem um paralítico, deitado sobre um leito, Jesus, vendo a sua fé, disse a esse paralítico: Meu filho, tende confiança, os vossos pecados estão perdoados. Imediatamente, alguns dos escribas disseram para si mesmos: Este homem blasfema. – Mas Jesus, tendo conhecido o que pensavam, lhes disse: Por que tendes maus pensamentos em vossos corações? – Porque o que é mais fácil dizer: Os vossos pecados estão perdoados, ou dizer: Levantai-vos e andai? – Ora, a fim de que saibais que o Filho do homem tem sobre a Terra o poder de perdoar os pecados: Levantai-vos, disse então ao paralítico; carregai o vosso leito, e com ele ide para a vossa casa. O paralítico se levantou imediatamente e se foi para a sua casa. – E o povo, vendo o milagre, se encheu de medo e rendeu glória a Deus por ter dado um tal poder aos homens. (São Mateus, cap. IX, v. de 1 a 8). 15. – O que poderiam significar estas palavras: “Os vossos pecados estão perdoados” e em que poderiam servir para a cura? O Espiritismo disto dá a chave, como de uma infinidade de outras palavras incompreendidas até este dia; ele nos ensina, pela lei da pluralidade das existências, que os males e as aflições da vida são, freqüentemente, expiações do passado, e que sofremos, na vida presente, as conseqüências das faltas que cometemos numa existência anterior: sendo as diferentes existências solidárias, umas com as outras, até que se pague a dívida de suas imperfeições. Se, pois, a enfermidade deste homem era uma punição pelo mal que pôde cometer, dizendo-lhe: “Os vossos pecados estão perdoados,” era dizer-lhe: “Pagastes a vossa dívida; a causa da vossa enfermidade está apagada pela vossa fé presente; em conseqüência, mereceis estar livre da vossa enfermidade.” Foi por isso que ele disse aos escribas: “É mais fácil dizer: Os vossos pecados estão perdoados, que: Levantai-vos e andai; a causa cessando, o efeito deve cessar. O caso é o mesmo que para um prisioneiro, a quem se venha a dizer: “O vosso crime está expiado e perdoado,” o que equivaleria dizer: “Podeis sair da prisão.” OS DEZ LEPROSOS. 16. – Um dia em que ia para Jerusalém, e passava pelos confins da Samaria e da Galiléia, – estando perto de entrar numa aldeia, dez leprosos vieram diante dele, e se mantendo afastados, elevaram as suas vozes dizendo-lhe: Jesus, nosso senhor, tende piedade de nós. – Quando os percebeu, disse-lhes: Ide vos mostrar aos sacerdotes. E como para lá iam, foram curados. Um deles, vendo que estava curado, retornou sobre os seus passos, glorificando a Deus em alta voz; – e veio se lançar aos pés de Jesus, o rosto contra a terra, rendendo-lhe graças; e este era Samaritano. Então, Jesus disse: Todos os dez não foram curados? Onde estão, pois, os outros nove? – Não se encontraram os que tenham retornado, e que hajam dado graças a Deus, senão este estrangeiro. – E disse-lhe: Levantai-vos, ide, a vossa fé vos salvou. (São Lucas, cap. XVII, v. de 11 a 19). 17. – Os Samaritanos eram cismáticos, quase como os protestantes com relação aos católicos, e desprezados pelos Judeus como heréticos. Jesus, curando indistintamente os Samaritanos e os Judeus, dava, ao mesmo tempo, uma lição e um exemplo de tolerância; e, fazendo ressaltar que só o Samaritano retornara para dar glória a Deus, mostrava que havia nele mais da verdadeira fé e mais reconhecimento do que naqueles que se diziam ortodoxos. Acrescentando:” A vossa fé vos salvou,” faz ver que Deus olha o fundo do coração e não a forma exterior de adoração. Entretanto, os outros foram curados; era necessário para a lição que queria dar, e provar a sua ingratidão; mas quem sabe o que lhes terá resultado, e se terão se beneficiado do favor que lhes concedera? Dizendo ao Samaritano:” A vossa fé vos salvou,” Jesus dá a entender que não seria o mesmo com os outros. MÃO SECA. 18. – Jesus entrou uma outra vez na sinagoga, onde encontrou um homem que tinha uma das mãos seca. – E eles o observavam para ver se curava em dia de sábado, a fim de encontrarem um motivo para acusá-lo. – Então, disse ele a este homem, que tinha a mão seca: Levantai-vos, mantende-vos ali no meio. – Depois, lhes disse: É permitido, no dia de sábado, fazer o bem ou o mal, salvar a vida ou tirá-la? E eles permaneceram em silêncio. – Mas, olhando-os com cólera, aflito que estava pela cegueira de seu coração, disse a esse homem: Estendei a vossa mão. Ele estendeu, e ela se tornou sã. Imediatamente os fariseus, tendo saído, tiraram conselho contra ele com os herodianos, sobre o meio de perdê-lo. – Mas Jesus se retirou com os seus discípulos para o mar, onde uma grande multidão de povo o seguia da Galiléia e da Judéia, – de Jerusalém, da Induméia, e de além do Jordão; e aqueles das circanias de Tiro e de Sidon, tendo ouvido falar das coisas que fazia, vieram em grande número encontrá-lo. (São Marcos, cap. III, v. 1 a 8). A MULHER ENCURVADA. 19. – Jesus ensinava em uma sinagoga todos os dias de sábado. – Um dia, viu uma mulher possuída por um Espírito, que a tornou doente desde os dezoito anos; e ela era tão curvada que não podia, de modo nenhum, olhar para o alto. – Jesus, vendo-a, chamou-a e disse: Mulher, estais livre da vossa enfermidade. – Ao mesmo tempo, lhe impôs as mãos; e logo ela se endireitou, e disso deu graças a Deus. Mas o chefe da sinagoga, indignado porque Jesus curara num dia de sábado, disse ao povo: Há seis dias destinados ao trabalho; vinde todos esses dias para serem curados, e não nos dias de sábado. O Senhor, tomando a palavra, disse-lhe: Hipócrita, há algum de vós que não solta seu boi, ou seu asno, da manjedoura no dia de sábado, e não o conduz a beber? – Por que, pois, não conviria livrar de seus laços, em um dia de sábado, esta filha de Abraão, que Satanás manteve assim ligada durante dezoito anos? A estas palavras, todos os seus adversários ficaram confusos, e todo o povo estava arrebatado por vê-lo fazer tantas ações gloriosas. (São Lucas, cap. XIII, v. de 10 a 17). 20. – Este fato prova que, naquela época, todas as enfermidades eram atribuídas ao demônio, e que se confundiam, como hoje, os possuídos com os enfermos, mas em sentido inverso; quer dizer que, hoje, aqueles que não crêem nos Espíritos, confundem as obsessões com as enfermidades patológicas. PARALÍTICO DA PISCINA. 21. – Depois disto, tendo chegado a festa dos Judeus, Jesus foi para Jerusalém. – Ora, havia em Jerusalém a piscina das Ovelhas, que se chama em hebreu: Bethsaida, que tinha cinco corredores, – nos quais eram deitados, em grande número, os enfermos, cegos, coxos, e aqueles que tinham os membros ressecados, e todos esperavam que a água se agitasse. – Porque o anjo do Senhor, em um certo tempo, descia nessa piscina e lhe agitava a água; e aquele que entrasse primeiro, depois que a água assim se agitasse, era curado, qualquer que fosse a enfermidade que tivesse. Ora, havia ali um homem que estava enfermo há trinta e oito anos. – Jesus, tendo-o visto deitado, e sabendo que estava enfermo há muito tempo, disse-lhe: Quereis ser curado? – O enfermo respondeu: Senhor, não tenho ninguém para me lançar na piscina, depois que a água for agitada; e, durante o tempo que ponho para ir lá, um outro nela desce antes de mim. – Jesus lhe disse: Levantai-vos, transportai a vossa cama e andai. – Imediatamente esse homem foi curado; e tomando o seu leito, começou a caminhar. Ora, aquele dia era um dia de sábado. Os Judeus disseram, pois, àquele que fora curado: Hoje é sábado; não é permitido transportar o vosso leito. – Ele lhes respondeu: Aquele que me curou me disse: Transportai o vosso leito e andai. – Eles lhe perguntaram: Onde está, pois, esse homem que vos disse: Transportai e o vosso leito e andai? Mas aquele que fora curado não sabia, ele mesmo, quem fora, porque Jesus se retirara da multidão de povo que estava ali. Depois, Jesus encontrou esse homem no Templo, e lhe disse: Vede que estais curado, não pequeis mais no futuro, de medo que não vos chegue alguma coisa pior. Este homem foi procurar os Judeus e lhes disse que fora Jesus quem o curara. – Por esta razão é que os Judeus perseguiam a Jesus, porque fazia essas coisas no dia de sábado. – Então, Jesus lhes disse: Meu Pai não cessa de agir até o presente, e eu ajo também incessantemente. (São João, cap. V, v. de 1 a 17). 22. – Piscina (da palavra latina piscis, peixe) dizia-se entre os Romanos, dos reservatórios ou viveiros onde se alimentavam os peixes. Mais tarde a acepção desta palavra foi estendida aos tanques onde se banhava em comum. A piscina de Bethsaida, em Jerusalém, era uma cisterna junto ao Templo, alimentada por uma fonte natural, cuja água parecia ter propriedades curativas. Era, sem dúvida, uma fonte intermitente que, em certas épocas do ano, jorrava com força e agitava a água. Segundo a crença vulgar, esse momento era o mais favorável para as curas; pode ser que, em realidade, no momento de sua saída, a água tivesse uma propriedade mais ativa, ou que a agitação produzida pela água jorrada movimentasse lodo salutar para certas enfermidades. Estes efeitos são muito naturais e perfeitamente conhecidos hoje; mas, então, as ciências estavam pouco avançadas, e se via uma causa sobrenatural na maioria dos fenômenos incompreendidos. Os Judeus atribuíam, pois, a agitação dessa água à presença de um anjo, e esta crença lhes parecia tanto melhor fundada porque, nesse momento, a água era mais salutar. Depois de ter curado esse homem, Jesus lhe disse: “No futuro não pequeis mais, para que não vos aconteça alguma coisa de pior.” Por estas palavras, fê-lo entender que a sua enfermidade era uma punição, e que, se não melhorasse, poderia ser de novo punido ainda mais rigorosamente. Esta doutrina está inteiramente conforme com aquela que o Espiritismo ensina. 