O Castigo pela luz
Revista Espírita julho 1864
INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS.
Nota. – Numa das sessões da Sociedade Espírita de Paris, onde se havia discutido a questão da perturbação que segue geralmente à morte, um Espírito se manifestou espontaneamente à senhora Gostei, pela comunicação seguinte que não assina:
Que falais da perturbação? por que essas palavras vãs? Sois sonhadores e utopistas.
Ignorais perfeitamente as coisas das quais pretendeis vos ocupar. Não, senhores, a perturbação não existe, salvo talvez nos vossos cérebros. Estou tão francamente morto quanto possível; vejo claro em mim, ao redor de mim, por toda parte…. A vida é uma lúgubre comédia! Inábeis, aqueles que se fazem sair da cena antes da queda da cortina… A morte é um terror, um castigo, um desejo, segundo a fraqueza ou a força daqueles que a temem, a desafiam ou a imploram. Para todos ela é uma amarga zombaria!… A luz me deslumbra e penetra, como uma flecha afiada, a sutileza de meu ser… Fui castigado pelas trevas da prisão, e me acreditei castigado pelas trevas do túmulo, ou aquelas sonhadas pelas superstições católicas. Pois bem! sois vós, senhores, que suportais a obscuridade, e eu, o degradado social, plano acima de vós…. Quero continuar eu!… Forte pelo pensamento, desdenho as advertências que ressoam ao meu redor… Vejo claro… Um crime! É uma palavra! O crime existe por toda a parte. Quando é executado por massas de homens, o glorificam; no particular, é infame. Absurdo!
Não quero ser lamentado… Não peço nada… Eu me basto e saberei muito lutar contra essa odiosa luz.
AQUELE QUE ERA ONTEM UM HOMEM.
Esta comunicação tendo sido analisada na sessão seguinte, reconheceu-se, no próprio cinismo da linguagem, um ensinamento sério, e viu-se, na situação desse infeliz, uma nova fase do castigo que espera os culpados. Com efeito, ao passo que uns são mergulhados nas trevas ou num isolamento absoluto, outros suportam, durante muitos anos, as angústias de sua última hora, ou se crêem ainda neste mundo; a luz brilha para aquele; seu Espírito goza da plenitude de suas faculdades; ele sabe perfeitamente que está morto, e não se lamenta de nada; não pede nenhuma assistência, e ainda desafia as leis divinas e humanas. É, pois, que escaparia à punição? Não, mas é que a justiça de Deus se cumpriu sob todas as formas, e o que faz a alegria de uns é para outros um tormento; essa luz faz seu suplício contra o qual ele se enrijece, e, apesar de seu orgulho, confessa-o quando disse: “Eu me basto e saberei muito lutar contra essa luz odiosa”; e nesta outra frase: “A luz me deslumbra e penetra, como uma flecha afiada, a sutileza de meu ser.”
Estas palavras: sutileza de meu ser são características; ele reconhece que seu corpo é fluídico e penetrável à luz, à qual não pode escapar, e essa luz o traspassa como uma flexa pontiaguda.
Nossos guias espirituais, chamados a darem a sua apreciação sobre este assunto, ditaram as três comunicações adiante, e que merecem uma séria atenção:
(Médium, Sr. A. Didier.)
Há provas sem expiação, do mesmo modo que há expiações sem provas. Os Espíritos, evidentemente, na erraticidade, estão, do ponto de vista das existências, inativos e na espera; mas, no entanto, podem expiar, contanto que seu orgulho, a tenacidade formidável e teimosa de seus erros não os retenham, no momento de sua ascensão progressiva.
Disso temos um exemplo terrível nas últimas comunicações relativamente ao criminoso que se debate contra a justiça divina que o constrange junto à dos homens. Então, nesse caso, a expiação, ou antes o sofrimento fatal que o oprime, em lugar de aproveitar-lhe e de lhe fazer sentir a profunda significação de suas penas, os exalta na revolta, e lhe faz produzir essas murmurações que as Escrituras, em sua poética eloqüente, chama ranger de dentes; imagem por excelência! sinal do sofrimento abatido, mas insubmisso! Perdido na dor, mas da qual a revolta é ainda muito grande para recusar a reconhecer a verdade da pena e a verdade da recompensa!
Os grandes erros, freqüentemente, continuam, e mesmo quase sempre, no mundo dos Espíritos. Do mesmo modo as grandes consciências criminosas. Ser ele apesar de tudo e se exibir diante do infinito, parece-se a essa cegueira do homem que contempla as estrelas e as toma pelos arabescos de um teto, tal como o acreditavam os Gauleses do tempo de Alexandre.
