Tradição muçulmana
Revista Espírita, junho de 1860
Extraímos a passagem seguinte da notável e sábia obra que o Sr. Géraldy Saintine publicou sob o título: Três anos na Judéia.
“Quando o sultão de Babel Bakhtunnassar (Nabucodonosor) foi enviado por Deus para punir os filhos de Israel, que tinham abandonado a doutrina da unidade, despojou o templo de todos os objetos preciosos que ali estavam
reunidos; e, reservando para si mesmo o trono de Salomão, com seus suportes, os dois leões de ouro puro animados por uma arte mágica, que lhe defendia a entrada, distribuiu o resto da presa aos diferentes reis de sua corte. O rei de Roum recebeu a roupa de Adam e a vara de Moisés; o rei de Antakie teve, de sua parte, o trono de Belkis, e o pavão maravilhoso cuja cauda, toda em pedrarias, formava nesse trono um rico espaldar; o rei de Andaluzia pegou a mesa de ouro do Profeta. Um cofre de pedra, que continha o Tourat (Bíblia), estava no meio de todas essas riquezas, e ninguém lhe dava atenção, se bem que fosse, de todos os tesouros, o mais precioso. Foi deixado, pois, abandonado ao capricho dos saqueadores, que percorriam a cidade e o templo, fazendo mão baixa sobre tudo o que encontravam, e o depósito da palavra divina desapareceu nessa imensa desordem.
“Quarenta anos mais tarde, a cólera de Deus estando apaziguada, resolveu restabelecer os filhos de Israel em sua herança e suscitou o profeta Euzer (Esdras), -sobre quem estava a salvação! – Predestinado pela vontade divina a uma missão gloriosa, passou toda a sua juventude na prece e na meditação, negligenciando as ciências humanas para se absorver na contemplação do Ser infinito, e vivendo separado do mundo no fundo de uma das grutas que cercam a cidade santa. Essa gruta, ainda hoje chama-se el Azérie (1-Nome árabe da gruta conhecida sob o nome de Túmulo de Lázaro). Obediente à ordem de Deus, saiu de seu retiro e veio para o meio dos filhos de Israel, indicar-lhes como deveriam reconstruir o templo e colocar em honra os antigos ritos.
“Mas o povo não acreditou na missão do profeta; declarou que não se submeteria à lei; que cessaria mesmo os trabalhos de construção do templo e iria habitar outros países, se não se lhe representasse o livro onde nosso senhor Moisés – sobre quem estava a salvação! – consignara todas as prescrições religiosas, a eles ditadas no Monte Sinai. Esse livro desaparecera, e todas as pesquisas para reencontrá-lo foram infrutíferas.
“Euzer, portanto, nesse grande embaraço, fez a Deus ferventes preces, para tirá-lo da dificuldade e impedir o povo de persistir no caminho da perdição. Estava sentado sob uma árvore, contemplando com tristeza as ruínas do templo, ao redor do qual se agitava a multidão indócil. De repente, uma voz do alto ordenou-lhe escrever, e, se bem que nunca pegara um galam (pena ou caniço), obedeceu imediatamente. Depois da prece do meio-dia até o dia seguinte, à mesma hora, sem alimentar-se, sem levantar-se do lugar bendito onde estava sentado, continuou a escrever tudo o que lhe ditava a voz celeste, não hesitando um só instante, não se detendo mesmo pelas trevas da noite, porque uma luz sobrenatural clareava seu espírito e um anjo guiava a sua mão.
“Todos os filhos de Israel estavam assombrados e contemplavam em silêncio essa manifestação de onipotência divina. Mas quando o profeta terminou sua cópia miraculosa, os imãs, invejosos do favor particular do qual vinha de ser objeto, pretenderam que o novo livro fosse uma invenção diabólica que não se assemelhava, de modo algum, ao antigo.
“Euzer dirigiu-se de novo à bondade infinita, e, cedendo a uma inspiração súbita, dirigiu-se, seguido por todo o povo, para a fonte de Siloam. Chegado diante da fonte, elevou as mãos ao céu, fez uma longa e ardente prece, e toda a multidão se prosternou com ele. De repente, apareceu na superfície da água uma pedra quadrada que flutuava como sustentada por mão invisível; nessa pedra os imãs reconheceram, trementes, o cofre sagrado há muito tempo perdido; Euzer tomou-o com respeito; o cofre se abriu por si mesmo; o Tourat de Moisés, dele sai como se estivesse animado de uma vida própria, e a nova cópia, escapando do seio do profeta, vai ela mesma colocar-se na caixa sagrada.
“A dúvida não era mais permitida; todavia, o santo homem exige que os imãs confrontem os dois exemplares. Estes, apesar de sua confusão, obedecem à sua vontade. Testemunham em alta voz, depois de um longo exame, que nem uma palavra, nem um kareket (acento), não estabelecia a menos diferença entre o livro escrito por Euzer e o que Moisés traçou. Desde que renderam essa homenagem à verdade, Deus, para punir os seus primeiros erros, extinguiu seus olhos e os mergulhou nas trevas eternas.
Foi assim que os filhos de Israel foram reconduzidos à fé de seus pais. O lugar onde estava sentado o chefe que Deus lhes dera foi chamado depois Kermechcheick (o recinto ou a vinha do Cheik).”
Quem não reconhece, nesse relato, vários fenômenos espíritas que os médiuns reproduzem sob os nossos olhos e que nada têm de sobrenatural?