23. – Jesus parecia tomar a tarefa de operar essas curas no dia de sábado, para ter a ocasião de protestar contra o rigorismo dos fariseus quanto à observação desse dia. Queria mostrar-lhes que a verdadeira piedade não consiste na observância das práticas exteriores e das coisas da forma, porém, que ela está nos sentimentos do coração. Justifica-se dizendo: “Meu Pai não cessa de agir até o presente, e eu ajo também incessantemente;” quer dizer, Deus não suspende as suas obras, nem a sua ação sobre as coisas da Natureza no dia de sábado; continua a fazer o que é necessário à vossa alimentação e à vossa saúde, e sou o seu exemplo. CEGO DE NASCENÇA. 24. – Quando Jesus passava, viu um homem que estava cego desde o seu nascimento; – e os seus discípulos lhe fizeram esta pergunta: Senhor, foi o pecado deste homem, ou o pecado daqueles que o puseram no mundo, que foi a causa para ele nascer cego? Jesus lhes respondeu: não é que ele pecou, nem aqueles que o colocaram no mundo; mas é a fim de que as obras do poder de Deus brilhem nele. É necessário que eu faça as obras daquele que me enviou enquanto é dia; a noite vem, na qual ninguém pode agir. – Enquanto eu estiver no mundo, eu sou a luz do mundo. Depois de ter dito isto, ele cuspiu no chão, e tendo feito uma lama com a saliva, untou com essa lama os olhos do cego, – e disse-lhe: Ide vos lavar na piscina de Siloé, que significa enviado. Para lá foi, pois, e se lavou e voltou a ver claro. Seus vizinhos e aqueles que o viram antes pedir esmola, disseram: Não é aquele que estava sentado, e que pedia esmola? Uns responderam: É ele; – outros disseram: Não, é um que se parece com ele. Mas ele lhes dizia: Fui eu mesmo. – Disseram-lhe, pois: Como os vossos olhos se abriram? – E ele lhes respondeu: Foi aquele homem que se chama Jesus que fez a lama e com ela untou os meus olhos, e me disse: Ide à piscina de Siloé e ali vos lavai. Para ali fui, e me lavei, e eu vejo. – Eles lhe disseram: Onde está ele? Ele lhe respondeu: Eu não sei. Então, eles conduziram aos fariseus esse homem que estivera cego. – Ora, era o dia de sábado que Jesus fizera essa lama e lhe abrira os olhos. Os fariseus o interrogaram, pois, também eles mesmos, para saber como recobrara a vista. E ele lhes disse: Ele me colocou a lama sobre os olhos; eu me lavei e vejo. – Sobre o que alguns dos fariseus disseram: Esse homem não é enviado de Deus, uma vez que não guarda o sábado. Mas outros disseram: Como um homem mal podia fazer tais prodígios? E havia sobre isso divisão entre eles. Disseram de novo ao cego: E tu, o que dizes desse homem que te abriu os olhos? Ele respondeu: Eu digo que é um profeta. – Mas os Judeus não acreditaram que esse homem fora cego, e recobrara a visão, até que fizeram vir seu pai e sua mãe, – que interrogaram, lhes dizendo: Está aí o vosso filho que dissestes ser cego de nascença? Como, pois, vê agora? – O pai e a mãe responderam: Nós sabemos que está aí o nosso filho, e que é cego de nascença; – mas não sabemos como vê agora, e não sabemos quem lhe abriu os olhos. Interrogai-o; ele tem idade, que responda por si mesmo. Seu pai e sua mãe falavam da sorte, porque temiam os Judeus; porque os Judeus já tinham resolvido em conjunto que quem reconhecesse Jesus por ser o Cristo, seria expulso da sinagoga. – Isso foi o que obrigou o pai e a mãe responderem: Ele tem idade, interrogai a ele mesmo. E chamaram, pois, uma segunda vez esse homem que fora cego, e lhe disseram: Renda glória a Deus; nós sabemos que esse homem é um pecador. – Ele lhes respondeu: Se é um pecador, eu não sei nada disso; mas tudo o que eu sei, é que eu era cego, e que vejo agora. – Eles lhes disseram ainda: O que ele te fez, e como te abriu os olhos? – Ele lhes respondeu: Eu já vos disse, e ouvistes; por que quereis ouvi-lo; ainda uma vez? É que quereis vos tornar o seu discípulo? – Sobre o que, eles o carregaram de injúrias e lhes disseram: Sejas tu mesmo seu discípulo; por nós, somos os discípulos de Moisés. – Sabemos que Deus falou a Moisés, mas para este não sabemos de onde saiu. Esse homem lhes respondeu: O que é espantoso que não saibais de onde ele é, e que me abriu os olhos. – Ora, sabemos que Deus não satisfaz os pecadores; mas se alguém o honre e faça a sua vontade, é a este que ele atende. – Desde que o mundo é, jamais se ouviu dizer que alguém haja aberto o s olhos a um cego de nascença. – Se esse homem não era enviado de Deus, ele não poderia nada fazer de tudo o que fez. Eles lhes responderam: Tu não és senão pecado desde o ventre de tua mãe, e queres nos ensinar? E o expulsaram. (São João, Cap. IX, de 1 à 34). 25. – Este relato, tão simples e tão ingênuo, carrega em si um caráter evidente de verdade. Nada de fantástico e nem de maravilhoso; é uma cena da vida real tomada sobre o fato. A linguagem desse cego é bem aquela desses homens simples nos quais o saber é suprido pelo bom senso, e que retrucam os argumentos de seus adversários com bonomia, e por razões que não faltam nem de justeza e nem de oportunidade. O tom dos fariseus não é aqueles dos orgulhosos que não admitem nada acima de sua inteligência, e ficam indignados só com o pensamento de que um homem do povo possa lhes ser superior? Salvo a cor local dos nomes, crer-se-ia de nosso tempo. Ser expulso da sinagoga equivalia ser posto fora da Igreja; era uma espécie de excomunhão. Os Espíritas, cuja doutrina é a do Cristo interpretada segundo o progresso das luzes atuais, são tratados como os Judeus que reconheciam em Jesus o Messias; excomugando-os são colocados fora da Igreja, como fizeram os escribas e os fariseus com respeito aos partidários de Jesus. Assim, eis um homem que é expulso, porque não pode crer que aquele que o curou seja um possuído pelo demônio, e porque glorifica a Deus pela sua cura! Não é o que se faz com relação aos Espíritas? O que eles obtêm: Sábios conselhos dos Espíritos, retornam a Deus e ao bem, curas, tudo é obra do diabo e se lhes lançam anátema. Não vêem os sacerdotes dizerem do alto do púlpito, que valeria mais permanecer incrédulo do que retornar à fé pelo Espiritismo? Não se tem visto dizer aos enfermos que não deveriam mais se fazer curar pelos Espíritos que possuem esse dom, porque é um dom satânico? Outros pregarem que os infelizes não deveriam aceitar o pão distribuído pelos Espíritas, porque era o pão do diabo? Que dizem e que fazem a mais os sacerdotes Judeus e fariseus? De resto, está dito que tudo deve se passar hoje como no tempo do Cristo. Esta pergunta dos discípulos: Foi o pecado desse homem que foi a causa dele ser cego de nascença? indica a intuição de uma existência anterior, de outro modo não teria sentido; porque o pecado que seria a causa de uma enfermidade de nascença deveria ser cometido antes do nascimento, e, por conseguinte, numa existência anterior. Se Jesus visse aí uma idéia falsa, ter-lhe-ia dito: “Como esse homem poderia pecar antes de nascer?” Em lugar disso, disse que esse homem era cego, não foi porque haja pecado, mas a fim de que o poder de Deus brilhe nele; quer dizer, que deveria ser o instrumento de uma manifestação do poder de Deus. Se não era uma expiação do passado, era uma prova que deveria ser-lhe para o seu adiantamento, porque Deus, que é justo, não poderia lhe impor um sofrimento sem compensação. Quanto aos meios empregados para curá-lo, é evidente que a espécie de lama feita com a saliva e a terra não poderia ter virtude senão pela ação do fluido curador de que estava impregnada; assim é que as substâncias mais insignificantes: a água, por exemplo, podem adquirir qualidades poderosas e efetivas sob a ação do fluido espiritual ou magnético, aos quais servem de veículo, ou, querendo-se, de reservatório. NUMEROSAS CURAS DE JESUS. 26. – Jesus ia por toda Galiléia, ensinando nas sina gogas, pregando o Evangelho do reino, e curando todas as fraquezas e todas as enfermidades entre o povo. – E tendo a sua reputação se difundido por toda a Síria, apresentavamlhe todos aqueles que estavam enfermos, e diversamente afligidos por males e por dores, os possuídos, os lunáticos, os paralíticos, e ele os curava; – e uma grande multidão de povo o seguiu da Galiléia, da Decápole, de Jerusalém, da Judéia, e de além do Jordão. (São Mateus, Cap. IV, v. 23, 24, 25). 