Há o infinito moral! Miserável é aquele, ínfimo é aquele que, sob o pretexto de continuar as lutas e as fanfarrices abjetas da Terra, nela não vê mais longe no outro mundo do que neste mundo! Àquele a cegueira, o desprezo dos outros, a egoísta e mesquinha personalidade e a parada do progresso! Não é muito verdadeiro, ó homens, que há um acordo secreto entre a imortalidade de um nome puro deixado sobre a Terra, e a imortalidade que realmente guardam os Espíritos em suas provas sucessivas.
LAMENNAIS.
Nota. – Para compreender o sentido desta frase: “Há provas sem expiação, e expiações sem prova”, é preciso entender por expiação o sofrimento que purifica e lava as manchas do passado; depois da expiação, o Espírito está reabilitado. O pensamento de Lamennais é este: Segundo as vicissitudes da vida sejam ou não acompanhadas de arrependimento das faltas que as ocasionaram, do desejo de torná-las aproveitáveis para sua própria melhoria, há ou não expiação, quer dizer, reabilitação. Assim, os maiores sofrimentos podem ser sem proveito para aquele que os suporta, se não o tornam melhor, se não o elevam acima da matéria, se ele não vê a mão de Deus, enfim, se não lhe fazem dar um passo adiante, porque isso será, para ele, recomeçar em condições ainda mais penosas. Deste ponto de vista, ocorre o mesmo com as penas suportadas depois da morte; o Espírito endurecido as sofre, sem ser tocado pelo arrependimento; é porque ele pode prolongá-los indefinidamente por sua própria vontade; é castigado, mas não repara.
(Médium, Sr. d’Ambel.)
Precipitar um homem nas trevas ou nas ondas de claridade: o resultado não é o mesmo? Num e noutro caso, não vê nada do que o cerca, e se habituará mesmo muito mais rapidamente na sombra do que na tripla claridade elétrica na qual pode ser imergido.
Portanto, o Espírito que se comunicou na última sessão, exprime bem a verdade de sua situação, quando exclama: “Oh! me livrarei bem desta odiosa luz!” Com efeito, essa luz é tanto mais terrível quanto mais excessiva, que ela o traspasse completamente, e que torne visíveis e aparentes seus mais secretos pensamentos. Aí está um dos lados mais rudes de seu castigo espiritual. Encontra-se, por assim dizer, internado na casa de vidro que pediu Sócrates, e está aí ainda um ensinamento, porque o que teria sido a alegria e a consolação do sábio, torna-se a punição infamante e contínua do mau, do criminoso, do parricida, espantado em sua própria personalidade.
Compreendei, meus filhos, a dor e o terror que deve oprimir aquele que, durante uma existência sinistra, se comprazia em combinar, em maquinar os mais tristes crimes no fundo de seu ser, onde se refugiava como um animal feroz em sua caverna, e que hoje se encontra expulso desse covil íntimo, onde se ocultava aos olhares e à investigação de seus contemporâneos? Agora, sua máscara de impassibilidade lhe foi arrancada, e cada um de seus pensamentos se reflete sucessivamente sobre sua fronte!
Sim, doravante, nenhum repouso, nenhum asilo para esse formidável criminoso! Cada mau pensamento, e Deus sabe se sua alma assim se exprime, se trai fora e dentro dele, como em um choque elétrico superior. Quer se esconder da multidão, e a luz odiosa o penetra continuamente até hoje. Quer fugir, foge numa carreira esbaforida e desesperada através dos espaços incomensuráveis, e por toda a parte a luz! por toda a parte os olhares que mergulham nele! e ele se precipita de novo na perseguição da sombra, à procura da noite, e a sombra e a noite não estão mais para ele. Chama a morte em sua ajuda;
mas a morte não é senão um vazio de sentidos. O infortunado foge sempre! Caminha para a loucura espiritual, castigo terrível! dor horrível! onde se debaterá consigo mesmo para se desembaraçar de si mesmo. Porque tal é a lei suprema além da Terra: é o culpado que se torna, por si mesmo, seu mais inexorável castigo.
Quanto tempo isso durará? Até a hora em que a sua vontade, enfim vencida, se curvará sob o peso pungente do remorso, e em que a sua fronte soberba se humilhará diante de suas vítimas apaziguadas e diante dos Espíritos de justiça. E notai a alta lógica das leis imutáveis, nisso ainda ele cumprirá o que escrevia, nessa comunicação orgulhosa, tão limpa, tão lúcida e tão tristemente cheia de si mesmo, que ele deu na última sextafeira, livrando-se por um ato de sua própria vontade.
O ESPÍRITO PROTETOR DO MÉDIUM.