27. – De todos os fatos que testemunham o poder de Jesus, os mais numerosos são, sem contradita, as curas; ele queria provar por aí que o verdadeiro poder é aquele que faz o bem, que o seu objetivo era se fazer útil, e não satisfazer a curiosidade dos indiferentes com coisas extraordinárias. Aliviando o sofrimento, ele prendia a si as pessoas pelo coração, e fazia prosélitos mais numerosos e mais sinceros do que se não tivessem sido feridos senão pelo espetáculo dos olhos. Por esse meio, ele se fazia amar, ao passo que se tivessem limitado a produzir efeitos materiais surpreendentes, como lhe pediam os fariseus, a maioria não veria nele senão um feiticeiro ou um hábil escamoteador, que os desocupados tivessem visto para se distraírem. Assim, quando João Batista envia a ele seus discípulos, para lhe perguntar se ele era o Cristo, ele não disse: “Eu o sou,” porque qualquer impostor poderia dizê-lo também; não lhes falou nem de prodígios, nem de coisas maravilhosas, mas lhes respondeu simplesmente: Ide dizer a João: Os cegos vêem, os enfermos são curados, os surdos ouvem, o Evangelho é anunciado aos pobres.” Isto era dizer-lhes: “Reconhecei-me pelas minhas obras, julgai a árvore pelo seu fruto.” porque aí está o verdadeiro caráter da sua missão divina. 28. – É também pelo bem que faz que o Espiritismo prova a missão providencial. Cura os males físicos, mas cura sobretudo as enfermidades morais, e aí estão os maiores prodígios pelos quais eles se afirmam. Seus adeptos mais sinceros não são aqueles que foram feridos pela visão dos fenômenos extraordinários, mas aqueles que foram tocados no coração pela consolação; aqueles que se livraram das torturas da dúvida; aqueles cuja coragem se revelou nas aflições, e que hauriram a força na certeza do futuro que veio lhes trazer, no conhecimento do seu ser espiritual e de seu destino. Eis aqueles cuja fé é inabalável, porque sentem e compreendem. Aqueles que não vêem no Espiritismo senão efeitos materiais não podem compreender a sua força moral; também os incrédulos, que não o conhecem senão pelos fenômenos dos quais não admitem a causa primeira, não vêem nos Espíritas senão escamoteadores e charlatães. Não será, pois, pelos prodígios que o Espiritismo triunfará sobre a incredulidade: é multiplicando os seus benefícios morais, porque seus incrédulos não admitem os prodígios, eles conhecem, como todo o mundo, os sofrimentos e as aflições, e ninguém recusa os alívios e as consolações. POSSUÍDOS 29. – Vieram em seguida a Cafarnaum; e Jesus, entrando primeiro, no dia de sábado, na sinagoga, ele os instruía; – e estavam admirados de sua doutrina, porque os instruíra como tendo autoridade, e não como os escribas. Ora, encontrava-se na sinagoga um homem, possuído por um Espírito impuro, que exclamava dizendo: O que há entre vós e nós, Jesus de Nazaré? Viestes para nos perder? Eu sei quem sois: Sois o Santo de Deus. – Mas Jesus, falando-lhe com ameaça, disse-lhe: Cala-te e sai desse homem. – Então, o Espírito impuro, agitando-se com violências convulsões, e lançando um grande grito, saiu dele. Todos com isso ficaram tão surpresos, que perguntavam uns aos outros: O que é isto? Qual é essa nova doutrina? Ele ordena com império, mesmo aos Espíritos impuros, e lhe obedecem. (São Marcos, cap. I, de 21 a 27). 30. – Depois que saíram, apresentaram-lhe um homem mudo possuído pelo demônio. – Tendo o demônio sido expulso, o mudo falou, e com isso o povo ficou admirado, e dizia: Nunca se viu nada semelhante em Israel. Mas os fariseus diziam o contrário: É pelo príncipe dos demônios que ele expulsa os demônios. (São Mateus, cap. IX, v. 32, 33, 34). 31. – Quando chegou ao lugar onde estavam os outros discípulos, viu uma grande multidão de pessoas ao redor deles, e escribas que com eles disputavam. – Imediatamente todo o povo, percebendo Jesus, foi tomado de admiração e de medo; correram e o saudaram. Então, ele perguntou: O que disputais juntos? – E um homem entre o povo, tomando a palavra, disse-lhe: Mestre, eu vos trouxe meu filho que está possuído de um Espírito mudo; – e em qualquer lugar que se apodera dele, joga-o contra a terra, e o menino espuma, range os dentes, e se torna todo seco. Pedi aos vossos discípulos para expulsá-lo, mas não o puderam. Jesus lhes respondeu: Ó gente incrédula, até quando estarei convosco? Até quando vos sofrerei? Trazei-o a mim? – Eles o conduziram; e não tinha ele antes visto Jesus, e o Espírito começou a se agitar com violência, e caiu por terra, onde rolava espumando. Jesus perguntou ao pai do menino: Há quanto tempo isso acontece? – Desde a sua infância, disse o pai. – E o Espírito o tem freqüentemente lançado, ora no fogo, ora na água, para fazê-lo perecer; mas se podeis fazer alguma coisa, tende compaixão de nós e socorrei-nos. Jesus lhe respondeu: Se podeis acreditar, tudo é possível à aquele que crê. – Imediatamente o pai do menino, exclamando, disse-lhe com lágrimas: Senhor, eu creio, ajudai-me na minha incredulidade. E Jesus, vendo que o povo acorria em multidão, falou com ameaça ao Espírito impuro, e lhe disse: Espírito surdo e mudo, sai do menino, eu to ordeno, e nele não entres mais. – Então, esse Espírito, tendo lançado um grande grito, e tendo se agitado com violentas convulsões saiu, e o menino ficou como morto, de sorte que vários disseram que ele estava morto. – Mas Jesus, tendo-o tomado pela mão, o ergueu, e ele se levantou. Quando Jesus foi entrar na casa, seus discípulos lhes disseram em particular: De onde vem que não pudemos expulsar esse demônio? – Ele lhes respondeu: Essas espécies de demônios não podem ser expulsas senão pela prece e pelo jejum. (São Marcos, cap. IX, v. de 14 a 28). 32. – Então, lhe apresentaram um possesso, cego e mudo, e o curou, de sorte que começou a falar e a ver. – Todo o povo com isso se encheu de admiração e dizia: Não está aí o filho de David? Mas os fariseus, ouvindo isso, diziam: Esse homem não expulsa os demônios senão pela virtude de Belzebu, príncipe dos demônios. Ora, Jesus, conhecendo os seus pensamentos, lhes disse: Todo reino dividido contra si mesmo, será arruinado, e toda cidade ou casa que estiver dividida contra si mesma, não poderá subsistir. – Se Satanás expulsa a Satanás, ele está dividido contra si mesmo; como, pois, seu reino subsistirá? E se é por Belzebu que eu expulso os demônios, por quem os vossos filhos os expulsam? Por isso, eles mesmos serão os vossos juízes. – Se expulso os demônios pelo Espírito de Deus, o reino de Deus, pois, chegou até vós. (São Mateus, cap. XII, v. de 22 a 28). 33. – As libertações dos possessos figuram, com as curas, entre os atos mais numerosos de Jesus. Entre os fatos dessa natureza, há os que, como aquele que está narrado acima, no nº 30, onde a possessão não é evidente. É provável que nessa época, como ocorre ainda em nossos dias, atribuía-se à influência dos demônios todas as enfermidades cuja causa era desconhecida, principalmente o mutismo, a epilepsia e catalepsia. Mas há as que a ação dos maus Espíritos não é duvidosa; têm, com aquelas com as quais somos testemunhas, uma analogia tão chocante, que nela se reconhecem, todos os sintomas desse gênero de afecção. A prova da participação de uma inteligência oculta, em semelhante caso, ressalta de um fato material: São as numerosas curas radicais obtidas, em alguns centros espíritas, pela só evocação e a moralização dos Espíritos obsessores, sem magnetização nem medicamentos, e, freqüentemente, na ausência e a distância do paciente. A imensa superioridade do Cristo lhe dava uma tal autoridade sobre os Espíritos imperfeitos, então chamados demônios, que lhe bastava mandá-los se retirarem para que não pudessem resistir a essa injunção. (Cap. XIV, nº 46). 34. – O fato de maus Espíritos enviados aos corpos de porcos é contrário a toda probabilidade. Aliás, explicar-se-ia dificilmente a presença de tão numeroso rebanho de porcos num país onde esse animal era tido em horror e sem utilidade para a alimentação. Um Espírito mau, por isso não é menos um Espírito humano ainda bastante imperfeito para fazer o mal depois da morte, como o fazia antes, e é contra as leis da Natureza que possa animar o corpo de um animal; é necessário, pois, ver aí uma dessas amplificações comuns nos tempos de ignorância e superstição; ou talvez uma alegoria para caracterizar os pendores imundos de certos Espíritos. 35. – Os obsidiados e os possessos pareciam ter sido muito numerosos na Judéia, ao tempo de Jesus, o que lhe dava ocasião de curar a muitos. Os maus Espíritos tinham, sem dúvida, invadido esse país e causado uma epidemia de possessões. (Cap. XIV, nº 49). Sem ser um estado epidêmico, as obsessões individuais são extremamente freqüentes e se apresentam sob aspectos muito variados, que um conhecimento aprofundado do Espiritismo faz facilmente reconhecer; elas podem, freqüentemente, ter conseqüências deploráveis para a saúde, seja agravando as afecções orgânicas, seja determinando-as. Incontestavelmente, serão classificadas um dia entre as causas patológicas requeridas, pela sua natureza especial, de meios curativos especiais. O Espiritismo, fazendo conhecer a causa do mal, abre um novo caminho à arte de curar, e fornece à ciência o meio de triunfar ali onde ela não fracassa, freqüentemente, senão por falta de atacar a causa primeira do mal. (O Livro dos Médiuns, cap. XXIII). 36. – Jesus era acusado, pelos fariseus, de expulsar os demônios pelos demônios; o bem que fazia era, segundo eles, a obra de Satanás, sem refletir que Satanás expulsando a si mesmo, praticaria um ato de insensatez. É notável que os fariseus daquele tempo pretendessem já que toda faculdade transcedente, e, por esse motivo, reputada sobrenatural, fosse obra do demônio, uma vez que, segundo eles, o próprio Jesus tinha dele o seu poder; é um ponto a mais de semelhança com a época atual, e essa doutrina é ainda a da Igreja, que procura prevalecer hoje contra as manifestações espíritas (1). RESSURREIÇÕES A FILHA DE JAIRO. 37. – Estando Jesus ainda passando no barco para a outra margem, quando estava junto do mar, uma multidão de povo se reuniru ao seu redor. E um chefe da sinagoga, de nome Jairo, veio procurá-lo; e encontrando-o, lançou-se-lhe aos pés, – e lhe suplicava com grande instância, dizendo-lhe: Tenho uma filha que está no fim; vinde impor-lhe as mãos para curá-la e salvar-lhe a vida. Jesus foi para lá com ele, seguido por uma grande multidão de povo que o pressionava. Quando (Jairo) ainda falava, vieram pessoas do chefe da sinagoga, que lhe disseram: A vossa filha está morta; por que quereis dar ao Mestre o trabalho de ir mais longe? – Mas Jesus, tendo ouvido essa palavra, disse ao chefe da sinagoga: Não temais, crede somente. – E não permitiu a ninguém segui-lo, senão a Pedro, Tiago e João, irmão de Tiago. Tendo chegado na casa desse chefe da sinagoga, viu um bando confuso de pessoas que choravam e lançavam grandes gritos; – e entrando lhes disse: Por que fazeis tanto barulho, e por que chorais? Esta jovem não está morta, nãoestá senão adormecida. – E zombavam dele. Tendo feito sair todo o mundo, tomou o pai e a mãe da criança, e aqueles que vieram com ele, e entrou no lugar onde a menina estava deitada. – Tomou-a pela mão e disse-lhe: Talitha cumi, quer dizer, Minha filha, levantai-vos, eu vos ordeno. – No mesmo instante, a menina se levantou e se pôs a andar; porque tinha doze anos, e ficaram maravilhosamente espantados. (São Marcos, cap. V, v. de 21 a 43). FILHO DA VIÚVA DE NAIM. 38. – No dia seguinte, Jesus foi para uma cidade chamada Naim, e os seus discípulos o acompanharam com uma grande multidão de povo. – Quando estava perto da porta da cidade, ocorreu que se enterrava um morto, que era filho único de sua mãe, e essa mulher era viúva, e havia uma grande quantidade de pessoas da cidade com ela. – O Senhor, tendo-a visto, foi tocado de compaixão para com ela, e disse-lhe: Não choreis mais. – Depois, se aproximando, tocou o caixão, e aqueles que o levavam se detiveram. Então, disse: Jovem, levantai-vos, eu vos ordeno. – Ao mesmo tempo, o morto se levantou sobre seu assento e começou a falar, e Jesus o entregou à sua mãe. Todos aqueles que estavam presentes foram tomados de pavor, e glorificavam a Deus dizendo: Um grande profeta apareceu em nosso meio, e Deus visitou o seu povo. – A fama desse milagre que ele fizera espalhou-se em toda a Judéia e em todas as regiões ao redor. (São Lucas, cap. VII, v. de 11 a 17). 39. – O fato do retorno. à vida corpórea, de um indivíduo realmente morto, seria contrário às leis da Natureza e, por conseguinte, miraculoso. Ora, não é necessário recorrer a essa ordem de fatos para explicar as ressurreições operadas pelo Cristo. Se, entre nós, as aparências enganam, às vezes, os profissionais, os acidentes dessa natureza deveriam ser bem freqüentes num país onde não se tomava nenhuma precaução, e onde o sepultamento era imediato (2). Há, portanto, toda a probabilidade de que, nos dois exemplos acima, não havia senão síncope ou letargia. O próprio Jesus disse-o positivamente da filha de Jairo: Esta jovem,disse ele, não está morta, ela não está senão adormecida. Em conseqüência da força fluídica que Jesus possuía, nada é de admirar que esse fluido vivificante, dirigido por uma forte vontade, haja reanimado os sentidos entorpecidos; que haja mesmo podido chamar, para o corpo, o Espírito prestes a deixá-lo, enquanto o laço perispiritual não estava definitivamente rompido. Para os homens desse tempo, que acreditavam o indivíduo morto desde que não mais respirasse, havia ressurreição e puderam afirmá-lo com muita boa fé, mas havia, em realidade, cura e não ressurreição na acepção da palavra. 40. – A ressurreição de Lázaro, o que quer que se diga, não infirma de nenhum modo este princípio. Estava, diz-se, há quatro dias no sepulcro; mas sabe-se que há letargias que duram oito dias e mais. Acrescenta-se que ele cheirava mal, o que é um sinal de decomposição. Essa alegação não prova nada, não mais, tendo em vista que, entre certos indivíduos, há decomposição parcial do corpo, mesmo antes da morte, e que exalam um odor de podridão. A morte não chega senão quando os órgãos essenciais à vida são atacados. E quem poderia saber se ele cheirava mal? Foi a sua irmã Marta que o disse, mas como o sabia ela? Estando Lázaro enterrado há quatro dias, ela o supunha, mas disso não podia ter a certeza. (Cap. XIV, nº 29) (3).
CAPÍTULO XV – OS MILAGRES DO EVANGELHO SUPERIORIDADE DA NATUREZA DE JESUS 1. – Os fatos narrados no Evangelho e que foram até aqui considerados como miraculosos, pertencem, na maioria, à ordem dosfenômenos psíquicos, quer dizer, daqueles que têm por causa primeira as faculdades e os atributos da alma. Aproximando-os daqueles que estão descritos e explicados no capítulo precedente, reconhece-se, sem dificuldade, que há entre eles identidade de causa e de efeito. A história mostra-os análogos em todos os tempos e em todos os povos, pela razão que, desde que há almas encarnadas e desencarnadas, os mesmos efeitos devem ter-se produzido. Pode-se, é verdade, contestar sobre este ponto a veracidade da história; mas hoje eles se produzem sob os nossos olhos, por assim dizer, à vontade, e por indivíduos que nada têm de excepcional. Só o fato da reprodução de um fenômeno, em condições idênticas, basta para provar que é possível e submetido a uma lei, e que, desde então, não é mais miraculoso. O princípio dos fenômenos psíquicos repousa, como se viu, sobre as propriedades do fluido perispiritual, que constitui o agente magnético; sobre as manifestações da vida espiritual, durante a vida e depois da morte; enfim, sobre o estado constitutivo dos Espíritos e o seu papel como força ativa da Natureza. Estes elementos conhecidos, e seus efeitos constatados, têm por conseqüência fazer admitir a possibilidade de certos fatos que eram rejeitados quando se lhes atribuía uma origem sobrenatural. 2. – Sem nada prejulgar sobre a natureza do Cristo, que não entra no quadro desta obra examinar, e não o considerando, por hipótese, senão um Espírito superior, não se pode impedir de reconhecer nele um daqueles de ordem mais elevada, e que está colocado, pelas suas virtudes, bem acima da Humanidade terrestre. Pelos imensos resultados que ele produziu, a sua encarnação neste mundo não poderia ser senão uma dessas missões que não são confiadas senão aos mensageiros diretos da Divindade para o cumprimento de seus desígnios. Supondo que ele não fosse o próprio Deus, mas um enviado de Deus para transmitir a sua palavra, ele seria mais do que um profeta, porque seria um Messias divino. Como homem, tinha a organização dos seres carnais; mas como Espírito puro, desligado da matéria, deveria viver a vida espiritual mais do que a vida corpórea, da qual não tinha as fraquezas. A superioridade de Jesus sobre os homens não se prendia às particularidades de seu corpo, mas às de seu Espírito, que dominava a matéria de maneira absoluta, e à de seu perispírito, haurida na parte mais quintessenciada dos fluidos terrestres. (Cap. XIV, nº 9). Sua alma não devia prender-se ao corpo senão pelos laços estritamente indispensáveis; constantemente desligado, devia dar-lhe uma dupla vista não somente permanente, mas de uma penetração excepcional e bem de outro modo superior àquela que se vê entre os homens comuns. Deveria ser do mesmo modo em todos os fenômenos que dependem dos fluidos perispirituais ou psíquicos. A qualidade destes fluidos lhe dava uma imensa força magnética, secundada pelo desejo incessante de fazer o bem. Nas curas que ele operava, agia como médium? Pode-se considerá-lo como um poderoso médium curador? Não; porque o médium é um intermediário, um instrumento de que se servem os Espíritos desencarnados. Ora, o Cristo não tinha necessidade de assistência, ele que assistia os outros; agia, pois, por si mesmo, em virtude de seu poder pessoal, assim como podem fazê-lo os encarnados em certos casos e na medida de suas forças. Que Espírito, aliás, ousaria insuflar-lhe seus próprios pensamentos e encarregá-lo de transmiti-los? Se recebesse um influxo estranho, este não poderia ser senão de Deus; segundo a definição dada por um Espírito, ele era médium de Deus. CURAS PERDA DE SANGUE. 10. – Então, uma mulher, enferma com uma perda de sangue há doze anos, – que muito sofrera nas mãos de vários médicos, e que, tendo gasto todos os seu bens, com ele não recebera nenhum alívio, mas se achava cada vez pior, – tendo ouvido falar de Jesus, veio na multidão por trás, e tocou as suas vestes; porque ela dizia: Se eu puder tocar somente as suas vestes, estarei curada. – No mesmo instante, a fonte do sangue que ela perdia secou, e sentiu em seu corpo que estava curada dessa doença. No mesmo instante Jesus, conhecendo em si mesmo avirtude que dele saíra, retornou para o meio da multidão e disse: Quem tocou as minhas vestes? – Seus discípulos lhe disseram: Vedes que a multidão vos comprime de todos os lados, e perguntais quem vos tocou? – E ele olhava tudo ao seu redor para ver aquela que o tocara. Mas essa mulher, que sabia o que se passara com ela, tomada de medo e de pavor, veio se lançar aos seus pés, e lhe declarou toda a verdade. – E Jesus lhe disse: Minha filha, a vossa fé vos salvou; ide em paz, e sede curada de vossa doença. (São Marcos, cap. V, v. de 25 a 34). 11. – Estas palavras: “Conhecendo em si mesmo a virtude que dele saíra, são significativas; elas exprimem o movimento fluídico que se operou de Jesus para a mulher enferma; ambos sentiram a ação que acabara de se produzir. É notável que o efeito não foi provocado por nenhum ato da vontade de Jesus; ele não fez nem magnetização e nem imposição das mãos. A irradiação fluídica normal bastou para operar a cura. Mas por que essa irradiação se dirigiu para essa mulher, antes que para os outros, uma vez que Jesus não pensava nela, e que estava cercado pela multidão? A razão disso é bem simples. O fluido, sendo dado como matéria terapêutica, deve atingir a desordem orgânica para repará-la; pode ser dirigido sobre o mal pela vontade do curador, ou atraído pelo desejo ardente, a confiança, em uma palavra, a fé do enfermo. Com relação à corrente fluídica, o primeiro fato tem o efeito de uma bomba premente e o segundo de uma bomba aspirante. Algumas vezes, a simultaneidade dos dois efeitos é necessária, outras vezes, um só basta; foi o segundo que ocorreu nesta circunstância. Jesus tinha, pois, razão em dizer: “A vossa fé vos salvou.” Compreende-se aqui que a fé não é a virtude mística, tal como certas pessoas a entendem, mas uma verdadeira força atrativa, ao passo que aquele que não a tem opõe à corrente fluídica uma força repulsiva, ou pelo menos uma força de inércia, que paralisa a ação. Segundo isto, compreende-se que dois enfermos atingidos pelo mesmo mal, estando em presença de um curador, um pode ser curado e o outro não. Está aí um dos princípios mais importantes da mediunidade curadora e que explica, por uma causa muito natural, certas anomalias aparentes. (Cap. XIV, nº 31, 32, 33). CEGO DE BETSAIDA. 12. – Tendo chegado a Betsaida, levaram-lhe um cego que lhe pedia para tocá-lo. E, tomando o cego pela mão, levou-o para fora da povoação; colocou-lhe saliva sobre os olhos, e lhe tendo imposto as mãos, perguntou-lhe se via alguma coisa. – Esse homem, olhando, lhe disse: Vejo andar homens que parecem árvores. – Jesus lhe colocou ainda uma vez mais as mãos sobre os olhos, e ele começou a ver melhor; e, enfim, foi de tal modo curado, que via distintamente todas as coisas. Em seguida, ele o mandou para a sua casa, e lhe disse: Ide para a vossa casa; e se entrardes na povoação, não digais a ninguém o que vos ocorreu. (São Marcos, cap. VIII, v. de 22 a 26). 13. – Aqui, o efeito magnético está evidente; a cura não foi instantânea, mas gradual e em conseqüência de uma ação firme e reiterada, embora mais rápida do que na magnetização comum. A primeira sensação deste homem foi bem aquela que sentem os cegos em recobrando a luz; por um efeito de óptica, os objetos parecem de um tamanho desmesurado. PARALÍTICO. 14. – Jesus, tendo subido num barco, tornou a atravessar o lago e veio para a cidade (Cafarnaum). – E como se lhe apresentassem um paralítico, deitado sobre um leito, Jesus, vendo a sua fé, disse a esse paralítico: Meu filho, tende confiança, os vossos pecados estão perdoados. Imediatamente, alguns dos escribas disseram para si mesmos: Este homem blasfema. – Mas Jesus, tendo conhecido o que pensavam, lhes disse: Por que tendes maus pensamentos em vossos corações? – Porque o que é mais fácil dizer: Os vossos pecados estão perdoados, ou dizer: Levantai-vos e andai? – Ora, a fim de que saibais que o Filho do homem tem sobre a Terra o poder de perdoar os pecados: Levantai-vos, disse então ao paralítico; carregai o vosso leito, e com ele ide para a vossa casa. O paralítico se levantou imediatamente e se foi para a sua casa. – E o povo, vendo o milagre, se encheu de medo e rendeu glória a Deus por ter dado um tal poder aos homens. (São Mateus, cap. IX, v. de 1 a 8). 15. – O que poderiam significar estas palavras: “Os vossos pecados estão perdoados” e em que poderiam servir para a cura? O Espiritismo disto dá a chave, como de uma infinidade de outras palavras incompreendidas até este dia; ele nos ensina, pela lei da pluralidade das existências, que os males e as aflições da vida são, freqüentemente, expiações do passado, e que sofremos, na vida presente, as conseqüências das faltas que cometemos numa existência anterior: sendo as diferentes existências solidárias, umas com as outras, até que se pague a dívida de suas imperfeições. Se, pois, a enfermidade deste homem era uma punição pelo mal que pôde cometer, dizendo-lhe: “Os vossos pecados estão perdoados,” era dizer-lhe: “Pagastes a vossa dívida; a causa da vossa enfermidade está apagada pela vossa fé presente; em conseqüência, mereceis estar livre da vossa enfermidade.” Foi por isso que ele disse aos escribas: “É mais fácil dizer: Os vossos pecados estão perdoados, que: Levantai-vos e andai; a causa cessando, o efeito deve cessar. O caso é o mesmo que para um prisioneiro, a quem se venha a dizer: “O vosso crime está expiado e perdoado,” o que equivaleria dizer: “Podeis sair da prisão.” OS DEZ LEPROSOS. 16. – Um dia em que ia para Jerusalém, e passava pelos confins da Samaria e da Galiléia, – estando perto de entrar numa aldeia, dez leprosos vieram diante dele, e se mantendo afastados, elevaram as suas vozes dizendo-lhe: Jesus, nosso senhor, tende piedade de nós. – Quando os percebeu, disse-lhes: Ide vos mostrar aos sacerdotes. E como para lá iam, foram curados. Um deles, vendo que estava curado, retornou sobre os seus passos, glorificando a Deus em alta voz; – e veio se lançar aos pés de Jesus, o rosto contra a terra, rendendo-lhe graças; e este era Samaritano. Então, Jesus disse: Todos os dez não foram curados? Onde estão, pois, os outros nove? – Não se encontraram os que tenham retornado, e que hajam dado graças a Deus, senão este estrangeiro. – E disse-lhe: Levantai-vos, ide, a vossa fé vos salvou. (São Lucas, cap. XVII, v. de 11 a 19). 17. – Os Samaritanos eram cismáticos, quase como os protestantes com relação aos católicos, e desprezados pelos Judeus como heréticos. Jesus, curando indistintamente os Samaritanos e os Judeus, dava, ao mesmo tempo, uma lição e um exemplo de tolerância; e, fazendo ressaltar que só o Samaritano retornara para dar glória a Deus, mostrava que havia nele mais da verdadeira fé e mais reconhecimento do que naqueles que se diziam ortodoxos. Acrescentando:” A vossa fé vos salvou,” faz ver que Deus olha o fundo do coração e não a forma exterior de adoração. Entretanto, os outros foram curados; era necessário para a lição que queria dar, e provar a sua ingratidão; mas quem sabe o que lhes terá resultado, e se terão se beneficiado do favor que lhes concedera? Dizendo ao Samaritano:” A vossa fé vos salvou,” Jesus dá a entender que não seria o mesmo com os outros. MÃO SECA. 18. – Jesus entrou uma outra vez na sinagoga, onde encontrou um homem que tinha uma das mãos seca. – E eles o observavam para ver se curava em dia de sábado, a fim de encontrarem um motivo para acusá-lo. – Então, disse ele a este homem, que tinha a mão seca: Levantai-vos, mantende-vos ali no meio. – Depois, lhes disse: É permitido, no dia de sábado, fazer o bem ou o mal, salvar a vida ou tirá-la? E eles permaneceram em silêncio. – Mas, olhando-os com cólera, aflito que estava pela cegueira de seu coração, disse a esse homem: Estendei a vossa mão. Ele estendeu, e ela se tornou sã. Imediatamente os fariseus, tendo saído, tiraram conselho contra ele com os herodianos, sobre o meio de perdê-lo. – Mas Jesus se retirou com os seus discípulos para o mar, onde uma grande multidão de povo o seguia da Galiléia e da Judéia, – de Jerusalém, da Induméia, e de além do Jordão; e aqueles das circanias de Tiro e de Sidon, tendo ouvido falar das coisas que fazia, vieram em grande número encontrá-lo. (São Marcos, cap. III, v. 1 a 8). A MULHER ENCURVADA. 19. – Jesus ensinava em uma sinagoga todos os dias de sábado. – Um dia, viu uma mulher possuída por um Espírito, que a tornou doente desde os dezoito anos; e ela era tão curvada que não podia, de modo nenhum, olhar para o alto. – Jesus, vendo-a, chamou-a e disse: Mulher, estais livre da vossa enfermidade. – Ao mesmo tempo, lhe impôs as mãos; e logo ela se endireitou, e disso deu graças a Deus. Mas o chefe da sinagoga, indignado porque Jesus curara num dia de sábado, disse ao povo: Há seis dias destinados ao trabalho; vinde todos esses dias para serem curados, e não nos dias de sábado. O Senhor, tomando a palavra, disse-lhe: Hipócrita, há algum de vós que não solta seu boi, ou seu asno, da manjedoura no dia de sábado, e não o conduz a beber? – Por que, pois, não conviria livrar de seus laços, em um dia de sábado, esta filha de Abraão, que Satanás manteve assim ligada durante dezoito anos? A estas palavras, todos os seus adversários ficaram confusos, e todo o povo estava arrebatado por vê-lo fazer tantas ações gloriosas. (São Lucas, cap. XIII, v. de 10 a 17). 20. – Este fato prova que, naquela época, todas as enfermidades eram atribuídas ao demônio, e que se confundiam, como hoje, os possuídos com os enfermos, mas em sentido inverso; quer dizer que, hoje, aqueles que não crêem nos Espíritos, confundem as obsessões com as enfermidades patológicas. PARALÍTICO DA PISCINA. 21. – Depois disto, tendo chegado a festa dos Judeus, Jesus foi para Jerusalém. – Ora, havia em Jerusalém a piscina das Ovelhas, que se chama em hebreu: Bethsaida, que tinha cinco corredores, – nos quais eram deitados, em grande número, os enfermos, cegos, coxos, e aqueles que tinham os membros ressecados, e todos esperavam que a água se agitasse. – Porque o anjo do Senhor, em um certo tempo, descia nessa piscina e lhe agitava a água; e aquele que entrasse primeiro, depois que a água assim se agitasse, era curado, qualquer que fosse a enfermidade que tivesse. Ora, havia ali um homem que estava enfermo há trinta e oito anos. – Jesus, tendo-o visto deitado, e sabendo que estava enfermo há muito tempo, disse-lhe: Quereis ser curado? – O enfermo respondeu: Senhor, não tenho ninguém para me lançar na piscina, depois que a água for agitada; e, durante o tempo que ponho para ir lá, um outro nela desce antes de mim. – Jesus lhe disse: Levantai-vos, transportai a vossa cama e andai. – Imediatamente esse homem foi curado; e tomando o seu leito, começou a caminhar. Ora, aquele dia era um dia de sábado. Os Judeus disseram, pois, àquele que fora curado: Hoje é sábado; não é permitido transportar o vosso leito. – Ele lhes respondeu: Aquele que me curou me disse: Transportai o vosso leito e andai. – Eles lhe perguntaram: Onde está, pois, esse homem que vos disse: Transportai e o vosso leito e andai? Mas aquele que fora curado não sabia, ele mesmo, quem fora, porque Jesus se retirara da multidão de povo que estava ali. Depois, Jesus encontrou esse homem no Templo, e lhe disse: Vede que estais curado, não pequeis mais no futuro, de medo que não vos chegue alguma coisa pior. Este homem foi procurar os Judeus e lhes disse que fora Jesus quem o curara. – Por esta razão é que os Judeus perseguiam a Jesus, porque fazia essas coisas no dia de sábado. – Então, Jesus lhes disse: Meu Pai não cessa de agir até o presente, e eu ajo também incessantemente. (São João, cap. V, v. de 1 a 17). 22. – Piscina (da palavra latina piscis, peixe) dizia-se entre os Romanos, dos reservatórios ou viveiros onde se alimentavam os peixes. Mais tarde a acepção desta palavra foi estendida aos tanques onde se banhava em comum. A piscina de Bethsaida, em Jerusalém, era uma cisterna junto ao Templo, alimentada por uma fonte natural, cuja água parecia ter propriedades curativas. Era, sem dúvida, uma fonte intermitente que, em certas épocas do ano, jorrava com força e agitava a água. Segundo a crença vulgar, esse momento era o mais favorável para as curas; pode ser que, em realidade, no momento de sua saída, a água tivesse uma propriedade mais ativa, ou que a agitação produzida pela água jorrada movimentasse lodo salutar para certas enfermidades. Estes efeitos são muito naturais e perfeitamente conhecidos hoje; mas, então, as ciências estavam pouco avançadas, e se via uma causa sobrenatural na maioria dos fenômenos incompreendidos. Os Judeus atribuíam, pois, a agitação dessa água à presença de um anjo, e esta crença lhes parecia tanto melhor fundada porque, nesse momento, a água era mais salutar. Depois de ter curado esse homem, Jesus lhe disse: “No futuro não pequeis mais, para que não vos aconteça alguma coisa de pior.” Por estas palavras, fê-lo entender que a sua enfermidade era uma punição, e que, se não melhorasse, poderia ser de novo punido ainda mais rigorosamente. Esta doutrina está inteiramente conforme com aquela que o Espiritismo ensina. 23. – Jesus parecia tomar a tarefa de operar essas curas no dia de sábado, para ter a ocasião de protestar contra o rigorismo dos fariseus quanto à observação desse dia. Queria mostrar-lhes que a verdadeira piedade não consiste na observância das práticas exteriores e das coisas da forma, porém, que ela está nos sentimentos do coração. Justifica-se dizendo: “Meu Pai não cessa de agir até o presente, e eu ajo também incessantemente;” quer dizer, Deus não suspende as suas obras, nem a sua ação sobre as coisas da Natureza no dia de sábado; continua a fazer o que é necessário à vossa alimentação e à vossa saúde, e sou o seu exemplo. CEGO DE NASCENÇA. 24. – Quando Jesus passava, viu um homem que estava cego desde o seu nascimento; – e os seus discípulos lhe fizeram esta pergunta: Senhor, foi o pecado deste homem, ou o pecado daqueles que o puseram no mundo, que foi a causa para ele nascer cego? Jesus lhes respondeu: não é que ele pecou, nem aqueles que o colocaram no mundo; mas é a fim de que as obras do poder de Deus brilhem nele. É necessário que eu faça as obras daquele que me enviou enquanto é dia; a noite vem, na qual ninguém pode agir. – Enquanto eu estiver no mundo, eu sou a luz do mundo. Depois de ter dito isto, ele cuspiu no chão, e tendo feito uma lama com a saliva, untou com essa lama os olhos do cego, – e disse-lhe: Ide vos lavar na piscina de Siloé, que significa enviado. Para lá foi, pois, e se lavou e voltou a ver claro. Seus vizinhos e aqueles que o viram antes pedir esmola, disseram: Não é aquele que estava sentado, e que pedia esmola? Uns responderam: É ele; – outros disseram: Não, é um que se parece com ele. Mas ele lhes dizia: Fui eu mesmo. – Disseram-lhe, pois: Como os vossos olhos se abriram? – E ele lhes respondeu: Foi aquele homem que se chama Jesus que fez a lama e com ela untou os meus olhos, e me disse: Ide à piscina de Siloé e ali vos lavai. Para ali fui, e me lavei, e eu vejo. – Eles lhe disseram: Onde está ele? Ele lhe respondeu: Eu não sei. Então, eles conduziram aos fariseus esse homem que estivera cego. – Ora, era o dia de sábado que Jesus fizera essa lama e lhe abrira os olhos. Os fariseus o interrogaram, pois, também eles mesmos, para saber como recobrara a vista. E ele lhes disse: Ele me colocou a lama sobre os olhos; eu me lavei e vejo. – Sobre o que alguns dos fariseus disseram: Esse homem não é enviado de Deus, uma vez que não guarda o sábado. Mas outros disseram: Como um homem mal podia fazer tais prodígios? E havia sobre isso divisão entre eles. Disseram de novo ao cego: E tu, o que dizes desse homem que te abriu os olhos? Ele respondeu: Eu digo que é um profeta. – Mas os Judeus não acreditaram que esse homem fora cego, e recobrara a visão, até que fizeram vir seu pai e sua mãe, – que interrogaram, lhes dizendo: Está aí o vosso filho que dissestes ser cego de nascença? Como, pois, vê agora? – O pai e a mãe responderam: Nós sabemos que está aí o nosso filho, e que é cego de nascença; – mas não sabemos como vê agora, e não sabemos quem lhe abriu os olhos. Interrogai-o; ele tem idade, que responda por si mesmo. Seu pai e sua mãe falavam da sorte, porque temiam os Judeus; porque os Judeus já tinham resolvido em conjunto que quem reconhecesse Jesus por ser o Cristo, seria expulso da sinagoga. – Isso foi o que obrigou o pai e a mãe responderem: Ele tem idade, interrogai a ele mesmo. E chamaram, pois, uma segunda vez esse homem que fora cego, e lhe disseram: Renda glória a Deus; nós sabemos que esse homem é um pecador. – Ele lhes respondeu: Se é um pecador, eu não sei nada disso; mas tudo o que eu sei, é que eu era cego, e que vejo agora. – Eles lhes disseram ainda: O que ele te fez, e como te abriu os olhos? – Ele lhes respondeu: Eu já vos disse, e ouvistes; por que quereis ouvi-lo; ainda uma vez? É que quereis vos tornar o seu discípulo? – Sobre o que, eles o carregaram de injúrias e lhes disseram: Sejas tu mesmo seu discípulo; por nós, somos os discípulos de Moisés. – Sabemos que Deus falou a Moisés, mas para este não sabemos de onde saiu. Esse homem lhes respondeu: O que é espantoso que não saibais de onde ele é, e que me abriu os olhos. – Ora, sabemos que Deus não satisfaz os pecadores; mas se alguém o honre e faça a sua vontade, é a este que ele atende. – Desde que o mundo é, jamais se ouviu dizer que alguém haja aberto o s olhos a um cego de nascença. – Se esse homem não era enviado de Deus, ele não poderia nada fazer de tudo o que fez. Eles lhes responderam: Tu não és senão pecado desde o ventre de tua mãe, e queres nos ensinar? E o expulsaram. (São João, Cap. IX, de 1 à 34). 25. – Este relato, tão simples e tão ingênuo, carrega em si um caráter evidente de verdade. Nada de fantástico e nem de maravilhoso; é uma cena da vida real tomada sobre o fato. A linguagem desse cego é bem aquela desses homens simples nos quais o saber é suprido pelo bom senso, e que retrucam os argumentos de seus adversários com bonomia, e por razões que não faltam nem de justeza e nem de oportunidade. O tom dos fariseus não é aqueles dos orgulhosos que não admitem nada acima de sua inteligência, e ficam indignados só com o pensamento de que um homem do povo possa lhes ser superior? Salvo a cor local dos nomes, crer-se-ia de nosso tempo. Ser expulso da sinagoga equivalia ser posto fora da Igreja; era uma espécie de excomunhão. Os Espíritas, cuja doutrina é a do Cristo interpretada segundo o progresso das luzes atuais, são tratados como os Judeus que reconheciam em Jesus o Messias; excomugando-os são colocados fora da Igreja, como fizeram os escribas e os fariseus com respeito aos partidários de Jesus. Assim, eis um homem que é expulso, porque não pode crer que aquele que o curou seja um possuído pelo demônio, e porque glorifica a Deus pela sua cura! Não é o que se faz com relação aos Espíritas? O que eles obtêm: Sábios conselhos dos Espíritos, retornam a Deus e ao bem, curas, tudo é obra do diabo e se lhes lançam anátema. Não vêem os sacerdotes dizerem do alto do púlpito, que valeria mais permanecer incrédulo do que retornar à fé pelo Espiritismo? Não se tem visto dizer aos enfermos que não deveriam mais se fazer curar pelos Espíritos que possuem esse dom, porque é um dom satânico? Outros pregarem que os infelizes não deveriam aceitar o pão distribuído pelos Espíritas, porque era o pão do diabo? Que dizem e que fazem a mais os sacerdotes Judeus e fariseus? De resto, está dito que tudo deve se passar hoje como no tempo do Cristo. Esta pergunta dos discípulos: Foi o pecado desse homem que foi a causa dele ser cego de nascença? indica a intuição de uma existência anterior, de outro modo não teria sentido; porque o pecado que seria a causa de uma enfermidade de nascença deveria ser cometido antes do nascimento, e, por conseguinte, numa existência anterior. Se Jesus visse aí uma idéia falsa, ter-lhe-ia dito: “Como esse homem poderia pecar antes de nascer?” Em lugar disso, disse que esse homem era cego, não foi porque haja pecado, mas a fim de que o poder de Deus brilhe nele; quer dizer, que deveria ser o instrumento de uma manifestação do poder de Deus. Se não era uma expiação do passado, era uma prova que deveria ser-lhe para o seu adiantamento, porque Deus, que é justo, não poderia lhe impor um sofrimento sem compensação. Quanto aos meios empregados para curá-lo, é evidente que a espécie de lama feita com a saliva e a terra não poderia ter virtude senão pela ação do fluido curador de que estava impregnada; assim é que as substâncias mais insignificantes: a água, por exemplo, podem adquirir qualidades poderosas e efetivas sob a ação do fluido espiritual ou magnético, aos quais servem de veículo, ou, querendo-se, de reservatório. NUMEROSAS CURAS DE JESUS. 26. – Jesus ia por toda Galiléia, ensinando nas sina gogas, pregando o Evangelho do reino, e curando todas as fraquezas e todas as enfermidades entre o povo. – E tendo a sua reputação se difundido por toda a Síria, apresentavamlhe todos aqueles que estavam enfermos, e diversamente afligidos por males e por dores, os possuídos, os lunáticos, os paralíticos, e ele os curava; – e uma grande multidão de povo o seguiu da Galiléia, da Decápole, de Jerusalém, da Judéia, e de além do Jordão. (São Mateus, Cap. IV, v. 23, 24, 25). 27. – De todos os fatos que testemunham o poder de Jesus, os mais numerosos são, sem contradita, as curas; ele queria provar por aí que o verdadeiro poder é aquele que faz o bem, que o seu objetivo era se fazer útil, e não satisfazer a curiosidade dos indiferentes com coisas extraordinárias. Aliviando o sofrimento, ele prendia a si as pessoas pelo coração, e fazia prosélitos mais numerosos e mais sinceros do que se não tivessem sido feridos senão pelo espetáculo dos olhos. Por esse meio, ele se fazia amar, ao passo que se tivessem limitado a produzir efeitos materiais surpreendentes, como lhe pediam os fariseus, a maioria não veria nele senão um feiticeiro ou um hábil escamoteador, que os desocupados tivessem visto para se distraírem. Assim, quando João Batista envia a ele seus discípulos, para lhe perguntar se ele era o Cristo, ele não disse: “Eu o sou,” porque qualquer impostor poderia dizê-lo também; não lhes falou nem de prodígios, nem de coisas maravilhosas, mas lhes respondeu simplesmente: Ide dizer a João: Os cegos vêem, os enfermos são curados, os surdos ouvem, o Evangelho é anunciado aos pobres.” Isto era dizer-lhes: “Reconhecei-me pelas minhas obras, julgai a árvore pelo seu fruto.” porque aí está o verdadeiro caráter da sua missão divina. 28. – É também pelo bem que faz que o Espiritismo prova a missão providencial. Cura os males físicos, mas cura sobretudo as enfermidades morais, e aí estão os maiores prodígios pelos quais eles se afirmam. Seus adeptos mais sinceros não são aqueles que foram feridos pela visão dos fenômenos extraordinários, mas aqueles que foram tocados no coração pela consolação; aqueles que se livraram das torturas da dúvida; aqueles cuja coragem se revelou nas aflições, e que hauriram a força na certeza do futuro que veio lhes trazer, no conhecimento do seu ser espiritual e de seu destino. Eis aqueles cuja fé é inabalável, porque sentem e compreendem. Aqueles que não vêem no Espiritismo senão efeitos materiais não podem compreender a sua força moral; também os incrédulos, que não o conhecem senão pelos fenômenos dos quais não admitem a causa primeira, não vêem nos Espíritas senão escamoteadores e charlatães. Não será, pois, pelos prodígios que o Espiritismo triunfará sobre a incredulidade: é multiplicando os seus benefícios morais, porque seus incrédulos não admitem os prodígios, eles conhecem, como todo o mundo, os sofrimentos e as aflições, e ninguém recusa os alívios e as consolações. POSSUÍDOS 29. – Vieram em seguida a Cafarnaum; e Jesus, entrando primeiro, no dia de sábado, na sinagoga, ele os instruía; – e estavam admirados de sua doutrina, porque os instruíra como tendo autoridade, e não como os escribas. Ora, encontrava-se na sinagoga um homem, possuído por um Espírito impuro, que exclamava dizendo: O que há entre vós e nós, Jesus de Nazaré? Viestes para nos perder? Eu sei quem sois: Sois o Santo de Deus. – Mas Jesus, falando-lhe com ameaça, disse-lhe: Cala-te e sai desse homem. – Então, o Espírito impuro, agitando-se com violências convulsões, e lançando um grande grito, saiu dele. Todos com isso ficaram tão surpresos, que perguntavam uns aos outros: O que é isto? Qual é essa nova doutrina? Ele ordena com império, mesmo aos Espíritos impuros, e lhe obedecem. (São Marcos, cap. I, de 21 a 27). 30. – Depois que saíram, apresentaram-lhe um homem mudo possuído pelo demônio. – Tendo o demônio sido expulso, o mudo falou, e com isso o povo ficou admirado, e dizia: Nunca se viu nada semelhante em Israel. Mas os fariseus diziam o contrário: É pelo príncipe dos demônios que ele expulsa os demônios. (São Mateus, cap. IX, v. 32, 33, 34). 31. – Quando chegou ao lugar onde estavam os outros discípulos, viu uma grande multidão de pessoas ao redor deles, e escribas que com eles disputavam. – Imediatamente todo o povo, percebendo Jesus, foi tomado de admiração e de medo; correram e o saudaram. Então, ele perguntou: O que disputais juntos? – E um homem entre o povo, tomando a palavra, disse-lhe: Mestre, eu vos trouxe meu filho que está possuído de um Espírito mudo; – e em qualquer lugar que se apodera dele, joga-o contra a terra, e o menino espuma, range os dentes, e se torna todo seco. Pedi aos vossos discípulos para expulsá-lo, mas não o puderam. Jesus lhes respondeu: Ó gente incrédula, até quando estarei convosco? Até quando vos sofrerei? Trazei-o a mim? – Eles o conduziram; e não tinha ele antes visto Jesus, e o Espírito começou a se agitar com violência, e caiu por terra, onde rolava espumando. Jesus perguntou ao pai do menino: Há quanto tempo isso acontece? – Desde a sua infância, disse o pai. – E o Espírito o tem freqüentemente lançado, ora no fogo, ora na água, para fazê-lo perecer; mas se podeis fazer alguma coisa, tende compaixão de nós e socorrei-nos. Jesus lhe respondeu: Se podeis acreditar, tudo é possível à aquele que crê. – Imediatamente o pai do menino, exclamando, disse-lhe com lágrimas: Senhor, eu creio, ajudai-me na minha incredulidade. E Jesus, vendo que o povo acorria em multidão, falou com ameaça ao Espírito impuro, e lhe disse: Espírito surdo e mudo, sai do menino, eu to ordeno, e nele não entres mais. – Então, esse Espírito, tendo lançado um grande grito, e tendo se agitado com violentas convulsões saiu, e o menino ficou como morto, de sorte que vários disseram que ele estava morto. – Mas Jesus, tendo-o tomado pela mão, o ergueu, e ele se levantou. Quando Jesus foi entrar na casa, seus discípulos lhes disseram em particular: De onde vem que não pudemos expulsar esse demônio? – Ele lhes respondeu: Essas espécies de demônios não podem ser expulsas senão pela prece e pelo jejum. (São Marcos, cap. IX, v. de 14 a 28). 32. – Então, lhe apresentaram um possesso, cego e mudo, e o curou, de sorte que começou a falar e a ver. – Todo o povo com isso se encheu de admiração e dizia: Não está aí o filho de David? Mas os fariseus, ouvindo isso, diziam: Esse homem não expulsa os demônios senão pela virtude de Belzebu, príncipe dos demônios. Ora, Jesus, conhecendo os seus pensamentos, lhes disse: Todo reino dividido contra si mesmo, será arruinado, e toda cidade ou casa que estiver dividida contra si mesma, não poderá subsistir. – Se Satanás expulsa a Satanás, ele está dividido contra si mesmo; como, pois, seu reino subsistirá? E se é por Belzebu que eu expulso os demônios, por quem os vossos filhos os expulsam? Por isso, eles mesmos serão os vossos juízes. – Se expulso os demônios pelo Espírito de Deus, o reino de Deus, pois, chegou até vós. (São Mateus, cap. XII, v. de 22 a 28). 33. – As libertações dos possessos figuram, com as curas, entre os atos mais numerosos de Jesus. Entre os fatos dessa natureza, há os que, como aquele que está narrado acima, no nº 30, onde a possessão não é evidente. É provável que nessa época, como ocorre ainda em nossos dias, atribuía-se à influência dos demônios todas as enfermidades cuja causa era desconhecida, principalmente o mutismo, a epilepsia e catalepsia. Mas há as que a ação dos maus Espíritos não é duvidosa; têm, com aquelas com as quais somos testemunhas, uma analogia tão chocante, que nela se reconhecem, todos os sintomas desse gênero de afecção. A prova da participação de uma inteligência oculta, em semelhante caso, ressalta de um fato material: São as numerosas curas radicais obtidas, em alguns centros espíritas, pela só evocação e a moralização dos Espíritos obsessores, sem magnetização nem medicamentos, e, freqüentemente, na ausência e a distância do paciente. A imensa superioridade do Cristo lhe dava uma tal autoridade sobre os Espíritos imperfeitos, então chamados demônios, que lhe bastava mandá-los se retirarem para que não pudessem resistir a essa injunção. (Cap. XIV, nº 46). 34. – O fato de maus Espíritos enviados aos corpos de porcos é contrário a toda probabilidade. Aliás, explicar-se-ia dificilmente a presença de tão numeroso rebanho de porcos num país onde esse animal era tido em horror e sem utilidade para a alimentação. Um Espírito mau, por isso não é menos um Espírito humano ainda bastante imperfeito para fazer o mal depois da morte, como o fazia antes, e é contra as leis da Natureza que possa animar o corpo de um animal; é necessário, pois, ver aí uma dessas amplificações comuns nos tempos de ignorância e superstição; ou talvez uma alegoria para caracterizar os pendores imundos de certos Espíritos. 35. – Os obsidiados e os possessos pareciam ter sido muito numerosos na Judéia, ao tempo de Jesus, o que lhe dava ocasião de curar a muitos. Os maus Espíritos tinham, sem dúvida, invadido esse país e causado uma epidemia de possessões. (Cap. XIV, nº 49). Sem ser um estado epidêmico, as obsessões individuais são extremamente freqüentes e se apresentam sob aspectos muito variados, que um conhecimento aprofundado do Espiritismo faz facilmente reconhecer; elas podem, freqüentemente, ter conseqüências deploráveis para a saúde, seja agravando as afecções orgânicas, seja determinando-as. Incontestavelmente, serão classificadas um dia entre as causas patológicas requeridas, pela sua natureza especial, de meios curativos especiais. O Espiritismo, fazendo conhecer a causa do mal, abre um novo caminho à arte de curar, e fornece à ciência o meio de triunfar ali onde ela não fracassa, freqüentemente, senão por falta de atacar a causa primeira do mal. (O Livro dos Médiuns, cap. XXIII). 36. – Jesus era acusado, pelos fariseus, de expulsar os demônios pelos demônios; o bem que fazia era, segundo eles, a obra de Satanás, sem refletir que Satanás expulsando a si mesmo, praticaria um ato de insensatez. É notável que os fariseus daquele tempo pretendessem já que toda faculdade transcedente, e, por esse motivo, reputada sobrenatural, fosse obra do demônio, uma vez que, segundo eles, o próprio Jesus tinha dele o seu poder; é um ponto a mais de semelhança com a época atual, e essa doutrina é ainda a da Igreja, que procura prevalecer hoje contra as manifestações espíritas (1). RESSURREIÇÕES A FILHA DE JAIRO. 37. – Estando Jesus ainda passando no barco para a outra margem, quando estava junto do mar, uma multidão de povo se reuniru ao seu redor. E um chefe da sinagoga, de nome Jairo, veio procurá-lo; e encontrando-o, lançou-se-lhe aos pés, – e lhe suplicava com grande instância, dizendo-lhe: Tenho uma filha que está no fim; vinde impor-lhe as mãos para curá-la e salvar-lhe a vida. Jesus foi para lá com ele, seguido por uma grande multidão de povo que o pressionava. Quando (Jairo) ainda falava, vieram pessoas do chefe da sinagoga, que lhe disseram: A vossa filha está morta; por que quereis dar ao Mestre o trabalho de ir mais longe? – Mas Jesus, tendo ouvido essa palavra, disse ao chefe da sinagoga: Não temais, crede somente. – E não permitiu a ninguém segui-lo, senão a Pedro, Tiago e João, irmão de Tiago. Tendo chegado na casa desse chefe da sinagoga, viu um bando confuso de pessoas que choravam e lançavam grandes gritos; – e entrando lhes disse: Por que fazeis tanto barulho, e por que chorais? Esta jovem não está morta, nãoestá senão adormecida. – E zombavam dele. Tendo feito sair todo o mundo, tomou o pai e a mãe da criança, e aqueles que vieram com ele, e entrou no lugar onde a menina estava deitada. – Tomou-a pela mão e disse-lhe: Talitha cumi, quer dizer, Minha filha, levantai-vos, eu vos ordeno. – No mesmo instante, a menina se levantou e se pôs a andar; porque tinha doze anos, e ficaram maravilhosamente espantados. (São Marcos, cap. V, v. de 21 a 43). FILHO DA VIÚVA DE NAIM. 38. – No dia seguinte, Jesus foi para uma cidade chamada Naim, e os seus discípulos o acompanharam com uma grande multidão de povo. – Quando estava perto da porta da cidade, ocorreu que se enterrava um morto, que era filho único de sua mãe, e essa mulher era viúva, e havia uma grande quantidade de pessoas da cidade com ela. – O Senhor, tendo-a visto, foi tocado de compaixão para com ela, e disse-lhe: Não choreis mais. – Depois, se aproximando, tocou o caixão, e aqueles que o levavam se detiveram. Então, disse: Jovem, levantai-vos, eu vos ordeno. – Ao mesmo tempo, o morto se levantou sobre seu assento e começou a falar, e Jesus o entregou à sua mãe. Todos aqueles que estavam presentes foram tomados de pavor, e glorificavam a Deus dizendo: Um grande profeta apareceu em nosso meio, e Deus visitou o seu povo. – A fama desse milagre que ele fizera espalhou-se em toda a Judéia e em todas as regiões ao redor. (São Lucas, cap. VII, v. de 11 a 17). 39. – O fato do retorno. à vida corpórea, de um indivíduo realmente morto, seria contrário às leis da Natureza e, por conseguinte, miraculoso. Ora, não é necessário recorrer a essa ordem de fatos para explicar as ressurreições operadas pelo Cristo. Se, entre nós, as aparências enganam, às vezes, os profissionais, os acidentes dessa natureza deveriam ser bem freqüentes num país onde não se tomava nenhuma precaução, e onde o sepultamento era imediato (2). Há, portanto, toda a probabilidade de que, nos dois exemplos acima, não havia senão síncope ou letargia. O próprio Jesus disse-o positivamente da filha de Jairo: Esta jovem,disse ele, não está morta, ela não está senão adormecida. Em conseqüência da força fluídica que Jesus possuía, nada é de admirar que esse fluido vivificante, dirigido por uma forte vontade, haja reanimado os sentidos entorpecidos; que haja mesmo podido chamar, para o corpo, o Espírito prestes a deixá-lo, enquanto o laço perispiritual não estava definitivamente rompido. Para os homens desse tempo, que acreditavam o indivíduo morto desde que não mais respirasse, havia ressurreição e puderam afirmá-lo com muita boa fé, mas havia, em realidade, cura e não ressurreição na acepção da palavra. 40. – A ressurreição de Lázaro, o que quer que se diga, não infirma de nenhum modo este princípio. Estava, diz-se, há quatro dias no sepulcro; mas sabe-se que há letargias que duram oito dias e mais. Acrescenta-se que ele cheirava mal, o que é um sinal de decomposição. Essa alegação não prova nada, não mais, tendo em vista que, entre certos indivíduos, há decomposição parcial do corpo, mesmo antes da morte, e que exalam um odor de podridão. A morte não chega senão quando os órgãos essenciais à vida são atacados. E quem poderia saber se ele cheirava mal? Foi a sua irmã Marta que o disse, mas como o sabia ela? Estando Lázaro enterrado há quatro dias, ela o supunha, mas disso não podia ter a certeza. (Cap. XIV, nº 29) (3).